Variação Linguística e Preconceito Linguístico: Compreenda a Diversidade na Linguagem
Descubra as variedades linguísticas de nosso mundo e aprenda sobre o preconceito linguístico existente. Entenda como a língua está relacionada à identidade, valores e crenças culturais e veja por que é importante para a nossa sociedade. Venha aprofundar seus conhecimentos com a Variação Linguística!
Preconceito Linguístico
Marcos Bagno começa por dizer que “tratar da língua é tratar de um tema político”. Explica: “Só existe língua se houver seres humanos que a falem. O homem é um animal político (Aristóteles), portanto, a linguística é uma atividade científica essencialmente politizada. E é exatamente isso, politizar a lingüística, o que vem fazendo o escritor Marcos Bagno, um militante, a seu modo, das causas sociais”.
Ao partir do princípio de que a língua é viva, o autor conclui que tudo aquilo que se contrapõe a esta condição está morto. Por isso, a gramática e os gramáticos tradicionais são considerados por ele como “uma grande poça de água parada, um charco, um brejo, um igapó, à margem da língua”.
A língua é como um rio que se renova, enquanto a água do igapó, a gramática normativa, envelhece, não gera vida nova sem que venham as inundações. Com estas imagens, Marcos Bagno constrói a diferença entre a dinâmica da língua/rio e o apego às normas/igapó da língua culta, que são guardadas, preservadas e divulgadas de maneira conservadora, preconceituosa e prejudicial à vida social.
Para analisar como se constrói o preconceito linguístico, Bagno relaciona oito mitos que revelam o comportamento preconceituoso de certos segmentos letrados da sociedade frente às variantes no uso da língua, e as relações desse comportamento com a manutenção do poder das elites e a opressão das classes sociais menos favorecidas, normalmente por meio da pseudopadronização imposta pela norma culta.
Mito nº 1
“A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”.
Mito prejudicial à educação, por não reconhecer que o português falado no Brasil é bem diversificado. A escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse de fato comum a todos os brasileiros. As diferenças de status social em nosso país explicam a existência do verdadeiro abismo linguístico entre os falantes das variedades não-padrão do português brasileiro, que compõem a maior parte da população, e os falantes da suposta variedade culta, em geral não muito bem definida, que é a língua ensinada na escola. Os meios oficiais insistem em utilizar uma língua padrão, gerando uma espécie de incomunicabilidade entre poderes (constituídos ou não) e o povo. A educação parece ser o ponto mais atingido por esse panorama, apesar de que, desde 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, reconhecem a diversidade lingüística.
A Língua Portuguesa deve ser vista como realmente é, uma língua de alto grau de diversidade, causado pela grandeza de nosso Brasil, fazendo com que ela se modifique em cada região. “Esse caráter individual da fala é responsável pela diversidade da língua…”, ou seja, o fato de que em grande parte do Brasil a língua predominante ser a Portuguesa não quer dizer que ela tenha uma unidade, pois a idade, o grau de escolarização, a situação socioeconômica e outros fatores resultarão na fala de um indivíduo que é consequência desse emaranhado de coisas.
Desse modo, esse mito de que a língua é homogênea deve ser quebrado, afinal, nem todos têm acesso à norma culta e os que chegam até ela se deparam com algo desconhecido, pois assim é ensinado para o aluno, como um outro idioma, e esse preconceito irá gerar outros, os quais veremos a seguir.
Mito nº 2
“Brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português”.
Para o autor, a afirmação acima demonstra complexo de inferioridade, sentimentos de dependência de um país mais antigo e civilizado.
Para Bagno, como crítica aos que cultuam línguas e costumes estrangeiros como sendo superiores aos nossos, a língua falada e escrita vai bem, produzindo uma literatura reconhecida mundialmente pelo grande prestígio que tem, especialmente por causa da música popular brasileira.
O brasileiro sabe português, sim. O que acontece é que o nosso português é diferente do português falado em Portugal. A língua falada no Brasil, do ponto de vista lingüístico, já tem regras de funcionamento, que cada vez mais se diferenciam da gramática da língua falada em Portugal. Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português falado no Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão. O único nível que ainda é possível numa compreensão quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua escrita formal, porque a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças.
Conclui-se que nenhum dos dois é mais certo ou mais errado, mais bonito ou mais feio: são apenas diferenças um do outro e atendem às necessidades lingüísticas das comunidades que os usam, necessidades lingüísticas que também são diferentes.
“É espantoso que a figura do gramático intolerante tenha voltado à cena neste fim de século, sob a roupagem enganosamente moderna da televisão, do computador”. (p.34)
Apesar de sua diversidade, a língua Portuguesa não deixa de ser nossa língua, porém cada indivíduo, em seu meio/região, adapta-se à sua maneira de comunicação. No que respeita ao ensino de português no Brasil, o grande problema é que esse ensino, até hoje, continua com os olhos voltados para a norma lingüística de Portugal.
Mito nº 3
“Português é muito difícil”.
Bagno disse, neste capítulo, que essa afirmação preconceituosa é prima-irmã da ideia que ele derrubou, a de que o “brasileiro não sabe português”.
A língua que falamos segue uma regra que veio da Gramática Normativa de Portugal.
Mas nós, brasileiros, vivemos uma realidade diferente da deles, isso faz com que o nosso português seja diferente e essas normas não fazem parte de nossa vida, virando assim um monte de imposições a serem decoradas.
No dia em que nossa língua se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa no Brasil, é bem provável que ninguém continue a repetir essas bobagens. Todo falante nativo de uma língua sabe essa língua, pois saber a língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela. A regência verbal é caso típico de como o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Por mais que o aluno escreva o verbo assistir de forma transitiva indireta, na hora de se expressar, passará para a forma transitiva direta “ainda não assisti o filme do Zorro”.
Tudo isso por causa da cobrança indevida, por parte do ensino tradicional, de uma norma gramatical que não corresponde à realidade da língua falada no Brasil.
Este mito gera um preconceito, porque o português falado é diferente do português escrito de forma culta. O falado está relacionado ao nível social, à região e ao nível intelectual.
E o escrito é baseado na gramática normativa.
As regras aprendidas nas escolas não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil, causando uma grande dificuldade atribuída à língua.
Porém, isto ocorre devido à diferença existente entre a língua ensinada e a língua usada.
No momento em que o ensino de português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa, é bem possível que ninguém mais continue a repetir que o português é difícil.
Mito nº 4
“As pessoas sem instrução falam tudo errado”.
Esse mito, além de trazer um preconceito linguístico, vem acompanhado de um social, de que as pessoas de menor aquisição não sabem falar o português. Não importa o quão letrado ele seja, mas o fato de ser pobre vai fazer com que as pessoas olhem como se ele de nada soubesse.
E tem mais, podemos observar um outro preconceito, o regional, que está sempre sendo alimentado pela mídia que desmoraliza uma certa região, como acontece com os interiores do Nordeste.
Qualquer manifestação lingüística que escape do triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, levando em conta o preconceito lingüístico, “errada”, feia, estropiada, rudimentar, deficiente e não é raro a gente ouvir que isso não é português.
Uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos bens culturais da elite, sofre um preconceito social. A língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, quando na verdade é apenas diferente da ensinada na escola.
O autor explicou o Rotacismo – fenômeno fonético que contribui para a formação da própria Língua Portuguesa padrão. Este fenômeno participou da formação da língua portuguesa padrão e é atuante no português não-padrão, porque essa variedade contaria deixa que as tendências normais e inerentes à língua se manifestem livremente.
Neste caso, o preconceito lingüístico é decorrência de um preconceito social. Do mesmo modo que existe o preconceito contra a fala de determinadas classes sociais, também existem preconceitos contra a fala característica de certas regiões.
Bagno explicou o fenômeno da palatalização – som da pronúncia da região para região no Brasil e que muitas vezes é alvo de chacotas por pessoas que se julgam pertencer a um lugar superior. Para Bagno, o que está em jogo não é a língua, mas a pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive.
Esse preconceito lingüístico é embasado na crença de que existe uma única língua portuguesa digna, e que seria a única língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários.
Este preconceito também vem acompanhado de um social, de que as pessoas pobres não sabem falar corretamente o português, não importa a sua cultura ou sua formação, mas o fato de ser pobre vai fazer com que as pessoas olhem como se ele nada soubesse, e temos um exemplo vivo aos nossos olhos, o Presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, que sofre ainda hoje preconceitos por ter sido um metalúrgico e pobre em sua infância e adolescência.
Então, esses dois tipos de preconceitos serão difíceis de combater, mas deveremos trabalhar isso ainda na escola, mostrando que apesar das diferenças existentes devemos respeitar o modo da outra pessoa falar, afinal isso é uma consequência do ambiente no qual ela faz parte.
Mito nº 5
“O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”.
Essa ideia de que o Maranhão é o lugar onde se fala melhor português nasce do mito de que o português só é falado corretamente em Portugal, pois verificamos lá no Maranhão o uso do pronome tu, seguido das formas verbais clássicas, muito utilizadas pelos portugueses. Não existe nenhuma variedade nacional e regional ou local que seja intrinsecamente “melhor”, “mais pura”, “mais bonita” ou “mais correta” que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam. Quando deixar de atender, ela inevitavelmente sofrerá transformações para se adequar às novas necessidades. “Toda a variedade lingüística é também o resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares”.
Pessoas cultas de qualquer região, que tiveram mais acesso à educação, expressarão igualmente bem “sob ótica da norma ótica”.
“É preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de falantes o “melhor” ou “pior” e passar a respeitar igualmente as variedades da língua, que constituem uma preciosidade de nossa cultura. Todas elas têm o seu valor, são veículos plenos e perfeitos de comunicação e de relação entre as pessoas que as falam.” De acordo com Bagno, se tivermos de incentivar o uso de uma norma culta, não podemos fazê-lo de modo absoluto, fonte de preconceito. Para ele, temos de levar em consideração a presença de regras variáveis em todas as variedades, a culta inclusive.
Assim podemos perceber que esse mito quebra outro debatido no início, o de a língua ser homogênea. Se no Maranhão o português é mais correto do que nas outras regiões, é porque eles são diferentes, não sendo possível uma língua única. Sendo assim, nos próprios mitos se debatem, afinal a língua que é homogênea não pode ter lugar onde é falada melhor. Não existe “língua pura” e sim uma variedade que deve ser vista de forma correta pelos estudiosos.
Mito nº 6
“O certo é falar assim porque se escreve assim.”
O autor explica o fenômeno da variação, onde nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico.
A supervalorização da língua escrita, combinada com o desprezo da língua falada, é preconceito. Apesar disso, o autor afirmou que é preciso escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como “erradas” as pronúncias, porque elas são resultados naturais das forças internas que governam o idioma.
Foi somente no século XX, com o nascimento da ciência linguística, que a língua falada passou a ser considerada como verdadeiro objetivo de estudo científico. Afinal, a língua falada é língua tal como foi aprendida pelo falante em seu primeiro contato com a família e com a comunidade, logo nos primeiros anos de vida.
A fala tenta reproduzir a escrita através de códigos. Não há necessidade de a pessoa saber escrever e ler para se comunicar, pois existem milhões de pessoas que nascem, crescem, vivem e morrem sem jamais terem sido alfabetizadas. No entanto, ninguém pode negar que são falantes perfeitamente competentes de suas línguas maternas.
Nenhuma língua do mundo consegue reproduzir a fala com fidelidade.
Esse mito tem como maior colaborador o sistema de ensino, pois é através dele que o aluno é de certa forma obrigado a ler como se escreve, não levando em consideração o ambiente do falante. É lógico que a ortografia segue regras, devendo ser cumpridas, mas a fala não deve imitar a escrita, pois como podemos perceber em nosso dia a dia, o ser humano aprende primeiro a falar e depois a escrever, sendo assim, é uma hipocrisia afirmar que a língua deve ser como a escrita.
Mito nº 7
“É preciso saber gramática para falar e escrever bem”.
A afirmação acima vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em muitos compêndios gramaticais. “A Gramática é instrumento fundamental para o domínio padrão culto da língua”.
Este mito aborda uma das mais delicadas questões do ensino da língua, que é a existência das gramáticas, que teriam como finalidade primeira a descrição do funcionamento da língua, mas que fatalmente se tornaram, no decorrer do tempo, instrumentos ideológicos de poder e controle social. A norma culta existe independente da gramática. Porém, a manifestação desse mito concretiza uma situação histórica: a confusão existente entre língua e gramática normativa. Isso denuncia, segundo Marcos Bagno, a presença de mecanismos ideológicos agindo através da imposição de normas gramaticais conservadoras no ensino da língua.
Este mito foi defendido pelos meus professores de português, quando cursava o ensino fundamental e médio, e ainda este vem crescendo muito, pois passei e muitos já passaram por essa cobrança; de aprender a gramática para escrever e falar bem, mas é muito fácil encontrar pessoas que conhecem as regras, porém na hora de escrever não conseguem, pois esse aprendizado foi feito de forma fragmentada.
Mito nº 8
“O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”.
Esse mito, como o primeiro, é aparentado porque ambos tocam em sérias questões sociais. O autor fez uma crítica irônica, dizendo que se este mito fosse verdadeiro, os professores ocupariam o topo da pirâmide social, econômico e política do país.
De acordo com ele, é preciso garantir a todos os brasileiros o reconhecimento da variação lingüística, porque o mero domínio da norma culta não é uma formação mágica que vai resolver todos os problemas de uma pessoa carente, de um dia para o outro.
A transformação da sociedade como um todo está em jogo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja existência mesma exige desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover “a ascensão” social dos marginalizados é, senão hipócrita e cínica, pelo menos de uma boa intenção paternalista e ingênua.
Bagno mencionou que falar da língua é falar de política e que se não for analisado desta forma, estaremos contribuindo para a manutenção do círculo vicioso do preconceito lingüístico e do “irmão-gêmeo” dele, o “círculo vicioso da injustiça social”.
É importante ressaltar que não basta ensinar aos cidadãos que não sabem falar/escrever de acordo com as normas estabelecidas, mas também é preciso atacar as causas que impedem o acesso desses falantes à norma culta.
As desigualdades sociais brasileiras são profundas. O acesso à norma lingüística culta não é uma fórmula mágica que irá resolver sozinha todos os problemas sociais, mas se estiver acoplada aos bens culturais, ao acesso à saúde e à habitação, ao transporte de boa qualidade, à vida digna de cidadão merecedor de todo respeito, quem sabe alguns passos serão dados para melhoria e para a transformação da sociedade como um todo.
O círculo vicioso do preconceito lingüístico
1. Os três elementos que são quatro
O círculo vicioso do preconceito lingüístico é formado pela gramática tradicional, pelos métodos tradicionais de ensino e pelos livros didáticos.
A gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez faz surgir a indústria do livro didático que novamente recorre à gramática tradicional como fonte de inspiração e teorias sobre o ensino da língua, formando assim o círculo vicioso.
A gramática tradicional continua muito usada nas mais variadas práticas de ensino, que variam muito de região, de escola e até de professor, de acordo com as normas pedagógicas adotadas, mas que hoje já estão menos rígidas, e o Ministério da Educação tem feito esforços para provocar uma reflexão sobre os temas relativos à ética, para que se adote uma postura mais flexível no ensino da escrita e da língua padrão.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais já estão ajudando para que a escola se livre de vários mitos, evitando assim que a cultura de fala de muitas pessoas seja apagada ou considerada inferior. Mas ainda precisamos esperar para ver todos esses esforços serem refletidos na prática, e para isso os livros didáticos já estão um pouco modificados para acompanhar as novas concepções.
“Pior preconceito é aquele que uma pessoa exerce sobre si mesmo”.
O autor cita um quarto elemento oculto dentro deste círculo, o qual ele chama de comandos paragramaticais (arsenal de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas, programas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, “consultórios gramaticais” por telefone etc.). Estes comandos propagam velhas noções de que “brasileiro não sabe português” e que “português é muito difícil”.
O círculo vicioso que se forma ao redor do falante da língua portuguesa faz com que ele mesmo pense que nosso português é difícil, ou que ele não sabe falar sua própria língua corretamente. A mídia aproveita-se disso. Devia ser o contrário, aproveitar toda sua força para denunciar tantos preconceitos e não haver este mercado tão intenso que cresce em cima de tantos mitos.
2. Sob império de Napoleão
Através dos comandos paragramaticais, considerado o quarto elemento do círculo vicioso, devemos destacar o maior propagador do preconceito lingüístico, que foi durante muito tempo o professor Napoleão Mendes de Almeida, que em suas colunas de jornal nunca escondeu sua intolerância, e que durante muito tempo foi tido como “defensor intransigente da língua”.
O que não podemos deixar de citar é que ele sempre defendeu essa mesma “língua”, como preconceito social e lingüístico, usando muitas vezes da expressão “língua de cozinheiras”, ou chamando de infelizes aqueles que não faziam uso da norma padrão, por serem do interior ou menos favorecidos.
Para o professor, a literatura morreu em 1908 com Machado de Assis. Ele criticava o estudo lingüístico por acreditar que este se baseia apenas no estudo da fala. Para ele “a lingüística é um estorvo do aprendizado da língua portuguesa em escolas brasileiras”.
Segundo Bagno, acreditar que a lingüística “não vai além da fonética” é de uma ingenuidade imperdoável de alguém que julgava ter autoridade suficiente para policiar a língua dos jornalistas e dos escritores, para decretar o que é certo ou errado no português brasileiro, para afirmar que é português estropiado que se fala no Brasil, língua de gíria, de flexão, arbitrária, língua do “deixo vê, do mande ele, do já te disse que você, do não lhe conheço, do fiz ele estudar, do vi os meninos saírem”.
Napoleão, que se diz pessoa culta e indicada para mostrar e corrigir o “certo” e o “errado” na gramática escrita e falada, e que se considera capaz de julgar até mesmo escritores consagrados, não deixa de ser, na verdade, um precursor do preconceito lingüístico e social, mostrando em seus artigos e livros uma linguagem de desprezo para com todos os cidadãos que, por vários motivos, se encontram afastados da gramática tradicional, por ele considerada a única verdade aceita.
3. Um festival de asneiras
Na mesma linha de conduta preconceituosa se encontra o livro “Não Erre Mais”, de Luiz Antônio Sacconi que, para Bagno, não tem critério de organização e tenta ensinar coisas inúteis como pronúncias corretas ou conjugações de verbos nunca usados pelos falantes da língua brasileira. Ainda corrige “erros” que não possuem frequência, portanto não podem servir de regra e não justifica sua inclusão no livro, mas o pior são suas expressões preconceituosas que são tratados por ignorantes, deixando todos os leitores entender que o único capaz de usufruir a norma culta é ele mesmo.
Os jornalistas foram seu alvo preferido, aos quais ele chama de incompetentes e os considera um estorvo para os professores de português, chegando ao absurdo de dizer que de tanto inventarem a língua, vão acabar fazendo uma só para eles. Muitos outros segmentos não escapam do seu ataque preconceituoso, os italianos, as pessoas do interior, os caminhoneiros… em todo o livro.
Do ponto de vista das concepções lingüísticas do autor, o livro também é um desastre. Condenou usos que já estão consagrados na norma culta real, abonados nos mais diversos dicionários e na obra de muitos escritores de reconhecido talento. Tentou impor formas arcaicas, que causariam estranheza a qualquer falante bem instruído e abolir construções que são perfeitamente aceitáveis, resultantes de inevitáveis transformações que a língua passa.
Para Bagno, o Livro “Não Erre Mais!” está repleto de erros – erros de descrição dos fenômenos lingüísticos e, sobretudo, erros de conduta: preconceituosa e nada ética… “um festival de asneiras”.
O Livro “Não Erre Mais” tenta justificar as palavras usadas pelos falantes da língua brasileira como sendo de origem Bahiana ou Africana. Mas muitos fenômenos de linguagem existem muito antes da Bahia ser descoberta. Ele trata os falantes de forma preconceituosa, pois nenhum segmento da sociedade escapa de suas críticas, mostrando uma total falta de ética e conhecimento das variantes da língua. Seu “Festival de Asneiras” mostra seus desconhecimentos dos fenômenos lingüísticos, assim como sua pretensão de achar que muitos poucos privilegiados são conhecedores da norma culta, enquanto a riqueza das variantes lingüísticas de todas as regiões do Brasil é vista por ele com desprezo e são profundamente estigmatizados.
4. Beethoven não é dançado
Bagno fez uma crítica à coluna do jornal chamada “Dicas de Português”, assinada por Dad Squarisi, cujo título era “Português ou Caipirês?”, a que se referia à viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso a Portugal, quando acusou os brasileiros de serem todos caipiras. A autora se achou no direito de ofender, desprezar e ridicularizar os falantes das outras variedades lingüísticas. O texto de Bagno aponta todos os preconceitos praticados pela autora da coluna contra o povo brasileiro, sem esquecer da questão gramatical.
Dad afirma que o brasileiro, caipira, jeca-tatu, capial, matuto, “sem nenhum compromisso com a gramática portuguesa, não faz concordância em frases como vende-se carros”. Segundo Bagno, “a questão da partícula se em enunciados do tipo acima vem sendo investigada há muito tempo nos estudos gramaticais e lingüísticos brasileiros. O que todos os estudiosos concluem é que, na língua falada no Brasil, no português brasileiro, ocorreu uma reanálise sintática nesse tipo de enunciado, isto é, o falante brasileiro não considera mais esses enunciados como orações passivas sintéticas. O que a gramática normativa insiste em classificar como sujeito, a gramática intuitiva do brasileiro interpreta como objeto direto.
Mas Bagno informa ainda que os lingüistas Manoel Said Ali, Antenor Nascentes e Joaquim Mattoso Câmara Jr. reconhecem o fenômeno e que em todas as classes sociais o brasileiro escreve o verbo no singular e põe o substantivo no plural. Ele mostra também que em Portugal expõe este mesmo “defeito” gramatical. Bagno quer dizer com esse exemplo que as normas cultas são várias e mudam de acordo com o uso da língua. A rigidez na defesa de certos dogmas pode não apenas reforçar preconceitos como expor os especialistas a uma situação indesejável.
O que é ensinar português?
Tudo que é ensinado hoje da gramática normativa não é garantia de que o aluno faça bom uso da língua culta. Nos prendemos a ensinar regras e esquecemos que o que vai fazer dele um bom falante é a maneira prática de empregar essas regras. Mas para que toda esta mudança seja aceita, é preciso que os professores se convençam de que basta a ele saber toda a técnica da gramática tradicional, ao aluno cabe aprender a usá-la. Sabemos, porém, que em muitas áreas ainda é cobrada a gramática tradicional, mas cabe a todos o começo da luta para que haja mudanças, afinal não pode-se continuar com os velhos vícios, somente porque o aluno será cobrado no futuro.
O que é erro?
Para acabar com o preconceito lingüístico, é preciso reavaliar a “noção de erro”. Há grande confusão entre língua escrita e falada, e muitos dos “erros de português” são apenas erros de grafia. A ortografia dita correta é ditada pela política, economia e ideias de uma determinada época, sendo que ela muda através do tempo sem mudar a intenção da palavra. Todo falante nativo de uma língua é plenamente competente e capaz de distinguir as regras de funcionamento de sua língua materna. O falante nativo de sua língua não comete erros, pois não forma frases que não respeitem as regras de funcionamento da língua, assim como ninguém comete erros ao andar ou respirar. Existe, no nível da língua escrita, a confusão entre português e ortografia oficial da língua portuguesa.
No nível da língua falada, os termos que se confundem são: português, gramática normativa e variedade padrão. E em relação à língua escrita, deveríamos substituir a noção de erro pela de tentativa de acerto. É preciso ter sempre em mente que tudo aquilo que é considerado erro ou desvio pela gramática tradicional é usado com muita tranquilidade pelos falantes da língua, e que os apelidos pejorativos são inaceitáveis, quando dizem respeito aos falantes de sua língua materna.
Subvertendo o preconceito lingüístico
É preciso reconhecer que o preconceito lingüístico continua muito forte, e nada vai mudar se a sociedade que estamos inseridos não tiver significativas mudanças. Mas podemos tomar algumas atitudes contra o preconceito lingüístico.
Em primeiro lugar, é preciso que nos tornemos pessoas críticas e investigadoras de nosso próprio conhecimento lingüístico, deixando de lado a atitude repetidora e passando para uma atitude reprodutora, formando-nos e informando-nos.
Em segundo, sermos mais críticos quanto à nossa prática diária de ensino. Ensinar, sim, o que nos é cobrado, mas sempre com uma atitude crítica, mostrando que esta é apenas uma parte do grande universo maravilhoso que é a linguagem.
A terceira atitude é ensinar mostrando, perante todas as cobranças, que as ciências evoluem, assim como a ciência da linguagem também. Não podemos mais ensinar à moda antiga, precisamos nos atualizar e até mesmo inovar.
E a quarta atitude seria assumir uma nova postura, tendo como base o que o autor chamou de DEZ CISÕES, porque representa um corte com todas as ultrapassadas normas da gramática tradicional. São elas:
- Conscientizar-se de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente dessa língua, dominando-a por completo.
- Aceitar a ideia de que não existe erro de português, apenas diferenças ou alternativas.
- Não confundir erro de português com erro de ortografia, que é artificial e pode mudar, ao contrário da língua, que é natural.
- Reconhecer que tudo que a gramática tradicional chama de erro é, na verdade, um fenômeno perfeitamente explicado; se a maioria dos falantes usa uma norma que difere da tradicional, é porque já existe uma regra sobrepondo-se à antiga.
- Aceitar que toda língua muda e varia; o que é visto hoje como “certo”, já foi “erro” no passado, e assim sucessivamente.
- Conscientizar-se de que a língua portuguesa não vai nem bem, nem mal; ela apenas segue seu curso e sua evolução.
- Respeitar a variedade lingüística de toda e qualquer pessoa.
- Entender que a língua permeia tudo, e nós somos a língua que falamos; é ela que molda nosso modo de ver o mundo, e nosso modo de ver o mundo molda a língua que falamos.
- A língua está em tudo, e tudo está na língua.
- Ensinar bem e para o bem, respeitando o conhecimento do aluno, valorizando o que ele já sabe do mundo e da vida, reconhecendo na língua que ele fala sua própria identidade como ser humano, sempre acrescentando e elevando sua auto-estima.
* O preconceito tem em suas mãos grandes chances de acabar ou pelo menos amenizar o preconceito lingüístico, pois passam por ele todo tipo de falante. Mas para isso, é preciso que ele se dispa de todo tipo de preconceito, que seja mais crítico com o que ensina e esteja sempre atualizado. Só assim ele conseguirá ensinar bem e para o bem, fazendo do seu aluno alguém que respeite todas as diferenças, principalmente a grande variedade lingüística do nosso país.
O Preconceito contra a lingüística e os lingüistas
Há uma disputa entre a gramática tradicional e a lingüística moderna no ensino da língua nas escolas.
A doutrina gramatical tradicional passou pela revolução científica e seus termos e conceitos continuam a ser repassados sem grandes reformulações de uma geração de alunos para outra, desde aquela época (2300 anos), como se não houvesse mudanças na ciência da linguagem.
A gramática tradicional permanece ao longo da história e foi transformada em mais um dos muitos elementos de uma parcela da população sobre as demais.
A língua deixou de ser fato concreto para se transformar num valor abstrato, que pode ser de prestígio ou não.
Querer cobrar os mesmos padrões lingüísticos do passado é querer preservar as mesmas ideias, mentalidades e estruturas sociais do passado. É ter a gramática tradicional no lugar das certezas, uma doutrina sólida e compacta, com uma única resposta correta para todas as dúvidas.
A lingüística moderna tem a língua como um objeto a ser analisado e interpretado segundo métodos e critérios científicos e devolveu a língua ao seu lugar de fato social, tornando-a um lugar de surpresas, de descobertas, do novo, da substituição de paradigmas, da reformulação crítica das teorias.
A televisão, o rádio, colunas de jornal e revista tentam preservar as noções mais conservadoras do “certo” e do “errado”, desprezando o saber acumulado.
Nunca, em toda sua história, o português foi tão falado, tão escrito, tão impresso e tão difundido pelos diversos meios de comunicação. Crise existe na escola pública, onde professores despreparados e mal remunerados não oferecem aos alunos as mínimas condições de letramento necessárias para o pleno exercício da cidadania. Achar que a língua está em crise é submetê-la a uma crítica bem fundamentada, onde podem haver duas explicações possíveis: a ignorância científica ou a desonestidade intelectual e quando essa atitude se sustenta num indisfarçado e indisfarçável preconceito social.
A Gramática Tradicional, instrumento de dominação e exclusão social, é contra qualquer tentativa de democratização do saber e da sociedade. Os estudiosos da linguagem defendem o não ensino das formas padronizadas do português.
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