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Escola e Democracia: Resenha do Livro de Dermeval Saviani

Explore as concepções de democracia educacional que Dermeval Saviani discute neste livro clássico. Aprenda sobre a liberdade de aprender, a igualdade de oportunidades e educação crítica com Escola e Democracia.

Escola e Democracia: Resenha do Livro de Dermeval Saviani

Saviani começa seu livro levantando questões de dois grupos mais ou menos antagônicos. O primeiro grupo (teorias não-críticas, classificadas como a pedagogia tradicional, a pedagogia nova e a pedagogia tecnicista) acha que a educação é a panaceia milagrosa capaz de erradicar a marginalidade de nossa sociedade. No segundo grupo (Teorias Crítico-Reprodutivistas subdivididas em teoria de sistema enquanto violência simbólica, Teoria da Escola Enquanto Aparelho Ideológico do Estado (AIE) e Teoria da Escola Dualista). Neste caso, de forma oposta, a educação aparece como fator agravante, através da discriminação e responsável pela marginalidade. Por último, propõe uma Teoria Crítica da Educação. Saviani frisa que os dois primeiros grupos explicam a marginalização na forma da relação entre educação e sociedade. Eu, particularmente, tenho um ponto de vista formado a respeito da marginalização e acho que o fator “educação” (como escola e pedagogia) não é fator preponderante na erradicação ou no agravamento da marginalidade, acho apenas um fator coadjuvante. Por sua vez, a sociedade também apontada como grande culpada, eu a colocaria em segundo lugar, pois, para mim, a principal causa da marginalidade nasce no seio da família, ou seja, na célula mater da sociedade e não nela como um todo.

Isto pode ser observado, (perdoe-nos a digressão) em casos que conhecemos, de indivíduos sem estudos, aculturados, porém perfeitamente integrados na sociedade como pessoas de bem e até com grande sucesso econômico. Para amparar minha tese, gostaria de lançar mão da mãe natureza, na explicação. A maior parte dos animais, desde a mais tenra idade, tem uma relação instintiva com seus filhotes. Dentro desta relação, eles, além de prover a alimentação e o afeto, logo que a ampulheta temporal sinaliza, começam a integrar seus filhotes ao meio ambiente onde viverão. Estas criaturas ensinam seus filhos a arte da caça e da sobrevivência. Como exemplo, citaremos as focas que elaboraram uma forma de retirar crustáceos de dentro de suas conchas protetoras com pedras e repassam este conhecimento para seus filhos que absorvem este conhecimento e passam a usá-lo em suas existências. Acreditamos que o ser humano tem fugido deste trabalho instintivo de criar seus filhos, abandonando-os à mercê das incertezas da vida. Acho que se o pai é um pescador e aos poucos for introduzindo seu filho na arte da pesca, numa relação sadia de companheirismo e amor, dificilmente esta criança será marginalizada. Com certeza, dentro de sua sociedade, ele estará integrado! De fato, a falta de assistência paterna (pai e mãe) para mim, é um dos principais fatores geradores da marginalidade em nossa sociedade.

A escola tradicional e a escola nova são criticadas terrivelmente. Seus insucessos ao redor das décadas de 60 e 70, frisadas por Saviani, são simples de explicar. As teses tradicionais e novistas centradas no professor ou no aluno como principais responsáveis pelo ensino-aprendizado eram aleijadas! Ambos não possuem e nem possuíam, separadamente, este poder mágico de “gerar” o ensino-aprendizado. Sabemos hoje que o papel do educador é gerar motivação e repassar metodologia de busca e aquisição do conhecimento, com participação ativa do aluno, considerado, na época, como ser passivo perante o fenômeno ensino-aprendizagem! Neste tempo, os professores se limitavam às explicações cansativas para o coletivo. “Quem captou, captou, quem não captou, ficou reprovado…” É claro que existem honrosas exceções, meu marido, Prof. Rpires (Ver educação para o ano 2000) conta sobre um seu professor de ciências da década de 70, construtivista, que dissecava pequenos animais em sala de aula, demonstrando recursos educacionais incomuns na época. Nas teses acima, aceitamos que esta educação contribuiu para a reprovação e para o abandono escolar, mas nunca, absolutamente, como principal fator gerador de marginalidade, pois muitos que abandonaram a escola da época se prepararam como autodidatas e se integraram.

Saviani analisa algumas características específicas das teorias educacionais, afirmando que a teoria tradicional surge historicamente com o interesse de superar o Antigo Regime, baseado nas conquistas da Revolução Francesa. Esta propõe a universalização do ensino para retirar os indivíduos da condição inferior de súditos e transformá-los em cidadãos esclarecidos. Nesse contexto, a marginalidade é entendida enquanto um fenômeno derivado do déficit intelectual ocasionado pela ausência de instrução. A escola seria o remédio para este problema, na medida em que se difunde um ensino centrado e organizado em torno da figura do professor. As lições dos alunos são seguidas com disciplina e atenção, direcionadas pelo mestre-escola, ao aluno competia aprender.

Aos poucos, esse tipo de teoria foi caindo em descrédito devido às dificuldades de acesso de todos à escola e também em função do fracasso escolar, mesmo para os que conseguiam o seu desiderato de ingressar na instituição escolar.

A Pedagogia Nova e suas Limitações

A Pedagogia Nova surge como uma tentativa de equacionar os problemas gerados pela Pedagogia Tradicional. Nascida das experiências de educação com portadores de necessidades especiais (Decroly e Montessori), foi estendida a seguir como uma proposta para o âmbito escolar como um todo. Concebe assim o marginalizado, não como um ignorante, mas como alguém que foi rejeitado pelo sistema escolar e pela sociedade. À escola cabe a função de reintegrar o aluno ao grupo, tomando-o como centro do processo ensino-aprendizagem, desenvolvendo uma metodologia com atividades de cunho bio-psíquico que o estimulem à participação em um ambiente alegre e criativo. Portanto, para nós, outro erro, pois a educação não deve ser centrada no professor e nem, pior ainda, no aluno!

Como a Pedagogia Nova precisava de um ambiente rico para a sua implantação, ficou restrita, na prática, a algumas experiências apenas. A proposta do movimento da escola nova, ao fim de tudo, colabora para rebaixar o nível da aprendizagem e do ensino, pois retirou a centralidade do processo no professor que sabia e jogou para o aluno, que não tinha condições de adquirir o saber.

Surge então a pedagogia tecnicista. Nesta, o marginalizado não é o ignorante e nem o rejeitado, mas sim, o incompetente (no sentido técnico da palavra), o ineficiente e improdutivo. Isto é, a educação estará contribuindo para superar o problema da marginalidade na medida em que formar indivíduos eficientes, portanto, capazes de contribuir para o aumento da produtividade da sociedade.

Então, para a pedagogia tradicional, o importante era aprender; para a pedagogia nova, aprender a aprender; e para a pedagogia tecnicista, o importante era aprender a fazer. Para mim, todas pecavam por se centrar em cima de uma única filosofia.

Estas modificações da educação e seus fracassos serviram para rotulá-la de discriminadora e repressiva (Schooling in Capitalist, Bowles 1976, Bowles e Gintis).

A Violência Simbólica e a Escola como Aparelho Ideológico

Sobre a violência simbólica, que nos parece um forte atributo do capitalismo, no sentido que é imposto. Podemos ver a força desta violência simbólica nas mídias: seja jornais, rádios ou televisões. É imposto ao indivíduo teses, produtos, enfim, um número de coisas e opiniões de forma técnica e até com propaganda subliminar, que de uma forma ou de outra, impõe métodos e comportamentos. A escola não escapa a esta regra. Os alunos, como um rebanho tranquilo, recebem e absorvem os conteúdos que representam a verdade inquestionável. Se questiona, é repelido e tachado de reacionário. De fato, esta realidade não pertence ao passado. É coisa do presente e norteia as regras do capitalismo selvagem em que vivemos.

As características da democracia atual, com suas classes dominantes e dominadas, reforçam a escola como aparelho ideológico do Estado. Apesar das lutas destas classes, as chances de vitórias são pequenas. A dominação burguesa, através daqueles que conseguiram algum sucesso e ocupam altas posições administrativas, possui fortes instrumentos de repressão contra eventuais e tímidos protestos da classe dominada. Neste caso, a marginalidade é a própria classe trabalhadora, que, sufocada pelo poder estatal, tem que se limitar a cumprir seu papel em cima de normas e leis vindas da classe dominante, que visam somente manter seus interesses e o poder. Saviani termina seu texto com um parágrafo de desculpas e elogios aos heróis professores anônimos dentro desta luta de classes em busca da tão falada sociedade igualitária.

Uma característica do capitalismo é a sua dualidade social, já satirizada em muitas modinhas: (porque o de cima sobe e o de baixo desce… bom te bom, bom, bom, bom, bom…). Os de baixo e os de cima, ricos e pobres, dominadora e dominada, segundo Baudelot e Establet in Lécole capitaliste em France (1971). A escola não foge a esta regra. A escola da plebe ou classe dominada (proletária) intitulada simplesmente de Escola Pública. E a escola particular ou escola da burguesia, incluindo as universidades.

Mais uma vez, aí está o proletariado e a burguesia com fronteiras bem distintas. Parece-nos que a tônica desta dualidade é uma tendência primária profissionalizante (PP) e a secundária superior (SS). A primeira para os filhos da classe mais pobres, impedida de ter acesso às escolas superiores. A segunda, é claro, para a classe burguesa, capaz de chegar aos níveis superiores e manter, assim, nas mãos de sua beneficiada classe, o poder. Este é o aparelho ideológico do Estado Capitalista, que trabalha em proveito da classe dominante e contribui para manter as relações sociais de produção capitalista. Dentro de conceitos preparados para esta escola defensora de interesses burgueses, está o engrandecimento do intelecto e a desvalorização do trabalho manual. Neste caso, a escola aparece como fator marginalizante e não como fator de equalização, como se propõe.

A Teoria da Curvatura da Vara

No capítulo da Teoria da Curvatura da Vara, Saviani justifica um processo de tentativa de ajustes da educação: quando uma vara está torta, ela fica curva de um lado e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. Lênin (Althusser, 1977: 136-38). É preciso curvá-la para o lado oposto. Nesta mesma ocasião, afirma Saviani: quando mais se falou em democracia no interior da escola, menos democrática foi a escola e de como, quando menos se falou em democracia, mais a escola teve articulada com a construção de uma ordem democrática. A pedagogia tradicional, calcada na concepção da filosofia essencialista, foi substituída pela pedagogia nova, baseada sobre uma filosofia existencialista. É a existência superando a essência, recurso imposto pela casta burguesa para sobreviver.

No passado, na Grécia antiga, onde a filosofia da essência tinha sua fase áurea, os escravos não eram vistos como seres humanos. A essência humana só era realizada nos homens livres. Segundo esta visão, os seres já nasciam predestinados e isto era coisa divina, que ninguém questionava. A classe dominante não tinha dificuldades de quaisquer espécie, pois, na época, até a classe dominada aceitava isto como uma imposição divina (castigo?). Desta forma, esta era parte da essência humana, que por si só se justificava.

Mas, na verdade, esta dominação não era natural, nem tampouco parte da essência, e o tempo se encarregaria de colocar abaixo esta filosofia, juntamente com sua pedagogia. Tinham que cair, porque eram injustas e deveriam ser substituídas por sociedades igualitárias. Mas quem faria esta reforma? A classe dominada? Nem pensar! A história normalmente não caminha assim, por questão lógica inerente à esperteza da burguesia, de posse do poder. Desta maneira, a classe dominante, percebendo a mudança por falta de sustentação racional e precisando manter o domínio, resolve reformar a sociedade, substituindo-a um suposto direito natural por uma sociedade contratual. Esta sociedade parte da premissa que todos os homens são livres para vender, mediante contratos, sua mão de obra. Por outro lado, a outra parte é livre também para contratá-la ou não. Este é o fundamento jurídico desta sociedade burguesa, onde existe uma igualdade formal. É mais uma vez, neste contexto, que entra a escola com sua pedagogia. Observem que até o momento anterior, a burguesia cavalgava junto com a história e, como classe dominante, não tinha menor interesse que algo fosse mudado. Com o passar do tempo, suas teses filosóficas não garantem mais sustentação e ela passa a andar na contramão da história e é neste momento que a escola tradicional e a antiga pedagogia da essência não servem mais aos seus interesses burgueses e implantam-se a escola nova e a pedagogia da existência.

Observem o interessante: no momento anterior, os homens eram, na sua essência, diferentes. Uns nasciam senhores e outros escravos. As conquistas naturais trazem ideias de modificações, afirmando que o certo seria uma sociedade igualitária, pois todos são iguais perante a lei. Mal poderiam imaginar que hoje, em pleno ano 2000, voltaríamos a frisar as diferenças entre os homens e que estes precisam ser respeitados e aceitos com suas diferenças.

Eu, como aluna, professora e espectadora, acho isto tudo muito conflitante! Acho que esta sociedade é cíclica e as coisas vão se invertendo durante o girar da história.

Em um dado momento, a classe “X” domina e as lutas das classes dominadas a caracterizam como revolucionária. No momento seguinte, cai a classe antiga dominante e os papéis se invertem. Entretanto, o palco está formado: nova classe dominada entra na luta para reempossar-se de novo.

A escola também, com suas pedagogias, oscila, sendo elas instrumento forte da classe dominante. Parece que a vara da curvatura ora vicia de um lado e ora vicia do outro.

No Brasil, a filosofia da escola nova, que propõe escola para todos e que se parece com um benefício para a classe proletária, na verdade, era interesse comum. A burguesia imaginava que os dominados mais escolarizados saberiam escolher melhor seus governantes, digo: melhores sobre a ótica dominante. Por sua vez, o melhor segundo a ótica da classe dominada não se afinava com o ideal burguês e, na verdade, nunca se afinará. Fica observado que esta escola que foi dada não está cumprindo sua função, que tudo indica é consolidar a burguesia.

Como podemos ver, a burguesia continua a manipular as ferramentas pedagógicas no sentido de manter inalterada a balança social desequilibrada, sendo importante citar a classificação desta classe capitalista (em comentário brincalhão) de até muito evangélica segundo Saviani, pois levam ao pé da letra a parábola dos talentos: “ao que tem se lhe dará e ao que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado”. Observem que mesmo na época atual o Estado beneficia subsidiando o ensino do primeiro grau, para que a classe proletária consiga aprender o mínimo necessário para servir ao seu interesse, pois afinal, uma classe totalmente desescolarizada se revela mais ou menos inútil aos interesses de uma sociedade no nível atual de tecnologia. Entretanto, o ensino de segundo grau já possui restrições de subsídio, pois o abençoado FUNDEF não chega até lá.

Arrematando sobre a Curvatura da Vara, parece que Saviani puxa propositadamente a vara para o lado oposto, na esperança desta vir para o centro, que não é nem a escola tradicional nem a escola nova; mas a vara é meio teimosa e se vicia na nova posição e percebe-se que terá que ser com muito jeitinho e pequenos ajustes programados para trazê-la para o centro.

Já ao cerrar das portas desta resenha, percebe-se o objetivo principal de Saviani: Sacudir, com força, a máquina político-educacional, balançando as Curvaturas das Varas em busca de seu equilíbrio ideal. Na verdade, ele conseguiu embaralhar minha cabeça e, aos poucos, após a implantação do caos, vai se remontando numa visão crítica em busca de uma educação que consiga compartilhar com os aspectos político-sociais, altamente complexos. Saviani, durante este trabalho, balançou-me da direita para a esquerda e vice-versa. Neste momento, solta-me, e aos poucos, vou indo em direção ao centro, tal qual a teoria da vara torta! Percebo que educação e política não são iguais. Tal como água e óleo se recusam a misturar e é preciso conseguir metodologia que juntem estas duas necessidades da criatura humana em busca da sua integração plena na sociedade. Enquanto na educação objetiva-se convencer, na política o objetivo é vencer! Estes são aspectos antagônicos. Para exemplificar, o educando, ao longo do processo, pode ser convencido e aprenderá. Na política, o adversário tem que ser vencido e, mesmo assim, não se convencerá, continuará na oposição lutando contra o vencedor, agora classe dominante! Como vimos, educação e política são práticas diferentes e convém não confundi-las, o que poderia resultar como o politicismo pedagógico ou pedagogismo político, o que terminaria na escola a serviço de um grupo burguês. Porém, isto não resulta na exclusão da política como prática independente, elas são antagônicas mais como o bem e o mal, o sim e o não, o positivo e o negativo são inseparáveis e mantêm forte relação. Entretanto, como tratar destas coisas tão diferentes? De início, é importante compreender que uma não existe sem a outra. Elas possuem uma forte relação interna. De fato, toda prática educativa possui uma dimensão política e toda prática política possui uma identidade educativa. Vê-se que a dimensão pedagógica na política envolve a articulação, a aliança visando o combate aos antagônicos, o mesmo acontecendo na dimensão política na educação com apropriação de instrumentos culturais aplicados na luta contra o antagonismo.

A educação, neste caso, depende da política no sentido orçamentário e a política depende da educação na preparação de seus indivíduos. O que realmente sucede é que a educação é mais dependente da política do que esta da educação. Na verdade, Saviani acerta em cheio quando diz, indiretamente, que política e educação são faces opostas da mesma moeda: a prática social.

Apesar de uma certa subordinação da educação à política, podemos definir a educação como uma prática idealista e a política como uma prática realista, mas que podem coexistir pacificamente, respeitadas as diferenças: ser idealista sonhando que a sociedade desejada é uma realidade e ser realista buscando atingir o ideal sonhado. Insistindo nas comparações, podemos também dizer que a prática política se apoia na verdade do poder e a prática da educação se apoia no poder da verdade.

Autor: Christiane Rangel

Para saber mais sobre a importância da educação crítica, confira Educação Crítica: Karl Marx.

Se você está interessado em ferramentas que podem ajudar na educação, considere explorar opções de materiais educacionais.

Para entender melhor as políticas educacionais no Brasil, veja Formulação de Políticas Educacionais.

Por fim, para uma visão mais ampla sobre a educação no Brasil, acesse A Educação no Brasil.


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