O presente trabalho busca oferecer dados sobre a importância dos contos de fadas na formação das crianças, tanto no que diz respeito à aquisição de valores, como na construção do aprendizado e no despertar do interesse pela leitura de maneira intrínseca.
É nesse universo do imaginário que as crianças mergulham no intuito de aproximar sua realidade aos contos da Literatura Infantil e se descobrem enquanto sujeitos da leitura que se apropriam. Acredita-se que os contos de fadas permitem às crianças identificarem-se ou não com as dificuldades ou alegrias de seus heróis, cujos feitos narrados expressam a condição humana frente às provações da vida.
Acredita-se que as crianças encontram por intermédio dos contos de fadas uma melhor maneira de viver.
Dessa forma, algumas questões tornam-se pertinentes na discussão do papel dos contos de fadas no processo de ensino e aprendizagem das crianças, e que são de certa forma, respondidas de maneira sugestiva para que se possibilitem novos embates sobre o tema abordado. Como surgiram os contos de fadas? Qual sua importância na formação das crianças? A que fatores podem atribuir sua permanência na vida infantil e adulta? Como podemos incorporar os contos no currículo formal das escolas?
As questões nos permitem inúmeras reflexões, todavia, o foco primordial desta pesquisa é analisar documentos que permitem entender a genuinidade dos contos de fadas na vida das crianças e oferecer mais uma ferramenta indispensável para seu processo de formação e aprendizado.
Os estudos de Pimentel (1999, p. 25) realizados sobre literatura infantil demonstram que a literatura infantil se transformou nos países industrializados em um rico filão para ser explorado, na área de alfabetização visando uma boa escolarização da criança. Tendo em vista que esse gênero literário se destina a recrear e emocionar a criança, segundo a autora, é importante pontuar que um bom livro seria agradável e apreciado tanto por adultos como por crianças. Nesse sentido, a escritora conclui que existem livros que são aceitos como fazendo parte da literatura infantil que são pueris, têm uma linguagem carregada de diminutivos, não oferecem um sentido à trama e têm diálogos frágeis, ou seja, são livros que tratam a criança como se ela fosse um ser sem inteligência. A autora explica que é no encontro com qualquer forma de literatura que os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida. Mas, demonstra também que a literatura infantil, por iniciar o homem no mundo literário, é utilizada como instrumento para a sensibilização da consciência, servindo como meio de transmissão de valores e ideias de submissão. Explica ainda que quando são desvendadas as ideias que existem subjacentes a histórias, nos contos de fadas, é possível se expandir a capacidade da pessoa de pensar, refletir e raciocinar. Esse entendimento possibilita ao leitor entender as ideias e lhe dá uma maneira nova de analisar o mundo. Desta maneira, assevera que é fundamental perceber que a literatura precisa ser encarada sempre, por professores, psicólogos e estudiosos em geral, de modo global e complexo, em toda sua ambiguidade e pluralidade.
Até bem pouco tempo, segundo Coelho (2003), a literatura infantil era considerada como um gênero secundário e vista pelo adulto como algo pueril, uma história sem outro valor senão distrair e encantar as crianças. Para investir na interpretação do texto literário dentro dessa realidade, é necessário conhecer as obras infantis que abordem questões e problemas universais, inerentes ao ser humano. Por meio do prazer ou das emoções que as histórias proporcionam, o simbolismo que está implícito nas tramas e nos personagens vai agir no inconsciente, atuando pouco a pouco para ajudar a resolver conflitos interiores, os quais são normais nas crianças.
Segundo Bernardo (apud ARCURI 2004, p. 121), toda vez que a pessoa se abre ao inusitado, ao novo, dando asas à imaginação e ao seu poder criador, ela se permite ser transformada em seu crescimento e no seu autoconhecimento. Essa abertura não se esgota apenas em seu “eu”, na sua própria pessoa, mas estende laços que se entrelaçam com outras pessoas, caminhando até o infinito. Essa é, segundo o autor, uma maneira de se tecer o próprio destino, recompondo a vida no resgate dos arquétipos herdados dos ancestrais e permitindo-se ver sem máscaras ou fantasias. A literatura infantil tem também esse poder de resgatar sonhos e fantasias que estão incrustadas no inconsciente, pois logo que a criança começa a andar e explorar o mundo que se estende à sua volta, ela se depara com alguns problemas complexos, que é a formação de sua identidade.
A criança se olha ao espelho, vê alguém semelhante a si mesma, segundo Bettelheim (1992, p. 177), uma figura que está colocada atrás do vidro do espelho. Tenta descobrir quem a está mirando, busca entender se a outra criança é como ela, movendo-se no mesmo ritmo e fazendo as mesmas coisas e trava o primeiro contato com o dilema de sua identidade. O autor explica que nascem outras dúvidas relativas à vida, sobre a criação de homens e mulheres, pessoas e animais, sobre a bondade e a justiça, e até uma preocupação sobre o que a vida lhe reserva. Essas são questões que deixam confusa a criança e para as quais apenas os contos de fadas oferecem respostas, pois toma consciência delas ao acompanhar a narrativa do adulto.
Tanto para o professor como para o adulto que se ocupa em contar a história e lhe dar vida, as respostas que os contos de fadas oferecem são fantásticas e não correspondem à realidade, pois suas soluções sob o ponto de vista do adulto são erradas. Por isso, muitos adultos, inclusive professores, segundo Bettelheim (1992, p. 60), se negam a transmitir para a criança o que denominam de “falsas noções”. O autor, porém, comprova por meio de experiências com crianças de idades variadas que as explicações realistas, com cunho científico, são incompreensíveis para a criança, porque elas ainda não dominam conceitos abstratos.
As pessoas adultas consideram que devem entrar em detalhes científicos quando estão explicando algo à criança, mas Bettelheim (1992, p. 63) enfatiza que as explicações científicas necessitam de pensamento objetivo, algo que a criança ainda não tem. A literatura infantil e, principalmente, os contos de fadas podem ser fundamentais para a formação da criança em relação a si mesma e ao mundo à sua volta. Segundo Coelho (2003, p. 33), “O maniqueísmo que divide as personagens em boas ou más, belas ou feias, poderosas ou fracas, facilita à criança a compreensão de valores básicos da conduta humana ou convívio social”.
Isso ocorre, conforme Bettelheim (1992, p. 15), porque é uma característica presente nos contos de fadas colocarem dilemas existenciais de maneira categórica. Essa forma de apresentar os problemas simplifica todas as coisas, torna para a criança a vida menos complexa, embora bem e mal sejam onipresentes e a propensão para acompanhar um ou outro caminho esteja constantemente gerando conflito para o homem. Essa dualidade que existe durante toda a existência envolve o conceito de moral e exige do ser humano uma definição, é o que lembra o autor.
Nos contos de fadas, o mal comporta uma sedução, ele atrai as pessoas, e por um espaço de tempo ele se manifesta vitoriosamente (o poder maléfico da madrasta, que engendra o seu mal no intuito que o príncipe não encontre Cinderela para que experimente os sapatinhos de cristal). Por isso, Abramovich (1997, p. 122) considera fundamental que se respeite os elementos do conto, suas facetas de crueldade e angústia, pois entende que essa é uma maneira de se considerar a integridade dos contos, sua inteireza, o corpo da narrativa, pois é inadmissível para a autora que o contador ou o leitor (no caso o professor ou a mãe) tente adocicá-lo retirando de sua essência conflitos necessários.
Abramovich (1997) enfatiza que não se mutila uma obra alheia, pois se removem dela todos os conflitos essenciais, transformando sua densidade e seu significado. A autora expressa a convicção de que a dicotomia que é transmitida através de uma linguagem simbólica não prejudica a formação da consciência ética da criança. O que as crianças encontram nos contos de fadas são categorias de valor perenes. Os contos que surgiram no processo histórico de composição dos contos de fadas, por conter um ensinamento em sua base, já se vinculavam à educação.
Para que isso aconteça, segundo Abramovich (1997, p. 20), tornou-se desejável que ao contá-lo houvesse um clima de encantamento envolvendo a criança em magia e sedução. A autora enfatiza que ainda hoje, os contadores de história precisam estar atentos à importância das pausas, dos intervalos de leitura, do respeito que se deve ter ao imaginário infantil. Lembra ainda que contar histórias é uma arte que pode ser aprendida e que deve ser levada a sério, com atenção e carinho. É esse cuidado ao narrar o conto, conforme Abramovich (1997), que permitirá à criança criar os cenários em sua imaginação, visualizar aquilo que está sendo relatado, muitas vezes, de uma forma tão vívida que chega a dar oportunidade de experimentar os mesmos sentimentos que os personagens estão vivendo. Nesse clima, a criança, segundo ainda a autora, produz um cenário especial, veste suas princesas de encantamento e magia, pensa nos rostos que estão sendo descritos, dando-lhes feições e características e chega a sentir o vento que o galope do cavalo traz aos seus ouvidos.
Nesse pormenor, um detalhe é importante para a autora, que enfatiza o cuidado que deve ter o contador de histórias de evitar descrições dos detalhes, de modo longo e muito elaborado, pois eles devem ficar restritos à imaginação infantil, à criação da mente da criança, permitindo vôos necessários. Além disso, é importante que o professor tenha conhecimento de que o processo de criação das histórias nasceu da palavra viva e animada fornecida pelo mito, e deste evoluiu para o conto.
Através do conhecimento fornecido pelo mito e pelas analogias que eles permitem, há possibilidade de um resgate das emoções e se iluminam potenciais que de outra forma permaneceriam escondidos da própria pessoa. Problemas como a riqueza, o trabalho, os poderes são elementos que se situam na base de todos os contos. Isso demonstra que essas histórias não são apenas criações da imaginação, mas nasceram de acontecimentos reais que o povo recolheu e guardou e que mais tarde formou, na base, a moral da sociedade.
Historicamente, o conto atuava como veículo de transmissão de ensinamentos de valores morais e éticos ou como concepções de mundo na tradição oral dos povos, sendo fortalecido na memória de consecutivas gerações como uma espécie de legado que passava de pai para filho. Nesse contexto, torna-se difícil estabelecer, precisamente, quantas e quais funções o conto deveria servir na estrutura das sociedades primitivas. Com ele, fundamentava-se a religião, passava-se noção do bem e do mal, estimulava-se a formação de um senso de justiça natural com o qual as crianças eram alimentadas. Havia nitidamente uma ação de ordem educativa, consciente e ao lado desta, uma necessidade básica de sonho e fantasia a que os contos de fadas correspondiam.
Por essa razão, ainda hoje, torna-se fácil conhecer um conto de fadas, pois, em suas histórias, os animais falam, as fadas madrinhas realizam desejos e os reis e as rainhas estão presentes, muitas vezes transpirando maldades. As histórias quase sempre começam pelo bordão “Era uma vez”, se realizando muito longe daqui. Os nomes dos personagens são de fácil memorização e esse fato faz com que a narrativa seja apropriada à oralidade.
Essa fantasia pertence, segundo estes autores, ao gênero literário mais rico do imaginário popular e como mecanismo psicológico auxilia o homem a vencer suas reais dificuldades, pois apresenta soluções para elas. Assim, quando uma pessoa lê o conto “Cinderela”, a personagem representa o desejo que todo ser humano tem que o mais fraco vença as disputas e até inconscientemente que possa urdir uma vingança contra quem a maltrata, por ser a pessoa menos favorecida e mais frágil. As crianças se identificam com os heróis e experimentam múltiplas emoções quando ouvem um conto de fadas, sentem medo ao ver as irmãs maltratarem Cinderela, manifestam ódio à madrasta que impede Cinderela de ir ao baile, e vivem a mesma angústia detalhada no conto quando a personagem se vê sozinha em casa na noite do baile.
Um professor que deseja levar seus alunos a experimentar os sentimentos e as emoções dos personagens das histórias precisa, segundo Abramovich (1997, p. 20), modular sua voz ao dar vida às falas e representações: sussurrar quando o momento leva o personagem a falar baixinho, ou mesmo está pensando em alguma coisa extremamente importante para a condução do foco narrativo. Também nos momentos de dúvida e de reflexão, a entonação de voz deve acompanhar o movimento da história, assim como é importante o uso das onomatopéias, os espantos, o susto, a expressão facial que acompanha o relato, tudo deve concorrer para levar a criança ao encontro da magia que está expressa no conto de fadas.
Nessa maneira de relatar os contos, na confecção de máscaras que permitam a reconstituição da história, torna-se possível reconhecer e dar voz a outras manifestações da própria personalidade, iluminando potenciais que se desmembraram ao longo da vida.
Para Machado (apud BENCINI 2005, p. 52), além da riqueza literária que representam os contos de fadas, eles são essenciais para a formação da personalidade infantil, pois as crianças experimentam sentimentos negativos durante seu crescimento, e com o auxílio do “Maravilhoso”, “Mágico” aumentam seu repertório sobre o mundo e ampliam a força de suas emoções, enquanto interiorizam as normas sociais.
Para Abramovich (1999, p. 121), os contos de fadas estão envoltos no ambiente necessário para que a criança perceba que não pode viver indefinidamente no mundo da fantasia. Por isso, eles mantêm uma estrutura fixa: parte de um problema que está ligado à realidade vivida pelo personagem (penúria, carência afetiva, conflitos familiares), algo que causa um desequilíbrio ao clima de tranquilidade com o qual se iniciou a narrativa. O desenvolvimento da história caminha em busca de uma solução, ainda no plano da fantasia, e nesse momento entram em cena elementos mágicos: anões, bruxas, magos, duendes e fadas que ou auxiliam ou atrapalham o desenrolar.
Logo, a história segue para o seu desfecho quando acontece a restauração da ordem e se volta ao real. Partindo dessa trajetória, os autores vão ao encontro do potencial imaginativo que a criança tem, mas também demonstram que ela não pode ficar indefinidamente no mundo da fantasia. Por isso, Abramovich (1999, p. 121) enfatiza: “por lidar com conteúdos da sabedoria popular, com conteúdos essenciais da condição humana, é que esses contos de fadas são importantes, perpetuando-se até hoje”.
Os contos de fadas têm uma singularidade que os fazem diferentes das demais histórias e não é o fato de possuir duendes ou fadas atrapalhadas que fazem de “um conto qualquer” um “conto de fadas”. Por isso, Abramovich (1999, p. 121) declara que “a magia não se encontra no fato de haver uma fada já anunciada no título, mas na sua forma de ação, de aparição, de comportamento, de abertura de portas”. Essas ideias ganharam corpo após os estudos de Bruno Bettelheim, que declarou ser esse tipo de leitura o mais enriquecedor e satisfatório para ensinar sobre os problemas internos dos seres humanos. O autor demonstra que os contos fazem as pessoas aceitarem suas diferenças intrínsecas e apresentam soluções em qualquer sociedade e em todos os tempos para os conflitos que são inerentes à pessoa humana.
Bettelheim (1992) enfatiza que para a criança aceitar essa diferenciação, que a auxilia a crescer como pessoa, construindo sua própria identidade, ela precisa encontrar na leitura uma definição para as situações que acontecem no cotidiano, através das trocas de papéis que são experimentadas e vividas por ela ao se imaginar no lugar da personagem da história. Essa também é a ideia de Abramovich (1997, p. 30) ao demonstrar que alguns autores hoje utilizam elementos como estrelas, sinos, torres, gatas com óculos, lira no telhado para passear na imaginação dos leitores, com sugestões que devem ser digeridas devagar, dando perspectivas inteligentes ao olhar que se renova através do roteiro criativo e bem feito.
Bettelheim (1992, p. 161) demonstra que as reações das crianças ao ouvir histórias fantásticas são de segurança, de conforto, pois elas sentem que estão superando dificuldades que não compreendem quais são e onde se localizam, apenas sentem uma sensação de bem-estar. Por isso, estas histórias possuem méritos definitivos. O autor declara que algumas crianças conseguem contrabalançar o impacto difícil vivido pela realidade que se mostra árdua, com as esperanças e promessas contidas nos contos de fadas.
Por vezes, a realidade da vida é demasiado cruel para uma criança que pode estar atravessando momentos difíceis de perdas, entes queridos, novos relacionamentos, entrada de elementos estranhos em uma relação estável e com isso separação, divórcio, são momentos dolorosos, como demonstra no conto de Cinderela, o falecimento de seu pai, a crueldade de sua madrasta e suas filhas ao encarar uma nova realidade tão severa, mas que por seus doces méritos consegue lutar e vencer a crueldade. Fugir para a magia dos contos de fadas e se refugiar neles significam sentir renascer a esperança e viver através de convicções e certezas que sustentam e dão força à criança.
É possível entender que a criança em contato com o mundo dos contos de fadas encontra com mais facilidade o espaço pessoal para que sua identidade possa ser melhorada e estimulada. Com isso, ela se sente mais confortável para exercer as múltiplas e diferentes funções que encontra em sociedade, aprendendo formas de comportamento que permitirão que interaja em sociedade, com os mais diversos tipos de indivíduos (BETTELHEIM, 1992, p. 162).
Para Abramovich (1999, p. 123), os contos de fadas falam dos medos que cada pessoa enfrenta na vida, daquilo que realmente a assusta e que é diferente do que causa medo ao seu vizinho. Traduzem os “medos dos silêncios imensos que abafam os gritos”, segundo a autora, ou então daquele medo que permite “procurar a pessoa amada atrás de uma máscara, mesmo tendo sido solicitado que ela nunca fosse retirada, acaba revelando ou provocando, ao não ser o pedido respeitado, um momento de horror.
Com isso, também os contos retomam a eterna busca que move o ser humano na sua caminhada, como lembra o conto de Andersen “Os sapatos vermelhos”, conforme Abramovich (1999, p. 124). Na história, a criança ao ficar órfã é recolhida por uma velha e, enganando-a, consegue comprar os sapatos vermelhos que sempre desejou e cobiçou a vida toda. Mas os sapatos (que parecem de baile) a fazem dançar interminavelmente, sobre os mais diferentes pisos, destroçando os seus pés. O horror só termina quando um anjo se compadece dela e corta seus pés. De muletas, inválida e doente, ela descobre que conquistou o perdão da aldeia, de sua mãe adotiva e, com medo (da cobiça, do desejo, e também da culpa que carrega), ela jamais pergunta pelo sapato vermelho. A angústia causada por seu próprio medo oriundo da posse do objeto desejado (a culpa envolvida deve ser trabalhada pelo professor ao relatar o conto), assim como os valores que ela perde e encontra no interior da própria família, são elementos fortes que devem ser utilizados no momento do conto. Esses momentos permitem à criança entender e processar seus sentimentos, seus medos e suas fobias.
Os contos de fadas abrem a possibilidade de a criança perceber que a madrasta (a bruxa) que tem em casa é melhor que a bruxa (madrasta) do conto que lê e essa sensação fortalece seus sentimentos, dando-lhe valores que a sustentam. A satisfação fantasiada fornece combustível para a esperança de dias melhores, embora essas esperanças sejam limitadas e provisórias, elas dão mecanismos compensatórios importantes para a paz familiar (BETTELHEIM, 1992, p. 161).
Para Abramovich (1997, p. 121), não só sobre o medo se aprende em família, riquezas, os sofrimentos que existem e fazem parte do cotidiano, as entregas, doações, valores, entre outros. Na sociedade atual, a escola valoriza a hora da história, o momento do conto como uma atividade essencial para a criança, para através dele promover o processo de mudança de um estágio para outro, superando a instabilidade que ela vive.
No decorrer de sua vida, a criança vive fases de instabilidade que se formam e levam a processos de separação-individualização. Isto é possível quando a criança aumenta seu repertório de conhecimentos sobre o mundo e transfere para os personagens seus principais dramas. Na infância, o que as crianças mais temem é a separação dos pais. Esse drama existencial surge no princípio de inúmeras histórias infantis, combinando e tecendo teias onde a agressividade, o descontentamento com irmãos e com os pais é vivenciado de uma forma amena pela fantasia.
Rejeição e rivalidade são vistos e trabalhados em contos como Cinderela, mostrando que esses sentimentos se modificam. A leitura de histórias infantis aponta padrões sociais e comportamentos que estão cristalizados em uma personalidade, sendo substituídos por outras atitudes e comportamentos com características novas, diferentes das anteriores. Assim, o objetivo de moças ingênuas como Cinderela é encontrar seu príncipe e viver feliz para sempre, uma recompensa devida, pois ela é boa, paciente, meiga e amiga. Já os personagens maus (madrasta e suas filhas) se deparam com situações difíceis, dramáticas, onde os finais nem sempre são muito agradáveis. Ou então falam de anseios, conforme Abramovich (1997, p. 126), momentos densos, de querência, de entendimentos silenciosos que as pessoas atravessam até chegar à plenitude do amor verdadeiro.
Os contos para Bettelheim (1992, p. 161) também mostram para a criança que não é necessário suprimir a fantasia, ainda que sejam fantasias de vinganças dos pais. Quando está em seus momentos mais lúcidos, suas ideias de vingança são reconhecidas como injustas, pois seus pais lhes fornecem carinho, abrigo e proteção. Se a criança se permite viver através dos contos de fadas as fantasias repreensíveis contra os pais, ela não teme a retaliação e nem viver sentimentos considerados imorais. Por isso, por tantos séculos a ideia dos contos de fadas continua a manter um canal aberto para a criança vivenciar sentimentos que não consegue ou não pode expressar.
Para Bettelheim (1992), tanto no século XVII, quando esses contos foram criados voltados para a vida camponesa, como na atualidade, as histórias vêm mostrar às jovens que não devem andar sozinhas, pois se colocam à mercê do Lobo Mau. Nessa afirmação, ele demonstra que os contos servem para instruir e educar, muito mais que divertir. Assim como também são utilizados para romper, transgredir com a dureza que se instala no cotidiano e pode ser vista nas ciências, na política, na moda e que pode ser quebrada, rompida, estraçalhada, dependendo da vontade de quem está compondo a sua história.
Para isso, Abramovich (1997, p. 137) explica que os contos de fadas demonstram que “imaginar é também recriar realidades”, em momentos que eternizam o humor, a ironia, o engraçado.
A autora enfatiza que existem autores que em sua criação permitem um ritmo frenético, uma agitação que contamina o leitor, fazendo-o seguir o compasso da história e não conseguir se desligar dela.
Este processo físico e psicológico acontece de modo desigual em cada criança por um período indeterminado de tempo e os papéis que absorvem nas histórias infantis se cristalizam em inter-relações. Esta forma de proceder vai estar diretamente ligada à possibilidade da criança adquirir novos conhecimentos, buscando sua própria identidade e construindo sua personalidade. É usado nessa composição o verso, a rima, o ritmo, a cadência que se torna importante fator da história. Os elementos auxiliam a compor ou a desmantelar as expectativas de comportamento. Além disso, é preciso que se tenha em conta que os conflitos são únicos, eles surgem como dimensão da construção da individualidade. Isso faz com que os indivíduos estejam continuamente avaliando suas relações e o equilíbrio existente entre a unidade familiar e o crescimento individual, favorecendo a compreensão geral.
Nos contos de fadas, acontece uma mistura de fantasia ilógica e de lógica na realidade, assim como acontece na vida e na essência familiar. Demonstra que, da mesma forma, também na família há múltiplas maneiras de interação que estão continuamente ocorrendo, por vezes de forma simultânea. Elas podem ser desencadeadas pela forma como os pais se relacionam ou pela maneira como tratam seus filhos, e dependem do aspecto de modernização vivido pelos membros da família.
Esses relacionamentos são percebidos nos laços familiares, que assumem as diversificações que ocorrem no mundo ao redor das pessoas. Para a criança, as ações dos mais velhos são incompreensíveis e ilógicas, algo que alguns autores trabalham com grande propriedade (ABRAMOVICH, 1997, p. 58).
Em seus contos, os escritores conseguem fazer com que a entrada e a saída das pessoas, a mistura de pessoas e animais que convivem sem preconceitos, as formas como essas personagens falam, resmungam, comem, cansam, demonstram para as crianças que a vida pode comportar essa mistura sem que se percam os caminhos que existem para serem trilhados. Para Bettelheim (1992, p. 155), “à medida que a criança cresce, consegue satisfações emocionais com pessoas que não fazem parte de sua família e essa sensação supre a desilusão que ela tem com seus pais”. O autor enfatiza que a criança se desencanta com os pais porque eles não suprem suas fantasias e expectativas infantis, o que faz com que sozinha ela se torne capaz de suprir necessidades que possui. Demonstra ainda que o papel do conto de fadas também está centrado na aprendizagem das relações afetivas, sejam elas de amor e ódio, pois são elas que preparam o homem para estabelecer um tipo de laço afetivo da maturidade (BETTELHEIM, 1992, p. 161).
Essa criança vai adquirindo mais habilidade e pode realizar coisas que antes não fazia. Embora faça parte do crescimento, a mudança de relações causa um grande desapontamento na criança e fica ainda mais grave porque ela é causada pelos pais que até esse momento eram os seus grandes provedores. Por isso, sentimentos como frustração, desespero e decepção são experimentados por essa criança que manifesta explosões temperamentais, demonstrando assim que não consegue sozinha mudar as difíceis condições que atravessa. Conforme Bettelheim (1992, p. 157), esse é o momento em que a criança começa a fantasiar e acreditar nas fantasias que forma e vive mais presa ao futuro, fugindo das angústias de um presente que não a agrada. Nesse momento, segundo o autor, ela começa a manejar os acontecimentos conforme deseja e antecipa as vitórias que quer alcançar.
Bettelheim (1992) indica que a pessoa passa por diferentes etapas, onde suas relações com o mundo físico e social são determinadas pela familiaridade que tem com os contos de fadas, com o “Maravilhoso”, com o fantástico em sua formação. A criança vive avanços e retrocessos em seu desenvolvimento particular e os diferentes ritmos se constituem em uma forma sadia de crescer. Assim, muitas vezes ao sentir as insatisfações que surgem quando se vê dominada e cercada por adultos, é comum que ela construa para si um reino imaginário, ali decida e dê suas ordens com autonomia.
Considera-se decisivo que esse desenvolvimento se processe de forma integrada, através da interação com o adulto e com as demais crianças, pois nessas relações sua personalidade se constrói pouco a pouco. Na medida em que ela expressa seus pensamentos através de símbolos representando objetos e atividades ausentes, acrescentando novos valores, opiniões, atitudes à sua maneira de se expressar e aos comportamentos e valores que tinha desenvolvido, a criança combina o velho e o novo, modifica e estrutura uma personalidade individual que vai mostrar características novas, diferentes das anteriores.
Egan (2007) acredita que a arte de ouvir histórias é um treino para a imaginação, e a habilidade de acompanhar histórias estimula e desenvolve o modo narrativo da mente e sua capacidade de criar sentido e significado, ao perceber que as histórias têm diferentes momentos, desenvolvidos por meio de ações sequenciais entre si, no qual as crianças podem dar vazão natural à organização de seus pensamentos, desenvolvendo e enriquecendo sua expressão verbal e escrita.
A criança entende que a história de contos de fadas garante a ela que um dia poderá construir seu reino, sua própria vida onde irá necessitar de toda força de sua personalidade, um momento em que seus conflitos estarão se resolvendo. Nesse “seu reino”, poderá viver e agir sabiamente, conseguindo, como os heróis que conheceu nos contos de fadas, construir sua maturidade. Este é um processo físico e psicológico que se estende de uma maneira desigual por um período longo e indeterminado de tempo. Essa mudança significa experiências e informações novas que ampliam sua criatividade e que a auxiliam a estabelecer harmonia em seu crescimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando-se que o mito, a fantasia, o inusitado fazem parte da formação da pessoa humana, pois é através da simbologia que a pessoa representa e exprime seus pensamentos, desde muito nova. Por isso, os contos infantis ajudam na aquisição do conhecimento e levam a pessoa a conviver harmoniosamente consigo mesma, compreendendo seus conflitos e superando-os na medida em que cresce cognitivamente e estrutura sua personalidade.
Portanto, é essencial se compreender todo o potencial que está resguardado pela simbologia dos contos de fadas. Também é possível aos pais, avós e professores perceber que contar histórias é necessário, pois esse momento se converte em um precioso auxiliar do desenvolvimento infantil.
Conclui-se que os contos têm o poder de tocar profundamente as crianças, no seu desenvolvimento, e no momento que a criança passa a ter contato com os contos de fadas inicia-se um processo de construção do “eu”, assim os contos despertam a fantasia e a imaginação, sendo possível com que ela tenha seu processo de autovalorização, tornando-se consciente, por meio da fantasia e situações inconscientes.
Referências
ABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Editora Scipione, 1997.
ABRAMOVICH, F. O estranho mundo que se mostra às crianças. São Paulo: Summus, 1999.
BENCINI, R. Era uma vez… O maravilhoso mundo dos contos de fadas e seu poder de formar leitores. Revista Nova Escola. São Paulo, nº. 185, p. 52-54, Setembro/ 2005.
BERNARDO, P. P. A mitologia criativa e o olhar. In: ARCURI, Irene. Arte terapia de Corpo e Alma. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
BETTELHEIM, B. Psicanálise dos contos de fadas. 9. ed. Trad. Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
COELHO, N. N. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2003.
CUNHA, M. A. A. Literatura Infantil teoria e prática. 18. ed. São Paulo: Ed. Ática, 2003.
EGAN, K. Por que a imaginação é importante na educação? In: FRITZEN, Celdon; CABRAL, Gladir da Silva. Infância, imaginação e educação em debate. Campinas: Papirus, 2007.
LOBATO, M. Contos de Grimm. São Paulo: Nacional, 2005.
PIMENTEL, L. G. Introdução à literatura infantil e juvenil. São Paulo: Pioneira, 1999.
Brinquedos educativos podem ser uma ótima forma de estimular a criatividade e o aprendizado das crianças.
Educação Infantil é um tema que merece atenção especial, pois é nessa fase que se formam as bases do aprendizado.
Autor: Gutemberg Martins de Sales
Conteúdo maravilhoso, parabens!
Parabéns pelo post! Vocês disseram tudo! Sou contadora de Histórias e assino em baixo de tudo o que vocês falaram. Fica o convite para conhecer o meu trabalho: