Resenha do filme Terra Estrangeira na Central do Brasil
Descubra como o filme “Central do Brasil Terra Estrangeira” aborda as questões de identidade nacional e como suas personagens enfrentam o dilema de serem estrangeiros no seu próprio país. Leia a resenha e saiba mais sobre essa obra-prima brasileira!
Filme Central do Brasil.
Conta a história dos retirantes nordestinos que, para fugirem da seca e da fome, migram constantemente para a região da grande São Paulo em busca de melhores condições de vida. Porém, em sua grande maioria, acabam morando em favelas na periferia da cidade e ocupam os piores postos de trabalho. Portanto, sentem-se deslocados, em terra estranha, com hábitos e culturas completamente diversas daquela em que estão habituados.
Os valores sociais a que estavam habituados, a confiança no seu semelhante, o processo de produção comunitário e a vida que segue tranquila, ao ritmo da natureza, são bruscamente modificados e é necessário habituar-se, conviver com a marginalidade, com a desagregação de valores como família, sociedade, entre outros.
Como diz a música de Luis Gonzaga, todo sertanejo sonha com o dia em que o sertão vai virar mar e ele voltará para suas origens, aquela terra que, mesmo abandonada, permanece em seu imaginário, em seu sonho.
No filme, o elo de ligação entre a vida da cidade e a do trabalhador sem capacitação para o trabalho (analfabeto) utiliza-se dos serviços de uma senhora (papel de Fernanda Montenegro), a qual cobra uns trocados e, em troca, escreve as cartas dos retirantes nordestinos aos familiares que ficaram longe no sertão do agreste. Muitas vezes, estas cartas não são entregues.
Porém, com aquele garoto, a personagem acaba se envolvendo, assumindo a história dele como se fosse sua; convive com ele, assume papel simbólico de mãe e, juntos, como mãe e filho, após uma série de aventuras e peripécias, envolvimento emocional e sentimento de maternidade aflorando a cada passo, acabam retornando para a cidade de origem daquele garoto, onde ele reencontra seus familiares.
Filme: Terra Estrangeira.
Narra o período dos anos 90, quando, no auge da hiperinflação, a Ministra Zélia Cardoso de Mello decreta o confisco do dinheiro em todo o país.
Este fato atinge diretamente a vida e a história de um jovem e sua mãe, de origem espanhola, que, no decorrer de seus dias, armazenou cada centavo em uma caderneta de poupança para, um dia, poder retornar à sua terra natal e mostrar a seu filho a terra onde nascera.
Vendo todos os seus sonhos destruídos, a velha senhora desiste de viver, pois já não há mais motivo para tal. O filho, que sonha em ser ator de teatro, desiste da carreira e, arruinado, aceita servir de mula para transportar mercadoria ilícita para Portugal, para posteriormente viajar à Espanha e ver a terra onde sua mãe nascera, sentir o sabor do trigo amadurecendo, como ela dizia.
Chegando em Portugal, após enganos e desenganos, acaba envolvido com um grupo de traficantes e com a personagem de Fernanda Torres, no papel de uma garçonete brasileira. Após alguns contatos desastrosos de ambas as partes, envolvem-se emocionalmente e decidem por um fim a seus problemas e, com a ajuda de um português, fogem para a fronteira da Espanha, em busca da Terra Prometida.
Após fugas, tiros e mortes, ambos fogem através das fronteiras de Portugal e Espanha.
ANÁLISE
Em ambos os filmes, seus diretores trabalharam com maestria questões como trilha sonora, movimento e atuação dos diversos atores, bem como o pano de fundo da realidade. Em ambos, a vida passa de forma demorada, tensa, nervosa.
Seus personagens sentem o desespero de estar fora de seu habitat, fora de seu mundo, sentindo-se um ninguém deslocado no tempo e no espaço, em um tempo e um mundo que não lhes pertence.
Em ambos os filmes, tanto em Central do Brasil quanto em Terra Estrangeira, o personagem principal encontra um elo de ligação entre sua realidade e o mundo desconhecido, em outro personagem que, tal como ele, destoa, não se encontra em seu mundo.
No filme Central do Brasil, a personagem é interpretada por Fernanda Montenegro e no filme Terra Estrangeira, por sua filha Fernanda Torres.
Como afirma Levi Strauss em seu texto Raça e História, o contato entre culturas diferentes não cria associações; faz com que as diferenças se tornem mais acirradas. O elemento deslocado de seu grupo de convívio agarra-se aos seus valores culturais como única forma de sobrevivência.
Este quadro dramático de sobrevivência como ser humano é muito bem trabalhado. Em ambos os filmes, percebemos cenas de movimento rápido (mudanças radicais), permeadas de cenas prolongadas em ritmo bastante lento. Emoções à mostra; dor e sofrimento. Mas, acima de tudo, mostra a vontade maior que é a da sobrevivência e a busca da felicidade, a qual, nos dois filmes, representa a volta para o mundo que um dia lhes pertenceu, tanto no imaginário coletivo quanto de fato.
Alguns dados não me ficaram muito claros em ambos os filmes. Em Terra Estrangeira, produzido em 1995, o fato de ser em preto e branco é proposital? A falta de cor simboliza a aspereza, solidão e o desespero em ambos os casos?
Pode ter sido a fita que eu aluguei, porém, percebo em vários filmes brasileiros o mesmo problema: acústica péssima. Em certos momentos, de ambos os filmes, é praticamente impossível entender a fala dos personagens em meio à profusão de outros sons, não devidamente mixados para realçar as falas.
Destaque especial para o final dos filmes. Em ambos os casos, o final fica em aberto, não há solução de continuidade. O que ocorreu aos personagens? Conseguiram seus objetivos? Creio que isto é proposital, pois, tal como a vida, o filme não busca encontrar soluções, alternativas para os estrangeiros, e sim, retratar a realidade, o mundo de emoções, conflitos internos e externos, a busca do próprio eu, dentro de um mundo onde se sente deslocado, desalojado de seu meio. Mostra claramente o choque de valores, de culturas e, dentro delas, o indivíduo que, para não sucumbir, agarra-se ao passado ou ao sonho que às vezes nem é dele (em Terra Estrangeira, o sonho é da mãe).
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Autor: Ademar Hoffmann