Instrumentos de avaliação: uma abordagem reflexiva sobre a prática docente no processo de ensino/aprendizagem
Resumo
Este artigo tem por finalidade trazer reflexões sobre a prática docente com relação aos instrumentos de avaliação e a sua aplicação em alunos da rede municipal de ensino da cidade de Manaus. Dentro de uma abordagem qualitativa e histórico-dialética e servindo-se das técnicas de observação, aplicação de questionários e de entrevistas com os atores envolvidos, procurar-se-á avaliar se há necessidade de parâmetros reais e contextuais para que o processo de aprendizagem seja aperfeiçoado e o processo de ensino seja positivo e emancipatório. Procura-se também, no presente estudo, resgatar as concepções filosóficas de autores comprometidos com o tema e as suas colaborações para o embasamento teórico do trabalho, comparando-as com a prática docente dentro do cotidiano escolar. Pretende-se, por fim, contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem dentro da comunidade escolar.
Palavras-chave: Avaliação; Instrumentos; Ensino-aprendizagem.
1 – Introdução
A avaliação é, sem dúvida, o grande destaque nas discussões que envolvem o processo educativo, pois se traduz como um instrumento que pode determinar o sucesso ou o fracasso daqueles que aprendem e um comprometimento sério no processo educacional.
A avaliação possui papel primordial no processo ensino-aprendizagem. O objetivo dela é possibilitar aos aprendentes a superação das dificuldades de aprendizagem e a evolução de suas potencialidades, permitindo que eles desenvolvam um espírito crítico e autônomo dentro da sociedade em que vivem.
Por outro prisma, a avaliação deve ser analisada sob a perspectiva de um processo muito mais amplo – a realidade educativa com foco naquele que aprende – sob pena de se restringir aos históricos testes, provas, exames e promoção, criando um distanciamento ainda maior entre o propósito a que se destina.
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** Mestre em Educação pelo PPGE/FACED/UFAM. Professora da Faculdade Salesiana Dom Bosco e da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
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No sentido de superar uma visão fragmentada sobre a avaliação, este artigo se insere como uma tentativa de contribuir para a melhoria do processo avaliativo e minimizar as dificuldades encontradas no processo de ensino-aprendizagem na comunidade escolar com relação aos instrumentos de avaliação, pois interferem na vida cotidiana da escola e de todos os atores envolvidos (educadores, aprendentes, pais e comunidade).
Dessa forma, buscam-se respostas aos seguintes questionamentos: como se desenvolve a avaliação na escola? Que consequências para o processo de ensino-aprendizagem têm trazido com a aplicação dos instrumentos avaliativos utilizados atualmente? Que procedimentos adotar para que se tenham instrumentos avaliativos mais contextualizados com esse público, com fins na melhoria do processo?
2 – Perspectivas da LDB e a nossa realidade
Considerando que é na escola que se forma (educa) cidadãos autônomos e capazes de inferir reflexivamente na sociedade e, ainda, numa abrangência maior, formar cidadãos aptos para o trabalho, conforme prevê a LDB em seu artigo primeiro; como então, baseado nessas premissas, promover um ensino voltado para essa autonomia do indivíduo e ao mesmo tempo permitir tal capacitação sócio-habilitativa?[1]
Art 1º – A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 1º – Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2 deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. [2]
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[1] BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB: passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), comentada e interpretada, artigo por artigo. 2 ed. Atualizada. São Paulo: Editora Avercamp, 2005. O autor argumenta que “a educação Escolar possui dois objetivos principais: preparar o aluno para o trabalho (mundo do trabalho) e para o convívio social (prática social)”.
[2] Lei nº 9.394/96 – LDB.
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Tem-se, portanto, uma responsabilidade institucional e moral para fazer valer as aspirações desses indivíduos e, sobretudo, agir numa postura ética para conduzir tal processo de maneira mais fidedigna possível.
Brandão (2000, p. 26) registra ainda que:
Tal insistência nos permite afirmar que a concepção de Educação vigente na LDB considera esse binômio (mundo do trabalho-prática social, ou exercício da cidadania-qualificação para o trabalho, ou ainda vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais) como um dos pilares conceituais que norteiam seus princípios, objetivos e finalidades.
Transportando esses objetivos principais e institucionais da educação – capacitar para o mundo do trabalho e para as práticas sociais – para o público alvo, o curso noturno de uma escola do ensino fundamental da zona leste da cidade de Manaus, percebe-se que ocorrem dificuldades quanto ao cumprimento deles.
Como saber se os instrumentos de avaliação alcançam esses objetivos-fins? Será que a prática docente tem se comprometido com os pressupostos legais, culturais, morais, e até éticos para que se chegue ao fim do processo convictos de ter cumprido o dever com o sucesso esperado?
Nesse sentido, indaga-se qual práxis ou modalidade de escola, ou mesmo que tipo de avaliação se busca ou se precisa para o contexto atual, enquanto formadores de opinião, enquanto formadores de cidadãos críticos, enquanto responsáveis por vidas em processo de aculturação, enfim, de vidas em aprendizagem de competências e desenvolvimento intelectual. São muitas perguntas que precisam de reflexões profundas para serem respondidas e este artigo não pretende dar respostas a todas elas.
Fatores diversos interferem na questão da avaliação: professores mal remunerados, mal vocacionados, com formação insuficiente, trabalhando demais por questões salariais, alunos problemáticos, rebeldes, alunos-trabalhadores, empobrecidos, famílias desestruturadas psicologicamente, sociologicamente e financeiramente, conteúdos fora da realidade dos alunos, metodologias inadequadas, escolas sem condições físicas, falta de equipamentos e materiais, superlotação, etc. Sem falar nas construções historicamente constituídas pela sociedade sobre o processo avaliativo que todos herdaram ao longo da vida (pais, professores, gestores, supervisores, pedagogos e alunos) que contribuem para a permanência desse modelo de avaliação vigente até o presente.
Embora seja visível tudo isso, quer-se acreditar, sem utopias, que é possível adequar o processo avaliativo aos interesses da comunidade educativa. Fazer educação comprometida com o real, consolidar indivíduos autênticos e reconhecedores de suas potencialidades, indivíduos críticos e construtores da sociedade.
O que fazer diante deste paradigma para salvaguardar o que se tem de melhor e mais importante desse processo de ensinar e aprender – o gênero humano? É preciso quebrar o paradigma “arqueológico” que encontra tanta resistência para mudanças.
3 – Avaliar por que e pra quê?
Segundo a professora Mere Abramowicz, “a experiência de avaliação faz parte de nossa vida” e que “na atual sociedade somos sempre chamados a julgar; constantemente estamos analisando e apreciando tudo que nos cerca”. A autora, citando Caro (1982), ainda coloca que “a avaliação em sentido lato é parte da vida cotidiana. Mesmo sem recorrer a procedimentos formais, todos nós fazemos continuamente julgamentos avaliativos sobre a ampla gama das atividades humanas”. (ABRAMOWICZ, 1996, p.19).
Maria Laura Franco[3], citada por Barreto (2001), afirma que a avaliação educacional tem como unidade de análise o vínculo indivíduo-sociedade numa dimensão histórica. Ela acredita ser fundamental para a avaliação da aprendizagem em todos os níveis o entendimento da atividade humana, da ação prática dos homens, da historicidade, o que pressupõe a análise do motivo e da finalidade dessa ação.
Portanto, avaliar é um ato humano. Além de ser humano, Luckesi, citado por Loch[4], vê a avaliação como um “ato amoroso, acolhedor, integrativo e inclusivo”. (ESTEBAN, 2003, p.139).
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[3] Ver FRANCO, M.L.B. Pressupostos epistemológicos da avaliação educacional. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, ago. 1990, nº 74, p. 63-67.
[4] Ver LOCH, Jussara Margareth de Paula. Avaliação na Escola Cidadã. In: ESTEBAN, Maria Teresa (org.) Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
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Considerando os desdobramentos sócio-antropológicos, metodológicos e filosóficos, dentre outros que o cercam, e ainda, que no contexto escolar a avaliação recebe outro tratamento, passando por uma sistematização e sendo executada de forma planejada, o presente trabalho traz para reflexão inicial a seguinte questão: qual é o verdadeiro sentido da avaliação para os educadores nos dias atuais? E ainda, tentando dar mais significado à reflexão, avaliar pra quê? Quais os objetivos reais dessa avaliação?
Nas observações realizadas durante a pesquisa, verificou-se que a escola-alvo do estudo tem se enquadrado no que Vasconcellos (2000, p. 46) aponta como resposta ao questionamento, quando se coloca apenas como cumpridora dos calendários pré-estabelecidos pela Secretaria ou quando os docentes assumem que os alunos são os únicos culpados pelos baixos resultados nas avaliações:
Para a pergunta ‘avaliar para quê?’, podemos encontrar uma gama enorme de respostas. Avaliar para: atribuir nota, registrar, mandar a nota para a secretaria, cumprir a lei, ter documentação para se defender em caso de processo, verificar, constatar, medir, classificar, mostrar autoridade, conseguir silêncio em sala de aula, selecionar os melhores, discriminar, marginalizar, domesticar, rotular/estigmatizar, mostrar quem é incompetente, comprovar o mérito individualmente conquistado, dar satisfação aos pais, não ficar fora da prática dos outros professores, ver quem pode ser aprovado ou reprovado, eximir-se de culpa, achar os culpados, verificar o grau de retenção do que falamos (o professor ou o livro didático), incentivar a competição, preparar o aluno para a vida, detectar “avanços e dificuldades”, ver quem assimilou o conteúdo, saber quem atingiu os objetivos, ver como o aluno está se desenvolvendo, diagnosticar, investigar, tomar decisões, acompanhar o processo de construção do conhecimento do aluno, estabelecer um diálogo educador-educando-contexto de aprendizagem, avaliar para que o aluno aprenda mais e melhor…
Como especialista no assunto, Vasconcellos[5] entende e ressalta que a solução para que se possa avaliar “mais e melhor” está na mudança de postura do próprio professor. Para o autor, o professor deve canalizar suas energias e potencialidades para a aprendizagem e não para o controle do transmitido. A preocupação do professor tem que ser “como o aluno aprende”. (VASCONCELLOS, 2000, p. 48).
Partindo do princípio que todo discípulo precisa de um mestre de excelência, acredita-se, assim como Vasconcellos, que a solução do problema da avaliação está nos educadores, que são os principais atores dentro do processo de ensino-aprendizagem, pois eles estão em contato com os alunos quase que diariamente e detêm e controlam o programa a ser ministrado, bem como a metodologia a ser utilizada.
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[5] Ver Vasconcellos, Celso dos S., Avaliação – Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar, p. 48.
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4 – Os instrumentos de avaliação
Existe um questionamento entre a maioria dos docentes quanto à validade e eficácia dos instrumentos avaliativos utilizados pelos professores. Se os instrumentos atuais são ineficazes para se conhecer o grau de aprendizagem dos aprendentes, como então aperfeiçoá-los ou mesmo substituí-los?
No Brasil, podemos destacar Vianna[6] (1981) e Medeiros (1977) como estudiosos que tratam prioritariamente as formas de elaboração e análise de testes destinados à verificação do aproveitamento escolar, enfatizando os cuidados na formulação de questões e as estatísticas para se obter um instrumento mais válido e fidedigno.
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[6] Ver MEDEIROS, Etil Bauzer. As provas objetivas: Técnicas de Construção. S. Paulo: Cortez, 1971.
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Gardner (1995, p. 139), quanto aos instrumentos de avaliação, infere que:
Uma outra suposição era a de que uma parte significativa dos males educacionais estava nos instrumentos descuidados utilizados convencionalmente para avaliar a aprendizagem do aluno e, não por acaso, para assinalar o que é a aprendizagem. (…) Embora a avaliação seja um componente-chave da educação, ela não é o único, de forma alguma. Na verdade, a educação precisa ser abordada primeiramente através de uma consideração dos objetivos a serem atingidos e dos meios para atingi-los.
Para o autor, a falta de objetividade e, principalmente, de cuidado na aplicação da avaliação tem trazido prejuízos para o processo educacional.
Já Moretto (2003, p. 9) observa que “não é acabando com a prova escrita ou oral que melhoraremos o processo de avaliação da aprendizagem, mas ressignificando os instrumentos e elaborando-os dentro de uma nova perspectiva pedagógica”. Para Moretto, muitos professores transformam as provas na “hora do acerto de contas” com seus alunos, contribuindo para o desinteresse pelas aulas, à indisciplina, à falta de estudo e à alienação escolar.
Gardner (1992) recomenda ainda que uma avaliação deve dar informações sobre capacidades e potenciais dos alunos, de maneira que eles próprios tenham um retorno sobre suas aquisições, assim como propiciar informações para a comunidade. O autor acredita que os indivíduos se sentiriam melhores para servir à sociedade e acrescenta ainda que:
… em minha opinião, o propósito da escola deveria ser o de desenvolver as inteligências e ajudar as pessoas a atingirem objetivos de ocupação e passatempo adequados ao seu espectro particular de inteligências. As pessoas que são ajudadas a fazer isso, acredito, se sentem mais engajadas e competentes e, portanto, mais inclinadas a servirem à sociedade de uma maneira construtiva (1995, p.16).
Moretto (2003, p. 28) também traz para o contexto da avaliação os conceitos de competência e performance, ampliando ainda mais a finalidade dos instrumentos avaliativos.
… levemos este conceito para uma situação complexa a ser enfrentada pelos alunos: uma prova. O que os professores podem avaliar pelas provas é a performance do aluno, obtendo assim um indicador de sua competência. No entanto, uma performance aquém do esperado não significa, necessariamente, falta de competência. (…) Por esse motivo, um professor competente não avalia seus alunos por uma prova. Da mesma forma, não parece admissível um professor reprovar um aluno por alguns décimos de notas. Cabe, sim, ao professor, utilizar instrumentos de avaliação da aprendizagem para poder julgar sobre a possível competência do aluno numa situação específica.
Além da competência do aluno em uma determinada situação de aprendizagem, uma outra característica é quanto à competência do professor em avaliar tal aprendizagem. Moretto pontua que a competência está em saber que a prova “é um momento privilegiado de estudos e não um acerto de contas”. (MORETTO, 2003, p.31).
O conhecimento dos diferentes instrumentos para avaliação e da melhor forma de utilizá-lo é um dos recursos de que o professor competente deve dispor. Este conhecimento está ligado à convicção de que a avaliação não deve servir de instrumento de pressão para manter a disciplina em aula ou de fazer o aluno estudar.
Ele vai mais além: incluiu que a competência desse profissional está relacionada a elaborar bem as questões das provas, em administrar valores culturais ligados à avaliação, utilizar uma linguagem clara e precisa para o comando das questões e criar um ambiente favorável ao controle das emoções. (MORETTO, 2003, p.33)
Avaliação é, portanto, um processo abrangente e significativo da existência humana, que implica uma reflexão crítica sobre a prática, “no sentido de captar seus avanços, suas resistências, suas dificuldades e possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para superar os obstáculos”. (VASCONCELLOS, 2000, p. 44).
5 – Avaliação ou instrumento de controle?
Durante muito tempo, avaliar teve um sentido de testar o que o aluno aprendeu. Tal concepção tem origem no início do século XX com Robert Thorndike (EUA) que “enfatizava a medida das mudanças comportamentais”. (ABRAMOWICZ, 1996, p. 20).
Autores como Caro (1982), Nevo (1983), Tyler e Smith (1974), Hilda Taba, Robert F. Mager, Gagné, James Popham, Eva Beker, apontaram para uma visão positivista e tecnicista sobre a avaliação[7]. Infelizmente, este modelo de avaliação foi reproduzido e alcançou a nossa cultura nos idos dos anos de 1990 com a consolidação do neoliberalismo no Brasil, onde encontrou, com a crise do Estado de Bem-Estar Social e a emergência do Estado neoliberal, espaço para a implantação de uma avaliação que servissem às políticas econômicas neoliberais vigentes, como bem afirma Afonso (ESTEBAN, 2006, p. 91):
A modalidade de avaliação que tem servido melhor os objetivos destas políticas pode ser designada por “avaliação criterial com publicitação de resultados”. Trata-se, (…) de uma modalidade de avaliação que permite o controle dos objetivos definidos pelo Estado e, simultaneamente, o controle dos respectivos resultados por parte da sociedade em geral e de todos aqueles que, mais especificamente, são agora vistos (ou redefinidos) como “consumidores” da educação escolar (sobretudo os pais).
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[7] Ver ABRAMOWICZ, Mere. Avaliando a avaliação da aprendizagem: um novo olhar. São Paulo: Lúmen, 1996. A autora faz um painel sobre a evolução do conceito de avaliação da aprendizagem onde cita diversos autores.
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A LDB 9394/96 é um exemplo desse controle quando menciona e relaciona a preparação do indivíduo para o campo do trabalho. Há um vínculo intrínseco entre a educação, o trabalho e as práticas sociais.
Abramowicz (1996) também cita autores com uma visão mais centrada no aprendente como Willian Pinar (1975) que vê o aluno como o sujeito do processo de aprendizagem e que, através de auto-reflexão, constrói a consciência crítica; Maxime Greene (1975) com uma avaliação “centrada nas experiências dos alunos, em suas necessidades” (auto-avaliação); Apple (1989) e Giraoux (1988) que analisam a avaliação como “forma de poder, enfatizando sua dimensão política e sua historicidade”.[8]
Além dos autores internacionais que delinearam os caminhos da avaliação, Elba Siqueira de Sá Barreto, professora da Faculdade de Educação da USP e da Fundação Carlos Chagas, registra em seu artigo as concepções filosóficas de autores brasileiros como Maria Laura Franca (1990), Pedro Demo (1990,1995), Ana Maria Saul (1992), Menga Lüdke (1995), Vera Tavares de Souza (1994), Mirian Grinspun (1994 e 1996) e Vera Werneck (1996), dentre outros, cujas contribuições têm servido de parâmetro das reflexões atuais sobre avaliação. [9]
Garcia, em “A avaliação e suas implicações no fracasso/sucesso”, afirma que a avaliação sempre foi uma atividade de controle que visava selecionar e, portanto, incluir alguns e excluir outros (ESTEBAN, 2003, p. 29).
É visível que existem falhas estruturais e políticas nos escalões superiores da educação que emperram o sistema educacional pelas dimensões que tais políticas alcançam e, consequentemente, vão atingir o processo de ensino-aprendizagem na “ponta da linha” – no caso, a escola, e principalmente a escola pública. O que parece, aos olhos daqueles que querem enxergar um pouco além, é que há intencionalidade velada por parte dos órgãos superiores responsáveis pela educação.
Vasconcellos (2000, p. 29) comenta:
Sempre que se observa a organização da sociedade, não deixa de vir à tona uma questão crucial: como é possível tão poucos dominarem a tantos? É claro que a resposta a essa pergunta demanda profundas análises, mas é certo também que podemos aí encontrar reflexos da avaliação escolar. A classe dominante, para manutenção do status quo, precisa contar com um certo consenso junto às classes dominadas (é muito desgastante e improdutivo ficar usando o aparelho de repressão a toda hora). Para isto, lança mão da inculcação ideológica. Este processo visa que cada um se conforme com seu lugar na sociedade, pelo “reconhecimento” de sua desvalia, de sua incompetência.
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[8] Ibidem. Segundo a autora, conseguimos perceber o caminhar de uma concepção tecnicista onde avaliar significava medir, atribuir nota, predizer, em direção a uma concepção sócio-política em que a avaliação é vista em um contexto mais amplo sócio-cultural, historicamente situada, auto-construída, transformadora e emancipadora.
[9] Ver BARRETO, Elba Siqueira de Sá. A avaliação básica entre dois modelos. Educação e Sociedade. Vol. 22 nº 75, Campinas, Agosto de 2001.
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É um dilema pragmático, porém, nas escolas, a maior responsabilidade pelo processo envolve diretamente e principalmente os educadores (professores, gestores, pedagogos, auxiliares, etc). Os professores, no entanto, suportam a maior “carga” pelo sucesso ou fracasso da aprendizagem dentro da instituição. Cabe a eles “abrir” os olhos daqueles que aprendem, para transpor as barreiras ideológicas do sistema e romper com o “modelo de controle” instituído ao longo dos anos. Não é uma tarefa fácil, mas necessariamente urgente se quiserem contribuir para a construção de uma sociedade de indivíduos críticos e autônomos.
Esteban (2003, p. 7) considera o tema muito relevante, mesmo após tantas discussões, pesquisas, propostas, palestras, seminários, textos, livros e modelos, e deixa registrada a seguinte passagem:
Entendo que é importante continuar discutindo a avaliação como parte de um processo mais amplo de discussão do fracasso escolar, dos mecanismos que o constituem e possibilidades de reversão desse quadro com a construção do sucesso escolar de todas as crianças, especialmente das crianças das classes populares, as que efetivamente vivem cotidianamente o fracasso. [10]
Para a autora, o tema só tem sentido se estiver relacionado com a produção do fracasso/sucesso escolar no processo de inclusão/exclusão social. Esses binômios identificam as atuais posturas avaliativas quando excluem socialmente os aprendentes devido ao fracasso escolar que ocorre nas escolas, principalmente públicas.
6. Caminhos percorridos durante a pesquisa
Considerando que a “pesquisa é um processo de interação do homem com o mundo”, como descreve Nogueira (SOUZA, et al, 2006, p. 56),
A pesquisa é um processo de interação do homem com o mundo. Àquele que se destina a realizar essa atividade, é reservada a função de observador reflexivo, o que o levará a seguir uma trajetória durante o percurso da investigação do problema. Tal trajetória exige do pesquisador levar em conta as experiências passada e atual, vivenciadas no percurso da história e que podem servir de “farol” para enxergar com clareza e objetividade o que se deseja investigar e “… munir-se dos instrumentos mais adequados à sua ação e intervir no seu mundo para construí-lo adequado à sua vida” (SOUZA et al, 2006, p. 56)
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[10] Ver ESTEBAN, Maria Teresa. A avaliação no cotidiano escolar. In: ESTEBAN, Maria Teresa (org.) Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
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As ações deste trabalho foram realizadas em uma escola municipal da zona leste de Manaus e contou com a participação dos funcionários da escola e alunos do turno noturno. Direcionou-se tais ações com o objetivo de detectar, analisar e contribuir para a melhoria do processo de avaliação e de seus instrumentos.
Contou com materiais já publicados, constituídos principalmente de livros e artigos disponibilizados na Internet e se baseou segundo argumenta Nogueira (op. cit., p. 62):
Para se realizar uma pesquisa, é necessário focar um determinado problema, portanto enveredar pelo campo das informações a respeito do que se pretende estudar. Costuma-se orientar que o pesquisador pretenda estudar sobre temáticas que lhes sejam familiares e, para que isso ocorra, é preciso buscar fontes de informações que sejam provindas de observações, de reflexões pessoais, de experiências oriundas de estudos ou participações em eventos, ou mesmo de acervos de conhecimentos em obras específicas, em análise de documentações bibliográficas ou até mesmo os registros de dados que oportunizem as informações necessárias que irão auxiliar o pesquisador na delimitação clara do projeto a ser desenvolvido.
A aplicação de questionários envolveu o corpo docente e alunos da escola, o que proporcionou conhecer que tipo de avaliação realizam, quais os instrumentos utilizados, como são atribuídas as notas (parâmetros), o que é avaliado nesses instrumentos, como o aluno vê a avaliação e qual é a maior dificuldade apresentada.
Solicitou-se dos professores alguns esclarecimentos sobre os instrumentos de avaliação utilizados por eles. Constatou-se que os instrumentos se baseavam em testes, pesquisas, trabalhos individuais e em grupo, seminários e provas.
Sabendo que a entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo, sendo através dela que o pesquisador busca obter informações nas falas dos atores sociais, utilizou-se a técnica na linha semi-estruturada que, como discorre Minayo (1994, p. 57):
(…) não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta de fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objetos que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada.
Nesta pesquisa, os dados, após analisados, foram comparados com os fatos observáveis. O processo de coleta de dados foi dinâmico na busca de informações no campo das ciências sociais e possibilitou uma abordagem muito positiva.
Além da aplicação dos questionários, outra técnica de pesquisa utilizada foi a observação participante, que consiste na participação real do pesquisador na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação determinada. O observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de membro do grupo. Daí se dizer que, por meio da observação participante, se pode chegar ao conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo, conforme as leituras de Minayo (op. cit., p. 59)
A importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real.
Além disso, Chizzotti (2005, p. 90) salienta:
A atitude participante pode estar caracterizada por uma partilha completam duradoura da vida e da atividade dos participantes (…), vivenciando todos os aspectos possíveis (…) das suas ações e dos seus significados. Nesse caso, o observador participa em interação constante em todas as situações, espontâneas e formais, acompanhando as ações cotidianas e habituais, as circunstâncias e sentido dessas ações, e interrogando sobre as razões e significados dos seus atos.
Essa técnica buscou obter informações sobre a realidade através do contato direto do pesquisador com os fatos reais de modo a compreender criticamente o seu sentido. Foi observado que as avaliações praticadas na escola são realizadas para atender a um calendário pré-estabelecido pela Secretaria de Educação. Elas (as avaliações) ocorrem segundo o critério de cada docente e de acordo com as suas concepções pedagógicas, não sendo obrigatória uma padronização geral por parte da escola. Observou-se que os alunos parecem estar preocupados com o que vai cair nas “provas”, mas não parecem comprometidos com o aprendizado (conteúdo). Querem mudar de série e “terminar” os seus estudos. Não há participação ativa da maioria dos alunos durante as aulas.
Procurou-se dar conhecimento das atividades realizadas na pesquisa ao corpo docente, o que contribuiu para que fossem observadas as ações avaliativas e permitir a tomada de conhecimento das questões positivas e negativas do processo de avaliação utilizado na escola.
Essa técnica está baseada no método histórico-crítico que “valoriza a contradição dinâmica do fato observado e a atividade criadora do sujeito que observa as oposições contraditórias entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida social dos homens” (CHIZOTTI, 2005, p.80).
7 – Considerações finais
Percebe-se, portanto, pela sua complexidade, que a avaliação da aprendizagem vem se constituindo um sério problema educacional desde há muito tempo e que se perpetua nos dias atuais. Ela deveria servir para a emancipação dos alunos e não como forma de controle, de sujeição, de pressão e de exclusão.
A avaliação deve, então, ser vista de forma diferente, passando a envolver o desempenho do aluno, do professor e de todo o contexto escolar. O educador deve rever sua prática pedagógica, deve procurar desenvolver um conteúdo mais significativo e uma metodologia mais participativa de tal forma que diminua a necessidade de recorrer à nota como instrumento de coerção.
O princípio ético deve nortear a prática avaliativa dos docentes em todas as etapas da vida escolar do aprendente, buscando sempre a humanidade e a compaixão nas ações avaliativas, a fim de garantir a qualidade emancipativa do ser pensante envolvido no processo de ensino-aprendizagem.
Com estes argumentos, verifica-se que o ato de avaliar não pretende somente aferir o domínio dos conteúdos, mas, sobretudo, verificar o desenvolvimento das capacidades e habilidades dos alunos, das competências e outros aspectos cognitivos, afetivos, espirituais, psicológicos e motores, possibilitando dar direção à autonomia pessoal desse sujeito que atua na sua própria vida e na sociedade.
8 – Referências Bibliográficas
ABRAMOWICZ, Mere. Avaliando a avaliação da aprendizagem: um novo olhar. São Paulo: Lúmen, 1996.
BARRETO, Elba Siqueira de Sá. A avaliação na educação básica entre dois modelos. Campinas: Educ. Soc. vol. 22 nº 75, 2001.
BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB: passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), comentada e interpretada, artigo por artigo. 2 ed. Atualizada. São Paulo: Editora Avercamp, 2005.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
ESTEBAN, Maria Teresa (org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. 5 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
FRANCO, M.L.B. Pressupostos epistemológicos da avaliação educacional. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, Ago. 1990, nº 74, p. 63-67.
GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática – Porto Alegre: Artes Médicas (aRTmED), 1995.
LUCKESI, C. Avaliação da aprendizagem escolar: Apontamentos sobre a pedagogia do exame. Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, jul./ago.1991, vol. 20, nº 101, p. 82-86.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
MORETTO, Vasco Pedro. Prova: um momento privilegiado de estudo – não um acerto de contas. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
SOUZA, Adria Simone Duarte de, MARQUES, Dorli João Carlos Marques, SERRÃO, Michele Carneiro, NOGUEIRA, Jocélia Barbosa. Evolução do conhecimento e metodologia de pesquisa. FSDB / BK Editora, 2006.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação: Concepção Dialética-libertadora do Processo de Avaliação Escolar. Libertad, 2000.
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Celso Rodrigues Cardoso Filho
Especialista em História das Relações Internacionais (UFRJ);
professor da SEMED-Manaus
Mestre em Educação (UFAM);
professora da UEA
Fonte: revistaesab.com
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