Resumo do Livro: Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire)
Saiba mais sobre o livro Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire. Descubra como Freire propõe lidar com opressão e injustiça social, ao mesmo tempo em que fala sobre a importância da educação para a libertação.
Neste artigo você vai encontrar diversas resenhas e resumos do livro Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, cada uma com um ponto de vista diferente.
Resenha 1
Justificativa da “Pedagogia do Oprimido”
Pág.29. ” Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos”, e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu pouco saber de si uma das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problemas a eles mesmos. Indagam. Respondem, e sua resposta as levam as novas perguntas.
O problema de sua humanização deve haver sido, de um ponto de vista axiológico, o seu problema central, assume, hoje caráter de preocupação iniludível.”
“Pág 30. “A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também ainda que forma diferença nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. É distorção possível na história, mas não vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoa, como “seres para si”, não teria significação. Esta somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta que gera violência dos opressores e está, ser o menos.”
A contradição opressores-oprimidos. Sua superação.
A violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra que os fez menos. E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores. Estes, que oprimem, exploram e violentam, em razão de seu poder, não podem ter, neste poder, a força da libertação dos oprimidos nem de si mesmos.”
Pág.31. ” Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida.”
Pág.36. ” o opressor só se solidariza com os oprimidos quando o seu gesto deixa de ser um gesto sentimental, de caráter individual, e passa a ser um ato de amor àqueles. Quando, para ele, os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam a ser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por isto no seu trabalho comprado, que significa a sua pessoa vendida. Só na plenitude deste ato de amar, na sua existência, na sua práxis, se constitui a solidariedade verdadeira. Dizer que os homens são pessoas e, como pessoas, são livres, e nada concretamente fazer para que esta afirmação se objetive, é uma farsa.”
Pág.40.” A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-se na luta por sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter nos próprios oprimidos, que se saibam ou comecem criticamente a saber-se oprimidos, um dos seus sujeitos.
Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres desditados, objetos de um “tratamento” humanitarista, para tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, modelos para a sua “promoção”. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção.
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão se comprometendo, na práxis, com a sua transformação; segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.
Daí a afirmação anteriormente feita, de que a superação autêntica da contradição opressores-oprimidos não está na pura troca de lugar, na passagem de um pólo a outro. Mais ainda: não está em que os oprimidos de hoje, em nome de sua libertação, passem a ter novos opressores.
A situação concreta de opressão e os opressores
Pág.44. ” Mas o que ocorre, ainda quando a superação da contradição se faça em termos autênticos, com a instalação de uma nova situação concreta, de uma nova realidade inaugurada pelos oprimidos que se libertam, é que os opressores de ontem não se reconheçam em libertação. Pelo contrário, vão sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos. É que, para eles, “formados” na experiência de opressores, tudo o que não seja o seu direito antigo de oprimir significa opressão a eles.
Vão sentir-se agora, na nova situação, como oprimidos porque, se antes podiam comer, vestir, calçar, educar-se… qualquer restrição a tudo isso, em nome do direito de todos, lhes parecem uma profunda violência a seu direito de pessoa. Direito de pessoa que, na situação anterior, não respeitava nos milhões de pessoas que sofriam e morriam de fome, de dor, de tristeza, de desesperança.
É que, para eles, pessoa humana são apenas eles. Os outros são coisas. Para eles, há um só direito – o direito de viverem em paz, ante o direito de sobreviverem, que talvez nem sequer reconheçam, mas somente admitam aos oprimidos. E isto ainda, porque, afinal, é preciso que os oprimidos existam, para que eles existam e sejam “generosos”…
Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima cria nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos.”
A situação concreta de opressão e os oprimidos
Pág.48. “Há em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos oprimidos de “classe média”, cujo anseio é serem iguais ao “homem ilustre” da chamada “classe superior”.
De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isso, terminam por se convencer de sua “incapacidade”. Falam de si como os que não sabem e do “doutor” como o que sabe e a quem devem escutar. Os critérios de saber que lhe são impostos são os convencionais.
A te o momento em que os oprimidos não tomem consciência das razões de seu estado de opressão “aceitam” fatalistamente a sua exploração. Mais ainda, provavelmente assumam posições passivas, alheadas, com relação à necessidade de sua própria luta pela conquista da liberdade e de sua afirmação no mundo. Nisto reside sua “conivência” com o regime opressor.
Ninguém liberta ninguém, ninguém liberta sozinho:
Os homens se libertam em comunhão.
Pág. 52. “Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis.
A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, “ação cultural” para a liberdade, por si mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor. Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência.
A ação libertadora, pelo contrário, reconhecendo esta dependência dos oprimidos como ponto vulnerável, deve tentar, através da reflexão e da ação, transformá-la em independência. Esta, porém, não é doação que uma liderança, por mais bem-intencionada que seja, lhes faça. Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não de “coisas”. Por isto, se não é autolibertação – ninguém se liberta sozinho -, também não é libertação de uns feita por outros.”
A concepção “bancária” da educação como instrumento da opressão.
Seus pressupostos, sua crítica
Pag. 57.” A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem enchidos pelo educador. Quanto mais vai se enchendo os recipientes, com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente encher, tanto melhores educandos serão.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais de ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.”
A concepção problematizadora e libertadora da educação
Seus pressupostos
Pag.62.”A educação “bancária”, em cuja prática se dá a inconciliação educador-educandos, rechaça este companheirismo. E é lógico que seja assim. No momento em que o educador “bancário” vivesse a superação da contradição já não seria “bancário”. Já não faria depósitos. Já não tentaria domesticar. Já não prescreveria. Saber com os educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não estaria a serviço da desumanização. A serviço da opressão, mas a serviço da libertação.”
A concepção “bancária” e a contradição educador-educando
Pag.63. ” Se para a concepção “bancária” a consciência é, em sua relação com o mundo, esta “peça” passivamente escancarada a ele, à espera de que entre nela, coerentemente concluirá que ao educador não cabe nenhum outro papel que não o de disciplinar a entrada do mundo nos educandos. Seu trabalho será, também, o de imitar o mundo. O de ordenar o que já se faz espontaneamente. O de encher os educandos de conteúdos. É o de fazer depósitos de comunicados – falso saber – que ele considera como verdadeiro saber.
Não pode perceber que somente na comunicação tem sentido a vida humana. Que o pensar do educador só ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. Por isso, o pensar daquele não pode ser um pensar para estes nem a estes imposto. Daí que não deva ser um pensar no isolamento, na torre de marfim, mas na e pela comunicação, em torno, repitamos, de uma realidade.”
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo
Pag.68. ” Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo.
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra eles.”
O homem como um ser inconcluso, consciente de sua inconclusão, e seu permanente movimento de busca do ser mais
Pag. 72. “A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada.
Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um fazer permanente. Permanente, na razão da inconclusão dos homens e do devenir da realidade.
Em busca do ser mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos.”
A dialogicidade – essência da educação como prática da liberdade.
Pag.77. ” Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis.
Esta é a razão porque não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante constitua.
Educação dialógica e diálogo
Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda.
Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não. Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico.
Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela estava proibido.
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo.
Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.
Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros “isto”, em que não reconheço outros eu?
A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais.
Sem o diálogo, não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. A que, operando a superação da contradição educador-educandos, se instaura como situação gnosiológica, em que os sujeitos incidem seu ato cognoscente sobre o objeto cognoscível que os mediatiza.
O diálogo começa na busca do conteúdo programático
Pag.83. ” A inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação. Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.
Por isto é que não podemos, a não ser ingenuamente, esperar resultados positivos de um programa, seja educativo num sentido mais técnico ou de ação política, se, desrespeitando a particular visão do mundo que tenha ou esteja tendo o povo, se constitui numa espécie de invasão cultural, ainda que feita com a melhor das intenções. Mas “invasão cultural” sempre.
As relações homens-mundo, os temas geradores e o conteúdo programático desta educação
Será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política.
O que temos a fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação.
Nosso papel não é falar ao povo a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta na várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A ação educativa e política não podem prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto.
Os homens, ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que propõem e se propõem, ao terem o ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações em mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separar-se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica.
A investigação dos temas geradores e sua metodologia
Pag.95. ” A questão fundamental, neste caso, está em que, faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão, captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la. E não o podem porque, para conhecê-la, seria necessário partir do ponto inverso. Isto é, lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto, através de cuja cisão voltariam com mais clareza à totalidade analisada.
Este é um esforço que cabe realizar, não apenas na metodologia da investigação temática que advogamos, mas, também, na educação problematizadora que defendemos. O esforço de propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a interação de suas partes.
É preciso que nos convençamos de que as aspirações, os motivos, as finalidades que se encontram implicitados na temática significativa são aspirações, finalidades, motivos humanos. Por isto, não estão aí, num certo espaço, como coisas petrificadas, mas estão sendo. São tão históricos quanto os homens. Não podem ser captados fora deles, insistamos.
Captá-los e entendê-los é entender os homens que os encarnam e a realidade a eles referida. Mas, precisamente porque não é possível entendê-los fora dos homens, é preciso que estes também os entendam. A investigação temática se faz, assim, um esforço comum de consciência da realidade e de autoconsciência, que a inscreve como ponto de partida do processo educativo, ou da ação cultural de caráter libertador.
A significação conscientizadora da investigação dos temas geradores. Os vários momentos da investigação.
Pag. 100.” A investigação temática, que se dá no domínio do humano e não no das coisas, não pode reduzir-se a um ato mecânico. Sendo processo de busca, de conhecimento, por isto tudo, de criação, exige de seus sujeitos que vão descobrindo, no encadeamento dos temas significativos, a interpenetração dos problemas.
Por isto é que a investigação se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais crítica quanto, deixando de perder-se nos esquemas estreitos das visões parciais da realidade, das visões “focalistas” da realidade, se fixe na compreensão da totalidade.
Não posso investigar o pensar dos outros, referido ao mundo, se não penso. Mas, não penso autenticamente se os outros também não pensam. Simplesmente, não posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir ideias, mas no de produzi-las e de transformá-las na ação e na comunicação.
A teoria da ação antidialógica
Pag.121. “Começaremos reafirmando que os homens são seres da práxis. São seres do que fazer, diferentes, por isto mesmo, dos animais, seres do puro fazer. Os animais não “ad-miram” o mundo. Imergem nele. Os homens, pelo contrário, como seres do que fazer “emergem” dele e, objetivando-o, podem conhecê-lo e transformá-lo com seu trabalho.
Mas, se os homens são seres do que fazer é exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o que fazer é práxis, todo fazer do que fazer tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O que fazer tem de ter uma teoria e prática. É reflexão e ação. Não pode reduzir-se, à palavra, nem ao verbalismo, nem ao ativismo.”
Pag. 134. ” Se não é possível o diálogo com as massas populares antes da chegada ao poder, porque falta a elas experiência do diálogo, também não lhes é possível chegar ao poder, porque lhes falta igualmente experiência dele. Precisamente porque defendemos uma dinâmica permanente no processo revolucionário, entendemos que é nesta dinâmica, na práxis das massas com a liderança revolucionária, que elas e seus líderes mais representativos aprenderão tanto o diálogo quanto o poder. Isto nos parece tão óbvio quanto dizer que um homem não aprende a nadar numa biblioteca, mas na água.
O diálogo com as massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática a ser usada, como a sloganização o é, para dominar. O diálogo, como encontro dos homens para a “pronúncia” do mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização.”
A teoria da ação antidialógica e suas características: a conquista. Dividir para manter a opressão, a manipulação e a invasão cultural.
Conquista:
Pag.135. “O primeiro caráter que nos parece pode ser surpreendido na ação antidialógica é a necessidade da conquista”.
A conquista crescente do oprimido pelo opressor aparece, pois como um traço marcante da ação antidialógica. Por isto é que, sendo a ação libertadora dialógica em si, não pode ser o diálogo uma a posteriori seu, mas um concomitante dela. Mas, como os homens estarão sempre libertando-se, o diálogo se torna um permanente da ação libertadora.
O desejo de conquista, talvez mais que o desejo, a necessidade da conquista, acompanha a ação antidialógica em todos os seus momentos.
Dividir, para manter a opressão
Esta é uma outra dimensão fundamental da teoria da ação opressora, tão velha quanto a opressão mesma.
Na medida em que, as minorias, submetendo as a maiorias a seu domínio, as oprimem, dividi-las e mantê-las divididas são condição indispensável à continuidade de seu poder.
Não se pode dar ao luxo de consentir na unificação das massas populares, que significaria, indiscutivelmente, uma séria ameaça à sua hegemonia.
O que interessa ao poder opressor é enfraquecer os oprimidos mais do que já estão, ilhando-os, criando e aprofundando cisões entre eles, através de uma gama variada de métodos e processos.
Desde os métodos repressivos da burocratização estatal, à sua disposição, até as formas de ação cultural por meio das quais maneja as massas populares, dando-lhes a impressão de que as ajudam.
Manipulação
Pag.144. “Através da manipulação, as elites dominadoras vão tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E, quanto mais imaturas, politicamente, estejam elas (rurais ou urbanas), tanto mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder.
A manipulação aparece como necessidade imperiosa das elites dominadoras, com o fim, através dela, conseguir um tipo inautêntico de “organização”, com que evite o seu contrário, que é a verdadeira organização das massas populares emersas e emergindo.
Estas, inquietas ao emergir, têm duas possibilidades: ou são manipuladas pelas elites para manter a dominação ou se organizam verdadeiramente para sua libertação. É óbvio, então, que a verdadeira organização não possa ser estimulada pelos dominadores. Isto é tarefa da liderança revolucionária.
Invasão cultural
Pag. 149.” Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão.
Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciçamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la.
Por isto é que, na invasão cultural, como de resto em todas as modalidades da ação antidialógica, os invasores são os autores e os atores do processo, seu sujeito; os invadidos, seus objetos. Os invasores modelam; os invadidos são modelados. Pelo menos é esta a expectativa daqueles. Os invasores atuam; os invadidos têm a ilusão de que atuam, na atuação dos invasores.
A invasão cultural tem uma dupla face. De um lado, é já dominação; de outro, é a tática de dominação.
Na verdade, toda dominação implica uma invasão, não apenas física, visível, mas às vezes camuflada, em que o invasor se apresenta como se fosse o amigo que ajuda. No fundo, invasão é uma forma de dominar econômica e culturalmente o invadido.
Pag. 165. A teoria da ação dialógica e sua característica:
A co-laboração, a união, a organização e a síntese cultural.
” A co-laboração, como característica da ação dialógica, que não pode dar-se a não ser entre sujeitos, ainda que tenham níveis distintos de função, portanto, de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação.
O diálogo, que é sempre comunicação, funda a co-laboração. Na teoria da ação dialógica, não há lugar para a conquista das massas aos ideais revolucionários, mas para a sua adesão.
A comunhão provoca a co-laboração que leva liderança e massas àquela fusão a que se refere a um líder. Fusão que só existe se a ação revolucionária é realmente humana, por isto, simpática, amorosa, comunicante, humilde, para ser libertadora.”
União
“Seria uma inconsequência da elite dominadora se consentisse na organização das massas populares oprimidas, pois que não existe aquela sem a união destas entre si e destas com a liderança.
A união dos oprimidos é um que fazer que se dá no domínio do humano e não no das coisas. Para que os oprimidos se unam entre si, é preciso que cortem o cordão umbilical, de caráter mágico e mítico, através do qual se encontram ligados ao mundo da opressão.”
Pag. 175 . *
Organização:
” A organização não apenas está diretamente ligada à sua unidade, mas é um desdobramento natural desta unidade das massas populares.
Desta forma, ao buscar a unidade, a liderança já busca, igualmente, a organização das massas populares, o que implica o testemunho que deve dar a elas de que o esforço de libertação é uma tarefa comum a ambas.
Na teoria da ação dialógica, portanto, a organização, implicando autoridade, não pode ser autoritária; implicando liberdade, não pode ser licenciosa.
Pelo contrário, é o momento altamente pedagógico, em que a liderança e o povo fazem juntos o aprendizado da autoridade e da liberdade verdadeira que ambos, como um só corpo, buscam instaurar, com a transformação da realidade que os mediatiza.”
Pag.183. *
Síntese cultural:
” Em todo o corpo deste capítulo se encontra firmado, ora implícita, ora explicitamente, que toda ação cultural é sempre uma forma sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido de mantê-la como está ou mais ou menos como está, ora no de transformá-la.
“Finalmente, a invasão cultural, na teoria antidialógica da ação, serve de manipulação que, por sua vez, serve à conquista e esta à dominação, enquanto a síntese serve à organização e esta à libertação.”
Este livro quer nos transmitir que: assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria de ação opressora, os oprimidos, para se libertarem, igualmente necessitam de uma teoria de sua ação.”
FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido Editora Paz e Terra – 29ª edição – 1987
Aprender a dizer a sua palavra
A mudança só pode acontecer através da Educação Libertadora.
O homem deve conhecer todo o mundo em sua volta, assim a antropologia deveria fazer parte integrante do contexto da educação de jovens e adultos.
Alfabetizar é conscientizar, o educando deve refletir suas próprias palavras, desta forma cria-se a cultura.
“Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desnivelamento do mundo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos”.
O “medo da liberdade”, não significa que o poder do diálogo possa trazer desordem, o que o homem tem medo é de enfrentar novas situações, transformações, isso faz com que o mesmo se acomode.
A justificativa da “Pedagogia do oprimido” mostra a busca e o empenho dos homens por uma libertação.
Essa luta só tem sentido quando os oprimidos buscarem recuperar sua humildade e libertar-se dos opressores.
Em um primeiro momento do descobrimento, os oprimidos tendem a ser opressores, o que dificulta uma práxis libertadora, por terem uma visão individualista.
A liberdade é uma busca permanente. É uma conquista que exige força, responsabilidade e espírito de luta.
Libertar-se de sua força exige a imersão dela, a volta sobre ela. É essencial que a práxis seja autêntica para que exista a ação e reflexão sobre o mundo para transformá-lo.
Para que haja o oprimido, é necessário que exista o opressor.
Os opressores têm uma ânsia de posse, onde o poder de compra transforma tudo em sua volta, possuem uma concepção materialista de existência.
Os oprimidos são considerados como coisas, não possuindo direitos, apenas deveres.
Os oprimidos dificilmente lutam, aceitam tudo o que lhes é imposto, são dependentes emocionais.
Ninguém se liberta, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam em comunhão.
Quando os oprimidos descobrem o opressor, só então se engajam na luta por sua libertação, superando seus limites.
É necessário que a ação política junto aos oprimidos se faça pela reflexão.
Para que haja uma transformação, faz-se necessário que o indivíduo (oprimido) tenha em mente sua responsabilidade, só assim será liberto para criar, construir.
A concepção bancária da Educação como instrumento da opressão. Seus pressupostos – sua crítica.
A educação bancária tem como denominador o processo do depositante do saber (educador) e depositário do mesmo (educandos passivos).
A relação professor-aluno é baseada nos falsos valores de que um sabe tudo e o outro nada sabe, cultivando-se assim o silêncio e tolhendo-se a criatividade, estimulando assim o interesse dos opressores.
A conscientização problematizadora e libertadora da “educação” e seus pressupostos estão principalmente no educador e educando para que haja relação de companheirismo entre ambos.
Somente assim a vivência bancária deixaria sua forma inicial para atingir a libertação.
A concepção bancária e a contradição educador-educando.
O âmbito da concepção bancária é o de controlar pensamentos e ações. Se hoje pretende-se a humanização em processo, necessita-se da reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.
A práxis educacional passa a ser a maior fonte de rompimento com as características da Educação Bancária.
O professor é o ser que não mais educa, mas sim aquele que aprende no processo da aprendizagem.
Ele é educado em diálogo com o educando, para que ambos tornem-se sujeitos do mesmo processo.
Na educação com prática de liberdade, quanto mais se problematizam os educandos como seres no mundo, mais se sentirão desafiados e responderão.
O homem como ser incluso, consciente de sua inclusão e seu permanente movimento de busca em ser mais.
Na história, percebe-se a historicidade do homem como ser inacabado e incluso. Esta concepção é desconhecida para a prática bancária.
Desta forma, percebe-se que a Educação refaz-se na prática, onde a problematização é uma constante, onde os alunos passam a estar interagindo no processo educacional, para seu verdadeiro crescimento intelectual e cognitivo.
A dialogicidade – essência da educação como prática da liberdade
A essência do diálogo é a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na análise do diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar, também, seus elementos construtivos.
Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis.
A palavra inautêntica, por outro lado, com que não se pode transformar a realidade, resulta da dicotomia alienada e alienante, pois não há denúncia verdadeira sem compromisso de transformação.
Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. O diálogo é a exigência existencial que se solidarizam o refletir e o agir de sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado.
Não há diálogo se não há amor, não há diálogo se não há humildade, não há diálogo se não há uma intensa fé, finalmente não há diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro, um pensar crítico.
Sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação.
O diálogo começa na busca do conteúdo programático em uma concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade começa, não quando o educador-educando se encontra em situações pedagógicas, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes.
As relações homens-mundo, os temas geradores e o conteúdo programático será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que podemos organizar o conteúdo programático da educação ou de ação política.
Nunca apenas dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a ver com seus anseios, com suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores.
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa.
E na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos, educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação, neste momento se faz necessária a investigação que chamamos de conjunto de temas geradores que proporcione a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos.
A investigação dos temas geradores e sua metodologia tem como objetivo propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a interação de suas partes, neste sentido é que a investigação do tema gerador, que se encontra contido no “universo temático mínimo”, se realiza por meio de uma metodologia conscientizadora, além de nos possibilitar sua apreensão, insere ou começa a inserir os homens numa forma crítica de pensarem seu mundo.
Os temas, em verdade, existem nos homens, em suas relações com o mundo, referidos a fatos concretos.
A significação conscientizadora da investigação dos temas geradores e os vários momentos da investigação têm que se tornar um processo de busca, de conhecimento, de compreensão da totalidade que deve estar presente a preocupação pela problematização dos próprios temas.
A investigação da temática envolve a investigação do próprio pensar do povo, assim toda investigação temática de caráter conscientizador se faz pedagógica e toda autêntica educação se faz investigação do pensar.
A coleta de dados da investigação apresentará um marco no qual se encontrará uma temática de percepção crítica da realidade, a investigação temática se vai expressando como um que fazer educativo, como ação cultural. Após esta primeira investigação, os investigadores estarão capacitados para organizar o conteúdo programático da ação educativa.
A segunda fase da investigação começa precisamente quando os investigadores, com os dados que recolheram, chegam à apreensão daquele conjunto de contradições.
A partir deste momento, sempre em equipe, escolherão algumas dessas contradições, com que serão elaboradas as codificações que vão servir à investigação temática. As codificações consistem entre o “contexto concreto ou real”, em que se dão os fatos, e o “contexto teórico”.
Os indivíduos imersos na realidade, com a pura sensibilidade de suas necessidades, emergem dela e, assim, ganham a razão das necessidades.
Terceira fase da investigação são nos “círculos de investigação temática”
Do ponto de vista metodológico, a investigação que desde seu início, se baseia na relação simpática até sua fase final, a da análise da temática encontrada, que se prolonga na organização do conteúdo programático da ação educativa, como ação cultural.
Além do investigador, assistirão mais dois especialistas, um psicólogo e um sociólogo, cuja tarefa é registrar as reações mais significativas ou aparentemente pouco significativas dos sujeitos descodificados.
Os participantes do “círculo de investigação temática” vão extrojetando, pela força catártica da metodologia, uma série de sentimentos, de opiniões, de si, do mundo e dos outros.
A sua última etapa se inicia quando os investigadores, terminadas as descodificações nos círculos, dão começo ao estudo sistemático e interdisciplinar de seus achados.
Feita a delimitação temática, caberá a cada especialista, dentro de seu campo, apresentar à equipe interdisciplinar o projeto de “redução” de seu tema.
Com o mínimo de conhecimento da realidade, podem os educadores escolher alguns temas básicos que funcionariam como codificações de investigação.
Conclusão
Na sociedade em que vivemos, com certeza fica bem claro quem são os opressores e os oprimidos, o que Paulo Freire cita é que estamos em tempo de mudar esta situação se cada indivíduo se libertar, buscando a superação de seus problemas com criatividade; E quando se trata de trabalhar com jovens e adultos, ambos têm que ter a consciência de que é possível mudar, deixando de ser oprimidos e passando a ser agentes transformadores.
Na educação “bancária” o que se pode perceber é a manipulação de pensamentos com um único objetivo: oprimir.
Em uma de suas citações, ele deixa uma mensagem: “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho…”, pois os indivíduos não são uma caixinha onde se deposita conhecimentos, mas sim um ser recriado do mundo.
Ter a consciência de si próprio é ter consciência do mundo.
Como isso pode acontecer? Através do diálogo, pois não há palavra verdadeira que não seja práxis.
Pedagogia do Oprimido
Paralelo entre o livro Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e currículo.
As palavras educação, currículo, e reforma têm uma história que parece andar de mãos dadas. Durante as últimas décadas, educadores e investigadores vêm trabalhando no sentido de desenvolver meios efetivos para resolver os problemas de nossa sociedade por meio da educação. Hoje, mais do que nunca, o currículo está sendo discutido em torno de assuntos emergentes relacionados ao movimento da pedagogia crítica e neo-marxista e vem se estruturando no que se caracteriza como a educação multicultural.
Nesta perspectiva, assume-se que o currículo deveria ser organizado em torno de aspectos multiculturais que incluem raça, gênero, diferenças individuais, classe social, problemas sociais, e justiça social. Este tom curricular ainda está sob as premissas de educação baseada em princípios inspirados por Freire, determinadas como uma teoria crítica de currículo. O livro Pedagogia do Oprimido, publicado por ele em 1970, foi a mola propulsora dessa teoria que enfatiza a libertação do indivíduo por meio do estudo crítico da realidade social, política e econômica, no sentido de conscientizar as diferentes classes e estruturas sociais para promoção da justiça social.
Neste sentido, a transformação da realidade seria inevitável, que por sua vez, levaria à humanização da sociedade em sua totalidade. Para tanto, novos currículos se faziam necessários, já que o currículo tradicional, desconectado da realidade, “não pode jamais desenvolver a consciência crítica do educando“. Isto elevou a atenção para perspectivas diferentes de compreender o currículo, como por exemplo, currículo como uma arena política, currículo para diversidade cultural, currículo para equidade de grupos desprivilegiados, e currículo para grupos estigmatizados baseado na pobreza.
Freire estabelece uma comparação entre o desenvolvimento e a prática do currículo tradicional e do currículo crítico emancipatório. Ele discute que o currículo tradicional conduz à alienação, considerando que uma orientação crítica conduz à libertação ou emancipação do indivíduo.
O projeto curricular tradicional tende a ser estático e unilateral, considerando que o plano curricular crítico é dinâmico e democrático. A concepção tradicional de currículo é “antidialógica” e opressiva, enquanto que a concepção crítica de currículo é dialógica e emancipatória. Nesta perspectiva, o modo opressivo de currículo demanda a alienação e a manutenção do status quo que, por sua vez, conduz à desumanização da sociedade.
Já uma perspectiva emancipatória do currículo desenvolve consciência crítica e transformação, e desta forma, leva à humanização da sociedade. Isto que Freire propôs (e experimentou) é um modelo de currículo a ser constituído como um projeto coletivo no qual a comunidade escolar inteira é envolvida, inclusive professores, estudantes, pais, administradores, e outros atores sociais da comunidade. Neste sentido, Freire expressa que:
“Uma reforma de currículo nunca poderia ser algo feito, elaborado, e pensado por uma dúzia de experts cujo resultado final se transforma em pacotes curriculares que vêm de cima para baixo, e que por sua vez, devem ser executados igualmente de acordo com instruções e diretrizes elaboradas por estes iluminados. Reforma de currículo deve ser sempre um processo político-pedagógico e, substancialmente democrático.”
Proposto uma estrutura curricular voltada às diferenças e interesses individuais e/ou grupais de cada contexto no sentido de promover justiça social e solução para os problemas reais do cotidiano, percebeu-se que isso atenderia ao que hoje se deseja por pais e professores, e até por vezes, numa atitude politicamente correta na retórica política e econômica; ou seja, educação numa perspectiva multicultural.
Neste sentido, uma proposta curricular com tais características provocaria uma ruptura com o paradigma curricular dominante ainda vigente nos bancos escolares, e o professor (claramente, o professor, indivíduo responsável pela implementação do currículo, é uma figura central no currículo defendido por Paulo Freire, pois trabalha no real mundo da escola, e como tal, entende o contexto no qual o currículo alternativo será implementado), então, passaria a desenvolver um papel crucial desde o início da constituição do currículo, bem como, membros da comunidade mais ampla.
Numa percepção das escolas como uma agência libertadora ou emancipatória, partindo da compreensão que a educação, é por ela mesma, um fenômeno emancipador, devemos pautar nossa prática pedagógica, em busca dessa perspectiva do oprimido, desse olhar que vê o mundo, epistemológica e politicamente, como espaço do mais-ser. Porque a “superioridade” da ciência, da arte, da religião e das demais formas de representação do oprimido está, exatamente, na sua admissão da mudança, na compreensão e aspiração da transformação social. Somente o oprimido tem o potencial que permite à humanidade avançar no sentido da mudança social, mas somente a Pedagogia do Oprimido é que permitirá a construção da Civilização do Oprimido.
Autor: Soraya Mendonça Marques
Resenha 2
Paulo Reglus Neves Freire (1922-1997) ou somente Paulo Freire, como é popularmente conhecido, se inscreve entre aqueles educadores empenhados na luta em defesa de uma educação humanizadora. Figura emblemática no cenário educacional brasileiro, Paulo Freire transmite à posterioridade uma produção intelectual relevante, cuja obra Pedagogia do Oprimido, composta de 184 páginas, publicada pela primeira vez em 1967 e atualmente em sua 38ª edição, é uma mostra disso.
No livro em questão, Paulo Freire tece uma interessante discussão sobre a pedagogia de uma perspectiva do oprimido. Ressalta que a luta pela libertação do homem, o qual é, semelhantemente à realidade histórica, um ser inconcluso, se dá num processo de crença e reconhecimento do oprimido em relação a si mesmo, enquanto homem de vocação para “ser mais”. Preconiza um trabalho educativo que respeite o diálogo e a união indissociável entre ação e reflexão, isto é, que privilegie a práxis. Um trabalho que não se funde no ativismo (ação sem reflexão) ou na sloganização (reflexão sem ação) e que não se funde numa concepção de homem como “ser vazio”.
Em correspondência a essa concepção de homem como “ser vazio” e, por isso, dependente de “depósitos” de conhecimento, está, segundo Paulo Freire, a pedagogia de perspectiva opressora, denominada de “educação bancária”. Pautada numa comunicação verticalizada, contrária ao diálogo, serve como instrumento de desumanização e domestificação do oprimido, o qual na sua relação com o opressor hospeda-o em sua consciência. Ao se referir à teoria antidialógica, o autor ressalta que a referida teoria tanto traz a marca da opressão, da invasão cultural camuflada, da falsa “ad-miração” do mundo, como lança mão de mitos para manter o status quo e manter a desunião dos oprimidos, os quais divididos ficam enfraquecidos e tornam-se facilmente dirigidos e manipulados.
É em contraposição à pedagogia opressora que Paulo Freire reforça a imprescindibilidade de uma educação realmente dialógica, problematizadora e marcadamente reflexiva, combinações indispensáveis para o desvelamento da realidade e sua apreensão consciente pelo educando. Ademais, “[…] a educação problematizadora coloca, desde logo, a existência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica […] (FREIRE, 2004, p.68)”, não é possível a co-laboração entre educador e educando, não é possível conceber um educador-educando, que se educa no diálogo com o outro, e um educando-educador.
Traz à cena a questão do “ato de dissertar” realizado pelo educador, que constitui, e isto tanto dentro como fora da escola e em qualquer nível de ensino, uma prática de dominação, pois se disserta sobre a realidade como se fosse algo estático e sem vida.
É por meio da dissertação, explica Paulo Freire, que o “educador bancário” tenta “depositar”, “encher”, o educando com conteúdos, os quais, comumente, não se relacionam com sua vida, minimizando, e até mesmo anulando, seu potencial criativo, criticidade e pensar autêntico. Ao memorizar o conteúdo narrado, ao “arquivar” os “depósitos”, o educando não está se conhecendo e conhecendo o mundo de modo verdadeiro, não está desenvolvendo sua consciência crítica, daí Freire (2004, p.72) destaca que a educação bancária “[…] servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda, que não podendo matar a intencionalidade da consciência como um desprender-se ao mundo, a ‘domestica’.”
Em oposição à educação bancária, o educador-educando se compromete com um conteúdo programático que não caracteriza doação ou imposição, “[…] um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada” (FREIRE, 2004. p. 83-84). Compromete-se com uma programação, com conteúdos, que advêm das colocações do povo, de sua existência, desafiando-o à busca de respostas, tanto em nível de reflexão como de ação. Em outras palavras, uma prática libertadora, requer que o “[…] acercamento às massas populares se faça, não para levar-lhes uma mensagem ‘salvadora’, em forma de conteúdo a ser depositado, mas, para em diálogo com elas, conhecer, não só a objetividade em que estão, mas a consciência que tenham dessa objetividade; […] de si mesmos e do mundo” (FREIRE, 2004, p.86). Desse modo, busca-se juntos, educador e povo, mediatizados pela realidade, o conteúdo a ser estudado.
Acerca do operacionalizar a pedagogia de uma perspectiva do oprimido, é preciso, segundo Paulo Freire, investigar o universo temático do povo. Busca-se, inicialmente, conhecer a área em que se vai trabalhar e se aproximar de seus indivíduos, marcando reunião e presença ativa para coletar dados, de modo a levantar os temas geradores. Estes devem ser organizados em círculos concêntricos, partindo de uma abordagem mais geral até a mais particular. Tal operacionalização demanda, ainda, e isso cabe ao educador dialógico, devolver em forma de problema o universo temático recebido do povo na investigação.
Efetivada essa etapa e com os dados em mãos, realiza-se um estudo interdisciplinar sobre os “achados” nos círculos de cultura, a partir dos quais os envolvidos apreendem o conjunto de contradições que permeiam os temas. Cada envolvido na investigação temática apresenta um projeto de um dado tema, o qual passa por discussão e acolhe sugestões. Os projetos servem, posteriormente, de subsídio à formação dos educadores-educando que trabalharão nos círculos de cultura.
Após elaboração do programa, são confeccionados materiais didáticos em forma de, por exemplo, textos, filmes, fotos, entre outros. São preparadas, também, as codificações de situações existenciais, as quais têm que ser decodificadas pelo educando e promover o surgimento de uma nova percepção da questão tratada, como também o desenvolvimento de um novo conhecimento.
Em retrospecto ao exposto, convém sublinhar que se trata de uma obra que denuncia os limites de uma educação de ajustamento, ao mesmo tempo em que anuncia a possibilidade de uma educação humanizadora, “libertadora”, como diria o autor. Daí a atualidade e relevância de sua leitura pelos educadores das várias áreas do conhecimento, tanto os que estão em processo de formação acadêmica como aqueles que já atuam e, também, demais interessados pelas discussões do campo educacional.
Autor: Carla Baena da Silva Marolato