Transtorno Borderline
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Borderline é um transtorno de personalidade que traz sérias consequências para a pessoa, seus familiares e seus amigos próximos. O termo “fronteiriço” se refere ao limite entre um estado normal e um quase psicótico, assim como às instabilidades de humor.
Não é muito frequente. Nos EUA, considera-se 2% da população (mas cuidado, geralmente as estatísticas lá são exageradas). É muito mais frequente em mulheres do que em homens (por isso a página é escrita no feminino).
Sintomas
Vale lembrar que nem todas as Borderline têm todos estes sintomas.
Medo de abandono: uma necessidade constante, agoniante de nunca se sentirem sozinhas, rejeitadas e sem apoio.
Dificuldade de administrar emoções. Impulsividade. Instabilidade de humor. As oscilações de humor do DAB ou TAB – Distúrbio ou Transtorno Afetivo Bipolar duram semanas ou meses, mas as Borderline têm oscilações de minutos, horas, dias. Essas oscilações de humor incluem depressões, ataques de ansiedade, irritabilidade, ciúme patológico, hetero e autoagressividade. Uma paciente marca a consulta informando que está super deprimida, querendo morrer. No dia seguinte, chega à consulta bem-humorada, bem vestida, maquiada, vaidosa.
Comportamento autodestrutivo (se machucar, se cortar, se queimar). As portadoras de Borderline dizem que se machucam para satisfazer uma necessidade irresistível de sentir dor. Ou porque a dor no corpo “é melhor que a dor na alma”.
Tentativas de suicídio, mais frequentemente as de impulso do que as planejadas.
Problemas de autoestima. Borderlines se sentem desvalorizadas, incompreendidas, vazias. Não têm uma visão muito objetiva de si mesmas.
Mudanças de planos profissionais, de círculos de amizade.
Muito impulsivas: idealizam pessoas recém-conhecidas, se apaixonam e desapaixonam de maneira fulminante.
Desenvolvem admiração e desencanto por alguém muito rapidamente. Criam situações idealizadas sem que o parceiro objeto do afeto muitas vezes nem tenha ideia de que o relacionamento era tão profundo assim…
Alta sensibilidade a qualquer sensação de rejeição. Pequenas rejeições provocam grandes tempestades emocionais. Uma pequena viagem de negócios do namorado ou marido pode desencadear uma tempestade emocional completamente desproporcional (acusações de rejeição, de abandono, de não se preocupar com as necessidades dela, de egoísmo, traição, etc.).
A mistura de idealização por alguém e a extrema sensibilidade às pequenas rejeições que fazem parte de qualquer relacionamento são a receita ideal para relacionamentos conturbados e instáveis, para rompimentos e estabelecimento imediato de novos relacionamentos com as mesmas idealizações.
Menos frequente: episódios psicóticos (se sentirem observadas, perseguidas, assediadas, comentadas).
Risco aumentado para:
- Compras compulsivas.
- Sexo de risco.
- Comer compulsivo, bulimia, anorexia.
- Depressão.
- Distúrbios de ansiedade.
- Abuso de substâncias.
- Transtorno afetivo bipolar.
- Outros transtornos de personalidade.
- Violência (não só sexual), abusos e abandono, por causa da impulsividade e da falta de crítica para escolher novos parceiros.
A causa provável é uma combinação de:
Vivências traumáticas (reais ou imaginadas) na infância, por exemplo, abuso psicológico, sexual, negligência, terror psicológico ou físico, separação dos pais, orfandade.
Vulnerabilidade individual.
Stress ambiental que desencadeia o aparecimento do comportamento Borderline. Cuidado com conclusões precipitadas do tipo “você foi abusada” ou “você foi aterrorizada”.
Evolução
Geralmente começa a se manifestar no final da adolescência e início da vida adulta. Com o passar dos anos, existe uma diminuição do número de internações hospitalares e de tentativas de suicídio. Parece piada de mau gosto, mas é uma realidade estatística: a cada tentativa de suicídio que a Borderline sobrevive, diminui a chance de uma nova tentativa.
Fatores de bom prognóstico
Bons relacionamentos familiares, sociais, afetivos, profissionais. Participação em atividades comunitárias: igrejas, clubes, associações culturais, artísticas, etc. Baixa ou ausente frequência de autoagressão. Baixa ou ausente frequência de tentativas de suicídio. Ser casada. Ter filhos. Não ser promíscua.
Tratamento
A integração de tratamentos medicamentosos mais psicoterápicos trouxe grandes progressos no tratamento do Transtorno Borderline.
Medicação
O tratamento medicamentoso inclui estabilizadores de humor (mesmo que não se trate de DAB), pois eles ajudam a conter a impulsividade e as oscilações de humor.
Antidepressivos e tranquilizantes não têm a mesma eficácia que teriam em casos de depressões ou ansiedades “puras”, mas certamente têm sua utilidade em Borderline.
Embora a medicação seja muito importante, ela é ator coadjuvante. O ator principal no tratamento é a psicoterapia.
O perfil geral do transtorno também inclui uma inconstância invasiva do humor, das relações interpessoais, da conduta (comportamento) e da identidade, que pode levar a períodos de dissociação. São pessoas muito instáveis em todos os aspectos de sua vida; seus relacionamentos íntimos são muito caóticos, com tendência a terminar abruptamente de forma explosiva, pois eles são marcados por períodos de grande idealização e grande desvalorização, esforços exagerados para evitar a perda, chantagens emocionais e possessividade. A instabilidade emocional também contribui para relacionamentos instáveis.
O humor do borderline pode ser muito lábil, alternando diariamente entre períodos de depressão profunda, euforia, irritabilidade (não necessariamente nessa ordem) e ansiedade. A inconstância também é intensa na própria percepção de si mesmo, nas atitudes, opiniões e até na sexualidade.
O paciente borderline apresenta em todos os aspectos de sua vida a “difusão de identidade” que pode ser descrita como a recusa em considerar outros tempos e outras diferentes situações, dando prioridade à situação presente e atitudes imediatas. Seria como se tivessem uma “amnésia” das situações e atitudes anteriores. Assim, forma-se a instabilidade entre os extremos “bons e maus” (8 ou 80, branco ou preto, mas nunca o meio-termo). Os indivíduos limítrofes tendem a caracterizar uma pessoa, objeto ou circunstância apenas pelo presente, como se não existisse o passado ou o futuro, nem outros tempos ou situações diferentes. Por exemplo, o borderline ao perceber que a pessoa amada está com ela, tende a classificá-la como “ótima”, ideal e sente-se fortemente apaixonado e feliz. No entanto, se a outra pessoa anuncia que tem de ir embora, por exemplo, o paciente rapidamente passa da grande idealização (“ótima”) para a grande desvalorização (“péssima”), desprezando a história em que passaram. Se o cuidador retorna, novamente a pessoa é passada do extremo “péssima” para “ótima”. Isto evidencia a grande instabilidade entre os extremos que os borderlines sofrem. É assim, também, que outras pessoas, objetos e circunstâncias são analisados por limítrofes, sempre oscilando entre o “bom” e o “mau”, conforme o presente imediato, deixando de lado o passado, situações remotas e diferentes. Exemplificando, de modo geral, a borderline é aquela jovem que valoriza demais o namorado. Contudo, por menor que seja a contrariedade, já acha que ele não presta mais. Também acontece quando a limítrofe liga para a amiga. Só porque esta não pôde atendê-la naquela hora, a borderline já acredita que não é amada e depois agride a amiga por não dar a devida importância a ela.
De forma geral, borderlines estão sempre no extremo e fazem análises extremas das situações externas. Eles passam facilmente do “eu te amo” para o “eu te odeio” e seu pensamento é sempre o branco ou preto, mas nunca o cinza. Suas opiniões em relação aos outros são assim baseadas também, alternando drasticamente entre pessoas “maravilhosas” e pessoas “terríveis”, por isso a frustração é frequente porque o portador do transtorno faz idealizações das pessoas e circunstâncias e está sempre procurando o “perfeito” e ideal.
Quando suas expectativas não são correspondidas, eles passam drasticamente do perfeito para o terrível. Tudo torna-se monstruoso, mau, péssimo. Portanto, as próprias idealizações desses indivíduos trazem ainda mais enorme instabilidade para eles. Mas caracteristicamente eles têm baixa tolerância às frustrações, porque são emocionalmente hipersensíveis a qualquer estímulo estressante, reagindo sempre de maneira exagerada, com grande dificuldade em controlar fortes emoções.
Por causa da tendência em completamente idealizar ou completamente desvalorizar pessoas, lugares e objetos, os portadores da personalidade limítrofe por vezes podem fazer um mau julgamento de outras pessoas, fazendo-se assim se envolver em relações extremamente prejudiciais, que levam a sucessivas crises emocionais.
Para se entender a causa da instabilidade do portador de personalidade limítrofe, há de se entender que existe no borderline um mecanismo denominado “cisão”. Dividem as pessoas como totalmente boas ou totalmente más. Totalmente monstruosas ou totalmente perfeitas. Não existem o meio-termo e a neutralidade, sendo para o borderline, não há “dois lados da mesma moeda”. Em outras palavras, normalmente toda pessoa, objeto ou ambiente possui um lado bom e lado ruim, ao mesmo tempo. Todos têm seu lado positivo e negativo, ninguém é totalmente perfeito ou totalmente ruim. No entanto, para o borderline esse equilíbrio entre o bom e o mau de um mesmo objeto não existe. Ou é totalmente ideal, ou totalmente terrível. Então, esses indivíduos, de maneira geral, trazem consigo sempre grande instabilidade em seus relacionamentos. Apesar da dificuldade em nutrirem confiança por outros, quando eles se apaixonam por alguém, podem referir-se a tal pessoa como “perfeita”: tudo a respeito dela é ótimo, bom, bonito e ela merece todo carinho e romantismo do mundo. No entanto, qualquer deslize (real ou imaginado) percebido pelo borderline, eles podem passar rapidamente para o “terrível”: tudo a respeito do outro é monstruoso, mau, péssimo, odiável, ridículo e merece ser tratado como um demônio e ser punido por isso. Então, podem demonstrar humor seco, grosseiro e raivoso, com comportamento impulsivo e agressivo (ex.: dizer que odeia; demonstrar agressividade, tratar cruelmente a pessoa etc.). Se percebem uma ameaça de rejeição ou abandono por parte da outra pessoa, passam a fazer esforços frenéticos para evitá-los. Tais esforços são tão extremos que às vezes cometem atos muito impulsivos, levados por emoções como a raiva. Por exemplo, podem mentir, fingir passar mal ou ficar doentes, acidentar-se propositalmente, automutilar-se, ameaçar suicídio, prender a pessoa, chantagear, agredir e até mesmo perseguir o outro (stalker), entre outros atos extremos. Exatamente por isso, às vezes, os borderlines podem terminar em caso policial, porque são eles que muitas vezes são donos de tais esforços frenéticos e comportamentos excessivamente exagerados que envolvem sentimentalmente outra pessoa. Esse mecanismo extremista explica por que borderlines conseguem tratar excessivamente bem alguém, para num piscar de olhos, tornar-se demasiadamente cruel.
Em um relacionamento íntimo, o borderline demonstra grande necessidade de ajuda por causa de sua depressão e por conta de maus-tratos passados, contudo, ao tempo que se mostram depressivos e dependentes de cuidados, de repente, podem maltratar cruelmente a outra pessoa sem o mínimo de remorso, porque acreditam estar sempre certos em suas atitudes. As outras pessoas são sempre as erradas, as culpadas.
Os relacionamentos do borderline, bem como comportamentos e sua personalidade em geral, não são duradouros. É notável nesses indivíduos a constante instabilidade nos seus relacionamentos. Eles podem demonstrar profundos sentimentos de apego e desapego fácil e ambivalente. Ao passo que se sentem sós, desejam muito a presença do outro, de repente, quando esta presença se concretiza, podem achar que estão muito próximos e invadindo sua privacidade. Diga-se de passagem que o borderline de fato constrói o lema “eu te odeio – não me deixe”. Parceiros afetivos que se relacionam com limítrofes vivem em constante confusão e se assustam com as relações caóticas típicas do borderline. Isso acontece porque limítrofes idealizam e se desapontam a todo tempo. Eles conseguem passar rapidamente do amor para o ódio em questão de segundos. Pessoas que mantêm relacionamento com um indivíduo emocionalmente instável, hora podem se sentir sufocados de tanto romantismo e exigência de atenção, bem como excessivas manipulações. De repente, podem duvidar do sentimento do borderline que demonstra grande ternura, para em seguida, demonstrar frieza, raiva e crueldade.
Suas opiniões e ideias são facilmente instáveis e contraditórias. Podem dizer com convicção “sim”, para em seguida, dizer “não”, gostando assim de algo, para facilmente odiá-lo ou vice-versa. Isso também acontece em relação à carreira profissional e sua orientação sexual. Estão constantemente mudando em relação ao que pensam e fazem, e o que irão exercer profissionalmente. Sua identidade sexual é frequentemente marcada por dúvidas e mudanças constantes ou até adeptos à bissexualidade. Por vezes, definem-se a si próprios como “inexistentes” pois não sabem quem são, do que gostam. Quando estão convictos de algo, de repente, vêem-se cercados por dúvidas contrárias novamente, por isso, a indecisão nessas pessoas é comum. De maneira geral, são pessoas que não conseguem ficar estáveis. Por isso, são intolerantes à monotonia e rotinas, facilmente contrariando regras, bem como desistindo ou desanimando facilmente de atividades rotineiras ou que exigem certa monotonia.
Borderlines não têm persistência o bastante para continuar um projeto, tarefa ou objetivo. Eles tendem a iniciar, porém, dificilmente terminam. Enjoam, desanimam ou desgostam facilmente. Por isso, a vida do limítrofe é uma instabilidade contínua, sejam em seus projetos, relacionamentos, preferências ou comportamentos. O borderline não é capaz de se ligar por muito tempo a coisa alguma que não seja, de fato, algo de seu total interesse. Por isso também, dificilmente mantêm um relacionamento por muito tempo, um objetivo constante, um gosto ou preferência interna estável. Na realidade, a inconstância é a palavra-chave da vida do borderline.
Limítrofes estão sempre à beira entre o amor e o ódio. Eles tendem a idealizar as pessoas por quais querem como seus cuidadores, contudo, não percebem que o perfeito não existe, por isso estão sempre insatisfeitos porque facilmente acham “defeitos” nas pessoas por quais gostariam de vê-las como perfeitas. A pessoa “ideal” parece sempre depender do que o borderline necessita. Caso a pessoa negue, ignore tal necessidade, ou frente a recusas, o borderline rapidamente passa do amor para o ódio. Por exemplo, é o caso da paciente que quer ouvir apenas as coisas que deseja, pelo terapeuta. Quando o terapeuta diz coisas nas quais ela não deseja, rapidamente o terapeuta é passado drasticamente para um “monstro” que merece ser tratado cruelmente. Isto mostra que borderlines mudam de um extremo ao outro, por pouquíssimas coisas.
O extremismo nesses indivíduos é muito marcante: quando alguém é amado por ele, a pessoa merece ser tratada de forma especial, carinhosa e muito querida. Quando alguém é odiado pelo borderline, a pessoa merece vingança, ódio e infinitas crueldades. Em suma, a pessoa amada é vista como um deus, e a pessoa odiada, como o demônio. A vida do limítrofe também é dividida entre boa e má. Péssima ou ótima. Mas nunca o neutro ou meio-termo. Nunca reconhecem a neutralidade das outras pessoas e circunstâncias.
O fato de borderlines serem extremistas faz com que tenham visões assim extremistas até mesmo de seus objetivos e futuro. Quando consegue iniciar um projeto (estudos para o vestibular, emprego, entre outros planos em longo prazo), ele é frequentemente presunçoso: sua meta é ser reconhecido ou nada valerá a pena. Como em geral, não vai ser reconhecido imediatamente, ele abandona a tarefa prematuramente, sem se quer terminá-lo. Tal atitude por recompensa apenas imediata, com desprezo à paciência de esperar, torna-o frequentemente paralisado e sem objetivos concretos. As tarefas do dia a dia também assim são raciocinadas. Quando a recompensa não é imediata, eles abandonam tal projeto ou têm dificuldade em começá-lo, dando uma errônea imagem de “preguiçosos” ou “fracassados”.
Em geral, as pessoas que se relacionam superficialmente ou que estão apenas no início de um relacionamento com um borderline, não fazem ideia das perturbações e relações caóticas com que vão ser recebidos em tais relacionamentos. No entanto, os indivíduos com o transtorno de personalidade limítrofe necessitam de muita ajuda e apoio, embora possam fazer de suas relações um verdadeiro “inferno”. Eles não têm esse comportamento de forma proposital, pois é notável que sejam pessoas muito perturbadas emocionalmente. A pessoa que está com o borderline tem de estar ciente de que está diante de um grave transtorno, uma patologia dilacerante tanto para o próprio enfermo quanto para os familiares e pessoas próximas.
Psicoterapia
Não é uma terapia fácil. O que acontece “na vida real” acontece dentro do consultório: instabilidade, alternância de amor e ódio, idealização e desapontamento com o terapeuta, sedução, impulsividade, etc.
Isso quer dizer o seguinte: o tratamento exige paciência, persistência, disciplina e muita boa vontade.
Pacientes gratos hoje podem se mostrar ingratos amanhã.
Terapeutas que hoje são vistos como atenciosos e dedicados podem ser criticados e vistos como monstros amanhã.
Para mais informações sobre o desenvolvimento psicossocial na infância, consulte este artigo.
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