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Um olhar cognitivo, interacionista e discursivo

Este artigo explora a análise do discurso sob uma perspectiva cognitiva, interacionista e discursiva, abordando a importância da leitura e da comunicação na construção de significados e na interação social.

Um olhar cognitivo, interacionista e discursivo

Um olhar cognitivo, interacionista e discursivo


As obras Análise de discurso de Eni P. Orlandi (2003) e Introdução à análise do discurso de Helena Brandão (2004) abordam de forma semelhante o que seja a prática de leitura, quando se coloca o texto como ponto principal para que a interação e os discursos surjam e sejam compreendidos. Sendo que os interlocutores interajam, articulando os processos ideológicos e os fenômenos linguísticos existentes na língua, pois surge a necessidade de comunicação.

Perspectiva interacionista da linguagem

Nesse sentido, BRANDÃO (2004) faz uma abordagem numa perspectiva interacionista da linguagem, fazendo alusão a Bakhtin, partindo pela trilha aberta por Saussure “sendo que a língua é um fato social cuja existência se funda nas necessidades de comunicação”. A partir daí, adentra na atividade de leitura a partir de uma concepção discursiva, em que desvenda todos os artifícios de um texto, envolvendo tanto a noção de sujeito quanto sobre a interdiscursividade.

Relações significativas entre homem e sociedade

Tendo em vista a reflexão sobre as relações significativas fundamentais entre homem, a natureza e a sociedade histórica. E pelo discurso, lugar de produção de sentidos e de processos de identificação dos sujeitos, que se pode melhor compreender o lugar da interpretação na relação do homem com sua realidade. Confrontando assim, com a articulação entre o simbólico e o político, numa perspectiva que apresenta a linguagem como prática social e histórica.

ORLANDI (2003) a questão mais frequente é problematizar as maneiras de leitura, levando o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem. Percebendo que não há neutralidade diante dos textos produzidos, é nesse sentido que a análise de discurso nos coloca em estado de reflexão sobre a linguagem, sobre o sujeito, sobre a história e a ideologia.

Histórico da análise do discurso

Tendo como partida um esboço histórico sobre a análise do discurso, ressalta-se que foram os formalistas russos que abriram espaço para a entrada dos estudos linguísticos do que se poderia chamar mais tarde discurso, sendo assim os trabalhos nessa área foram reconhecidos a partir dos anos 50, com o estudo de Harris (Discourse analysis, 1952) tendo em vista a análise do texto, colocando em questão o seu significado, considerando o texto como unidade fundamental na análise da linguagem. Desse modo, numa perspectiva francesa, observa-se que se tratando de análise do discurso há uma confluência entre a linguística, o marxismo e a psicanálise.

Essa articulação entre esses campos de conhecimento faz com que se constitua um novo objeto de estudo, produzindo um novo recorte de disciplina podendo afetar as formas de conhecimento em seu conjunto, esse é o discurso. Desse modo, desenvolve-se um quadro teórico que alie o linguístico ao sócio-histórico, tornando-se dois conceitos núcleos: o de ideologia e o de discurso. Tomando como base dois teóricos Althusser sob os conceitos ideológicos e Foucault sobre o discurso.

Conceito de ideologia

Segundo BRANDÃO (2004) “o termo ideologia é ainda hoje uma noção confusa e controversa” por isso expõe algumas colocações sobre o fenômeno ideológico feitas por Marx, e em seguida algumas considerações de Ricoeur (1977), que retoma uma visão de Jaques Ellul sobre o mesmo fenômeno. Etimologicamente o termo “ideologia”, criado pelo filósofo Destutt de Tracy em 1810 na obra Elementes de idéologie, nasceu como sinônimo da atividade científica que procurava analisar a faculdade de pensar, tratando as ideias “como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente”.

Nesse sentido, em Marx e Engels o termo “ideologia” tem uma carga negativa de seu significado original, semelhante à de Napoleão, que qualifica os ideólogos alemães de “abstratos e idealistas”, já que esses não associavam a ideologia à realidade vivida. A separação que se faz entre produção das ideias e as condições sociais são identificadas por Marx e Engels quando se fala de ideologia, tomando como base para suas formulações empíricas.

Dessa forma, a caracterização da ideologia segundo a concepção marxista é um instrumento de dominação de classe porque a classe dominante faz com que suas ideias passem a ser de todos. E para conscientizar os homens que essa ideologia passe a ser realidade de todos, a ideologia organiza-se “como um sistema lógico e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer” (Chauí, 1980, p. 113).

Em Althusser, a ideologia além de ter um significado de dominação, a classe dominante gera mecanismos de perpetuação ou de reprodução das condições materiais, ideológicas e políticas de exploração. É nesse momento que entra a figura representativa do Estado, atuando por meio de seus Aparelhos Repressores (compreendendo o governo, a administração, o Exército, a polícia, os tribunais etc.) e os Aparelhos Ideológicos (escola, família, sociedade, religião, etc.) intervindo de forma assídua a todo o momento no indivíduo. A partir daí Althusser faz suas indagações quanto ao conceito de ideologia, distinguindo o que seja ideologia geral de ideologia particular.

Funções da ideologia

Ricoeur analisa o conceito de ideologia em três instâncias: a) função geral da ideologia caracteriza-se pela presença de cinco traços. 1. a ideologia perpetua um ato fundador inicial; 2. a ideologia é dinâmica e motivadora; 3. toda ideologia é simplificadora e esquemática; 4. uma ideologia é operadora e não-temática; 5. a ideologia é intolerante devido à inércia que parece caracterizá-la. b) Função de dominação – o conceito de ideologia está ligado aos aspectos hierárquicos da organização social cujo sistema de autoridade interpreta e justifica. c) Função de deformação – é uma instância específica do conceito de ideologia e supõe as duas outras citadas. Após fazer uma abordagem conceitual do termo ideologia o conceito de discurso em Foucault.

Discurso e sua análise

Foucault (1969) apud Brandão (2004) concebe os discursos como uma dispersão, isto é, como sendo formados por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade. Cabe à análise do discurso descrever essa dispersão, buscando estabelecer regras capazes de reger a formação dos discursos, que por Foucault seriam regras de formação. Esses elementos compõem o discurso: os objetos que aparecem coexistem e se transformam num espaço comum; os diferentes tipos de enunciação que podem permear o discurso; os conceitos em suas formas de aparecimento e transformação em um campo discursivo; os temas e teorias, isto é, o sistema de relações entre diversas estratégias capazes de dar conta de uma formação discursiva.

Em Análise de discurso observa-se que os conceitos partem da definição do próprio discurso, não se tratando apenas de transmissão de informação, nem da linearidade dos elementos comunicativos, quando se tem como finalidade a mensagem como principal elemento de tal processo: alguém fala, referindo-se a alguma coisa, tendo como código a língua. Tem-se por fim o discurso sua regularidade, estabelecendo relações com o social e o histórico.

Nessa conjuntura, o discurso se atrela ao que seja ideologia, sendo focalizado o que se conhece por interpretação, isto é, coloca a interpretação em questão. Nesse sentido, a análise do discurso visa fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de interpretação e como ele está sendo investido de significância para e por sujeitos, que consequentemente irá fazer com que surjam novas práticas de leitura a partir de um texto organizado.

Da forma como vem explicitado sobre o que seja discurso, a análise do discurso não está como centro um sujeito que se estabilizará num “eu” e um “tu”, mas na discussão criada entre ambos. “O sujeito só constrói sua identidade na interação com o outro. E o espaço dessa interação é o texto.” (BRANDÃO. 1998)

… O domínio de cada um dos interlocutores, em si, é parcial e só tem a unidade no (e do) texto. Consequentemente, a significação se dá no espaço discursivo (intervalo) criado (constituído) pelos/nos dois interlocutores.

O texto é uma ligação entre autor e leitor, ele é o elo desses sujeitos, cada um com suas particularidades, a fim de se complementarem. O que não pode ser confundido com uma concordância de ideias, de discursos entre leitor e autor. Tendo em vista que o texto também estabelece a possibilidade de criar uma dialética, a polifonia.

Segundo Orlandi (2003:50) a noção de sujeito corresponde a uma contradição: livre e submisso, ele é capaz de ser livre pra dizer o que quiser, sendo que ele se submete à língua para sabê-la, conceito de sujeito assujeitado. Completando ainda que esses conceitos sejam incompletude, sendo que nenhuma das noções são completas e precisam ser compreendidas.

Interdiscursividade e suas implicações

Dentre esses procedimentos de análise do discurso, percebemos que por meio da articulação dos discursos, apresentam-se outros conceitos que as autoras estabelecem nomenclaturas diferentes. Desse modo, vejamos a noção de interdiscursividade, que segundo Brandão (2004) fundamenta-se no dialogismo, onde o discurso mesmo tendo uma certa identidade, permite-se a inscrição no discurso daquilo que se costuma seu “exterior”. Adentrando na relação de discurso – interdiscurso, sendo que Maingueneau (1984) apud Brandão (2004) faz uma distinção entre universo discursivo – conjunto de formações discursivas que se interagem; campo discursivo – conjunto de formas discursivas em concorrência; espaços discursivos – recortes discursivos isolados. Dessa maneira, um discurso nunca é puro, autônomo, pois sempre ele remete a outros discursos.

No mesmo âmbito, Orlandi (2003) afirma a derivação do termo, atribuindo o sentido de “lugar de interpretação”, sendo que:

“Ele é sempre suscetível de ser / tornar-se outro. Esse lugar do outro enunciado é o lugar da interpretação, manifestação do inconsciente e da ideologia na produção dos sentidos e na constituição dos sujeitos. É também em relação à interpretação que podemos considerar o interdiscurso (o exterior) como a alteridade discursiva: ‘é porque há o outro nas sociedades e na história (…)’”.

Ainda acrescenta que “o texto (escrito ou oral – cada qual com suas particularidades) é a unidade que o analista tem diante de si e da qual ele faz parte”, por isso não são documentos que ilustram ideias pré-concebidas, mas nos quais se inscrevem as múltiplas possibilidades de leituras. Tendo em vista a apreensão de conceitos e de como se desenvolvem diante do que foi exposto, Orlandi considera o texto não como dado linguístico (marcas, organização etc), mas como fato discursivo, onde a discursividade seja a materialização (texto produzido) e a textualidade seja o ponto de subjetividade do sujeito, pois todo texto é heterogêneo: quanto à natureza dos diferentes materiais simbólicos (imagem, som, grafia etc); quanto à natureza das linguagens (oral, escrita, científica, literária, narrativa, descrição etc) e quanto às posições do sujeito.

Legitimando o dialogismo que Brandão enfoca, podemos considerar que a partir da relação de interdiscursividade reconhece-se a associação de uma memória discursiva. Sendo esta que permite a formulação, reformulação e até mesmo o pagamento dos discursos, e ainda reforça com Maingueneau (1983,1984) que liga a questão de interdiscusividade com a gênese discursiva para mostrar que não existe discurso autofundado, de origem absoluta.

Por isso vale ressaltar que em Análise de Discurso, Orlandi comprova que não há origem absoluta quanto ao discurso, abordando uma distinção entre autor e sujeito, fazendo um paralelo: “sujeito – discurso; autor – texto” estabelece o discurso como efeito de sentido entre locutores, em contrapartida, o texto como sendo a unidade empírica, uma superfície linguística fechada, que, no entanto, ao interagir com o sujeito torna-se o espaço discursivo dos interlocutores.

Dessa maneira, as autoras fazem um recorte teórico relacionando língua e discurso, comprovando a incompletude de ambas. Problematizando que o linguístico é o lugar, o espaço para se efetuar tais processos, conscientizando que o homem se faz sujeito à medida que se institui como um ser histórico, político e social e, assim torna-se, porta-voz de um amplo discurso (possibilidade de busca de outras vozes discursivas).


BIBLIOGRAFIA

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discursos: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 5ª edição, 2003.

BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2ª ed. ver. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.

  • Instituição: UFPA
  • Autor: Graciany Ribeiro

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