Violência Sexual Contra Pessoas com Deficiência
Este artigo aborda a grave questão da violência sexual contra pessoas com deficiência, destacando estatísticas, casos clínicos e a importância da intervenção profissional. Aprenda sobre os desafios enfrentados por essas vítimas e como obter ajuda.

De acordo com estatísticas nacionais, uma em cada três mulheres corre o risco de ser vítima de violência sexual durante sua vida, e a estimativa revela que uma em cada cinco crianças, meninos ou meninas, enfrenta o mesmo risco. Estupro, molestamento de crianças e incesto estão aumentando em índices alarmantes em nosso país. Infelizmente, pessoas com deficiência intelectual e distúrbio emocional também são suscetíveis a essa experiência degradante. Shuker (1980) relata que o estuprador frequentemente escolhe vítimas por alguma “vulnerabilidade como, por exemplo, juventude, velhice, deformidade ou deficiência física”.
A condição da vítima é, muitas vezes, piorada por não ser levada a sério quando ela denuncia. No caso de pessoas com deficiência mental, o relato delas sobre uma agressão sexual pode ser entendido como “uma manifestação do transtorno mental” ou uma história inventada para ganhar atenção. Para entender mais sobre a importância da intervenção profissional, consulte Ética na Educação.
Pessoas com deficiência física também são alvo de agressões sexuais. Em alguns casos, as pessoas violentadas estavam ainda se recuperando do evento de uma deficiência recente. Precisamos estar alertas ao fator complicador de uma reação composta ao trauma de uma pessoa com deficiência que foi estuprada (BURGESS, GROTH, HOLMSTROM & SGROI, 1978):
Embora esta jovem tenha sido levada a sério quando denunciou, foi difícil para ela provar, perante a justiça, que a agressão aconteceu. Mas, ela foi capaz de fazer uma identificação positiva através do uso de voz gravada em fitas e o agressor foi condenado (A.W. Burgess, entrevista pessoal, janeiro de 1981). Em outros exemplos, as vítimas não foram capazes de oferecer evidências suficientes para uma condenação:
Um significativo número de estupros (47%) ocorre em locais abertos, públicos, e 32% dentro ou perto da casa das vítimas, como no caso clínico 3 (MCDERMOTT, 1979). No momento do ataque, a vítima fica reduzida a um objeto que é o foco da raiva e agressividade do agressor. A motivação principal do agressor no momento do ataque consiste na satisfação da sua necessidade de controle e poder e na liberação da raiva que se acumulou interiormente (GROTH, 1979). Apesar de haver muitas táticas para deter um ataque e após os agressores ganharem controle da situação, as vítimas ficam sem escolha e se submetem à violência a fim de salvar a própria vida:
Existem três ingredientes necessários para o agressor cometer uma violência sexual: (1) a iniciativa para cometer o ato, (2) a habilidade de perpetrar o ato e (3) a oportunidade. Em nosso trabalho com agressores, concluímos que, na maioria dos casos, o desejo sexual não era a questão no momento da violência. Os agressores relatam que a vítima poderia ter sido qualquer uma e a aparência física não era importante. Muitas vezes, o ato é impulsivo, a oportunidade se apresenta e a vítima potencial parece ser vulnerável:
Muitas crianças também são vítimas de violência sexual. Crianças com deficiência não são exceção. O molestador de crianças tem uma personalidade inadequada que se volta para as crianças para satisfazer necessidades de controle e aceitação e lidar com o estresse da vida. O molestador de crianças, assim como o estuprador, procura por crianças que sejam vulneráveis. Com frequência, crianças com deficiência não participam das atividades da vizinhança com outras crianças e ficam apenas observando. Sua necessidade de atenção e aceitação após ficarem com uma deficiência pode aumentar. Em muitos casos, o agressor pode ser alguém conhecido da família e fica um bom tempo junto com a criança a fim de ganhar a confiança dela:
Existe um incontável número de casos nos quais o atendente tinha necessidades não satisfeitas e a dependência que o paciente tinha de outras pessoas é distorcida ou manipulada a fim de satisfazer aqueles desejos não atendidos.
Os seguintes relatos são três de tais casos:
Com a tendência de as vítimas entenderem mal os atos ou intenções dos outros, o agressor sexual pode utilizar, e de fato utiliza, essa condição como uma vantagem. Uma vez que a vítima, com frequência, percebe o agressor como um atendente, parece não ocorrer a ela a consciência de que a violência é um ato inadequado. O cliente com distúrbio emocional pode já estar passando por muitos problemas antes de ser violentado.
Parafraseando Douglas (1980):
Estas condições, em conjunto com uma violência sexual, tendem a intensificar e complicar mais ainda algum problema que pessoas com deficiência já enfrentam.
O profissional que atua junto a clientes que tenham sido vítimas de violência sexual precisa compreender de que forma este tipo de experiência traumática pode afetar a vida deles. Como no caso de uma deficiência física, vítimas de violência sexual enfrentam o estigma social do estupro e sentem raiva, culpa e trauma em consequência da agressão. A crise produzida pela violência pode impor à vítima uma condição incapacitante, embora invisível (CARROW, 1980).
A reação psicológica das vítimas, definida por Burgess & Holmstrom (1974) como ‘síndrome do trauma do estupro’, consiste de uma fase aguda na qual as vítimas ficam desorganizadas e podem ter sentimento de negação do incidente. Elas precisam inicialmente lidar com as várias rupturas em sua vida. A segunda fase transcorre por um longo tempo; é um processo de reorganização no qual as vítimas põem em ordem as rupturas de sua vida. E fazem grandes ajustamentos, que podem incluir mudança para uma nova moradia, escolha de um novo emprego e relacionamento com novos amigos. Para entender mais sobre a importância da autoestima, veja Autoestima: Pontos Essenciais e Aspectos Relevantes. Para vítimas infantis, o apoio de seus familiares e a intervenção profissional são importantes, uma vez que elas podem sentir uma enorme carga de culpa em associação com o incidente. Crianças que forem vítimas de relações incestuosas podem sentir rejeição da parte de outros familiares (pai ou mãe ou irmãos) se a pessoa que perpetrou o incesto for retirada do ambiente doméstico e/ou for presa e, em seguida, colocada na cadeia. De qualquer forma, se a vítima da violência sexual for uma pessoa com deficiência, isso pode aumentar quaisquer sentimentos de inadequação, baixa autoestima, e contribui para um autoconceito desfavorável.
O cliente com distúrbio emocional ou deficiência intelectual precisa ser informado de que, embora uma parte do ato possa ter sido fisicamente prazerosa, esse ato é uma violação de seus direitos (GEIST, KNUDSON & SORENSON, 1979). Esta falta de conexão entre prazer e violência é totalmente aproveitada pelo agressor, com ou sem intenção. Vítimas que não tenham entendimento do porquê a violência ocorreu parecem intensificar seus sentimentos de culpa e confusão: ‘Como pode uma coisa que sinto que é boa ser má?’. Em muitos casos, a vítima não entende por que o agressor está perpetrando estes atos e a vítima com frequência sente culpa por se envolver em um ato no qual ela não tem escolha. Isso tende a aumentar seus sentimentos de desamparo e diminui seus autoconceitos. Isso parece ser comum à maioria das vítimas de violência sexual (BURGESS & HOLMSTROM, 1974).
No artigo ‘Psicoterapia com Vítimas de Estupro’, Forman (1980) descreve algumas técnicas eficazes de intervenção durante as cinco fases de reação da vítima, delineadas por Rogers (1978). Estas fases são: inicial, negação, definição do sintoma, raiva e resolução. Pessoas com deficiência, que forem vítimas de uma violência sexual, têm de lidar com este trauma e percorrer as diversas fases de reação, além de lidar com a própria condição da deficiência. O terapeuta precisa ser sensível a esta situação e estar preparado para lidar com ambas as áreas preocupantes da vida do cliente. Na fase inicial, as vítimas estão em um estado de choque, mas felizes por estarem vivas. O aconselhamento de crise pode ser um processo eficaz de intervenção nesta fase, embora não totalmente adequado. O terapeuta precisa tentar estabelecer confiança e desenvolver um bom relacionamento terapêutico durante esta fase. Uma falha em estabelecer relacionamentos terapêuticos, enquanto ajuda o cliente a readquirir controle sobre sua vida, pode impedir interações terapêuticas por um longo tempo. As demais fases – negação, definição do sintoma, raiva e resolução – são semelhantes às fases pelas quais as pessoas com deficiência passam logo após a ocorrência da deficiência.
Burgess, Groth, Holmstrom e Sgroi (1978) sugerem diversas técnicas que podem ser úteis no trabalho junto a pessoas com deficiência que foram vítimas de violência sexual:
Pessoas com deficiência auditiva ou com impedimento na fala podem requerer atenção especializada, pois elas tendem a vivenciar problemas socialmente e psicologicamente, além de vivenciar frustração com este tipo de deficiência (TORKELSON & LYNCH, 1979). Como foi mencionado acima, este tipo de caso é difícil para se promover ação penal e a vítima pode vivenciar muita vergonha, dificuldade e insegurança tentando descrever o ato perante a justiça.
A violência sexual é uma experiência extremamente traumática que pode afetar as vítimas e a vida delas indefinidamente, como no caso da ocorrência de um acidente ou uma condição congênita que resulte em uma deficiência. O profissional que atende uma pessoa com deficiência, vítima de violência sexual, está diante de uma complexa situação com a qual deve lidar. Com o entendimento mais esclarecido de algumas das questões envolvidas na violência sexual, os profissionais podem oferecer serviços mais eficazes a seus clientes.