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Atualizado em 10/08/2024

Anísio Spínola Teixeira: Vida e obra

Explore a vida e a obra de Anísio Spínola Teixeira, um dos grandes pensadores brasileiros, e descubra suas contribuições para a educação e a sociedade.

Anísio Spínola Teixeira: Vida e obra


1- Desenvolvimento

1.1 – Vida e obra

Anísio Spínola Teixeira nasceu na cidade de Caetité, Bahia, em 12 de julho de 1900. Filho de Deocleciano Pires Teixeira e de Anna Spínola Teixeira, estudou no Instituto São Luiz Gonzaga, em Caetité, e, em 1914, ingressou no Colégio Antônio Vieira, em Salvador, onde concluiu o secundário. Ambas as instituições eram jesuíticas.

No Antônio Vieira, cogitou entrar para a Companhia de Jesus. Mas o pai, que queria vê-lo político, mandou-o estudar no Rio de Janeiro, onde Anísio ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Diplomou-se em 1922.

Já bacharel em Direito, em 1924, retornou a Salvador e, a convite do governador, aceitou o cargo de Inspetor Geral de Ensino da Bahia. Pela primeira vez, travaria contato com a situação do ensino no Estado. Datam dessa época as primeiras leituras mais aprofundadas na área de educação. Muito lhe impressionou o livro de Omer Buyse, Méthodes américaines d’éducation (1908), onde este revelou a Anísio Teixeira um novo modo de encarar a educação, obrigando-o a entrar num período de inquietação e revisão intelectual, solapando suas antigas concepções filosóficas e pedagógicas, sobretudo no que diz respeito à defesa que fazia do sistema educacional europeu. Assim, pela primeira vez, Anísio travaria contato com a situação do ensino na Bahia. No mesmo ano de sua entrada na Inspetoria de Ensino, publicou o artigo: “A propósito da Escola Única”. (Anexo 1)

Em 1925, Anísio viajou à Europa e lá permaneceu por quatro meses. Observou os sistemas escolares de países como Espanha, Bélgica, Itália e França. Ao retomar, ainda em 1925, conseguiu transformar em lei nº 1846, de 14/08/1925, seu projeto de reforma do ensino baiano. Nele, defendia a concepção de que a escola deveria oferecer uma educação integral, desenvolvendo nos alunos qualidades cívicas, morais, intelectuais e de ação.

Em 1927, foi aos Estados Unidos. Quando retornou, no ano seguinte, publicou Aspectos americanos de educação (Anexo 2), que continha, além das observações da viagem, o primeiro estudo brasileiro sistematizado das ideias do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952). Neste mesmo ano, voltou aos Estados Unidos para um curso de pós-graduação.

Em meados de 1929, retornou ao Brasil. Ao chegar, não conseguiu sensibilizar o novo governador da Bahia, empossado em 1928, a realizar suas propostas. Demitiu-se, então, da Inspetoria de Ensino e passou a dedicar-se ao Magistério.

Em 1930, Anísio publicou Vida e educação, que reuniu dois ensaios de John Dewey, traduzidos por ele. Foi a primeira tradução para o português da obra do filósofo.

Em 1931, a convite da prefeitura local, mudou-se para o Rio de Janeiro e assumiu a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal.

Em 1932, Anísio tornou-se signatário do famoso Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de um grupo de educadores, que divulgava, ao povo e ao governo, as principais diretrizes de um programa de reconstrução educacional.

De 1931 a 1935, criou uma Rede Municipal de Ensino no Rio: da escola primária à universidade. Ampliou as matrículas, criou os serviços de extensão e aperfeiçoamento, as Escolas Técnicas Secundárias e transformou a antiga Escola Normal em Instituto de Educação. A iniciativa mais polêmica, porém, foi a criação da Universidade do Distrito Federal, em abril de 1935. Ainda durante o período de sua gestão na Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, Anísio escreveu os seguintes livros: Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação (1932) (Anexo 3) e Em marcha para a democracia (1934). Pelo que escreveu e por suas realizações no antigo Distrito Federal, projetou-se nacionalmente.

Em dezembro de 1935, por motivos políticos, pediu demissão da Prefeitura do Rio de Janeiro. Em abaixo-assinado, seus colaboradores lhe prestaram solidariedade. Muitos, como ele, foram perseguidos e alguns acabaram presos. Anísio refugiou-se, então, no sertão da Bahia.

Estava afastado da vida pública quando publicou Educação para a democracia: introdução à administração escolar (1936) (Anexo 4). Entre 1937 e 1945, permaneceu na Bahia e dedicou-se à exploração e exportação de manganês, calcário e cimento; à comercialização de automóveis; à tradução de livros para a Companhia Editora Nacional e à correspondência com amigos, entre os quais Monteiro Lobato.

A convite do novo governador eleito da Bahia, tornou-se Secretário de Educação e Saúde do Estado, quando lutou para aprovar na Assembleia Legislativa seu plano de organização do sistema escolar. Uma das mais importantes iniciativas de Anísio Teixeira como Secretário de Educação e Saúde foi a construção do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, popularmente conhecido como Escola-Parque, no bairro da Liberdade.

A Escola-Parque, inaugurada em 1950, procurava oferecer à criança uma educação integral, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização, preparação para o trabalho e para a cidadania. Nesta Escola, também as artes plásticas estavam incluídas, muitas vezes sob a orientação de artistas de renome como, por exemplo, Caribe e Mário Cravo.

Ainda nessa administração, criou e foi secretário geral da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia. Seu objetivo com este órgão era fixar no Estado natal, mediante longos contratos, cientistas promissores que realizassem pesquisas sociais. Chegou a estabelecer convênios com a UNESCO e a Columbia University nesse sentido, mas logo seria convidado de novo a atuar na capital do país.

A polêmica em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ganhava, graças à sua atuação e a de outros educadores, espaço nos jornais, revistas e debates da Assembleia Legislativa e das associações de classe, como a Associação Brasileira de Educação (ABE).

Assumiu em 1951, no Rio de Janeiro, a convite do governo federal, a Secretaria Geral da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que foi por ele transformada num órgão: a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). No ano seguinte, acumulou também o cargo de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), no qual permaneceu até 1964. Durante sua gestão na CAPES e no INEP, Anísio deu inúmeras conferências pelo país, que lhe renderam dissabores e perseguições.

A publicação de Educação não é privilégio (Anexo 5) em meio aos debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional se inseriu no embate travado entre educadores liberais, educadores católicos e proprietários de escolas particulares em torno dos rumos da educação no país. No momento em que a polêmica se acirrou, os bispos gaúchos defenderam, através do documento “O Memorial dos Bispos”, interesses do ensino confessional católico. Este documento, lançado em 1958, se opunha à “revolução social através da escola” e usava a Constituição Federal para atacar diretamente os órgãos do governo. Acusava Anísio de “extremista” e pedia ao governo sua demissão do INEP. Em resposta, Anísio distribuiu à imprensa um documento (Anexo 6) no qual apresentava suas diretrizes como educador e administrador público. Recebeu, em apoio, um manifesto assinado por 529 educadores de todo o país (Anexo 7). Não abdicou de suas ideias e foi mantido no cargo por Juscelino Kubitschek.

O antigo sonho de criar uma universidade teve nova oportunidade de se concretizar com a instalação, na nova capital federal, da Universidade de Brasília, da qual foi um dos idealizadores, ao lado de Darcy Ribeiro, a quem Anísio entregou a condução do projeto e com apoio da SBPC.

A trajetória de criação dessa universidade conheceu a resistência daqueles que, como Israel Pinheiro, temiam a presença de estudantes, vistos, ao lado dos operários, como elementos de agitação, ou ainda dos que, como D. Helder Câmara, pretendiam a construção de uma universidade católica sob a condução dos jesuítas. Quando as resistências foram vencidas, Anísio e Darcy viram o sonho se concretizar. A lei que criou a Universidade de Brasília foi sancionada por João Goulart em 1961. Darcy foi nomeado reitor e Anísio, seu vice. Quando Darcy assumiu a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República, em 1962, e, consequentemente, se afastou do cargo, Anísio assumiu a reitoria. Em março de 1964, o governo militar recém-instaurado afastou-o. Embarcou, então, para os Estados Unidos e lecionou na Columbia University (1964), na New York University (1965) e na University of California (1966).

Nessa fase em que se viu forçado a abandonar a UNB, apresentou uma tese ao Conselho Federal de Educação, em que tratou de um de seus temas preferidos e recorrentes: a formação do docente.

Ao retornar ao Brasil, continuou a dedicar-se à educação. Permaneceu integrado ao Conselho Federal de Educação até o final de seu mandato. Organizou e reviu coletâneas e reedições de antigos trabalhos, tais como: Pequena introdução à filosofia da educação (1967) (Anexo 8), Educação é um direito (1967) (Anexo 9), Educação no Brasil (1969) (Anexo 10) e Educação e o mundo moderno (1969) (Anexo 11).

Tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas e voltou a trabalhar na Companhia Editora Nacional.

No início de 1971, mais uma vez pressionado por intelectuais, Anísio aceitou candidatar-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Em março deste mesmo ano, sua morte trágica, noticiada e debatida em vários jornais, interrompeu brutalmente sua trajetória.

Na pasta que carregava consigo por ocasião de seu desaparecimento, foi encontrado um manuscrito onde, como sempre, demonstra seu compromisso com a mudança visando a transformação social:

“Com efeito, todo o presente modo de pensar do homem é modo de pensar em termos de mudança. A essência do método científico está em sua posição de juízo suspenso. Tudo que fazemos se funda em hipóteses, sujeitas obviamente a mudanças. Tais mudanças decorrem de novos conhecimentos, os novos conhecimentos decorrem de novas experiências e tais novas experiências do fluxo ininterrupto de mudanças…”

1.2 – Pensamento do autor e sua importância

Ao iniciar o seu trabalho no âmbito da educação em 1924, Anísio Teixeira (1900-1971) pôs em discussão três temas ou questões que desde então se tornaram importantes no processo de constituição do campo educacional no Brasil. A primeira questão foi a mudança na referência estrangeira para o campo intelectual desse país. A segunda questão foi a defesa da democratização da educação, com ênfase na construção de um sistema público de ensino e na superação da dicotomia entre educação teórica para as elites e educação para o trabalho destinada ao povo. Por fim, a visão de que a ciência e a pesquisa científica deveriam ocupar um lugar central na vida intelectual moderna.

Anísio Teixeira dedicou toda a sua vida acadêmica e administrativa à luta pela igualdade de oportunidades educacionais e foi autor de uma extensa obra pedagógica. De início, norteou seu trabalho pelo humanismo clássico e, mais tarde, identificou-se com o experimentalismo norte-americano.

Homem de ideias inovadoras, esteve à frente do movimento pela Escola Nova – aberta aos interesses e capacidades da criança, da luta por um novo conceito de inspeção escolar de caráter técnico-assistencial, da profissionalização da escola normal e da orientação profissional na escola rural. Uma de suas maiores contribuições ao sistema de ensino brasileiro foi o aprimoramento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que permitiu o aumento do número de escolas, professores e alunos.

O universo educacional do autor aponta para uma “íntima relação entre escola e sociedade, o que traz como consequência a concepção de uma escola ativa, baseada na ciência, na democracia e no trabalho. É o fazer, através do método experimental, que deve definir a escola ativa e democrática. É a atitude científica, se disseminando por todos os indivíduos da sociedade, o critério para se alcançar a superação do último dos dualismos; os fins práticos e os fins nobres da vida – através da escola única”.

Apostando sempre na democracia como o único caminho para uma sociedade justa e na “transformação social auxiliada pela educação, concebia um projeto de sociedade onde existiriam ‘a pluralidade e a total independência das instituições sociais objetivando corrigir os perigos da concentração de poder material e econômico’”.

Democrata radical, suas teses, ao mesmo tempo que apontavam para a noção de liberdade e da igualdade de direitos, de cunho liberal, apontavam também para o direito ao “livre debate comunista e à liberdade dos povos em tornarem-se nação socialista”. Tal ponto de vista trouxe-lhe dissabores durante a vida pública, pois foi acusado de liberal por intelectuais de esquerda e de comunista revolucionário por conservadores e parte da hierarquia da Igreja Católica brasileira. Assim como tomava emprestadas noções dos dois pólos antagônicos para compor suas teses, era crítico inflexível dos capitalistas por temerem “a perda da riqueza” e dos comunistas por tentarem “manter com ditadura o progresso material”.

O que se pode aprender disso tudo é que Anísio Teixeira foi um pensador que tentou, em sua obra, sintetizar o que o liberalismo e o socialismo tinham de melhor para compor um pensamento tertius que contemplasse sua aspiração por uma sociedade democrática e livre. Nessa perspectiva, a escola tinha, certamente, um papel fundamental na preparação do cidadão que viveria nessa sociedade. Era, Anísio, um pensador que, no Brasil, “corria em raia própria”. Daí sua contribuição polêmica aos anais do pensamento educacional brasileiro.

Não poderíamos deixar de destacar também a influência de Anísio Teixeira nas Leis Federais 4.024/61 (Primeira LDB), 5.692/71 (Reformado Ensino do Segundo Grau) e 9.394/96 (Segunda LDB). Nesta nova LDB, projeto de autoria do senador Darcy Ribeiro, sua influência fica explícita no capítulo, artigos 61 a 66, que tratam da formação dos profissionais da educação e da criação dos Institutos Superiores de Educação, antiga aspiração de Anísio. A influência sobre Darcy Ribeiro pode, ainda, ser constatada na criação dos CIEPS (quando Darcy foi Secretário da Educação no Rio de Janeiro, 1983-1986), inspirados na proposta da “Escola-Parque” (projeto instaurado por Anísio na Bahia, em 1950). Anos depois, o governo federal copiou os CIEPS de Darcy/Anísio, denominando-os CIACS.

Anexo 1

TEIXEIRA, Anísio. A propósito da “Escola Única”. Revista do Ensino. Salvador, v.1, n.3, 1924.


A PROPÓSITO DA “ESCOLA ÚNICA”

Carneiro Leão, em seu último notável livro, sobre a educação nacional, afirma que a “escola única” é uma aspiração universal. E neste momento, a França faz da implantação do regime da “escola única”, um dos pontos do seu programa de governo.

Realmente, a ideia tem o seu aspecto sedutor, justificam-na dois formosos princípios: todo homem tem direito a que a sociedade lhe forneça os meios de desenvolver plenamente as suas faculdades; este direito do indivíduo é, por outro lado, o interesse natural da sociedade.

Uma “escola única” obrigatória para todos, ministrando ensino de um modo integral e uniforme, seria o aparelho mágico destinado a dar a todos os homens o pleno desenvolvimento de suas faculdades.

A perfeita unidade da cultura e o seu perfeito desenvolvimento criariam a perfeita unidade e a perfeita grandeza nacionais.

Tal edifício grandioso e simples de instrução abriria para esse país privilegiado o maior caminho de todos os tempos para a república, para a democracia e para a felicidade nacional.

A simplicidade, entretanto, do projeto traz a sua inexequibilidade.

O seu perigoso ideologismo leva-o a desprezar os mais triviais elementos da complexa realidade humana.

Se é verdade que o homem, na sociedade, tem direito ao desenvolvimento da inteligência em sua plenitude, daí não se segue que a organização de um instrumento único, idêntico para todos e a todos acessível, a “escola única”, venha abrir para todos os homens a possibilidade de um pleno desenvolvimento de suas faculdades.

Um desenvolvimento absolutamente igual de naturezas desiguais desenvolve-as plenamente?

Antes pelo contrário, semelhante aparelho de ensino não irá produzir o nivelamento intelectual e moral de um país, com a criação de um “tipo médio”, sem grandes defeitos, porém sem grandes virtudes, tipo abstrato de cidadão, em que desaparecessem todas as qualidades e particularidades individuais?

Como pensar em desenvolvimento idêntico para todas as inteligências de um país, se uma delas vai constituir a inteligência do camponês, outra a do industrial, outra a do letrado, a do profissional, a do artista?…

A inteligência de um dos nossos vaqueiros, por exemplo, de um daqueles sertanejos tão admiravelmente descritos por Euclides da Cunha, conhecedor da sua terra e das coisas da sua terra, sábio na arte de pastorear o seu gado e na equitação bárbara das caatingas, não tem a inteligência altamente desenvolvida para a melhor adaptação ao seu meio e à sua atividade?

Dar-lhe, dentro das condições desse meio, a educação e a instrução necessárias ao melhor aproveitamento de suas energias, é completar-lhe a formação.

Mas, atirá-lo à educação integral onde ele e o intelectual requintado recebem um mesmo método, um idêntico ensino, é desenraizá-lo e inutilizá-lo.

No seu aspecto fundamental, a escola única se apresenta, assim, em sua simplista uniformidade, inadequada para atender à variedade complicada da espécie humana e a sua aplicação como um possível e sempre desastroso nivelamento da inteligência de um país.

O projeto da “escola única”, retirado da pura teoria, reveste-se, entretanto, de uma feição diversa.
Anatole France, em La Vie en Fleur, resume, muito bem, o que é o problema da escola única na sua feição atual, ou, se queremos, na sua feição política.

“Não convém mais à nossa sociedade, diz Anatole, que o filho do povo vá à escola primária e ao filho do rico esteja reservado o Lyceu, onde aliás ele nada aprende.

Depois dessa guerra monstruosa que em cinco anos tornou caducas todas as instituições, é preciso reconstruir o edifício da instrução sobre um plano novo e de uma majestosa simplicidade.

Igual instrução para crianças ricas e pobres. Todas irão à escola primária. Dentre elas, as que mostrarem mais aptidão para os estudos serão admitidas ao curso secundário, o qual, dado gratuitamente, reunirá sobre os mesmos bancos a elite da juventude burguesa e a elite da juventude proletária. Essa elite enviará então, a sua elite às grandes escolas de ciências e de arte. Assim, a democracia será governada pelos melhores.”

Nada mais bonito. A escola primária é a casa de ensino do pobre. O rico vai para o Lyceu. Tornemos obrigatória a primeira para o rico e para o pobre, e descerremos a este, com a absoluta gratuidade, a porta do Lyceu.

O ensino primário obrigatório, limiar do ensino secundário; e este, gratuito, preparatório das especializações de curso superior: está aí a “escola única”, como a prevêm os desejos de justiça e igualdade de nossas democráticas sensibilidades.

Entretanto, em países de perfeita organização intelectual, essas três formas de ensino não se sobrepõem, de modo a poder constituir um só edifício educacional, como à primeira vista fazem supor as próprias designações: primário, secundário, superior.

O primário é completamente independente e isolado. Em sete e oito anos fornece à criança uma instrução geral e positiva, diretamente orientada para a imediata aplicação dos conhecimentos.

Da escola primária ascende o aluno à escola primária superior, que se destina a desenvolver-lhe a instrução recebida e dar-lhe, embora sem um ensino propriamente técnico, a necessária formação profissional para ganhar a vida. Seguem-se os cursos técnicos.

O ensino secundário, quando bem compreendido, se distancia do ensino primário desde as suas classes preparatórias ou elementares.

Não se destinando, imediatamente, a formar o homem para a vida econômica, o ensino secundário, já naquelas classes preparatórias, vai recebendo a orientação específica de um ensino de cultura.

E a cultura desenvolve o homem, sobretudo, em profundidade.

Muito diferente da acumulação numerosa de conhecimentos e da instrução experimental e concreta, a cultura, propriamente dita, nos põe em contato com o enigma humano e entreabre esses horizontes interiores, eternamente inexplorados, onde o espírito encontra assunto para as magnificências sombrias das reflexões e das meditações para sempre insolúveis.

Assim, enquanto uma educação puramente científica ou empírica produz esses espíritos positivos, que têm dentro da alma fórmulas e etiquetas para tudo; a cultura, no sentido humanista e clássico, forma essas inteligências ornadas e amadurecidas, com vistas profundas sobre as coisas e os homens, sem fórmulas nem soluções feitas para nenhum problema, mas com uma noção exata da realidade e que sabem que concluir é, muitas vezes, dizer que se não pode concluir…

As classes elementares do ensino secundário se devem inspirar, pois, nesse espírito de profundidade e acabamento, que o ensino primário não requer e não suporta.

A escola primária não prepara, deste modo, a entrada no Lyceu.

De acordo com a nossa análise, dois ensinos elementares se destacam em uma boa organização intelectual de um país: um, destinando-se a formar o espírito para as necessidades imediatas da vida – primário; outro, destinando-se a prepará-lo para a cultura amadurecida do curso secundário.

Em França, com os programas de 1902, era muito nítida essa diferença.

Em 1923, Leon Bérard, para facilitar que alunos da escola primária passassem para o curso secundário, estabeleceu um exame na escola primária que daria entrada no Lyceu. Entretanto, não se confundia esse exame com o certificado escolar, que o aluno recebia no final do curso primário, e, apesar da determinação expressa de que se adotassem os mesmos programas nas duas classes de escolas, a distinção se mantinha apesar de tudo, e o desenvolvimento das cadeiras em uma e outra não era de nenhum modo o mesmo.

De sorte que o problema se torna complexo.

A escola única, na sua concepção teórica, contraria a grande e invencível desuniformidade das inteligências e dos seus imediatos destinos.

A “escola única”, como a quer a democracia, vem ferir uma concepção pedagógica justa e razoável.

Tornar o ensino primário único e natural limiar do ensino secundário é unificá-los, o que, de certo modo, fere a essência de um e de outro.

Ou se irá primarizar o Lyceu ou secundarizar o ensino primário.

Nenhuma das duas coisas é acertada.

Acompanhem-me em distinções que vale muito apontar o que demonstram a minha afirmação.

O ensino primário, já o dissemos, deve sempre ter as suas características próprias. Gratuito e generalizado, formará a criança economicamente para a vida. O primário superior completará e aperfeiçoará esse ensino, conservando-lhe as mesmas diretrizes positivas e práticas.

O Lyceu desenvolve o espírito, em todas as grandes possibilidades especulativas. Amadurece a inteligência, dá-lhe músculos, torna-a ágil, fecunda, audaciosa. Treina em um alto grau as faculdades do pensamento.

Naturalmente longo, para ser completo, este curso secundário se desdobra em dois cursos – clássico e moderno, conforme se destina a uma cultura humanista integral ou ao estudo preferencial das ciências e línguas vivas.

A “escola única” transformando o Lyceu na continuação do curso primário deve logicamente evitar essa bifurcação, que ainda permite que o curso secundário conserve o seu valor pedagógico.

O Lyceu será, igualmente, único, como a escola primária.

Único, as preferências democráticas, hoje, são todas pelo ensino moderno.

Ora, o que se chama ensino moderno no curso secundário não é nada mais que ensino primário superior.

E deste jeito se iria primarizar o ensino secundário quando os que se dedicam, com orientação mais intelectual do que utilitária ao problema do ensino, pensam em supprimir o espírito primário, com a supressão das próprias escolas normais, que se transformariam em cursos novos, com um ensino secundário integral, seguidos da indispensável especialização.

Não preciso apontar os perigos dessa primarização integral da cultura.

A recíproca também é desastrosa.

Se, para maior harmonia do curso, déssemos ao primário uma organização secundária, perderia aquele ensino a sua razão de ser.

A “escola única” encerra ainda uma tirania inexplicável em países verdadeiramente democráticos.

Efectivamente, tal projeto não pode ser levado a efeito sem a monopolização do ensino pelo Estado. Esta face política da monopolização é muito grave, porque entregando ao Estado, exclusivamente, a educação de um país, virtualmente se desconhecem os direitos da família. A família passa a existir para o Estado, não este para aquela. E todos sabemos de quantos erros é fonte única, essa inversão perigosa e fatal.

De sorte que, em conclusão, devemos manter a liberdade de ensino e a sua variada e natural organização. Para satisfazer as aspirações de justiça e de igualdade, é bastante, aos países que o poderem, que se torne gratuito em toda sua extensão o serviço do ensino.

Todos os grandes problemas democráticos confinam com essa barreira do dinheiro. Aos outros Estados, para quem essa gratuidade é impossível, resta somente distrair-se das formosas ilusões igualitárias e não se deixar tentar pela “escola única”.

Que o país se desenvolva pelas suas forças vivas e naturais. A educação do homem dentro do seu meio e da determinação de suas inclinações. Formemos o camponês, um bom camponês. O intelectual, um bom intelectual.

A identidade de programas e de cursos é um desastroso nivelamento.

A “escola única” é uma organização artificial. Impossibilita o ensino particular que, desobrigado da rigidez das leis e programas oficiais, é mais dúctil, mais maleável, satisfaz mais completamente as necessidades sociais e nos fornece uma variedade maior de ensino, para a organização intelectual do Estado.

São ideias as que aí ficam que ferem, pelo menos, uma face do problema da “escola única”. O assunto é oportuno para nós desde que pensamos em organizar a educação do Estado e não o poderemos fazer sem o exame desses debatidos problemas. O ensino secundário que possuímos não permite certamente as considerações que apresentamos. Mas, para o exame do problema, não me cabia cogitar senão do ensino secundário, como deve ele ser e não como o imaginaram os nossos legisladores.

Bahia, Novembro de 1924.
ANÍSIO TEIXEIRA.

Anexo 2

TEIXEIRA, Anísio. Aspectos americanos de educação. Salvador, Tip. De São Francisco, 1928. 166p.

Resumo

Relatório de uma excursão de estudos aos Estados Unidos da América, contendo notas e comentários sobre oito estabelecimentos de ensino, o órgão federal de Educação, a Associação Nacional de Educação e o Departamento Estadual de Educação, no sul. Acentua quatro pontos que caracterizariam os colégios americanos: numerosos edifícios vastos e apropriados; métodos de ensino vivos, práticos, em que participariam igualmente professores e discípulos; um currículo flexível e rico, com extraordinária variedade de cursos; e uma vida de estudantes variada, promovendo grande atividade coletiva. Destacam-se os comentários sobre o Instituto de Hampton, uma cidade colegial destinada à educação de ex-escravos, sobre o Colégio Normal de Farmville e sobre o sistema “platoon”, da escola Brady, em Detroit. Sugere-se igualmente atenção especial aos comentários do Autor sobre a integração dos métodos ativos e progressivos da educação americana com os métodos de precisão, rendimento e organização que governam a máquina industrial, o comércio e a burocracia naquele país, bem como aos contrastes que estabelece entre esta unidade da moderna civilização norte-americana e a situação brasileira.

Anexo 3

TEIXEIRA, Anísio. Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação. 2ªed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1934. 210p.
Resumo

Apresenta os fundamentos teóricos da Educação Progressiva, suas diretrizes e os elementos necessários à sua aplicação. Enfatiza o inter-relacionamento entre educação e sociedade, analisando a ação dos processos educacionais sobre o indivíduo e seus desdobramentos na organização social como um todo. Enfatiza também a necessidade de fundamentação filosófica na prática educacional, afirmando que o educador, “ao lado da informação e da técnica, deve possuir uma clara filosofia da vida humana e uma visão delicada e aguda da natureza do homem”.

Anexo 4

TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia: introdução à administração educacional. 2ªed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. 263p.
Resumo

Apresenta o que o Autor pregou e fez durante sua gestão à frente da Secretaria de Educação do Distrito Federal (1931-1935), anteriormente denominada Diretoria Geral de Instrução Pública. Divide-se em duas partes: uma parte doutrinária e outra em que documenta e justifica as medidas que tomou na orientação e coordenação da reforma do sistema escolar carioca.

Na primeira parte, discute os fundamentos e diretrizes de seu programa de reformas, localizando o problema da educação no País, indicando os motivos que o levaram a defender a autonomia dos serviços de educação e avaliando os novos significados de que deveriam se revestir, modernamente, a educação pré-escolar, elementar, rural, secundária, bem como a universidade. A segunda parte compõe-se de capítulos documentais, em que descreve as dificuldades e os imprevistos do processo de implementação de seu programa e contempla desde as medidas adotadas na reforma administrativa, os planos de financiamento da educação e de prédios e aparelhamentos escolares, até a reorganização do ensino elementar, secundário e da formação docente.

Um amplo programa de reconstrução da vida pela escola responde pela coerência profunda entre as duas partes do livro. De acordo com este programa, caberia ao sistema escolar a tarefa de reconhecer as potencialidades, dirigir e estimular o progresso dos mais hábeis, substituindo as forças antidemocráticas de segregação social pela formação de uma hierarquia do mérito, cujas principais características deveriam ser a inteligência e a devoção ao progresso da ciência, dos métodos de vida e da democracia.

Anexo 5

TEIXEIRA; Anísio. Educação não é privilégio. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. 250p.
Resumo

Analisa a situação educacional brasileira, identificando a existência de dois tipos paralelos de ensino destinados a classes sociais distintas. Acena para a necessidade de uma nova política educacional no País, capaz de promover a caracterização integral da educação comum destinada à formação do cidadão da democracia. Sugere procedimentos administrativos capazes de garantir tanto as vantagens da descentralização e autonomia dos serviços de educação, como a integração e unidade dos três poderes.

Anexo 6

TEIXEIRA, Anísio. Por uma escola primária organizada e séria para formação básica do povo brasileiro. Educação e Ciências Sociais. v.3, n.8, 1958. p.139-141.
POR UMA ESCOLA PRIMÁRIA ORGANIZADA E SÉRIA PARA FORMAÇÃO BÁSICA DO POVO BRASILEIRO

É a seguinte a íntegra do documento distribuído à imprensa pelo Professor ANÍSIO TEIXEIRA, em 15/4/1958.

“O memorial dos senhores bispos do Rio Grande do Sul reitera afirmações já negadas ou esclarecidas em documento, que muito me honra dos educadores brasileiros da Associação Brasileira de Educação. O seu texto deforma tendenciosamente o meu pensamento, e, a meu ver, não exprime sequer a doutrina educacional da Igreja. Por exemplo, rebela-se contra o programa de educação primária obrigatória e gratuita, elaborado na reunião de Ministros da Educação, em Lima, patrocinado pela Organização dos Estados Americanos e pela UNESCO, e que teve aprovação formal e veemente de S.S. o Papa.

Assim sendo, julgo desnecessário respondê-lo, valendo-me, entretanto, da oportunidade para, mais uma vez, repetir de modo sumário e claro, quais as diretrizes que orientaram toda a minha vida de educador e ainda agora disciplinam a minha atividade no INEP.
A fim de evitar tão reiteradas incompreensões, enuncio as minhas declarações em simples afirmações e negações, que mostram o que propugno e o que combato.


SOU CONTRA

1. Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância.

2. Revolta-me saber que metade da população brasileira não sabe ler e que, neste momento, mais de 7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escola.

3. Revolta-me saber que dos 5 milhões que estão na escola, apenas 450.000 conseguem chegar à 4ª série, todos os demais ficando frustrados mentalmente e incapacitados para se integrarem em uma civilização industrial e alcançarem um padrão de vida de simples decência humana.

4. Contrista-me verificar a falta de consciência pública para situação tão fundamentalmente grave na formação nacional e o desembaraço com que os poderes públicos menosprezam a instituição básica de educação do povo, que é a escola primária.

5. Aceitando como um dos grandes progressos da consciência brasileira a expansão do ensino médio, que hoje acolhe perto de 1 milhão de adolescentes, lamento a desvinculação desse ensino das exigências da vida comum de uma nação moderna e o seu caráter confuso e enciclopédico de falsa formação acadêmica.

6. Revolta-me ver que toda essa esplêndida juventude, menos de 5% chegam aos umbrais da universidade, frustrando-se os sacrifícios de centenas de milhares de famílias para lhes dar a educação indispensável a uma habilitação real às tarefas de nível médio que lhes estão sendo oferecidas.

7. Reduzido o ensino, numa pletora de matérias, a um adestramento mecânico para os exames, nem se veem preparados para a universidade os que logram o diploma, nem os demais, depois de perderem em frustrações sucessivas os anos mais promissores de sua vida, e veem habilitados para os mais elementares deveres da vida e do trabalho.

8. Choca-me ver o desbarato dos recursos públicos para educação, dispersados em subvenções de toda natureza a atividades educacionais, sem nexo nem ordem puramente paternalistas ou francamente eleitoreiras.

9. Escandaliza-me ver que numa população de sessenta milhões em marcha para a civilização industrial, apenas um milhão de pessoas tenham ensino secundário completo e apenas 160 mil tenham educação superior, oferecendo-se à juventude brasileira apenas 20.000 vagas para a formação universitária, o que constitui séria ameaça de colapso para o nosso desenvolvimento econômico e cultural.

10. Sou contra a dispersão dos esforços no ensino superior pela multiplicação de escolas improvisadas em vez de expansão e fortalecimento das boas escolas.


SOU A FAVOR

1. Sou a favor de uma escola primária organizada e séria, com seis anos de estudo nas áreas urbanas e quatro na zona rural, destinada à formação básica e comum do povo brasileiro.

2. Sou a favor de uma escola média que continue em nível mais alto, o espírito de educação comum da escola primária, mais preparatória para a vida do que simplesmente propedêutica aos estudos superiores, organizada em torno de um currículo mais simples e verdadeiramente brasileiro, em que a língua nacional, a civilização nacional e a ciência sejam os verdadeiros instrumentos de cultura do aluno.

3. A meu ver, os recursos – sabiamente assegurados pela Constituição à educação – devem ser aplicados como algo de sagrado e à luz de dois critérios básicos: primeiro o de assegurar a cada brasileiro o mínimo fundamental de educação gratuita, isto é, a escola primária; segundo somente custear com recursos públicos a educação pós-primária de alunos escolhidos em livre competição, a fim de que a favor da educação gratuita não se faça meio de manter os privilégios, mas de premiar o esforço e a inteligência dos melhores.

4. Sou a favor de uma educação voltada para o desenvolvimento, que realmente habilite a juventude brasileira à tomada de consciência do processo de autonomia nacional e aparelhe para as tarefas materiais e morais do fortalecimento e construção da civilização brasileira.”


Este texto foi publicado na categoria Cultura e Expressão Artística.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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