Tecnologia e Dominação Ideológica na Escola de Frankfurt
Este artigo explora como a tecnologia e a dominação ideológica influenciam as práticas educacionais na Escola de Frankfurt, destacando a relevância dessas teorias no contexto do ensino contemporâneo.
A Escola de Frankfurt foi formada por intelectuais cuja linha de pensamento estava fortemente influenciada pelas teorias de Karl Marx. No entanto, estes pensadores – entre eles filósofos, economistas, sociólogos, psicólogos, teólogos e musicólogos – não foram simples repetidores das teorias marxianas. Incorporaram às suas análises – além dos aspectos econômicos – a questão da tecnologia, da indústria cultural, da psicanálise; abordando a situação do homem nas sociedades capitalistas modernas sob diversos aspectos. Grande parte das ideias produzidas pelos integrantes da Escola de Frankfurt teve grande influência nas ciências humanas; nomes como Horkheimer, Adorno, Habermas, Marcuse, Fromm, Benjamim e Bloch exerceram e ainda exercem uma forte influência na filosofia, na sociologia, na política, na literatura e psicologia. Neste curto texto, focaremos nossa análise nas teorias e obras de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer.
A produção dos membros da Escola de Frankfurt, por sua diversidade de interesses – basta verificar os diferentes temas abordados, por exemplo, por Horkheimer, Adorno e Fromm – não resultou em grandes sistemas de pensamento. Trata-se muito mais de análises temáticas, apresentadas em ensaios de algumas dezenas de páginas ou até livros inteiros. Outra razão é que uma das características dos pensadores da Escola de Frankfurt era a aversão intelectual à elaboração de amplos sistemas de pensamento. Adorno, por exemplo, já em seu trabalho A atualidade da filosofia (1931), que nega a possibilidade de o pensamento filosófico perscrutar a realidade. Com isso, eliminava a possibilidade do pensamento filosófico captar algum eventual aspecto “oculto” do mundo e elaborar um sistema com pretensões de explicá-lo racionalmente. Escreve Adorno:
“[…] quem escolhe hoje o trabalho filosófico como profissão deve renunciar à ilusão da qual partiam anteriormente os projetos filosóficos: a ilusão de que, por força do pensamento, é possível captar a totalidade do real. Nenhuma razão justificativa poderia encontrar-se em si mesma em uma realidade cuja ordem e cuja forma rejeitam e reprimem toda pretensão da razão.” (Adorno apud Reale & Antiseri: 1991, p. 841)
Em sua obra Dialética negativa (1966), Adorno desenvolve esta linha de pensamento com mais profundidade e, partindo da dialética hegeliana, desenvolve sua “dialética negativa”, que nega a identidade entre o pensamento e a realidade. Como consequência, também critica esta pretensão nas correntes filosóficas, como as metafísicas tradicionais; o idealismo; a fenomenologia; o marxismo; e, significativamente, o iluminismo, que tanto valorizava a razão como instrumento de progresso para o homem. Adorno escrevia que era preciso denunciar a falácia dos sistemas filosóficos, “que tentam eternizar o estado presente da realidade e bloquear qualquer ação transformadora e revolucionária.” (ibidem, p. 842)
A partir da dialética negativa, Adorno e Max Horkheimer passariam a desenvolver uma crítica sistemática da cultura; uma “teoria crítica da sociedade”. Uma das obras que segue esta linha de análise é o livro Eclipse da Razão, resultado de uma série de palestras dadas por Horkheimer nos Estados Unidos e reunidas em livro em 1947. Com uma forma de apresentação característica da Escola de Frankfurt, o trabalho contém cinco ensaios tratando de temas diversos, como a razão, a ciência, a tecnologia, a democracia e o indivíduo. Em um dos textos, Panacéias em conflito, o tom é de crítica em relação a uma ciência instrumentalizada, usada para atender aos interesses de grupos de poder dentro da sociedade. Escreve Horkheimer:
“A ciência hoje, sua diferença de outras forças e atividades sociais, sua divisão em áreas específicas, seus procedimentos, conteúdos e organização, só podem ser entendidos em relação com a sociedade para a qual ela funciona. A filosofia positivista, que considera o instrumento “ciência” como o campeão automático do progresso, é tão falaciosa quanto outras glorificações da tecnologia. A tecnocracia econômica espera tudo dos meios materiais de produção, Platão queria transformar os filósofos em governantes; os tecnocratas querem transformar os engenheiros em componentes do quadro de diretores da sociedade.” (Horkheimer: 1976, p.69)
Preocupado com a liberdade do indivíduo e bastante crítico em relação à pressão que a sociedade capitalista exerce sobre ele, principalmente através da propaganda e dos produtos da indústria cultural, Horkheimer escreveu um dos mais contundentes parágrafos de seu livro. Interessante notar que o autor constata uma identificação cada vez maior entre os produtos da indústria cultural – chamada no texto de “cultura industrial” – e a propaganda. Outro aspecto apontado pelo filósofo é que a cultura de massa (indústria cultural) tem como função justificar o status quo:
“Assim como a criança repete as palavras da mãe, e os mais jovens repetem as maneiras grosseiras dos mais velhos que os submetem, assim o alto-falante gigantesco da cultura industrial, berrando através da recreação comercializada e dos anúncios populares – que cada vez menos se distinguem uns dos outros – replicam infinitamente a superfície da realidade. Todos os engenhosos artifícios da indústria de diversão reproduzem continuamente cenas banais da vida, que são ilusórias, contudo, pois a exatidão técnica da reprodução mascara a falsificação do conteúdo.”
Essa reprodução nada tem em comum com a grande arte realista, que retrata a realidade a fim de julgá-la. A moderna cultura de massas, embora sugando livremente cediços valores culturais, glorifica o mundo como ele é. Os filmes, o rádio, as biografias e os romances populares têm todos o mesmo refrão: esta é a nossa trilha, a rota do que é grande e do que pretende ser grande – esta é a realidade como ela é, como deve ser, e será. (ibidem, p. 153 – negrito nosso)
Juntos, Horkheimer e Adorno desenvolverão sua teoria crítica no livro Dialética do Iluminismo, obra que concentra uma forte crítica cultural à sociedade capitalista. Em nossa concepção, esta crítica pode ser dividida em dois principais aspectos: a) no aspecto cultural, através do conceito de “racionalização do mundo”; e b) no aspecto sócio-político, o conceito de razão instrumental. O conceito de “racionalização do mundo” tem a ver com a maneira como Horkheimer e Adorno entendem o conceito de “iluminismo”. Para os autores, o iluminismo não se refere somente ao movimento filosófico-cultural do século XVIII, mas tem origens muito mais antigas. Consideram que o processo teve início já na Grécia Antiga, quando os primeiros pensadores tentaram interpretar racionalmente o mundo, tornando-o manipulável pelo homem. A partir deste período da história, a crescente racionalização do mundo – pela ciência e tecnologia – só aumentou, até chegar aos nossos dias. Todavia, durante este processo, o iluminismo sofreu uma deformação: passou a prevalecer a ideia de que o saber é mais técnica do que crítica. Assim, nossa cultura perdeu a confiança na razão objetiva; o que importa não é a veracidade da teoria, mas sua funcionalidade. A razão deixou de ser objetiva, para se transformar em simples instrumento para determinado fim: a maior dominação do mundo e do homem. Escrevem Reale e Antiseri:
“Em outros termos, a razão é pura razão instrumental. Ela é inteiramente incapaz de fundamentar ou propor em discussão os objetivos ou finalidades com que os homens orientam suas próprias vidas. A razão é razão instrumental porque só pode identificar, construir e aperfeiçoar os instrumentos ou meios adequados para alcançar fins estabelecidos e controlados pelo “sistema”. Nós vivemos em sociedade totalmente administrada, na qual “a condenação natural dos homens é hoje inseparável do progresso social” (Reale e Antiseri: 1991, p. 844 – negrito nosso)
Evidentemente, a razão instrumentalizada não é como é per se; os “fins estabelecidos e controlados pelo sistema” que atende, interessam a determinados grupos de poder. Desta forma, são estas forças que ao longo da história instrumentalizam a razão em seu próprio interesse. Assim sendo, a razão – pelo menos aquela que em grande parte informa a ciência e, principalmente, a tecnologia – não pode ter veleidades de ser objetiva. É, isto sim, uma ideologia que atende aos interesses de grupos sociais. O esquema de dominação funciona grosso modo esquematicamente da seguinte maneira:
Razão instrumentalizada (RI) → Ciência → Tecnologia → Economia → Dominação
→ RI → Ciência → Tecnologia → …
O sistema de dominação esquematizado acima, mantido o status quo, tende a permanecer inalterado.
Um dos principais instrumentos para sustentar esta estrutura ao longo do tempo é a indústria cultural, à qual já nos referimos em trecho anterior deste texto. No livro Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer fazem uma análise crítica de diversos aspectos da sociedade, ocultados por ideologias inerentes ao “sistema”, incluindo a indústria cultural. Sobre esta, escrevem os autores:
“Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho. É possível depreender de qualquer filme sonoro, de qualquer emissão de rádio, o impacto que não se poderia atribuir a nenhum deles isoladamente, mas só a todos em conjunto na sociedade. Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo” (Adorno & Horkheimer: 2006, p. 105).
Assim sendo, a tecnologia e a dominação ideológica têm uma relação íntima, segundo a análise da Escola de Frankfurt. A tecnologia é produto da pesquisa científica, que por sua vez é dirigida por uma razão instrumentalizada. Esta reflete a visão de mundo e os fins de grupos de poder que têm forte influência na sociedade. Segundo Marx (cujas ideias também são compartilhadas pela Escola de Frankfurt), estes grupos são exatamente aqueles que dominam os meios de produção, isto é, detêm o poder econômico. Para continuar mantendo seu poder, as elites dominantes elaboram a ideologia que informa a razão instrumentalizada. Esta, por sua vez, condiciona a ciência, que é “materializada” pela tecnologia… E assim se realimenta indefinidamente o sistema de dominação, até que rupturas – guerras, revoluções, inovações tecnológicas com consequências imprevisíveis, crises econômicas, etc. – possam romper este círculo vicioso.
Bibliografia:
ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor: 2006, 223 p.
REALE, Giovanni, ANTISERI Dario. História da filosofia – Vol. III. São Paulo. Paulus Editora: 1991, 1113 p.
HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Rio de Janeiro. Editorial Labor do Brasil: 1976, 198 p.
Autor: Ricardo Ernesto Rose
Jornalista, Graduado em Filosofia e Pós-Graduando em Sociologia