TDAH: Determinação genética, predisposição ou influência?
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um transtorno do tipo multifatorial, ou seja, causado por vários fatores. Estes fatores podem ser ambientais ou biológicos. A combinação de diferentes fatores de cada grupo é que determina o desenvolvimento da doença.
A participação de genes foi sugerida, inicialmente, a partir de observações de que nas famílias de afetados com TDAH a presença de parentes também afetados com TDAH era mais frequente do que nas famílias que não tinham crianças com TDAH. A prevalência da doença entre os parentes das crianças afetadas é cerca de 2 a 10 vezes mais do que na população em geral (ou seja, todas as famílias, não só aquelas com afetados). Isto é o que chamamos de recorrência familiar.
Porém, em qualquer transtorno do comportamento, a recorrência familiar pode ser devido a influências ambientais, como se a criança aprendesse a se comportar de um modo “desatento” ou “hiperativo” por ver seus pais se comportando dessa maneira, o que excluiria o papel de genes. Foi preciso, então, comprovar que a recorrência familiar era de fato devida a uma predisposição genética, e não somente ao ambiente.
Outros tipos de estudos genéticos clássicos, além dos estudos de famílias (que dão a prevalência de parentes afetados), foram fundamentais para se ter certeza da participação de genes. Estes estudos são os estudos com gêmeos e adotados. Nos estudos com adotados, compara-se pais biológicos e pais adotivos de crianças afetadas, verificando se há diferença no risco ou na presença da mesma doença (TDAH) entre os dois grupos de pais.
Estes estudos mostraram que os pais biológicos têm 3 vezes mais TDAH que os pais adotivos. Os estudos com gêmeos comparam gêmeos univitelinos e gêmeos fraternos, quanto a diferentes aspectos do TDAH (presença ou não, tipo, gravidade etc.). Sabendo-se que os gêmeos univitelinos têm 100% de similaridade genética, diferente dos fraternos (50% de similaridade genética), se os univitelinos se parecem mais naquelas características do que os fraternos, evidencia-se componentes genéticos. Quanto mais parecidos, ou seja, quanto mais concordam em relação àquelas características, maior é a influência genética para a doença.
Realmente, os estudos de gêmeos com TDAH mostraram que os univitelinos são muito mais parecidos, ou concordantes, do que os fraternos, chegando a ter 70% de concordância, o que evidencia uma importante participação de genes na origem do TDAH.
A partir dos dados destes estudos, o próximo passo na pesquisa genética do TDAH foi começar a procurar que genes poderiam ser estes. É importante salientar que no TDAH, como na maioria dos transtornos do comportamento, multifatoriais, nunca devemos falar em determinação genética, mas sim em predisposição, influência.
O que acontece nestes transtornos é que a predisposição genética envolve vários genes, e não um único gene (como é a regra para várias de nossas características físicas). Isto é fácil de entender se considerarmos a complexidade do TDAH (diferentes tipos, com outros problemas associados ou não, diferentes tratamentos…): será que existe um gene que, sozinho, controle todos estes aspectos?
Provavelmente não existe, ou não se acredita que exista, o gene do TDAH. Além disso, estes genes podem ter diferentes níveis de atividade, alguns podem estar agindo em alguns pacientes de um modo diferente que em outros; eles interagem entre si, somando-se ainda as influências ambientais. O peso de sua contribuição vai depender de tudo isto, e é por este motivo que falamos apenas em predisposição.
Mas, se não existe o gene do TDAH, que genes são estes? Biologicamente, o TDAH parece originar-se porque certos processos, normais no funcionamento do nosso cérebro, estão alterados de alguma maneira, acontecendo ou em excesso ou aquém do que deveriam. São processos relacionados, por exemplo, à cognição, funções executivas (organização, planejamento) e atividade motora.
Estes processos são resultado do funcionamento de diferentes sistemas de neurotransmissores (substâncias químicas que fazem a comunicação entre neurônios), especialmente a dopamina e a noradrenalina. Esta hipótese é de certa forma confirmada quando se observam dados de estudos de neuroimagem (que indicam prováveis áreas cerebrais envolvidas no TDAH), e também verificando o modo de ação dos medicamentos que tratam o TDAH. Então, acredita-se que os genes que codificam componentes daqueles sistemas sejam os genes que, quando alterados, dão predisposição ao TDAH.
Mais informações
As novas pesquisas sobre a genética e o TDAH
Atualmente, genes que codificam componentes envolvidos nas diferentes etapas da neurotransmissão, como receptores, transportadores, enzimas de síntese e de degradação, estão sendo estudados, sobretudo nos sistemas da dopamina e da noradrenalina.
Alguns destes genes estão sendo apontados como genes de predisposição. Nenhum deles, contudo, parece ser um gene de predisposição em todos os pacientes estudados. É provável que no TDAH existam genes de predisposição específicos para grupos de afetados com certas características, também particulares. Porém, mesmo estes resultados são muito preliminares; as pesquisas moleculares no TDAH estão apenas começando, e há muito ainda por descobrir.
TDAH na infância
O transtorno do déficit de atenção afeta em torno de 3 a 5% das crianças (este dado já foi confirmado também no Brasil por 3 diferentes estudiosos: Ana Guardiola (RS), Genario Barbosa (PB) e Luiz Rohde (RS), comprometendo o desempenho escolar, dificultando as relações interpessoais e provocando baixa autoestima com o passar do tempo.
Na prática, as crianças com TDAH são agitadas ou inquietas. Frequentemente têm apelido de “bicho carpinteiro” ou coisa parecida. Na idade pré-escolar, estas crianças mostram-se agitadas, movendo-se incessantemente pelo ambiente, mexendo em vários objetos como se estivessem ligadas por um motor. Mexem pés e mãos, não param quietas na cadeira, falam muito e constantemente pedem para sair de sala. Nas atividades em geral, seus comportamentos parecem exagerados quando comparados aos das outras crianças da mesma idade.
Elas têm dificuldades para manter atenção em atividades muito longas, repetitivas ou que não lhes sejam interessantes. Elas são facilmente distraídas por estímulos do ambiente externo, mas também se distraem com pensamentos “internos”, isto é, vivem “voando”. Nas provas, são visíveis os erros por distração (erram sinais, vírgulas, acentos, não leem as perguntas até o final, etc.). Como a atenção é imprescindível para o bom funcionamento da memória, elas em geral são tidas como “esquecidas”: esquecem recados ou material escolar, aquilo que estudaram na véspera da prova, etc. (o “esquecimento” é uma das principais queixas dos pais).
Elas também tendem a ser impulsivas (não esperam a vez, interrompem os outros, agem antes de pensar). Frequentemente também apresentam dificuldades em se organizar e planejar aquilo que querem ou precisam fazer.
Embora com alguma frequência inteligentes e criativas, podem apresentar notas baixas no colégio ou então desempenho muito inferior ao esperado para o seu nível de inteligência.
Quando elas se dedicam a fazer algo interessante (pode ser jogar videogame ou assistir a um desenho animado), conseguem permanecer bem mais tranquilas. Isto acaba causando uma dúvida nos pais: “Ora, se quando ela quer, ela presta atenção, como isso pode ser um transtorno, uma doença?” A resposta é a seguinte: todos nós, portadores ou não de TDAH, prestamos mais atenção naquilo que nos dá prazer, nos interessa. Isto ocorre porque os centros de prazer no cérebro estimulam os centros da atenção.
Quem sofre de TDAH não é diferente; apesar de sua atenção ser deficitária, quando está fazendo algo muito interessante ou estimulante, o centro do prazer consegue dar um “reforço” e o centro da atenção passa a funcionar como se fosse normal. É claro que não fazemos coisas interessantes ou estimulantes desde a hora que acordamos até a hora em que vamos dormir; as pessoas que não sofrem de TDAH conseguem dar conta do recado, enquanto que as portadoras de TDAH vão ter muitas dificuldades em manter a atenção em um monte de coisas.
Fazendo o diagnóstico
O diagnóstico deve ser feito de forma criteriosa e cuidadosa por profissional especializado, com informações colhidas junto aos pais e professores e também através da observação clínica da criança. Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 6 meses e manifestarem-se em pelo menos duas situações diferentes (casa e escola, por exemplo), sendo nitidamente diferentes do esperado para a faixa etária. É comum que os sintomas estejam presentes desde os 7 anos de idade, mas em muitos casos não é possível afirmar isto com precisão. Muitas mães contam que já no berço o bebê se mexia muito e não parava quieto.
O diagnóstico deve ser feito de forma criteriosa e cuidadosa por profissional especializado, com informações colhidas junto aos pais e professores e também através da observação clínica da criança. Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 6 meses e manifestarem-se em pelo menos duas situações diferentes (casa e escola, por exemplo), sendo nitidamente diferentes do esperado para a faixa etária. É comum que os sintomas estejam presentes desde os 7 anos de idade, mas em muitos casos não é possível afirmar isto com precisão. Muitas mães contam que já no berço o bebê se mexia muito e não parava quieto.
Critérios de Brown (resumidos)
1. Ativação e Organização no Trabalho: dificuldades em iniciar tarefas, organizar-se, estimular-se sozinho para rotinas diárias.
2. Sustentação da Atenção: dificuldades para manter a atenção nas tarefas, distração ou “sonhos acordados” excessivos durante o dia, em especial enquanto está ouvindo ou lendo por obrigação.
3. Manutenção da Energia e Esforço: dificuldades em manter um nível consistente de energia e esforço nas tarefas, sonolência diurna, “cansaço” mental.
4. Labilidade do humor e hiper-sensibilidade à crítica: irritabilidade variável e não desencadeada por fatores externos, aparente “falta de motivação”, rancor exagerado.
5. Dificuldades com a memória: dificuldades na lembrança de material recente (nomes, datas, fatos) e remoto.
É importante observar que os critérios de Brown pecam por ignorar a presença de um sintoma extremamente frequente nos casos de TDAH: o comprometimento da capacidade de inibir respostas, aspecto descrito na literatura como “impulsividade”.
Critérios da DSM-IV
Módulo 1 (Desatenção)
Seis ou mais dos seguintes sintomas de desatenção persistiram pelo menos por 6 meses em grau desadaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento da criança.
a) frequentemente não presta atenção a detalhes e faz erros por descuido nas tarefas escolares, trabalho ou outras atividades.
b) frequentemente tem dificuldade em manter a atenção em tarefas ou jogos.
c) frequentemente parece não escutar quando lhe falam diretamente
d) frequentemente não segue as instruções até o final e não termina tarefas escolares, atribuições domésticas, ou deveres no trabalho (que não seja devido a comportamento opositivo ou incapacidade de entender as instruções)
e) frequentemente tem dificuldades em organizar tarefas e atividades
f) frequentemente evita, desgosta ou é relutante em se engajar em tarefas que exigem esforço mental mantido (tais como tarefas escolares e domésticas)
g) frequentemente perde coisas necessárias para as tarefas e atividades, tais como brinquedos, obrigações escolares, lápis, livros ou ferramentas.
h) é frequentemente distraído com facilidade por estímulos externos
i) é frequentemente esquecido em atividades diárias
Módulo 2 (Hiperatividade e Impulsividade)
Seis ou mais dos seguintes sintomas de hiperatividade e impulsividade persistiram por pelo menos 6 meses, em grau desadaptativo ou inconsistente com o nível de desenvolvimento da criança.
Hiperatividade:
a) frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira.
b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado.
c) frequentemente corre ou trepa nas coisas em demasia, nas situações nas quais isto é inapropriado (em adolescentes e adultos, pode ser sensação subjetiva de inquietude)
d) com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer.
e) frequentemente está “a mil por hora” ou “a todo vapor”.
f) frequentemente fala em demasia.
Impulsividade:
g) frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas.
h) com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez.
i) frequentemente se intromete ou interrompe os outros.
Tipos de TDAH:
Predominantemente Desatento: 6 ou mais sintomas do módulo 1 e alguns sintomas do módulo 2
Predominantemente Hiperativo/Impulsivo: 6 ou mais sintomas do módulo 2 e alguns sintomas do módulo 1
Tipo Misto: 6 ou mais sintomas dos módulos 1 e 2.
Quanto mais cedo é feito o diagnóstico, menores são as consequências psicológicas ao longo dos anos. Outra vantagem é a identificação precoce da possível existência de outras doenças associadas, fenômeno que chamamos de comorbidade (a existência de dois distúrbios com maior frequência do que o esperado pelo acaso). Os distúrbios comórbidos mais comuns são a depressão, a ansiedade, dificuldades com a linguagem (oral e escrita), dificuldades com a coordenação motora fina e problemas comportamentais.
Com o passar dos anos, com a chegada da adolescência, a agitação diminui (embora raramente desapareça por completo), porém persistem os sinais de desatenção e algumas dificuldades nos relacionamentos.
Adolescentes com TDAH não tratados estão mais sujeitos ao abuso de drogas ilícitas no futuro.
Embora durante muito tempo o diagnóstico exigisse a presença da tríade DESATENÇÃO + HIPERATIVIDADE + IMPULSIVIDADE em graus variáveis de intensidade e correlação, atualmente pode-se falar em TDAH com sintomas predominantemente de desatenção. Não está claro ainda se este é um subtipo de TDAH (como querem os americanos) ou se representa um outro distúrbio parecido. Sabe-se que ele é bem mais comum nas mulheres do que nos homens.
Associação Brasileira do Déficit de Atenção com Hiperatividade. A ABDA foi criada em 1999 e é uma entidade sem fins lucrativos. Seu objetivo é difundir informações sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e promover eventos a este respeito. A ABDA possui um grupo de discussão no seu site oficial que permite a troca de informações, comentários e perguntas sobre diversos tópicos relacionados ao TDAH. A ABDA tem como associados profissionais diversos que trabalham com portadores de TDAH, familiares e amigos de portadores, além dos próprios portadores. Seções: Definição, Diagnóstico, Tratamento, Locais de tratamento, Depoimentos, Causas, Lista de Discussão, Eventos.
Brinquedos que ajudam no desenvolvimento de crianças com TDAH
Autor: Fernando Lage Bastos
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