MINHA HISTÓRIA DE LEITURA E ESCRITA
Tudo na minha vida começou bem cedo, antes mesmo de saber e escrever, eu achava-me uma pessoa alfabetizada, pois qualquer pedaço de papel com alguns escritos era um convite à leitura. Subia numa castanheira velha que dava de frente para a porta da cozinha da minha casa, e lá ficava horas e horas com aquele pedaço de papel discursando. Sabia o nome de todos os objetos, mas não sabia simbolizá-los através da escrita, queria aprender, porém era cedo demais…
Minha mãe, vendo-me naquela ânsia, antecipou-se e começou a me ensinar as primeiras lições. Era tudo muito lindo e em pouco tempo eu já conseguia olhar para determinados objetos e simbolizá-los através dos meus rabiscos, ainda não tão firmes devido à minha pouca idade. A coordenação motora eu ia adquirindo aos poucos: pregando botões, fazendo bainhas e alinhavando peças de roupas que mamãe fazia para fora até altas horas da madrugada sob a luz de lamparina ou apenas de uma pequena chama de vela, foi aí que efetivamente minha história começou.
Naquela época, por volta de 1966, eu era apenas uma menina curiosa, a sexta filha de uma prole de oito filhos vivos – éramos quinze. Eu os via lendo e escrevendo, sentia vontade de saber também tudo aquilo, mas tudo era muito difícil, muitos filhos… Pouco dinheiro. O caderno era feito de folhas limpas que sobravam dos cadernos dos parentes que estavam em melhores condições. Minha mãe pegava as folhas em branco, costurava fazendo uma brochura e as encapava com folhas de revista ou “papel de pão”; e nós aproveitávamos até a última linha. Os lápis eram cotocos, pedaços, também sobras, mas que valeram muito, mesmo sendo sobras.
Mas era bom, a inocência imperava, alheia a todos os problemas, só queria aprender cada vez mais. Seguia o caminho sempre com a ajuda daquela que muitas vezes, com as maçãs do rosto rosadas do calor do fogão à lenha, parava seus afazeres para me dar um segundo de sua atenção nas minhas lições de casa. Inculta e bela, fazia de tudo que podia, dentro do possível, para transformar as cinco filhas em professoras e os três meninos em contadores, seu sonho.
Muitas vezes a peguei com os olhos cheios de lágrimas e quando perguntava por quê, ela sempre respondia, enxugando as lágrimas com um avental velho, dizendo que era apenas cansaço.
Mesmo cansada, arranjou tempo para terminar seus estudos que, na verdade, nunca havia começado, pois dizia que seu grande mestre havia sido seu pai, meu avô Gazeta. Intelectual, todos os dias quando vinha almoçar em nossa casa, tinha sempre um conto na ponta da língua para nos alegrar, virando uma criança também, que como nós adorava sonhar… Amor… Saudade infinita.
Tudo isso foi me incentivando a estudar, e assim foi minha infância até a adolescência, sempre lendo e buscando entender um pouquinho mais da vida. Antes mesmo de terminar o segundo grau, comecei a trabalhar, não podia depender eternamente daquela mulher cansada, mas sempre pensando no futuro dos filhos, falando que a única coisa que poderia deixar como herança era nosso estudo: o conhecimento.
Sempre gostei de ler e aprender coisas novas, viajava na leitura. Quando ia trabalhar, carregava um livro que me fazia esquecer o percurso que fazia a pé até o meu trabalho ou lia no ônibus quando tinha dinheiro para pagar a passagem (na parte da manhã era professora do Estado, à tarde estagiava em um banco Federal, no fim da tarde estudava inglês e à noite ia para o Colégio Estadual onde fazia outro curso).
Mas devido às circunstâncias da vida – que por sinal eram muito boas – tracei outro rumo no momento em que me casei e resolvi formar minha própria prole. Tive três filhos, o tempo foi passando e eu fui observando que estava deixando de lado tudo aquilo que gostava de fazer. Quando sobrava um tempinho, não era mais para ler, nem para escrever, e sim para tomar banho, almoçar, etc…
E quando eu menos esperava, lá vinha criança chorando. Troca fralda, dá mamadeira, leva ao médico, à escola e assim o tempo foi passando, não conseguia nem ler, só bula de remédio.
Foi aí que comecei a entender porque muitas vezes via lágrimas rolando daquele rosto cansado de minha mãe e seu olhar distante: parecia que tinha esquecido de sua própria vida em função dos filhos que criava sozinha.
Durante anos de minha vida, via em mim o retrato de mamãe, como se a história fosse se repetir. Parei, pensei e descobri que a vida estava passando por mim e de que adiantava uma casa limpa, roupas lavadas, comida na panela, filhos alimentados e limpos e a minha cabeça vazia, como se tudo que eu tivesse aprendido houvesse evaporado?
Então percebi que estava cometendo o mesmo erro: cuidava dos filhos, da casa e me esquecia de mim, de alimentar minha alma com contos, poesias, tudo que eu gostava e que me faziam viajar para os mais belos lugares que a imaginação poderia alcançar.
Depois de vinte anos parada, resolvi retornar aos estudos (filhos já crescidos, como dizia minha mãe: “encaminhados”) agora era a minha vez.
Comecei, o horizonte se abriu e eu vejo com outros olhos a vida que por muitas vezes julguei ingrata por ter tirado um pedaço de mim… Meu filho.
Luto agora contra todo esse tempo que para mim não posso dizer que foi perdido, e sim passado. Quero aprender cada dia mais e, um dia, poder passar para quem quer que seja o que aprendi e o que ainda tenho para aprender. Julgo o homem um ser em metamorfose constante, que quer se aprimorar e dar valor a cada momento vivido, sem esquecer o passado, pois é ele que nos impulsiona para aprendermos mais e entender que a vida é feita de regras, exceções e experiências boas e ruins.
E como dizia o saudoso Raul Seixas:
“Queira, basta ser sincero e desejar profundo”,
Você será capaz de sacudir o mundo, tente outra vez…”
E eu estou tentando…
“Não diga que a vitória está perdida,
Pois é de batalha que se vive a vida,
Tente outra vez, tente…”
Hoje, depois que descobri que ainda posso, quero conhecer o verdadeiro português que durante grande parte da minha vida ficou adormecido dentro de mim. Sei que não vai ser fácil depois de tantos anos, mas estou decidida. Quero, não só por mim, mas pelos meus filhos e meu marido que, me vendo estudar, sentem orgulho e me dão forças para que eu continue lutando para vencer as minhas próprias dificuldades.
Durante toda a minha vida escolar, tive muitos mestres, mas o que mais marcou foi minha mãe, que além de ensinar-me as primeiras lições, me fez ter noção do verdadeiro sentido da vida. Na sua “santa ignorância”, ela teve a sabedoria que adquiriu com o sofrimento de toda uma vida, transformar sua prole em seres pensantes.
Parte do seu rebanho seguiu o caminho das letras, outra parte se aventurou no mar em busca de um porto seguro para ancorar e eu, optei em construir o meu núcleo familiar. Sinto-me feliz pela oportunidade, por sinal oportuna de recomeçar, tudo em nossa vida tem o momento certo.
Se pararmos e observarmos, a vida é um eterno aprendizado, não podemos simplesmente cruzar os braços, fechar os olhos e fingir que não estamos vendo nada, achando que já aprendemos tudo que deveríamos aprender. Nossa evolução depende do conhecimento que adquirimos dia após dia com a escrita e principalmente com a leitura que nos permite sonhar.
Nunca é tarde demais para recomeçar. “Tente outra vez, tente”.
Autor: Soraya M. Marques
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