Emília Ferreiro, em sua obra Reflexões sobre a alfabetização, faz uma análise sobre a alfabetização, fazendo-nos repensar a nossa prática escolar, na qual se baseia em experiências vivenciadas por ela e por outros colaboradores.
Em um primeiro momento, a autora aborda a representação da linguagem e o processo de alfabetização, enfatizando a importância dos dois pólos do processo de ensino-aprendizagem (quem ensina e quem aprende) e alerta para um terceiro item que deve ser levado em conta: a natureza do objeto de conhecimento envolvendo essa aprendizagem.
Seguindo sua análise, a autora fala que a escrita pode ser considerada como sistema de representação da linguagem ou como código de transcrição gráfica das unidades sonoras, onde faz algumas considerações sobre em que consiste essa diferença. Ela diz que, na codificação, tanto os elementos como as relações já estão predeterminadas, e no caso da criação de uma representação, nem os elementos nem as relações estão predeterminadas. A autora diz ainda que, se a escrita é concebida como sistema de representação, sua aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto de conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem conceitual. Mas se a escrita é concebida como código de transcrição, sua aprendizagem é concreta, como a aquisição de uma técnica.
Em um segundo momento, a autora aborda as concepções das crianças a respeito do sistema de escrita, onde deixa clara a importância das produções espontâneas, que podem ser chamadas de garatujas. Segundo a autora, a criança não aprende submetida a um ensino sistemático, mas sim a toda produção desenvolvida por ela, que pode representar um valiosíssimo documento que necessita ser interpretado para poder ser avaliado, dando ênfase não só nos aspectos gráficos, mas sim nos aspectos construtivos. Ela ressalta ainda que a distinção entre desenhar e escrever é de fundamental importância, pois ao desenhar se está no domínio do icônico; sendo importante por reproduzirem a forma do objeto. Ao escrever, se está fora do icônico, sendo assim as formas dos grafismos não reproduzem as formas dos objetos. Segundo ela, as crianças, em um certo momento, dedicam um grande esforço intelectual na construção de formas diferenciadas entre as escritas. Essas diferenças são inicialmente intrafigurais e consistem em atribuir uma significação a um texto escrito. Tais critérios se expressam pelo eixo quantitativo, onde se atribui o mínimo de três letras para que a escrita diga algo. E sobre o eixo qualitativo, como a variação interna possa ser interpretada, ou seja, se o escrito tem o tempo todo à escrita não pode ser interpretado. O passo seguinte se caracteriza pela busca de diferenciações entre escritas para dizer “coisas diferentes”, começa assim a busca difícil e muito elaborada de modo de diferenciação, que resultam ser interfigurais. Neste sentido, as crianças exploram critérios que lhes permitem, às vezes, variações sobre o eixo quantitativo, variando a quantidade de letras de uma escrita para outra, e às vezes o eixo qualitativo, variando o repertório de letras e até mesmo o posicionamento destas sem modificar a quantidade.
Ao passar por todo esse processo, a criança começa a descobrir que as partes da escrita (suas letras) podem corresponder a outras tantas partes da palavra escrita (sílabas). Inicia-se então o período silábico, que permite obter um critério geral para regular as variações na quantidade de letras que devem ser escritas, chegando até o período silábico-alfabético, que marca a transcrição entre os esquemas futuros em via de serem construídos. Neste período, a criança descobre que uma letra não basta para representar uma sílaba e que a identidade do som não garante a identidade de letras e nem a identidade de letras à dos sons.
Dando sequência, Emília Ferreiro fala sobre a polêmica em relação aos métodos utilizados no processo de alfabetização: analítico, sintético, fônico versus global, deixando claro que nenhuma dessas discussões levou em conta as concepções das crianças sobre o sistema de escrita. Desta forma, para ela, os métodos não oferecem nada mais do que sugestões, incitações. Ela afirma ainda que o método não pode criar conhecimento, e que nenhuma prática pedagógica é neutra; todas estão apoiadas em certo modo de conceber o processo de aprendizagem e o objeto dessa aprendizagem. A autora cita três dificuldades principais que precisam ser colocadas: a visão que um adulto já alfabetizado tem do sistema da escrita, a confusão entre desenhar e escrever letras e a redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das letras e seu valor convencional. Pois, segundo ela, uma vez estabelecidas estas dificuldades conceituais iniciais, é possível analisar a prática docente em termos diferentes metodológicos. Conclui, após dar ênfase em cada assunto acima citado, que um novo método não resolve os problemas, mas sim que é preciso reanalisar as práticas de introdução da língua escrita, tratando de ver os pressupostos subjacentes a ela.
Em seguida, a autora fala sobre a compreensão do sistema de escrita, onde afirma que a leitura e a escrita têm sido tradicionalmente consideradas como objeto de uma instrução sistemática. Todavia, através de pesquisas, a autora possui uma outra visão. Para ela, as atividades de interpretação e de produção da escrita começam antes da escolarização; a aprendizagem se insere em um sistema de concepções previamente elaboradas e não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas perceptivo-motoras. Ela diz ainda que a escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade, e que existe um processo de aquisição da linguagem escrita que precede e excede os limites escolares. Através de dados colhidos em pesquisas, a autora menciona alguns dados que determinam aspectos de toda esta evolução, como a construção original da criança, onde estas elaboram ideias próprias a respeito dos sinais de escrita, ideias estas que não podem ser atribuídas à influência do meio ambiente. Volta a falar que, em um primeiro momento, a criança passa pelo conflito que a distinção em o que é uma figura e o que não é uma figura. Após esta fase, começa um trabalho cognitivo em relação a um segundo conjunto, que é a quantidade mínima de caracteres, critério este que tem uma influência decisiva em toda evolução. O critério seguinte se refere à variedade interna de caracteres; não basta um certo número de grafias convencionais para que se possa ler, é necessário que estes grafemas variem.
Dando sequência, fala das informações específicas do adulto, onde esclarece que existe uma série de concepções que não podem ser atribuídas a uma influência direta do meio. Ao contrário, existem conhecimentos específicos sobre a linguagem que só podem ser adquiridos através de outros informantes (leitores adultos ou crianças maiores), como, por exemplo, que é convencional escrevermos de cima para baixo, que utilizamos as maiúsculas para nomes próprios e depois de ponto. Ela afirma ainda que, no caso dessa aprendizagem, conforme a procedência social das crianças, há maior variabilidade individual e maiores diferenças. A autora enfoca que a escola pode cumprir um papel importante no que se refere à aprendizagem; no entanto, este papel não deveria ser de dar inicialmente todas as chaves do sistema alfabético, mas sim criar condições para que a criança as descubra por si mesma. Sendo assim, o professor deverá adaptar seu ponto de vista ao da criança, estando sempre alerta sobre o que deve ser levado em conta, como, por exemplo, menosprezar os conhecimentos das crianças ao trabalhar somente com base na escrita, cópia e sonorização dos grafemas que considerar inteligível a produção da escrita. Emília Ferreiro diz ainda que, apesar da escola ser uma instituição social para controlar o processo de aprendizagem, e sendo assim a aprendizagem deve realizar-se na escola, a criança, desde que nasce, é construtora de conhecimento. No entanto, para ela, deve-se abandonar a ideia de que nosso modo de pensar é o único, fazendo-nos adotar o ponto de vista do sujeito em desenvolvimento. No caso da leitura e escrita, a dificuldade de adotar o ponto de vista da criança foi tão grande a ponto de ignorar as suas produções escritas, que há pouco tempo eram consideradas meras garatujas. Todavia, existe uma série de passos ordenados antes que a criança compreenda a natureza do sistema alfabético de escrita e que cada passo caracteriza-se por esquemas conceituais específicos, cujo desenvolvimento e transformação consistem em um principal objetivo de estudo.
Emília Ferreiro deixa clara a sua preocupação com o desenvolvimento da leitura-escrita tanto pelo lado teórico quanto pelo lado prático. Segundo ela, o analfabetismo ainda hoje é um grave problema e cabe ao sistema ser mais sensível aos problemas das crianças e mais eficientes para resolvê-los, se quisermos reverter esse quadro. Demonstra ainda sua atenção às crianças que tiveram possibilidades limitadas de estarem rodeadas por materiais escritos e de serem seus usuários. Em seguida, a autora dá exemplos de crianças que foram submetidas ao processo de ensino-aprendizagem (escrita), mostrando os avanços ocorridos gradativamente durante todo o processo. Em um primeiro momento, a criança escreve tudo com o mesmo grafema, repetindo-o várias vezes. Dois meses após, já se pôde notar progressões; ela aprendeu a desenhar algumas letras, alterando caracteres em uma palavra, escrevendo de modo mais convencional, apesar de não haver correspondência entre grafemas particulares e pauta sonora. Após mais dois meses, a progressão foi ainda maior, pois ela havia ampliado seu repertório de letras, aprendeu que para palavras diferentes deve-se usar letras diferentes. Quase ao final do ano, já era capaz de escrever seu nome, pronunciando silabicamente para si mesma. Concluiu-se então que esta criança estava construindo um sistema silábico de escrita, tendo assim condições de relacionar a pauta sonora da palavra: uma letra para cada sílaba.
A segunda criança já começava a escola de 1º grau sabendo desenhar seis letras diferentes, onde usava este repertório para diferenciar palavras. Após dois meses, já apresentava a escrita silábica. Com mais dois meses, essa criança já se encontrava no período de transcrição que denomina-se silábico-alfabético. A autora esclarece que esta escrita é considerada tradicionalmente como omissão de letras, olhando pelo ponto de vista da escrita adulta, mas vista do sujeito em desenvolvimento, esse tipo de escrita é considerada “acréscimo de letras”. No entanto, ao final do ano, a criança já escrevia alfabeticamente.
Dando sequência, Emília Ferreiro relata uma pesquisa realizada por ela, com o propósito de descrever o processo de aprendizagem que ocorre nas crianças fracassadas. Onde enfatiza a evolução das produções escritas feitas por elas. A pesquisa começou com 959 crianças e foi finalizada com 886 dessas mesmas crianças que foram submetidas a entrevistas individuais. Em cada entrevista, foi proposta à criança quatro palavras dentro de um dado campo semântico com uma variação sistemática no número de sílabas. Pôde-se notar que 80% dessas crianças, no início do ano escolar, escreviam sem estabelecer qualquer correspondência entre pauta sonora da palavra e a representação escrita, nem correspondência qualitativa/quantitativa. Assim, a autora segue sua análise sobre a pesquisa realizada, utilizando uma tabela que dá ênfase aos padrões evolutivos que a criança percorre, onde faz observações sobre os diferentes níveis de escrita, demonstrando quanto por cento das crianças entrevistadas se encaixam em cada nível.
Finalizando sua análise, Emília Ferreiro fala sobre o polêmico tema “deve-se ou não ensinar a ler e escrever na pré-escola?”, afirmando que esse é um problema mal colocado, por ser falso o pressuposto no qual se baseiam ambas posições antagônicas. A autora assegura que o problema foi colocado tendo por pressupostos serem os adultos que decidem quando essa aprendizagem deverá ser iniciada e, quando decidido que esse processo de aprendizagem não iniciará antes do primeiro grau, as salas sofrem um processo de limpeza até que desapareça todo sistema de escrita. Sendo assim, a escrita que está presente em meio social desaparece da sala de aula. Por outro lado, quando se decide iniciar esta aprendizagem antes do primeiro grau, as salas de pré-escola assemelham-se às do 1º ano, sendo pressuposto o mesmo em ambos os casos. A autora volta a falar que a criança inicia sua aprendizagem de matemática, por exemplo, antes mesmo do contato escolar, quando decide ordenar vários objetos através de diversas participações ao meio social. No entanto, não poderia ser diferente com o sistema de escrita, uma vez que este faz parte da realidade urbana, mantendo contato desde cedo com informações das mais variadas procedências, como: cartazes de rua, embalagens, livros, revistas, etc. Sendo assim, a criança não entra na escola sem nenhum conhecimento sobre o sistema de leitura e escrita. Diz ainda que é necessário uma imaginação pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas de interagir com a linguagem escrita. Finaliza dizendo que é necessário entender que a aprendizagem da linguagem escrita é muito mais do que a aprendizagem de um código de transcrição: é a construção de um sistema de representação.
Autor: Ana Paula Martins Lopes Araújo
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Para saber mais sobre a importância da alfabetização, você pode conferir o artigo sobre habilidades do professor de educação infantil, que aborda como essas competências são essenciais para o desenvolvimento das crianças.
Além disso, é fundamental que os educadores estejam sempre atualizados sobre as melhores práticas de ensino. Uma boa opção é investir em materiais didáticos que podem enriquecer o aprendizado dos alunos.
Por fim, a prática de leitura deve ser incentivada desde cedo. Para isso, você pode encontrar sugestões de livros e atividades em dicas de leitura que podem ser aplicadas em sala de aula.
Excelente resumo!
Obrigada