O interesse pelo Autismo Infantil tem sido crescente no Brasil, e uma prova cabal disto é o grande número de congressos, encontros e grupos de estudos que têm se dedicado a este assunto.
Apesar de todas as dúvidas que cercam esta síndrome, cabe neste momento abordarmos conhecimentos fundamentais sobre fatores etiológicos, defeitos neuroquímicos, influências genéticas, tratamento farmacológico, aspectos familiares, etc.
O Autismo é uma condição neuropsicológica conhecida, ao menos sob esta denominação, desde a década de 40, quando foi descrita, de forma magistral por Kanner. Este autor identificou, entre crianças “deficientes”, algumas que se diferenciavam das demais por um comportamento peculiar, caracterizado, entre outros sinais e sintomas, por dificuldade extrema em estabelecer relações interpessoais.
O passar dos anos e novos trabalhos mostraram a excepcional habilidade clínica de Kanner, cujas descrições do Autismo Infantil são válidas e insuperáveis.
Origem do Autismo
Em 1943, Leo Kanner descreveu, sob o nome de “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”, um quadro em que ele caracterizou por “autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia”, relacionando-o com fenômenos da linha esquizofrênica.
Influenciado pela Psicanálise e pela Psicologia Associacionista, Bleuler (1985) dá ao termo autismo o conceito de afastamento da realidade com predominância de vida interior.
Entretanto, Minkowsky (apud Parnas e Bovet, 1991) não considera que a predominância da vida interior seja componente necessário no autismo, introduzindo o conceito de autismo pobre.
A questão do autismo continuou a ser estudada por Kanner no decorrer de sua vida. Em 1949, passou a referir-se ao quadro com o nome de “Autismo Infantil Precoce”, descrevendo-o a partir de uma dificuldade profunda no contato com as pessoas, um desejo obsessivo de preservar as coisas e as situações, uma ligação especial aos objetos, a presença de uma fisionomia inteligente e alterações de linguagem que se estendiam do mutismo a uma linguagem sem função comunicacional, refletindo as dificuldades no contato e na comunicação interpessoal. Assim, a linguagem revelava inversão pronominal, neologismos e metáforas.
A “síndrome”, conforme é, então, citada por Kanner, é aceita como um padrão psicopatológico com uma possibilidade diagnóstica inequívoca.
Revisando seu próprio conceito de Autismo Infantil, Kanner (1968) continua referindo as falhas em que se produzem evidências neurológicas, metabólicas ou cromossômicas no Autismo Infantil. Ao mesmo tempo, frisa a importância do diagnóstico diferencial com deficientes mentais e afásicos.
Em seu follow-up dos primeiros casos descritos, Kanner (1973) observa as diferenças na evolução dos casos observados trinta anos antes, questionando-se sobre o porquê das diferenças observadas nessa evolução e propondo que explorações bioquímicas poderiam abrir novas perspectivas no estudo do Autismo Infantil.
Em 1976, surge o famoso livro de Ritvo sobre o autismo e, nele, podemos observar uma mudança radical. Fala-se em um problema de desenvolvimento frisando que muitos estudos já referiam as crianças autistas como possuidoras de déficits cognitivos.
Quando citamos Ritvo (1976), o diagnóstico diferencial por ele proposto já refere doenças específicas que podem ocorrer em associação com o autismo, ressaltando que a síndrome autística seria decorrente de uma patologia de Sistema Nervoso Central específica.
O autismo é mais comum nos homens do que nas mulheres.
As pessoas com autismo não têm deficiência física. Não necessitam de cadeiras de rodas e a maioria parece igual a qualquer outra pessoa que não tenha autismo. Por isso, pode ser mais difícil para as outras pessoas compreenderem como é ter autismo.
Algumas crianças, apesar de autistas, apresentam inteligência e fala intactas, outras apresentam sérios retardos no desenvolvimento da linguagem. Alguns parecem fechados e distantes, outros presos a comportamentos restritos e rígidos padrões de comportamento. Os diversos modos de manifestação do autismo também são designados de espectro autista, indicando uma gama de possibilidades dos sintomas do autismo.
Quais as causas do autismo?
Ninguém sabe ao certo qual é a causa, mas existem estudos que apontam possíveis ligações genéticas. Também pode ser associado com a forma como o cérebro se desenvolveu antes, durante ou pouco após o nascimento.
Muitas vezes, o autismo é confundido com outras síndromes ou com outros transtornos globais do desenvolvimento, pelo fato de não ser diagnosticado através de exames laboratoriais ou de imagem, por não haver marcador biológico que o caracterize, nem necessariamente aspectos sindrômicos morfológicos específicos; seu processo de reconhecimento é dificultado, o que posterga a sua identificação.
Um diagnóstico preciso deve ser realizado por um profissional qualificado, baseado no comportamento, anamnese e observação clínica do indivíduo.
Autismo na infância
O autismo infantil é um transtorno global do desenvolvimento caracterizado por um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, e apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. Além disso, o transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por exemplo: fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade (autoagressividade).
Características do Autista
- Dificuldade de relacionamento com outras crianças
- Riso inapropriado
- Pouco ou nenhum contato visual
- Aparente insensibilidade à dor
- Preferência pela solidão; modos arredios
- Rotação de objetos
- Inapropriada fixação em objetos
- Perceptível hiperatividade ou extrema inatividade
- Ausência de resposta aos métodos normais de ensino
- Insistência em repetição, resistência à mudança de rotina
- Fixa objeto ficando de cócoras; colocar-se de pé numa perna só; impedir a passagem por uma porta, somente liberando-a após tocar de uma determinada maneira os alisares
- Ecolalia (repete palavras ou frases em lugar da linguagem normal)
- Recusa carinhos e às vezes colo
- Reage como se estivesse surdo
- Dificuldade em expressar necessidades
- Aponta e gesticula ao invés de falar
- Acessos de raiva – demonstram extrema aflição sem razão aparente
- Irregular habilidade motora – pode não querer chutar uma bola, mas pode arrumar blocos
Tratamento: Aspectos Gerais
Atualmente, se aceita que o autismo infantil tenha sempre uma base biológica, tendo perdido importância as teorias que defendem uma gênese exclusivamente psicogênica e/ou psicodinâmica. Sabemos que os sintomas do autismo infantil podem variar bastante quanto à severidade: porém, mesmo naqueles casos comprometidos, não conseguiremos a “cura”, mas sim, quando muito, a minimização do quadro clínico.
Não podemos permitir que pais sejam enganados com a possibilidade de cura; sabemos que os casos “curados” descritos se referem a melhoras substanciais assinaladas ou então, a quadros mal diagnosticados. Isto não significa que estes indivíduos não devam receber o melhor tratamento disponível, mas é preciso deixar claro que se pretende é fazer com que o autista possa ter seu desempenho levado aos limites de suas potencialidades.
Uma vez feito o diagnóstico de autismo infantil, teremos que identificar eventuais prejuízos associados, pois sua identificação será imprescindível para que o plano de tratamento seja abrangente e complexo. Os defeitos associados nestas crianças impõem limitações adicionais aos pacientes.
Entre os defeitos associados mais frequentes, poderíamos citar o retardo mental, crises convulsivas, prejuízos da atenção-concentração com hiperatividade e desordens psiquiátricas.
Estima-se que 60-70% das crianças com autismo infantil tenham retardo mental variando entre leve e severo; 20-35% apresentam inteligência limítrofe normal (QI entre 70-100) e menos de 5% têm QI superior a 100. Mesmo os assim chamados autistas de bom rendimento apresentam prejuízos importantes na linguagem/comunicação e comportamento.
Em crianças mais novas, uma associação bastante casual entre autismo infantil e epilepsia refere-se à síndrome dos espasmos infantis com hipsarritmia. Nestes casos com epilepsia, o seu tratamento deverá ser feito da mesma forma que em indivíduos epiléticos não autistas.
Distúrbios do comportamento fazem parte integrante do quadro do autismo infantil. Comportamentos repetitivos e estereotipados são comuns e interferem com as atividades de vida diária destes indivíduos.
Após ter sido realizada cuidadosa avaliação da criança, tem-se a possibilidade de planejar o tratamento que a ela será oferecido. O tratamento do autismo infantil deverá visar, como já deixamos claro, tornar o indivíduo o mais independente possível em todas as áreas de atuação.
Algumas crianças poderão beneficiar-se de um tratamento medicamentoso. Contudo, em nenhuma hipótese, esta forma de tratamento será a única e nem mesmo a mais importante.
Para mais informações sobre como lidar com alunos autistas, você pode consultar como lidar com alunos autistas.
Referências Bibliográficas
Bauman, M. L.; Kemper, T.L. – The brain in infantile autism: a histoanatomic case report Neurology, V. 34, n.1, p.275, 1984
Damásio, A. R.; Maurer, R.G. A neurological model for childhood autism. Arch Neurol, V.35, p.777-786, 1978
Jerusalinsky, A.(1993a) Autismo na Infância: uma questão de linguagem. Psicose – Boletim da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 9 (IV), novembro de 1993, pp.62-73
Kanner, L. – Early infantile autism revisited. Psychiat. Digest., V.29, p.17-28, 1968
Smalley, S. L. – Genetic influences in autism. Psychiat. Clin. North Am., V.14, n.1, p.125-139, 1991
Autora: Dirce Porto, Professora do 1º, 2º e 3º graus. Formada em Pedagogia habilitada em Administração Escolar e Orientação Escolar pela FEUC. Pós-Graduada em Orientação Escolar pela FAHUPE e Pós-Graduada em Docência do Ensino Superior pela UCAM.
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