Autoestima da Criança na Fase de Aprendizado da Leitura e Escrita
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que a leitura e a escrita são duas habilidades imprescindíveis para a aquisição de outras habilidades escolares e que as relações educativas realizadas de modo deficiente podem gerar problemas de ordem intelectual e comportamental, tais como a dificuldade de aprendizado (GALVÃO, 1999).
Neste sentido, considera-se o desestímulo como um dos fatores que mais proporciona a baixa produtividade em sala de aula, ocasionando, na maioria das vezes, um grande número de reprovações. Tal situação ocorre quando o aluno não tem gosto pela leitura, não explora o seu próprio potencial de aprendizagem porque não consegue contemplar os saberes que se acumulam historicamente.
A escolha desse tema surgiu por se estimar que textos produtivos são os resultados do hábito da leitura, que deve ser ativado no aluno tanto pela família quanto pela escola através de seus respectivos professores. Essas questões têm sido abordadas por teóricos dedicados a novas teorias, entretanto, o que se percebe é a valorização de ações dos adultos sobre os jovens “obstaculizando ou anulando a capacidade de pensar criticamente dos educandos” (FREIRE, 1994).
Neste caminho, observa-se um fator muito importante na educação e na fase da aquisição da leitura e da escrita: a autoestima, um elemento que deve caminhar junto com a afetividade, podendo resultar na construção da leitura e da escrita no desenvolvimento da criança. A partir de experiências em consultório e de trabalho escolar, pode-se observar que a criança com baixa autoestima apresenta maior dificuldade no aprendizado.
A intenção deste artigo é mostrar que o desenvolvimento da autoestima é um exercício que é anterior à própria cognição, que necessita de um ambiente socializante para progredir e que se aprimora seguindo pedagogias que levam em consideração a noção de movimento de desenvolvimento do ser humano e a possibilidade deste se autoconstruir.
2. A APRENDIZAGEM E A AFETIVIDADE
A capacidade de aprendizagem do aluno depende, dentre outros aspectos, do seu nível de desenvolvimento cognitivo. Portanto, a sua possibilidade de realizar uma determinada aprendizagem está obviamente limitada pelo seu nível de competência cognitiva. Entretanto, na aprendizagem escolar, o problema reside em saber como o professor pode exercer uma influência sobre o processo de construção do conhecimento do aluno, atuando como mediador entre ele e o conteúdo da aprendizagem.
Na construção do saber, é preciso fazer uma distinção entre informação e educação, pois informar é um meio de controlar e de gerenciar pessoas, enquanto que um processo educativo é um processo de mobilização e de dinamização da informação (SODRÉ, 1999).
Assim, torna-se necessário que o professor tradicional dê espaço ao professor mediador, que leva o indivíduo a refletir, a imaginar e a criar. Wallon (2006) defende que o desenvolvimento intelectual envolve muito mais do que um simples cérebro. As ideias centrais estão baseadas em quatro elementos básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa.
Para Wallon (2006), as emoções têm um papel preponderante no desenvolvimento da pessoa. É por meio delas que o aluno exterioriza seus desejos e suas vontades. Em geral, são manifestações que expressam um universo importante e perceptível, mas que é pouco estimulado pelos modelos tradicionais de ensino.
O desenvolvimento da inteligência depende essencialmente de como cada uma faz as diferenciações em relação à realidade exterior. Primeiro porque, ao mesmo tempo, suas ideias são lineares e se misturam – ocasionando um conflito permanente entre dois mundos: o interior, povoado de sonhos e fantasias, e o real, cheio de símbolos, códigos e valores sociais e culturais. E é na solução dos confrontos que a inteligência evolui e a mistura de ideias num mesmo plano, bastante comum nessa fase, é fator determinante para o desenvolvimento intelectual.
Nesse processo, cabe à escola humanizar a inteligência, considerando o indivíduo como um todo. Os elementos como a afetividade, as emoções, o movimento e o espaço físico se encontram num mesmo plano e, assim como as atividades pedagógicas e os objetos, devem ser trabalhados de formas variadas. Os temas e as disciplinas não devem se restringir a trabalhar o conteúdo, mas também a ajudar a descobrir o eu no outro e essa relação dialética ajuda a desenvolver a criança em sintonia com o meio.
Então, o significado de aprender deve ser o de se alcançar uma assimilação ativa. A criança deve aprender a ler durante a educação infantil, levar seus conhecimentos para o ensino fundamental e aprofundá-los no ensino médio, de modo que, no instante final da educação básica, esse jovem tenha desempenho eficiente ou satisfatório na hora de ler um livro ou de escrever um texto para concurso ou vestibular.
Quem lê mais amplia seu conhecimento prévio na hora de redigir, mas ambas, escrita e leitura, são processos que têm suas especificidades. A palavra escrita não é o espelho da fala e a fala não é, necessariamente, o que se escreve. Não há uma correspondência biunívoca entre a fala e a escrita. Entretanto, deve-se acreditar na leitura como apoio às descobertas e às vivências de cada um.
O processo da leitura e da escrita deve ser trabalhado com afetividade, utilizando a concepção interacionista da linguagem, pois o que sustenta o ato de ler e escrever é a palavra que é usada como mediadora na interelação leitor e autor. Nesse contexto, entra o professor, viabilizando o processo de produção de textos junto aos seus alunos. A tarefa deve ser em conjunto, entre o professor e a turma. Cabe ao professor participar da construção do saber do aluno, “propiciando um ambiente amigo, libertador, onde os conflitos, os interesses, as inclinações e os impulsos emergem e fazem parte da aula. É nessa relação que o afetivo e o intelectual se unem (DINIZ, 2003)”.
O professor deve ser o motivador do trabalho, desafiando, incomodando, alertando e sugerindo. E, assim, contribuindo para o desenvolvimento da autoestima do aluno, pois essa relação (aluno/professor) afeta de maneira muito significativa o curso da descoberta e do autoconhecimento da criança. Por outro lado, a família deve exercer seu papel, estimulando-a adequadamente e proporcionando uma perspectiva de felicidade na qual a criança se veja e se relacione com os novos estímulos da melhor maneira possível.
3. ELEMENTOS QUE CONTRIBUEM PARA A AUTOESTIMA
A autoestima é uma sensibilidade desenvolvida na família e na escola, que tem a necessidade de um ambiente socializante para ser desenvolvida. Paralelamente, tem no autoconhecimento a fonte para seu aprimoramento.
Segundo Antunes (2003), a autoestima é, muito além de querer bem a si mesmo, ter uma visão concreta e realista das limitações e das potencialidades que cercam um indivíduo. Quanto mais se conhece, maior é a possibilidade de adquirir a autoestima. Neste sentido, atuam a família e o professor.
3.1. A família
A família é a primeira instituição em que a criança se desenvolve. Nela encontram-se duas figuras importantes para que o desenvolvimento da criança tenha uma evolução positiva: o pai e a mãe. Se essas figuras não estiverem abertas para o novo, o desconhecido, poderão não ter sucesso nas suas funções.
É na família que a criança desenvolve sua autoestima, pois é papel dos pais a criação de um ambiente propício para fornecer o material necessário, de acordo com suas possibilidades, respeitando o ritmo da criança e, se possível, criando nesse momento da criança um espaço para diálogo, interação, trocas de experiências, atenção e cuidado direcionado para com seus filhos.
A autoestima vai sendo formada desde o nascimento da criança. Os seus primeiros anos de vida são fundamentais para que ela possa adquirir confiança em si mesma, aprender a se autovalorizar e a se superar em cada desafio. Neste processo, a atitude dos pais tem um papel fundamental no desenvolvimento da autoestima dos filhos porque estes representam o espelho em que a criança vai formar sua própria imagem. Os pais também são os responsáveis por promover a interação social da criança nos seus diferentes contextos sociais. E é nessa interação, considerada afetiva, que ela desenvolve seus sentimentos de forma positiva, construindo, assim, a sua autoimagem, que começa desde muito cedo na relação que a criança estabelece com os outros (RAMIREZ, 2008).
A opinião que a criança tem de si mesma está intimamente relacionada com sua capacidade de aprendizagem e com seu rendimento. O que uma criança pensa a seu próprio respeito vai depender do que as outras acham dela, assim como todas as experiências vivenciadas vão contribuir para aumentar ou diminuir sua autoestima. As experiências que resultam em satisfação, conforto, alegria e motivação para aprender mais, vão compor uma autoestima positiva. Já as que resultam em castigo, rótulos, zombarias e pressões vão contribuir para compor uma autoestima negativa.
Em outras palavras, se a criança se considera capaz é porque poderá obter sucesso em suas atividades, contribuindo para seu próprio desenvolvimento. Ou, ao contrário, acabará por adotar uma postura que a conduza ao fracasso ao longo de sua vida.
A atitude e os comentários dos pais e dos professores acerca dos sucessos e dos insucessos da criança são decisivos para sua autoestima, para seu autoconceito. Para isso, é muito importante evitar julgar o comportamento e sim acreditar no seu potencial de mudança.
Também não se deve comparar a criança com as outras, mas sim com ela mesma, aproveitando sua capacidade de produção. Orientar a criança na descoberta de outras maneiras de se obter melhores resultados é uma tarefa diária e envolve afetividade. Segundo Hellinger (1998), para a cura, é importante restaurar a ordem natural do amor na família.
3.2. O professor
A expectativa do professor sobre a potencialidade do aluno é altamente significativa. Muitas vezes, ele não acredita no desempenho do aluno e na predisposição deste para a aprendizagem. É muito comum que o professor desenvolva um conceito prévio a respeito do aluno.
Permanentemente, caberia ao educador o papel de acolher, nutrir e sustentar o educando, permitindo que ele se desenvolvesse. O que corresponde a um ato “amoroso”, um ato de acolhimento de suas dificuldades, incertezas, dúvidas e limites. O ato “amoroso” é estar ciente de que o papel do educador é dar suporte para que o aluno se desenvolva mais, se torne mais senhor de si, mais autônomo, mais independente (LUCKESI, 2000).
Uma escola mais democrática, através da figura do educador, não deve gerar o sentimento de culpa no aluno, mas sim o sentimento de limitação, que faz com que ele descubra os caminhos para o aprendizado. Quando o professor vê que um aluno é capaz de apresentar suas ideias de maneira linguística, emocional, espacial e lógico-matemática, é porque ele colaborou para o desenvolvimento da autoestima deste aluno.
Essa pedagogia exige uma necessidade de vínculo e de comprometimento na relação professor/aluno. É mais trabalhosa e vai exigir um conhecimento específico do profissional, facilitando o desenvolvimento do seu trabalho. O que deve ser mudado não são necessariamente os instrumentos, mas sim a postura de uso. Como, por exemplo, observando como o aluno está manifestando a aprendizagem que teve; qualificando sua realidade; decidindo a respeito dessa realidade e vendo como essa realidade pode vir a ser melhor.
4. CASO CLÍNICO
Um aluno de 12 anos, filho de pais separados, vivenciou aos 6 anos sua primeira experiência negativa na escola. A professora o vestiu de palhaço e o mandou “desfilar” entre os colegas. Essa situação, aliada à falta de estrutura familiar, provocou a sua dificuldade de aprendizagem escolar. A queixa da família era que ele se esquecia do conteúdo e das atividades desenvolvidas no ambiente escolar e não havia comprometimento de sua parte para com seu aprendizado. Até o 5º ano, a sua capacidade de aprendizagem não foi explorada devidamente, nem pela família nem pela escola. A própria família o guiou pela trajetória, mas acabou por limitar seu desenvolvimento cognitivo. Há dois anos vem tendo acompanhamento psicológico em consultório.
As táticas que vêm sendo utilizadas com ele envolvem desenvolver positivamente a autoestima e trabalhar a família e a escola, desconstruindo (todos) os conceitos já formados, para que ele possa ter um olhar mais positivo dessas figuras. Por exemplo, ao desconstruir, não deve existir, por parte do especialista e de todos os envolvidos com a criança, um olhar quantitativo de sua produtividade escolar (nota). No consultório, o que se espera da criança é um rendimento qualitativo: participação, melhora da autoestima, autoconhecimento e afetividade.
Atualmente é visível a sua evolução tanto no comportamento quanto em relação às notas. Já se relaciona com mais facilidade com os grupos, mantendo amigos. A família encontra-se mais harmoniosa e a escola mais preparada para esse olhar. Assim como sua autoestima progrediu de modo esperado e, consequentemente, mais afetuoso, diminuindo, desta forma, seus conflitos internos, seus conflitos com a família e com a escola.
5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Sabe-se que a escola é uma instituição projetada para transmitir o conhecimento e desenvolver as habilidades que as crianças necessitam para se converter em membros produtivos na sociedade. A partir deste trabalho, conclui-se que, se o processo de educação for favorável, pode-se desenvolver a saúde mental das crianças, pois estas passam muitas horas na escola: 4 horas por dia, 5 vezes por semana, somando um total de 36 semanas ao ano.
O papel do aprendizado escolar na sociedade contemporânea é um exemplo da interdependência complexa das mudanças biológicas e socioculturais que intervêm no desenvolvimento da criança. Quando existem dificuldades no aprendizado, as causas devem ser buscadas tanto na escola quanto na família, não se limitando ao exame mental da criança.
A importância da criança dentro da família é recente e vem sofrendo grandes mudanças que influenciam negativamente no seu desenvolvimento, fazendo surgir novas dificuldades que os pais não estão conseguindo dar conta sozinhos. Na tentativa de acertar, às vezes, os pais assumem uma postura movida por intenções destrutivas, inconscientemente, não dando importância às pequenas experiências de vida de seus filhos, mantendo a impressão de que estes existem em um mundo incompreensível ou que a sua capacidade é insuficiente. Com isso, cresce o número de especialistas da área infanto juvenil com a proposta de desenvolver teorias e técnicas para ajudar nessa tarefa.
Em relação ao professor, este precisa “se incomodar” com o que realiza na escola e com o aluno, o que envolve os atos, a conduta, os hábitos e a própria relação. Essa preocupação vai propiciar uma mudança interna no aluno. A atitude amorosa vai dar mais trabalho, mas será profundamente mais construtiva.
Na medida em que o educando for acolhido e “confrontado”, ele vai internalizar a qualidade nova como um desejo dele e não porque o professor está dizendo. O acompanhamento do processo da construção do conhecimento da aprendizagem implica em instrumentos de acompanhamento. Cabe ao professor utilizar uma visão pedagógica, portanto, seu planejamento deve representar um ato de precisão diante das condições existentes para o futuro.
Com base no caso clínico, observou-se, também, que a autoestima exige assertividade. Ela é o elo entre o gostar e o assimilar, o sofrer e o aprender, o partir e o chegar, o perder e o ganhar, dando sentido à vida, sendo muito mais importante no processo de ensino e aprendizagem do que se imagina. A autoestima é a ferramenta que movimenta os estímulos para gerar bons resultados dessas relações, fornecendo à criança o equilíbrio para sentir-se segura em qualquer situação de sua vida, pois a emoção está para a razão assim como o prazer está para o aprendizado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, C. Auto-estima na educação. Entrevista. Editora Ciranda Cultural / Atta Mídia e Educação. Série Encontros, VHS, 2003.
DINIZ, M. V. A afetividade no processo da leitura e da escrita. Trabalho de conclusão de curso. Escola Municipal Rio Grande do Sul – RJ, 2003.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança – Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994.
GALVÃO, I. Henri Wallon – Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis, Vozes, 1995.
HELLINGER, B. A simetria oculta do Amor. 5ª Ed. Cultrix, São Paulo, 1998.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem – Análise crítica e proposições. Entrevista. Editora Ciranda Cultural / Atta Mídia e Educação. Série Encontros, VHS, 2000.
RAMIREZ, V. S. D. Desenvolvendo sentimentos de auto-estima e autoconfiança nas crianças. Megafone. Rede Cidadania na Comunicação, 2008. Disponível em: < .
SODRÉ, M. Cultura, diversidade cultural e educação. In: TRINDADE, A. L. da e SANTOS, R. dos. Multiculturalismo – Mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro, DP&A, 1998.
WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo, Martins Fontes, 2006.
A alfabetização e a afetividade são fundamentais no processo de aprendizagem.
Despertar o prazer pela leitura é essencial para a autoestima da criança.
Atividades de alfabetização podem ajudar a melhorar a autoestima.
Brinquedos educativos podem ser uma ótima forma de estimular a aprendizagem.
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