A Clínica da Depressão: Síndrome do Pânico e Estados Psicóticos
OBJETIVO
Apresentar uma síntese dos temas abordados, conceitos apresentados e opinião sobre o conteúdo do curso, estabelecendo uma conexão com a minha experiência clínica, principalmente a respeito da abordagem da depressão, campo onde tenho tido uma demanda muito acentuada e que me levou a realizar esse curso.
INTRODUÇÃO
Ao receber o folder do Ciclo Ceap, comecei a analisar um por um para discernir qual curso poderia atender meu anseio de ampliar meus conhecimentos. Todos os temas me chamaram muito a atenção, até me deparar com o tema: A clínica da depressão, síndrome do pânico e estados psicóticos. O fator decisivo foi o perfil profissional da ministrante, psicanalista com uma abordagem kleiniana. Fiquei curioso e feliz, pois por também ser psicanalista e adepto da escola Britânica, tinha certeza de ter encontrado o tema que supriria minhas necessidades de busca por um aprimoramento.
Resolvi centrar esse trabalho em um foco específico sobre um dos temas do curso em questão: A DEPRESSÃO. O motivo que me levou a focar esse tema é a grande demanda em meus atendimentos clínicos. Essa demanda sintomatológica depressiva já estava me chamando a atenção há algum tempo pelo seu caráter não excludente; ela não poupa nenhuma classe social, idade ou sexo, ou seja, não existe uma segmentação grupal. Talvez esse caráter da depressão seja o que a faz ser considerada por muitos como o mal do século.
Do ponto de vista etimológico, a palavra depressão é composta de dois vocábulos do latim: de (para baixo) e premere (pressionar). Esse significado etimológico reflete bem o estado a que é remetido o sujeito acometido pela depressão, um estado de pressão para baixo, uma impotência invisível, com um potencial sobre comum de paralisia do sujeito afetado.
A partir dos conceitos apresentados no curso, brilhantemente, pela professora Bernadette Biaggi, à luz da escola Britânica, com ênfase em autores como Melanie Klein, Bion e Winnicott, desenvolvi uma metáfora para explicar o caminho traçado pelo surgimento da depressão e a condução clínica de um caso de estado depressivo, ressaltando que essa abordagem se refere especificamente à depressão neurótica, já que a depressão psicótica necessita de uma outra abordagem, por se tratar de um quadro com sintomatologia e evolução diferenciadas e com uma necessidade incontestável de associação com a terapia medicamentosa.
Resolvi adotar essa metáfora e abordar a depressão como um monstro, em função do alto grau de sofrimento que um quadro depressivo imputa ao sujeito acometido. E também por querer lhe conceder o caráter de um organismo vivo, que precisa se alimentar para viver. E nessa abordagem metafórica discutir como surge esse monstro, de que ele se alimenta, e como não poderia deixar de ser, como lidar com esse evento dentro de uma abordagem clínica psicanalítica.
Quando da instalação de um quadro depressivo, uma característica que é constante é a falta de energia, e como se houvesse uma desconexão do sujeito com o mundo objetal. Uma nova ordem de economia psíquica é instalada e um movimento de comprime e suprime reduz o investimento libidinal a quase zero. No texto Luto e Melancolia, Freud descreve o empobrecimento do ego como uma consequência do quadro melancólico, e faz uma contraposição à situação de luto, onde o mundo se torna vazio ao sujeito. Através desse exemplo, podemos ter uma ideia do movimento da libido em um quadro depressivo e como a pressão para baixo esvazia o ego de qualquer investimento libidinal em si mesmo, tornando-o inócuo e sem capacidade de sentir qualquer estímulo oriundo do ambiente e de si mesmo.
OS ALIMENTOS DA DEPRESSÃO
Através desta analogia, procuro traçar os fatores propulsores do processo depressivo e sua ligação com os processos primários de estruturação do sujeito. É importante observar que nenhum deles é responsável sozinho pelo processo depressivo, mas sim estão diretamente interligados, formando um sistema de autoalimentação, com um círculo de interdependência.
Perda ou medo da perda: Sempre que nos deparamos com um quadro depressivo, é adequado procurarmos o início do processo. A busca do fator desencadeante, na grande maioria dos casos, vai nos colocar de frente com algum fato relacionado à perda. Essa pode ser uma perda real e concreta ou pode ser apenas uma possibilidade de perder. Mas por que a perda teria tanta influência na mudança da economia psíquica de um indivíduo? Vamos analisar à luz de um caso clínico: O paciente em questão, 29 anos, solteiro, estudante de educação física, mora com os pais e dois irmãos. Chegou à clínica com um quadro de depressão severa, segundo ele, desde os 14 anos. Já havia feito acompanhamento psicológico anteriormente com abordagem comportamental, tomando antidepressivo há dois anos sem o devido sucesso, apresentando concomitantemente um quadro de isolamento social. Logo no início das entrevistas preliminares, o paciente relata que tudo começou quando aos 14 anos a primeira namorada terminou o relacionamento sem dar maiores explicações, e a partir daí começaram os sintomas depressivos (ressaltando que até esse momento de sua vida não tinha apresentado nenhum sintoma, relatando um desenvolvimento normal até então). Após esse fato, o paciente só vai se envolver novamente em outro relacionamento aos 27 anos, que também terminou de forma unilateral, acentuando o quadro depressivo, inclusive com o aparecimento de alucinações auditivas de ataque contra seu ego (segunda perda). Nesse interregno entre os dois relacionamentos, o referido paciente não se envolveu com mais ninguém, inclusive se mantendo virgem até a ocorrência desse segundo. Nesse caso, fica bem claro a dificuldade que o depressivo tem em lidar com o fator perda, pois sua estruturação primária, devido a uma inadequação, não consegue elaborar a perda do objeto e, posteriormente, processar o reinvestimento em outro objeto (vide o tempo que o paciente levou para promover um novo investimento em uma nova relação). Vou utilizar esse mesmo paciente para demonstrar os outros alimentos da depressão e a interligação entre eles.
Autoestima deficiente: A fragilidade do ego é outro fator marcante no sujeito depressivo. Essa fragilidade pode estar explícita ou negada através de mecanismos de defesa, padrões comportamentais, etc. A estrutura egoica do depressivo carece de uma deficiência de reinvestimento em si mesmo (narcisismo), tão necessário para estabelecer o equilíbrio entre o investimento no objeto e o investimento em si. Voltando ao nosso paciente, uma de suas características que mais me chamou a atenção foi o teste da figura da pessoa humana, onde ele desenhou apenas a cabeça, demonstrando que o mesmo não se via por completo e a dificuldade de lidar com a própria figura. Somando-se a isso, o mesmo não se olhava no espelho. Fica claro nesse quadro que, se o ego não é visto como digno de receber um investimento libidinal, esse investimento tenderá a ser todo investido no objeto. Com a negativa do objeto, gera-se uma tensão intrapsíquica que, não tendo como ser descarregada por vias saudáveis, encontrará um campo fértil na angústia da depressão, inclusive com alucinações auditivas de ataque a esse ego (o paciente sofria de ataques de vozes o depreciando constantemente).
Negativa da agressividade: Um fator marcante no sujeito depressivo é a forte ambivalência entre o amor e o ódio. Na tentativa de preservar esse objeto que se tornou maior e único, já que o ego está desprovido da capacidade de auto investimento, é o comportamento passivo que ele passa a adotar em suas relações com o meio. Essa passividade nada mais é do que uma onipotência primitiva de achar que pode destruir o objeto desejado e, para preservar esse objeto, ele nega qualquer impulso agressivo, tornando-se o bonzinho, bem educado, meigo, incapaz de fazer mal a ninguém. O paciente em questão tinha seu nome chamado no diminutivo, sempre infantilizado, como um ser indefeso. Isso o irritava profundamente, mas não tinha coragem de reagir, com medo das pessoas se afastarem dele (perda do objeto). Esse comportamento tomou conta de seu ego de uma maneira tal que ele adotou um discurso altamente moralizante, uma conduta tão ilibada que o sufocava, como ele mesmo relatou em uma sessão. A negativa de sua agressividade básica o transformou em um ser amorfo.
Culpa: O último dos alimentos dessa descrição metafórica é a culpa. Como podemos ver, ela está diretamente relacionada com os fatores citados acima. Dentro da onipotência do depressivo de achar que pode destruir o objeto se externar sua agressividade, qualquer comportamento que ele tenha que fuja desse padrão da passividade gera um processo tirânico de culpa, pois só a possibilidade de ferir o objeto e esse ser destruído já desencadeia o processo inconsciente de culpa. O paciente usado nesse trabalho como exemplo desenvolveu uma auto responsabilidade onipotente pelo objeto. Ele era tomado por uma sensação de responsabilidade quando os irmãos saíam de casa, com medo de lhes acontecer alguma coisa e ele, sendo o irmão mais velho, iria ser responsabilizado. Só de pensar em se envolver em um novo relacionamento, ele já se enchia de culpa pela possibilidade de ficar com uma pessoa, não gostar e depois achar que se aproveitou dela, ou seja, o superego entra em conflito com esse ego desinvestido e passa a responsabilizá-lo por qualquer possibilidade de dano objetal, gerando um processo intenso de culpa inconsciente.
CONCLUSÃO
Procurei através deste trabalho metaforizar os componentes constitutivos do processo depressivo. Não me aprofundei mais em termos de processos primários, por não ser esse aqui o objetivo principal.
Como podem ver, o processo depressivo envolve uma série de fatores correlacionados que, interagindo sobre um ego cindido, fragilizado em suas relações objetais, estabelecem uma nova ordem de economia psíquica do sujeito afetado. Dentro da perspectiva clínica, o papel principal da clínica psicanalítica é, dentro do processo transferencial, resgatar a capacidade desse ego manter relações objetais saudáveis. Como caminho para esse processo, está a capacidade do terapeuta de promover ou resgatar o enarcisamento desse sujeito, ou seja, dar-lhe um espelho onde ele possa se ver. Ou, em uma visão mais kleiniana, resgatar a capacidade de reparação dos objetos internos.
Quando para o sujeito é nomeada sua angústia e o processo elaborativo é bem-sucedido, existem boas perspectivas de uma boa evolução do quadro, sem descartar, é claro, a ajuda da terapia medicamentosa concomitantemente em casos mais graves.
NOTA: O paciente citado nesse trabalho encontra-se em processo terapêutico há nove meses, com uma boa evolução em seu quadro clínico. Já retomou algumas atividades sociais, como cinema (o que não fazia há 14 anos), voltou a jogar futebol por lazer, está permitindo aproximação de pessoas em seu ambiente de trabalho, cuidando melhor da aparência física, inclusive frequentando academia de ginástica.
Autor: Augustus Jose de Lima
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