Livro na íntegra (totalmente escaneado)
(Do livro: A identidade cultural na pós-modernidade, DP&A Editora, 1ª edição em 1992, Rio de Janeiro, 11ª edição em 2006, 102 páginas, tradução: tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro)
1. A IDENTIDADE EM QUESTÃO
A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declino, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
O propósito deste livro é explorar algumas das questões sobre a identidade cultural na modernidade tardia e avaliar se existe uma “crise de identidade”, em que consiste essa crise e em que direção ela está indo. O livro se volta para questões como: Que pretendemos dizer com “crise de identidade”? Que acontecimentos recentes nas sociedades modernas precipitaram essa crise? Que formas ela toma? Quais são suas conseqüências potenciais? A primeira parte do livro (caps. 1-2) lida com mudanças nos conceitos de identidade e de sujeito. A segunda parte (caps. 3-6) desenvolve esse argumento com relação a identidades culturais — aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nosso “pertencimento” a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais.
Este livro é escrito a partir de urna posição basicamente simpática à afirmação de que as identidades modernas estão sendo “descentradas”, isto é, deslocadas ou fragmentadas. Seu propósito é o de explorar esta afirmação, ver o que ela implica, qualificá-la e discutir quais podem ser suas prováveis conseqüências. Ao desenvolver o argumento, introduzo certas complexidades e examino alguns aspectos contraditórios que a noção de “descentração”, em sua forma mais simplificada, desconsidera.
Conseqüentemente, as formulações deste livro são provisórias e abertas à contestação. A opinião dentro da comunidade sociológica está ainda profundamente dividida quanto a esses assuntos. As tendências são demasiadamente recentes e ambíguas. O próprio conceito com o qual estamos lidando, “identidade”, é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova. Como ocorre com muitos outros fenômenos sociais, é impossível oferecer afirmações conclusivas ou fazer julgamentos seguros sobre as alegações e proposições teóricas que estão sendo apresentadas. Deve-se ter isso em mente ao se ler o restante do livro.
Para aqueles/as teóricos/as que acreditam que as identidades modernas estão entrando em colapso, o argumento se desenvolve da seguinte forma. Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que ternos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento—descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos — constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. Como observa o crítico cultural Kobena Mercer, “a identidade somente se torna urna questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza” (Mercer, 1990, p. 43).
Esses processos de mudança, tomados em conjunto, representam um processo de transformação tão fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada. Este livro acrescenta uma nova dimensão a esse argumento: a afirmação de que naquilo que é descrito, algumas vezes, como nosso mundo pós-moderno, nós somos também “pós” relativamente a qualquer concepção essencialista ou fixa de identidade—algo que, desde o Iluminismo, se supõe definir o próprio núcleo ou essência de nosso ser e fundamentar nossa existência como sujeitos humanos. A fim de explorar essa afirmação, devo examinar primeiramente as definições de identidade e o caráter da mudança na modernidade tardia.
Três concepções de identidade
Para os propósitos desta exposição, distinguirei três concepções muito diferentes de identidade, a saber, as concepções de identidade do:
a) sujeito do Iluminismo,
b) sujeito sociológico e c) sujeito pós-moderno.
O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo — continuo ou “idêntico” a ele — ao longo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu era a identidade de urna pessoa. Direi mais sobre isto em seguida, mas pode-se ver que essa era uma concepção muito “individualista” do sujeito e de sua identidade (na verdade, a identidade dele: já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como masculino).
A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos — a cultura — dos mundos que ele/ela habitava. G.H. Mead, C.H. Cooley e os interacionistas simbólicos são as figuras-chave na sociologia que elaboraram esta concepção “interativa” da identidade e do eu. De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem.
A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior”— entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando- os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis.
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que agora estão “mudando”. O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não- resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático.
Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). E definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu” (veja Hall, 1990). A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada unia das quais poderíamos nos identificar — ao menos temporariamente.
Deve-se ter em mente que as três concepções de sujeito acima são, em alguma medida, simplificações. No desenvolvimento do argumento, elas se tornarão mais complexas e qualificadas. Não obstante, elas se prestam como pontos de apoio para desenvolver o argumento central deste livro.
O caráter da mudança na modernidade tardia
Um outro aspecto desta questão da identidade está relacionado ao caráter da mudança na modernidade tardia; em particular, ao processo de mudança conhecido como “globalização” e seu impacto sobre a identidade cultural.
Em essência, o argumento é que a mudança na modernidade tardia tem um caráter muito específico. Como Marx disse sobre a modernidade:
é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos … Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar… (Marx e Engels, 1973, p. 70).
As sociedades modernas são, portanto, por definição, sociedades de mudança constante, rápida e permanente. Esta é a principal distinção entre as sociedades “tradicionais” e as “modernas”. Anthony Giddens argumenta que:
nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes (Giddens, 1990, pp. 37-8).
A modernidade, em contraste, não é definida apenas como a experiência de convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, mas é uma forma altamente reflexiva de vida, na qual:
as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz das informações recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente, seu caráter (ibid., pp. 37-8).
Giddens cita, em particular, o ritmo e o alcance da mudança — “à medida em que áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra” — e a natureza das instituições modernas (Giddens, 1990, p. 6). Essas últimas ou são radicalmente novas, em comparação com as sociedades tradicionais (por exemplo, o estado-nação ou a mercantilização de produtos e o trabalho assalariado), ou têm uma enganosa continuidade com as formas anteriores (por exemplo, a cidade), mas são organizadas em torno de princípios bastante diferentes. Mais importantes são as transformações do tempo e do espaço e o que ele chama de “desalojamento do sistema social” — a “extração” das relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação ao longo de
escalas indefinidas de espaço-tempo” (ibid., p. 21). Veremos todos esses temas mais adiante. Entretanto, o ponto geral que gostaria de enfatizar é o das descontinuidades
Os modos de vida colocados em ação pela modernidade nos livraram, de tuna forma bastante inédita, de todos os tipos tradicionais de ordem social. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores. No plano da extensão, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; cm termos de intensidade, elas alteraram algumas das características mais íntimas e pessoais de nossa existência cotidiana (Giddens, 1990, p. 21).
David Harvey fala da modernidade como implicando não apenas “um rompimento impiedoso com toda e qualquer condição precedente”, mas como “caracterizada por um processo sem-fim de rupturas e fragmentações internas no seu próprio interior” (1989, p. 12). Ernest Laclau (1990) usa o conceito de “deslocamento”. Uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por “uma pluralidade de centros de poder”. As sociedades modernas, argumenta Laclau, não têm nenhum centro, nenhum princípio articulador ou organizador único e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma única “causa” ou “lei”.
A sociedade não é, como os sociólogos pensaram imitas vezes, um todo unificado e bem delimitado, uma totalidade, produzindo-se através de mudanças evolucionárias a partir de si mesma, como o desenvolvimento de uma flor a partir de seu bulbo. Ela está constantemente sendo “descentrada” ou deslocada por forças fora de si mesma.
As sociedades da modernidade tardia, argumenta ele, são caracterizadas pela “diferença”; elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem urna variedade de diferentes “posições de sujeito” — isto é, identidades — para os indivíduos. Se tais sociedades não se desintegram totalmente não é porque elas são unificadas, mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Mas essa articulação é sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. Sem isso, argumenta Laclau, não haveria nenhuma história.
Esta é uma concepção de identidade muito diferente e muito mais perturbadora e provisória do que as duas anteriores. Entretanto, argumenta Laclau, isso não deveria nos desencorajar: o deslocamento tem características positivas. Ele desarticula as identidades estáveis do passado, mas também abre a possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades, a produção de novos sujeitos e o que ele chama de “recomposição da estrutura em torno de pontos nodais particulares de articulação” (Laclau, 1990, p. 40).
Giddens, Harvey e Laclau oferecem leituras um tanto diferentes da natureza da mudança do mundo pós-moderno, nas suas ênfases na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento contêm uma linha comum. Devemos ter isso em mente quando discutirmos o impacto da mudança contemporânea conhecida como “globalização”.
O que está em jogo na questão das identidades?
Até aqui os argumentos parecem bastante abstratos. Para dar alguma idéia de como eles se aplicam a uma situação concreta e do que está “em jogo” nessas contestadas definições de identidade e mudança, vamos tomar um exemplo que ilustra as conseqüências políticas da fragmentação ou “pluralização” de identidades.
Em 1991, o então presidente americano, Bush, ansioso por restaurar uma maioria conservadora na Suprema Corte americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um juiz negro de visões políticas conservadoras.
No julgamento de Bush, os eleitores brancos (que podiam ter preconceitos em relação a um juiz negro) provavelmente apoiaram Thomas porque ele era conservador em termos da legislação de igualdade de direitos, e os eleitores negros (que apóiam políticas liberais em questões de raça) apoiariam Thomas porque ele era negro. Em síntese, o presidente estava “jogando o jogo das identidades”.
Durante as “audiências” em torno da indicação, no Senado, o juiz Thomas foi acusado de assédio sexual por uma mulher negra, Anita Hill, uma ex-colega de Thomas. As audiências causaram um escândalo público e polarizaram a sociedade americana. Alguns negros apoiaram Thomas, baseados na questão da raça; outros se opuseram a ele, tomando como base a questão sexual. As mulheres negras estavam divididas, dependendo de qual identidade prevalecia: sua identidade como negra ou sua identidade como mulher. Os homens negros também estavam divididos, dependendo de qual fator prevalecia: seu sexismo ou seu liberalismo. Os homens brancos estavam divididos, dependendo, não apenas de sua política, mas da forma como eles se identificavam com respeito ao racismo e ao sexismo. As mulheres conservadoras brancas apoiavam Thomas, não apenas com base em sua inclinação política, mas também por causa de sua oposição ao feminismo. As feministas brancas, que freqüentemente tinham posições mais progressistas na questão da raça, se opunham a Thomas tendo como base a questão sexual. E, uma vez que o juiz Thomas era um membro da elite judiciária e Anita Hill, na época do alegado incidente, uma funcionária subalterna, estavam em jogo, nesses argumentos, também questões de classe social.
A questão da culpa ou da inocência do juiz Thomas não está em discussão aqui; o que está em discussão é o “jogo de identidades” e suas conseqüências políticas. Consideremos os seguintes elementos:
- As identidades eram contraditórias. Elas se cruzavam ou se “deslocavam” mutuamente
- As contradições atuavam tanto fora, na sociedade, atravessando grupos políticos estabelecidos, quanto “dentro” da cabeça de cada indivíduo.
- Nenhuma identidade singular — por exemplo, de classe social — podia alinhar todas as diferentes identidades com uma “identidade mestra” única, abrangente, na qual se pudesse, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e representadas.
- De forma crescente, as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes — advindas, especialmente, da erosão da “identidade mestra” da classe e da emergência de novas identidades, pertencentes à nova base política definida pelos novos movimentos sociais: o feminismo, as lutas negras, os movimentos de libertação nacional, os movimentos antinucleares e ecológicos (Mercer, 1990).
- Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de urna política de identidade (de classe) para urna política de diferença.
Posso agora esquematizar, de forma breve, o restante do livro. Em primeiro lugar, vou examinar, de uma forma um pouco mais profunda, como o conceito de identidade mudou: do conceito ligado ao sujeito do Iluminismo para o conceito sociológico e, depois, para o do sujeito “pós-moderno”. Em seguida, o livro explorará aquele aspecto da identidade cultural moderna que é formado através do pertencimento a uma cultura nacional e como os processos de mudança — uma mudança que efetua um deslocamento — compreendidos no conceito de “globalização” estão afetando isso.
2. NASCIMENTO E MORTE DO SUJEITO MODERNO
Neste capítulo farei um esboço da descrição, feita por alguns teóricos contemporâneos, das principais mudanças na forma pela qual o sujeito e a identidade são conceptualizados no pensamento moderno. Meu objetivo é traçar os estágios através dos quais uma versão particular do “sujeito humano” — com certas capacidades humanas fixas e um sentimento estável de sua própria identidade e lugar na ordem das coisas — emergiu pela primeira vez na idade moderna; como ele se tornou “centrado”, nos discursos e práticas que moldaram as sociedades modernas; como adquiriu uma definição mais sociológica ou interativa; e como ele está sendo “descentrado” na modernidade tardia. O foco principal deste capítulo é conceitual, centrando-se em concepções mutantes do sujeito humano, visto como uma figura discursiva, cuja forma unificada e identidade racional eram pressupostas tanto pelos discursos do pensamento moderno quanto pelos processos que moldaram a modernidade, sendo-lhes essenciais.
Tentar mapear a história da noção de sujeito moderno é um exercício extremamente difícil. A idéia de que as identidades eram plenamente unificadas e coerentes e que agora se tornaram totalmente deslocadas é urna forma altamente simplista de contar a estória do sujeito moderno. Eu a adoto aqui como um dispositivo que tem o propósito exclusivo de uma exposição conveniente. Mesmo aqueles que subscrevem inteiramente a noção de um descentramento da identidade não a sustentariam nessa forma simplificada. Deve-se ter essa qualificação em mente ao ler este capítulo. Entretanto, esta formulação simples tem a vantagem de me possibilitar (no breve espaço deste livro) esboçar um quadro aproximado de corno, de acordo com os proponentes da visão do descentramento, a conceptualização do sujeito moderno mudou em três pontos estratégicos, durante a modernidade. Essas mudanças sublinham a afirmação básica de que as conceptualizações do sujeito mudam e, portanto, têm uma história. Uma vez que o sujeito moderno emergiu num momento particular (seu “nascimento”) e tem uma história, segue-se que ele também pode mudar e, de fato, sob certas circunstâncias, podemos mesmo contemplar sua “morte”.
É agora um lugar-comum dizer que a época moderna fez surgir uma forma nova e decisiva de individualismo, no centro da qual erigiu-se uma nova concepção do sujeito individual e sua identidade. Isto não significa que nos tempos pré- modernos as pessoas não eram indivíduos mas que a individualidade era tanto “vivida” quanto “conceptualizada” de forma diferente. As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais. O status, a classificação e a posição de uma pessoa na “grande cadeia do ser” — a ordem secular e divina das coisas —predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um indivíduo soberano. O nascimento do “indivíduo soberano”, entre o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII, representou uma ruptura importante com o passado. Alguns argumentam que ele foi o motor que colocou todo o sistema social da “modernidade” em movimento.
Raymond Williams observa que a história moderna do sujeito individual reúne dois significados distintos: por um lado, o sujeito é “indivisível” — uma entidade que é unificada no seu próprio interior e não pode ser dividida além disso; por outro lado, é também uma entidade que é “singular, distintiva, única” (veja Williams, 1976; pp. 133-5: verbete “individual”). Muitos movimentos importantes no pensamento e na cultura ocidentais contribuíram para a emergência dessa nova concepção: a Reforma e o Protestantismo, que libertaram a consciência individual das instituições religiosas da Igreja e a expuseram diretamente aos olhos de Deus; o Humanismo Renascentista, que colocou o Homem (sic) no centro do universo; as revoluções cientificas, que conferiram ao Homem a faculdade e as capacidades para inquirir, investigar e decifrar os mistérios da Natureza; e o Iluminismo, centrado na imagem do Homem racional, científico, libertado do dogma e da intolerância, e diante do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser compreendida e dominada.
Grande parte da história da filosofia ocidental consiste de reflexões ou refinamentos dessa concepção do sujeito, seus poderes e suas capacidades. Uma figura importante, que deu a essa concepção sua formulação primária, foi o filósofo francês René Descartes (1596-1650). Algumas vezes visto como o “pai da Filosofia moderna”, Descartes foi uni matemático e cientista, o fundador da geometria analítica e da ótica, e foi profundamente influenciado pela “nova ciência” do século XVII. Ele foi atingido pela profunda dúvida que se seguiu ao deslocamento de Deus do centro do universo. E o fato de que o sujeito moderno “nasceu” no meio da dúvida e do ceticismo metafísico nos faz lembrar que ele nunca foi estabelecido e unificado como essa forma de descrevê-lo parece sugerir (veja Forester, 1987). Descartes acertou as contas com Deus ao torná-lo o Primeiro Movimentador de toda criação; daí em diante, ele explicou o resto do mundo material inteiramente em termos mecânicos e matemáticos.
Descartes postulou duas substâncias distintas — a substância espacial (matéria) e a substância pensante (mente). Ele refocalizou, assim, aquele grande dualismo entre a “mente” e a “matéria” que tem afligido a Filosofa desde então. As coisas devem ser explicadas, ele acreditava, por uma redução aos seus elementos essenciais à quantidade mínima de elementos e, em última análise, aos seus elementos irredutíveis. No centro da “mente” ele colocou o sujeito individual, constituído por sua capacidade para raciocinar e pensar. “Cogito, ergo sum” era a palavra de ordem de Descartes: “Penso, logo existo” (ênfase minha). Desde então, esta concepção cio sujeito racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento, tem sido conhecida como o “sujeito cartesiano”.
Outra contribuição crítica foi feita por John Locke, o qual, em seu Ensaio sobre a compreensão humana, definia o indivíduo em termos da “mesmidade (sameness) de um ser racional” — isto é, uma identidade que permanecia a mesma e que era contínua com seu sujeito: “a identidade da pessoa alcança a exata extensão em que sua consciência pode ir para trás, para qualquer ação ou pensamento passado” (Locke, 1967, pp. 212213). Esta figura (ou dispositivo conceitual) — o “indivíduo soberano” — está inscrita em cada um dos processos e práticas centrais que fizeram o mundo moderno. Ele (sic) era o “sujeito” da modernidade em dois sentidos: a origem ou “sujeito” da razão, do conhecimento e da prática; e aquele que sofria as conseqüências dessas práticas — aquele que estava “sujeitado” a elas (veja Foucault, 1986 e também Penguin Dictionary of Sociology: verbete “subject”).
Algumas pessoas têm questionado se o capitalismo realmente exigiu uma concepção de indivíduo soberano desse tipo (Abercrombie et alli, 1986). Entretanto, a emergência de urna concepção mais individualista do sujeito é amplamente aceita. Raymond Williams sintetizou essa imersão do sujeito moderno nas práticas e discursos da modernidade na seguinte passagem:
A emergência de noções de individualidade, no sentido moderno, pode ser relacionada ao colapso da ordem social, econômica e religiosa medieval. No movimento geral contra o feudalismo houve uma nova ênfase na existência pessoal do homens, acima e além de seu lugar e sua função numa rígida sociedade hierárquica. Houve uma ênfase similar, no Protestantismo, na relação direta e individual do homem com Deus, em oposição a esta relação mediada pela Igreja. Mas foi só ao final do século XVII e no século XVIII que um novo modo de análise, na Lógica e na Matemática, postulou o indivíduo como a entidade maior (cf. as “mônadas” de Leibniz), a partir da qual outras categorias (especialmente categorias coletivas) eram derivadas. O pensamento político do Iluminismo seguiu principalmente este modelo. O argumento começava com os indivíduos, que tinham uma existência primária e inicial. As leis e as formas de sociedade eram deles derivadas: por submissão, como em Hobbes; por contrato ou consentimento, ou pela nova versão da lei natural, no pensamento liberal. Na economia clássica, o comércio era descrito através de um modelo que supunha indivíduos separados que [possuíam propriedade e] decidiam, em alguns ponto de partida, entrar em relações econômicas ou comerciais. Na ética utilitária, indivíduos separados calculavam as conseqüências desta ou daquela ação que eles poderiam empreender (Williams, 1976, pp.135-6).
Ainda era possível, no século XVIII, imaginar os grandes processos da vida moderna como estando centrados no indivíduo “sujeito-da-razão”. Mas à medida em que as sociedades modernas se tornavam mais complexas, elas adquiriam uma forma mais coletiva e social. As teorias clássicas liberais de governo, baseadas nos direitos e consentimento individuais, foram obrigadas a dar conta das estruturas do estado- nação e das grandes massas que fazem uma democracia moderna. As leis clássicas da economia política, da propriedade, do contrato e da troca tinham de atuar, depois da industrialização, entre as grandes formações de classe do capitalismo moderno. O empreendedor individual da Riqueza das “ações de Adam Smith ou mesmo d’O capital de Marx foi transformado nos conglomerados empresariais da economia moderna. O cidadão individual tornou- se enredado nas maquinarias burocráticas e administrativas do estado moderno.
Emergiu, então, unia concepção mais social do sujeito. O indivíduo passou a ser visto como mais localizado e “definido” no interior dessas grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna. Dois importantes eventos contribuíram para articular um conjunto mais amplo de fundamentos conceptuais para o sujeito moderno. O primeiro foi a biolo0a d arwiniana. O sujeito humano foi “biologizado” — a razão tinha uma base na Natureza e a mente uni “fundamento” no desenvolvimento físico do cérebro humano.
O segundo evento foi o surgimento das novas ciências sociais. Entretanto, as transformações que isso pôs em ação foram desiguais:
- O “indivíduo soberano”, com as suas (dele) vontades, necessidades, desejos e interesses, permaneceu a figura central tanto nos discursos da economia moderna quanto nos da lei moderna.
- O dualismo típico do pensamento cartesiano foi institucionalizado na divisão das ciências sociais entre a psicologia e as outras disciplinas. O estudo do indivíduo e de seus processos mentais tornou-se o objeto de estudo especial e privilegiado da psicologia.
- A sociologia, entretanto, forneceu uma crítica do “individualismo racional” do sujeito cartesiano. Localizou o indivíduo em processos de grupo e nas normas coletivas as quais, argumentava, subjaziam a qualquer contrato entre sujeitos individuais. Em conseqüência, desenvolveu uma explicação alternativa do modo como os indivíduos são formados subjetivamente através de sua participação em relações sociais mais amplas ; e, inversamente, do modo como os processos e as estruturas são sustentados pelos papéis que os indivíduos neles desempenham. Essa “internalização” do exterior no sujeito, e essa “externalização” do interior, através da ação no mundo social (como discutida antes), constituem a descrição sociológica primária do sujeito moderno e estão compreendidas na teoria da socialização. Como foi observado acima, G. H. Mead e os interacionistas simbólicos adotaram unia visão radicalmente interativa deste processo. A integração do indivíduo na sociedade tinha sido uma preocupação de longa data da sociologia. Teóricos como Goffman estavam profundamente atentos ao modo como o “eu” é apresentado em diferentes situações sociais, e como os conflitos entre estes diferentes papéis sociais são negociados. Em uni nível mais macrossociológico, Parsons estudou o “ajuste” ou complementaridade entre “o eu” e o sistema social. Não obstante, alguns críticos alegariam que a sociologia convencional mantivera algo do dualismo de Descartes, especialmente em sua tendência para construir o problema como uma relação entre duas entidades conectadas mas separadas: aqui, o “indivíduo e a sociedade”.
Este modelo sociológico interativo, com sua reciprocidade estável entre “interior” e “exterior”, é, em grande parte, um produto da primeira metade do século XX, quando as ciências sociais assumem sua forma disciplinar atual. Entretanto, exatamente no mesmo período, um quadro mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade estava começando a emergir dos movimentos estéticos e intelectuais associado com o surgimento do Modernismo.
Encontramos, aqui, a figura do indivíduo isolado, exilado ou alienado, colocado contra o pano-de-fundo da multidão ou da metrópole anônima e impessoal. Exemplos disso incluem a famosa descrição do poeta Baudelaire em “Pintor da vida moderna”, que ergue sua casa “no coração único da multidão, em meio ao ir e vir dos movimentos, em meio ao fugidio e ao infinito” e que “se torna um único corpo com multidão”, entra na multidão “como se fosse um imenso reservatório de energia elétrica”; o, flaneur (ou o vagabundo), que vagueia entre as novas arcadas das lojas, observando o passageiro espetáculo da metrópole, que Walter Benjamin celebrou no seu ensaio sobre a Paris de Baudelaire, e cuja contrapartida na modernidade tardia é, provavelmente, o turista (cf. Urry, 1990); “K”, a vítima anônima, confrontado por uma burocracia sem rosto, na novela de Kafka, O Processo; e aquela legião de figuras alienadas d a literatura e da crítica social do século XX que visavam representar a experiência singular da modernidade. Várias dessas “instâncias exemplares da modernidade”, como as chama Frisby, povoam as páginas dos principais teóricos sociais da virada do século, como George Simmel, Alfred Schutz e Siegfried Kracauer (todos os quais tentaram capturar as características essenciais da modernidade em ensaios famosos, tais como The Stranger ou Outsider) (veja Frisby, 1985, p.109). Estas imagens mostraram-se proféticas do que iria acontecer ao sujeito cartesiano e ao sujeito sociológico na modernidade tardia.
Descentrando o sujeito
Aquelas pessoas que sustentam que as identidades modernas estão sendo fragmentadas argumentam que o que aconteceu à concepção do sujeito moderno, na modernidade tardia, não foi simplesmente sua desagregação, mas seu deslocamento. Elas descrevem esse deslocamento através de uma série de rupturas nos discursos do conhecimento moderno. Nesta seção, farei um rápido esboço de cinco grandes avanços na teoria social e nas ciências humanas ocorridos no pensamento, no período da modernidade tardia (a segunda metade do século XX), ou que sobre ele tiveram seu principal impacto, e cujo maior efeito, argumenta-se, foi o descentramento final do sujeito cartesiano.
A primeira descentração importante refere- se às tradições do pensamento marxista. Os escritos de Marx pertencem, naturalmente, ao século XIX e não ao século XX. Mas um dos modos pelos quais seu trabalho foi redescoberto e reinterpretado na década de sessenta foi à luz da sua afirmação de que os “homens (sic) fazem a história, mas apenas sob as condições que lhes são dadas”. Seus novos intérpretes leram isso no sentido de que os indivíduos não poderiam de nenhuma forma ser os “autores” ou os agentes da história, uma vez que eles podiam agir apenas com base em condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram, utilizando os recursos materiais e de cultura que lhes foram fornecidos por gerações anteriores.
Eles argumentavam que o marxismo, corretamente entendido, deslocara qualquer noção de agência individual. O estruturalista marxista Louis Althusser (1918-1989) (ver Penguin Dictionary of Sociology: verbete “Althusser”) afirmou que, ao colocar as relações sociais (modos de produção, exploração da força de trabalho, os circuitos do capital) e não tuna noção abstrata de homem no centro de seu sistema teórico, Marx deslocou duas proposições-chave da filosofia moderna:
- que há uma essência universal de homem;
- que essa essência é o atributo de “cada indivíduo singular”, o qual é seu sujeito real:
Esses dois postulados são complementares e indissolúveis. Mas sua existência e sua unidade pressupõem toda unia perspectiva de mundo empirista-idealista. Ao rejeitar a essência do homem como sua base teórica, Marx rejeitou todo esse sistema orgânico de postulados. Ele expulsou as categorias filosóficas do sujeito do empirismo, da essência ideal, de todos os domínios em que elas tinham reinado de forma suprema. Não apenas da economia política (rejeição do mito do homo economicus, isto é, do indivíduo, com faculdades e necessidades definidas, como sendo o sujeito da economia clássica); não apenas da história; … não apenas da ética (rejeição da idéia ética kantiana); mas também da própria filosofia (Althusser, 1966, p. 228).
Essa “revolução teórica total” foi, é óbvio, fortemente contestada por muitos teóricos humanistas que dão maior peso, na explicação histórica, à agência humana. Não precisamos discutir aqui se Althusser estava total ou parcialmente certo, ou inteiramente errado. O fato é que, embora seu trabalho tenha sido amplamente criticado, seu “anti-humanismo teórico” (isto é, um modo de pensar oposto às teorias que derivam seu raciocínio de alguma noção de essência universal de Homem, alojada em cada sujeito individual) teve um impacto considerável sobre muitos ramos do pensamento moderno.
O segundo dos grandes “descentramentos” no pensamento ocidental do século XX vem da descoberta do inconsciente por Freud. A teoria de Freud de que nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funciona de acordo com uma “lógica” muito diferente daquela da Razão, arrasa com o conceito do sujeito cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada— o “penso, logo existo”, do sujeito de Descartes. Este aspecto do trabalho de Freud tem tido também um profundo impacto sobre o pensamento moderno nas três últimas décadas. A leitura que pensadores psicanalíticos, como Jacques Lacan, fazem de Freud é que a imagem do eu como inteiro e unificado é algo que a criança aprende apenas gradualmente, parcialmente, e com grande dificuldade. Ela não se desenvolve naturalmente a partir do interior do núcleo do ser da criança, mas é formada em relação com os outros; especialmente nas complexas negociações psíquicas inconscientes, na primeira infância, entre a criança e as poderosas fantasias que ela tem de suas figuras paternas e maternas. Naquilo que Lacan chama de “fase do espelho”, a criança que não está ainda coordenada e não possui qualquer auto-imagem como uma pessoa “inteira”, se vê ou se “imagina” a si própria refletida — sej a literalmente, no espelho, seja figurativamente, no “espelho” do olhar do outro — como uma “pessoa inteira” (Lacan, 1977). (Aliás, Althusser tomou essa metáfora emprestada de Lacan, ao tentar descrever a operação da ideologia). Isto está próximo, de certa forma, da concepção do “espelho”, de Mead e Cooley, do eu interativo; exceto que para eles a socialização é uma questão de aprendizagem consciente, enquanto que para Freud, a subjetividade é o produto de processos psíquicos inconscientes.
A formação do eu no “olhar” do Outro, de acordo com Lacan, inicia a relação da criança com os sistemas simbólicos fora dela mesma e é, assim, o momento da sua entrada nos vários sistemas de representação simbólica —incluindo a língua, a cultura e a diferença sexual. Os sentimentos contraditórios e não-resolvidos que acompanham essa difícil entrada (o sentimento dividido entre amor e ódio pelo pai, o conflito entre o desejo de agradar e o impulso para rejeitar a mãe, a divisão do eu entre suas partes “boa” e “má”, a negação de sua parte masculina ou feminina, e assim por diante), que são aspectos- chave da “formação inconsciente do sujeito” e que deixam o sujeito “dividido”, permanecem com a pessoa por toda a vida. Entretanto, embora o sujeito esteja sempre partido ou dividido, ele vivencia sua própria identidade como se ela estivesse reunida e “resolvida”, ou unificada, como resultado da fantasia de si mesmo como uma “pessoa” unificada que ele formou na fase do espelho. Essa, de acordo com esse tipo de pensamento psicanalítico, é a origem contraditória da “identidade”.
Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. As partes “femininas” do eu masculino, por exemplo, que são negadas, permanecem com ele e encontram expressão inconsciente em muitas formas não reconhecidas, na vida adulta. Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a “identidade” e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude.
De novo, o trabalho de Freud e o de pensadores psicanalíticos como Lacan, que o lêem dessa forma, têm sido bastante questionados. Por definição, os processos inconscientes não podem ser facilmente vistos ou examinadas. Eles têm que ser inferidos pelas elaboradas técnicas psicanalíticas da reconstrução e da interpretação e não são facilmente suscetíveis à “prova”. Não obstante, seu impacto geral sobre as formas modernas de pensamento tem sido muito considerável. Grande parte do pensamento moderno sobre a vida subjetiva e psíquica é “pós- freudiana”, no sentido de que toma o trabalho de Freud sobre o inconsciente como certo e dado, mesmo que rejeite algumas de suas hipóteses específicas. Outra vez, podemos avaliar o dano que essa forma de pensamento causa a noções que vêem o sujeito racional e a identidade como fixos e estáveis.
O terceiro descentramento que examinarei está associado com o trabalho do lingüista estrutural, Ferdinand de Saussure. Saussure argumentava que nós não somos, em nenhum sentido, os “autores” das afirmações que fazemos ou dos significados que expressamos na língua. Nós podemos utilizar a língua para produzir significados apenas nos posicionando no interior das regras da língua e dos sistemas de significado de nossa cultura. A língua é um sistema social e não um sistema individual. Ela preexiste a nós. Não podemos, em qualquer sentido simples, ser seus autores. Falar uma língua não significa apenas expressar nossos pensamentos mais interiores e originais; significa também ativar a imensa gama de significados que já estão embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais.
Além disso, os significados das palavras não são fixos, numa relação um-a-um com os objetos ou eventos no mundo existente fora da língua. O significado surge nas relações de similaridade e diferença que as palavras têm com outras palavras no interior do código da língua. Nós sabemos o que é a “noite” porque ela não é o “dia”. Observe- se a analogia que existe aqui entre língua e identidade. Eu sei quem “eu” sou em relação com “o outro” (por exemplo, minha mãe) que eu não posso ser. Como diria Lacan, a identidade, como o inconsciente, “está estruturada como a língua”. O que modernos filósofos da linguagem — como Jacques Derrida, influenciados por Saussure e pela “virada lingüística” — argumentam é que, apesar de seus melhores esforços, o/a falante individual não pode, nunca, fixar o significado de uma forma final, incluindo o significado de sua identidade. As palavras são “multimoduladas”. Elas sempre carregam ecos de outros significados que elas colocam em movimento, apesar de nossos melhores esforços para cerrar o significado. Nossas afirmações são baseadas em proposições e premissas das quais nós não temos consciência, mas que são, por assim dizer, conduzidas na corrente sangüínea de nossa língua. Tudo que dizemos tem um “antes” e um “depois” — uma “margem” na qual outras pessoas podem escrever. O significado é inerentemente instável: ele procura o fechamento (a identidade), mas ele é constantemente perturbado (pela diferença). Ele está constantemente escapulindo de nós. Existem sempre significados suplementares sobre os quais não temos qualquer controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas para criar mundos fixos e estáveis (veja Derrida, 1981).
O quarto descentramento principal da identidade e do sujeito ocorre no trabalho do filósofo e historiador francês Michel Foucault. Numa série de estudos, Foucault produziu uma espécie de “genealogia do sujeito moderno”. Foucault destaca um novo tipo de poder, que ele chama de “poder disciplinar”, que se desdobra ao longo do século XIX, chegando ao seu desenvolvimento máximo no início do presente século. O poder disciplinar está preocupado, em primeiro lugar, com a regulação, a vigilância é o governo da espécie humana ou de populações inteiras e, em segundo lugar, do indivíduo e do corpo. Seus locais são aquelas novas instituições que se desenvolveram ao longo do século XIX e que “policiam” e disciplinam as populações modernas — oficinas, quartéis, escolas, prisões, hospitais, clínicas e assim por diante (veja, por exemplo, História da loucura, O nascimento da clínica e Vigiar e punir).
O objetivo do “poder disciplinar” consiste em manter “as vidas, as atividades, o trabalho, as infelicidade e os prazeres do indivíduo”, assim como sua saúde física e moral, suas práticas sexuais e sua vida familiar, sob estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes administrativos, do conhecimento especializado dos profissionais e no conhecimento fornecido pelas “disciplinas” das Ciências Sociais. Seu objetivo básico consiste em produzir “um ser humano que possa ser tratado como um corpo dócil” (Dreyfus e Rabinow, 1982, p. 135).
O que é particularmente interessante, do ponto de vista da história do sujeito moderno, é que, embora o poder disciplinar de Foucault seja o produto das novas instituições coletivas e de grande escala da modernidade tardia, suas técnicas envolvem uma aplicação do poder e do saber que “individualiza” ainda mais o sujeito e envolve mais intensamente seu corpo:
Num regime disciplinar, a individualização é descendente. Através da vigilância, da observação constante, todas aquelas pessoas sujeitas ao controle são individualizadas… O poder não apenas traz a individualidade para o campo da observação, mas também fixa aquela individualidade objetiva no campo da escrita. Um imenso e meticuloso aparato documentário torna- se um componente essencial do crescimento do poder [nas sociedades modernas]. Essa acumulação de documentação individual num ordenamento sistemático torna “possível a medição de fenômenos globais, a descrição de grupos, a caracterização de fatos coletivos, o cálculo de distâncias entre os indivíduos, sua distribuição numa dada população” (Dreyfus e Rabinow, 1982, p. 159, citando Foucault).
Não é necessário aceitar cada detalhe da descrição que Foucault faz do caráter abrangente dos “regimes disciplinares” do moderno poder administrativo para compreender o paradoxo de que, quanto mais coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual.
O quinto descentramento que os proponentes dessa posição citam é o impacto do feminismo, tanto como uma crítica teórica quanto como um movimento social. O feminismo faz parte daquele grupo de “novos movimentos sociais”, que emergiram durante os anos sessenta (o grande marco da modernidade tardia), juntamente com as revoltas estudantis, os movimentos juvenis contraculturais e antibelicistas, as lutas pelos direitos civis, os movimentos revolucionários do “Terceiro Mundo”, os movimentos pela paz e tudo aquilo que está associado com “1968”. 0 que é importante reter sobre esse momento histórico é que:
- Esses movimentos se opunham tanto à política liberal capitalista do Ocidente quanto à política “estalinista” do Oriente.
- Eles afirmavam tanto as dimensões “subjetivas” quanto as dimensões “objetivas ” da política.
- Eles suspeitavam de todas as formas burocráticas de organização e favoreciam a espontaneidade e os atos de vontade política.
- Como argumentado anteriormente, todos esses movimentos tinham uma ênfase e uma forma cultural fortes. Eles abraçaram o “teatro” da revolução.
- Eles refletiam o enfraquecimento ou o fim da classe política e das organizações políticas de massa com ela associadas, bem como sua fragmentação em vários e separados movimentos sociais.
- Cada movimento apelava para a identidade social de seus sustentadores. Assim, o feminismo apelava às mulheres, a política sexual aos gays e lésbicas, as lutas raciais aos negros, o movimento antibelicista aos pacifistas, e assim por diante. Isso constitui o nascimento histórico do que veio a ser conhecido como a política de identidade — uma identidade para cada movimento.
Mas o feminismo teve também uma relação mais direta com o descentramento conceitual do sujeito cartesiano e sociológico:
- Ele questionou a clássica distinção entre o “dentro” e o “fora”, o “privado” e “público”. O slogan do feminismo era: “o pessoal é politico”.
- Ele abriu, portanto, para a contestação politica, arenas inteiramente novas de vida social: a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças, etc.
- Ele também enfatizou, como uma questão política e social, o tema da forma como somos formados e produzidos como sujeitos generificados. Isto é, ele politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas).
- Aquilo que começou como uni movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero.
- O feminismo questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a “Humanidade”, substituindo-a pela questão da diferença sexual.
Neste capítulo, tentei, pois, mapear as mudanças conceituais através das quais, de acordo com alguns teóricos, o “sujeito” do Iluminismo, visto como tendo urna identidade fixa e estável, foi descentrado, resultando nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas, do sujeito pós-moderno. Descrevi isso através de cinco descentramentos. Deixem-me lembrar outra vez que muitas pessoas não aceitam as implicações conceituais e intelectuais desses desenvolvimentos do pensamento moderno. Entretanto, poucas negariam agora seus efeitos profundamente desestabilizadores sobre as idéias da modernidade tardia e, particularmente, sobre a forma como o sujeito e a questão da identidade são conceptualizados.
3. AS CULTURAS NACIONAIS COMO COMUNIDADES IMAGINADAS
Tendo descrito as mudanças conceptuais pelas quais os conceitos de sujeito e identidade da modernidade tardia e da pós-modernidade emergiram, me voltarei, agora, para a questão de como este “sujeito fragmentado” é colocado em termos de suas identidades culturais. A identidade cultural particular com a qual estou preocupado é a identidade nacional (embora outros aspectos estejam aí implicados). O que está acontecendo à identidade cultural na modernidade tardia? Especificamente, como as identidades culturais nacionais estão sendo afetadas ou deslocadas pelo processo de globalização?
No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em unia das principais fontes de identidade cultural. Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial.
O filósofo conservador Roger Scruton argumenta que:
A condição de homem (sic) exige que o indivíduo, embora exista e aja como um ser autônomo, faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si mesmo como algo trais amplo — conto um membro de uma sociedade, grupo, classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar um nome, mas que ele reconhece instintivamente corno seu lar (Scruton, 1986, p. 156).
Ernest Gellner, a partir de uma posição mais liberal, também acredita que sem um sentimento de identificação nacional o sujeito moderno experimentaria um profundo sentimento de perda subjetiva:
A idéia de um homem (sic) sem uma nação parece impor urna (grande) tensão à imaginação moderna. Um homem deve ter uma nacionalidade, assim como deve ter um nariz e duas orelhas. Tudo isso parece óbvio, embora, sinto, não seja verdade. Mas que isso viesse a parecer tão obviamente verdadeiro é, de fato, um aspecto, talvez o mais central, do problema do nacionalismo. Ter uma nação não é um atributo inerente da humanidade, mas aparece, agora, como tal (Gellner, 1983, p. 6).
O argumento que estarei considerando aqui é que, na verdade, as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. Nós só sabemos o que significa ser inglês” devido ao modo como a “inglesidade” (Englishness) veio a ser representada — como um conjunto de significados — pela cultura nacional inglesa. Segue-se que a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos — um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da idéia da nação tal como representada em sua cultura nacional. Uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu “poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade” (Schwarz, 1986 , p.106).
As culturas nacionais são uma forma distintivamente moderna. A lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em sociedades mais tradicionais, eram dadas à tribo, ao povo, à religião e à região, foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura nacional. As diferenças regionais e étnicas foram gradualmente sendo colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que Gellner chama de “teto político” do estado-nação, que se tornou, assim, uma fonte poderosa de significados para as identidades culturais modernas.
A formação de urna cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou urna única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional. Dessa e de outras formas, a cultura nacional se tornou uma característica-chave da industrialização e um dispositivo da modernidade. Não obstante, há outros aspectos de uma cultura nacional que a empurram numa direção diferente, trazendo à tona o que Homi Bhabha chama de “a ambivalência particular que assombra a idéia da nação” (Bhabha, 1990, p. 1). Algumas dessas ambigüidades são exploradas no capítulo 4. Na próxima seção discutirei como uma cultura nacional funciona como um sistema de representação. Na seção seguinte, discutirei se as identidades nacionais são realmente tão unificadas e tão homogêneas como representam ser. Apenas quando essas duas questões tiverem sido respondidas é que poderemos considerar adequadamente o argumento de que as identidades nacionais foram uma vez centradas, coerentes e inteiras, mas que estão sendo agora deslocadas pelos processos de globalização.
Narrando a nação: uma comunidade imaginada
As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso — um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos (veja Penguin Dictionary of Sociology: verbete “discourse“). As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas. Como argumentou Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma “comunidade imaginada”.
Anderson argumenta que as diferenças entre as nações residem nas formas diferentes pelas quais elas são imaginadas. Ou, como disse aquele grande patriota britânico, Enoch Powell: “a vida das nações, da mesma forma que a dos homens, é vivida, em grande parte, na imaginação” (Powell, 1969, p. 245). Mas como é imaginada a nação moderna? Que estratégias representacionais são acionadas para construir nosso senso comum sobre o pertencimento ou sobre a identidade nacional? Quais são as representações, digamos, de “Inglaterra”, que dominam as identificações e definem as identidades do povo “inglês”? “As nações”, observou Homi Bhabha, “tais como as narrativas, perdem suas origens nos mitos do tempo e efetivam plenamente seus horizontes apenas nos olhos da mente” (Bhabha, 1990, p.1).Como é contada a narrativa da cultura nacional?
Dos muitos aspectos que uma resposta abrangente à questão incluiria selecionei cinco elementos principais:
- Em primeiro lugar, há a narrativa da nação, tal como é contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular. Essas fornecem uma série de estórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação. Como membros de tal “comunidade imaginada”, nos vemos, no olho de nossa mente, como compartilhando dessa narrativa. Ela dá significado e importância à nossa monótona existência, conectando nossas vidas cotidianas com um destino nacional que preexiste a nós e continua existindo após nossa morte. Desde a imagem de uma verde e agradável terra inglesa, com seu doce e tranqüilo interior, com seus chalés de treliças e jardins campestres — “a ilha coroada” de Shakespeare — até às cerimônias públicas, o discurso da “inglesidade” (englishness) representa o que “a Inglaterra” é, dá sentido à identidade de “ser inglês” e fixa a “Inglaterra” como um foco de identificação nos corações ingleses (e anglófilos). Como observa Bill Schwarz:
Essas coisas formam a trama que nos prende invisivelmente ao passado. Do mesmo modo que o nacionalismo inglês é negado, assim também o é sua turbulenta e contestada história. O que ganhamos ao invés disso… é uma ênfase na tradição e na herança, acima de tudo na continuidade, de forma que nossa cultura politica presente é vista como o florescimento de uma longa e orgânica evolução (Schwarz, 1986, p. 155).
- Em segundo lugar, há a ênfase nas origens, na continuidade, na tradição e na intemporalidade. A identidade nacional é representada como primordial — “está lá, na verdadeira natureza das coisas”, algumas vezes adormecida, mas sempre pronta para ser “acordada” de sua “longa, persistente e misteriosa sonolência”, para reassumir sua inquebrantável existência (Gellner, 1983, p. 48). Os elementos essenciais do caráter nacional permanecem imutáveis, apesar de todas as vicissitudes da história. Está lá desde o nascimento, unificado e contínuo, “imutável” ao longo de todas as mudanças, eterno. A sra. Thatcher observou, na época da Guerra das Malvinas, que havia algumas pessoas “que pensavam que nós não poderíamos mais fazer as grandes coisas que uma vez havíamos feito… que a Grã-Bretanha não era mais a nação que tinha construído um Império e dominado um quarto do mundo… Bem, eles estavam errados… A Grã- Bretanha não mudou” (citado em Barnett, 1982,p. 63).
- Uma terceira estratégia discursiva é constituída por aquilo que Hobsbawm e Ranger chamam de invenção da tradição: “Tradições que parecem ou alegam ser antigas são muitas vezes de origem bastante recente e algumas vezes inventadas… Tradição inventada significa um conjunto de práticas … , de natureza ritual ou simbólica, que buscam inculcar certos valores e normas de comportamentos através da repetição, a qual, automaticamente, implica continuidade com um passado histórico adequado”. Por exemplo, “nada parece ser mais antigo e vinculado ao passado imemorial do que a pompa que rodeia a monarquia britânica e suas manifestações cerimoniais públicas. No entanto…, na sua forma moderna, ela é o produto do final do século XIX e XX” (Hobsbawm e Ranger, 1983, p.’).
- Um quarto exemplo de narrativa da cultura nacional é a do mito fundacional: uma estória que localiza a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo, não do tempo “real”, mas de um tempo “mítico”. Tradições inventadas tornam as confusões e os desastres da história inteligíveis, transformando a desordem em “comunidade” (por exemplo, a Blitz ou a evacuação durante a II Grande Guerra) e desastres em triunfos (por exemplo, Dunquerque). Mitos de origem também ajudam povos desprivilegiados a “conceberem e expressarem seu ressentimento e sua satisfação em termos inteligíveis” (Hobsbawm e Ranger, 1983, p.1). Eles fornecem uma narrativa através da qual uma história alternativa ou uma contranarrativa, que precede às rupturas da colonização, pode ser construída (por exemplo, o rastafarianismo para os pobres despossuídos de Kingston, Jamaica; ver Hall, 1985). Novas nações são, então, fundadas sobre esses mitos. (Digo “mitos” porque, como foi o caso com muitas nações africanas que emergiram depois da descolonização, o que precedeu à colonização não foi “uma única nação, um único povo”, mas muitas culturas e sociedades tribais diferentes).
- A identidade nacional é também muitas vezes simbolicamente baseada na idéia de um povo ou folk puro, original. Mas, nas realidades do desenvolvimento nacional, é raramente esse povo (folk) primordial que persiste ou que exercita o poder. Como, acidamente, observa Gellner: “Quando [os ruritananos] vestiram os trajes do povo e rumaram para as montanhas, compondo poemas nos clarões das florestas, eles não sonhavam em se tornarem um dia também poderosos burocratas, embaixadores e ministros” (1983, p. 61).
O discurso da cultura nacional não é, assim, tão moderno como aparenta ser. Ele constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade. As culturas nacionais são tentadas, algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele “tempo perdido”, quando a nação era “grande”; são tentadas a restaurar as identidades passadas. Este constitui o elemento regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional. Mas freqüentemente esse mesmo retorno ao passado oculta urna luta para mobilizar as “pessoas” para que purifiquem suas fileiras, para que expulsem os “outros” que ameaçam sua identidade e para que se preparem para uma nova marcha para a frente. Durante os anos oitenta, a retórica do thatcherismo utilizou, algumas vezes, os dois aspectos daquilo que Tom Nairn chama de “face de Janus” do nacionalismo (Nairn, 1977): ditar para trás, para as glórias do passado imperial e para os “valores vitorianos” e, ao mesmo tempo, empreender uma espécie de modernização, em preparação para um novo estágio da competição capitalista global. Alguma coisa do mesmo tipo pode estar ocorrendo na Europa Oriental. As áreas que se separam da antiga União Soviética reafirmam suas identidades étnicas essenciais e reivindicam uma nacionalidade sustentada por “estórias” (algumas vezes extremamente duvidosas) de origens míticas, de ortodoxia religiosa e de pureza racial. Contudo, elas podem também estar usando a nação como uma forma através da qual possam competir com outras “nações” étnicas e poder, assim, entrar no rico “clube” do Ocidente. Como tão agudamente observou Immanuel Wallerstein, “os nacionalismos do mundo moderno são a expressão ambígua [de um desejo] por… assimilação no universal… e, simultaneamente, por… adesão ao particular, à reinvenção das diferenças. Na verdade, trata-se de um universalismo através do particularismo e de um particularismo através do universalismo” (Wallerstein, 1984, pp. 166-7).
Desconstruindo a “cultura nacional”: identidade e diferença
A seção anterior discutiu como uma cultura nacional atua como uma fonte de significados culturais, um foco de identificação e um sistema de representação. Esta seção volta-se agora para a questão de saber se as culturas nacionais e as identidades nacionais que elas constroem são realmente unificadas. Em seu famoso ensaio sobre o tema, Ernest Renan disse que três coisas constituem o princípio espiritual da unidade de uma nação: “…a posse em comum de um rico legado de memórias…, o desejo de viver em conjunto e a vontade de perpetuar, de uma forma indivisiva, a herança que se recebeu” (Renan, 1990, p. 19). Devemos ter em mente esses três conceitos, ressonantes daquilo que constitui uma cultura nacional como uma “comunidade imaginada”: as memórias do passado; o desejo por viver em conjunto; a perpetuação da herança.
Timothy Brennan nos faz lembrar que a palavra nação refere-se “tanto ao moderno estado-nação quanto a algo mais antigo e nebuloso — a natio —uma comunidade local, um domicílio, urna condição de pertencimento” (Brennan, 1990, p. 45). As identidades nacionais representam precisamente o resultado da reunião dessas duas metades da equação nacional — oferecendo tanto a condição de membro do estado-nação político quanto unia identificação com a cultura nacional: “tornar a cultura e a esfera política congruentes” e fazer com que “culturas razoavelmente homogêneas, tenham, cada uma, seu próprio teto político” (Gellner, 1983, p. 43). Gellner identifica claramente esse impulso por unificação, existente nas culturas nacionais:
…a cultura é agora o meio partilhado necessário, o sangue vital, ou talvez, antes, a atmosfera partilhada mínima, apenas no interior da qual os membros de uma sociedade podem respirar e sobreviver e produzir. Para tuna dada sociedade, ela tem que ser uma atmosfera na qual podem todos respirar, falar e produzir; ela tem que ser, assim, a mesma cultura (Gellner, 1983 , pp. 37-8).
Para dizer de forma simples: não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional. Mas seria a identidade nacional uma identidade unificadora desse tipo, uma identidade que anula e subordina a diferença cultural?
Essa idéia está sujeita à dúvida, por várias razões. Uma cultura nacional nunca foi um simples ponto de lealdade, união e identificação simbólica. Ela é também unia estrutura de poder cultural. Consideremos os seguintes pontos:
- A maioria das nações consiste de culturas separadas que só foram unificadas por um longo processo de conquista violenta —isto é, pela supressão forçada da diferença cultural. “O povo britânico” é constituído por unia série desse tipo de conquistas — céltica, romana, saxônica, vikinge normanda. Ao longo de toda a Europa, essa estória se repete ad nauseam. Cada conquista subjugou povos conquistados e suas culturas, costumes, línguas e tradições, e tentou impor uma hegemonia cultural mais unificada. Como observou Ernest Renan, esses começos violentos que se colocam nas origens das nações modernas têm, primeiro, que ser “esquecidos”, antes que se comece a forjar a lealdade com uma identidade nacional mais unificada, mais homogênea. Assim, a cultura “britânica” não consiste de uma parceria igual entre as culturas componentes do Reino Unido, mas da hegemonia efetiva da cultura “inglesa”, localizada no sul, que se representa a si própria como a cultura britânica essencial, por cima das culturas escocesas, galesas e irlandesas e, na verdade, por cima de outras culturas regionais. Matthew Arnold, que tentou fixar o caráter essencial do povo inglês a partir de sua literatura, afirmou, ao considerar os celtas, que esses “nacionalismos provinciais tiveram que ser absorvidos ao nível do político, e aceitos como contribuindo culturalmente para a cultura inglesa” (Dodd, 1986, p. 12).
- Em segundo lugar, as nações são sempre compostas de diferentes classes socais e diferentes grupos étnicos e de gênero. O nacionalismo britânico moderno foi o produto de um esforço muito coordenado, no alto período imperial e no período vitoriano tardio, para unificar as classes ao longo de divisões sociais, ao provê-las com uni ponto alternativo de identificação —pertencimento comum à “família da nação”. Pode-se desenvolver o mesmo argumento a respeito do gênero. As identidades nacionais são fortemente generificadas. Os significados e os valores da “ìnglesidade” (englishness) têm fortes associações masculinas. As mulheres exercem um papel secundário como guardiãs do lar e do clã, e como “mães” dos “filhos” (homens) da nação.
- Em terceiro lugar, as nações ocidentais modernas foram também os centros de impérios ou de esferas neoimperiais de influência, exercendo uma hegemonia cultural sobre as culturas dos colonizados. Alguns historiadores argumentam, atualmente, que foi nesse processo de comparação entre as “virtudes” da “inglesidade” (Englishness) e os traços negativos de outras culturas que muitas das características distintivas das identidades inglesas foram primeiro definidas (veja C. Hall,1992).
Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo “unificadas” apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural. Entretanto —como nas fantasias do eu “inteiro” de que fala a psicanálise lacanianas identidades nacionais continuam a ser representadas como unificadas.
Uma forma de unificá-las tem sido a de representá-las como a expressão da cultura subjacente de “um único povo”. A etnia é o termo que utilizamos para nos referirmos às características culturais —língua, religião, costume, tradições, sentimento de “lugar” — que são partilhadas por um povo. E tentador, portanto, tentar usar a etnia dessa forma “fundacional”. Mas essa crença acaba, no mundo moderno, por ser um mito. A Europa Ocidental não tem qualquer nação que seja composta de apenas um único povo, unia única cultura ou etnia. As nações modernas silo, todas, híbridos culturais.
E ainda mais difícil unificar a identidade nacional em torno da raça. Em primeiro lugar, porque — contrariamente à crença generalizada — a raça não é uma categoria biológica ou genética que tenha qualquer validade científica. Há diferentes tipos e variedades, mas eles estão tão largamente dispersos no interior do que chamamos de”raças”quanto entre uma “raça”e outra.A diferença genética — o último refúgio das ideologias racistas — não pode ser usada para distinguir um povo do outro. A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica. Isto é, ela é a categoria organizadora daquelas formas de falar, daqueles sistemas de representação e práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, freqüentemente pouco específico, de diferenças em termos de características físicas — cor da pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, etc. — como marcas simbólicas, a fim de diferenciar socialmente um grupo de outro.
Naturalmente o caráter não científico do termo “raça” não afeta o modo “como a lógica racial e os quadros de referência raciais são articulados e acionados, assim como não anula suas conseqüências (Donald e Rattansi,1992, p.l). Nos últimos anos, as noções biológicas sobre raça, entendida como constituída de espécies distintas (noções que subjaziam a formas extremas da ideologia e do discurso nacionalista em períodos anteriores: o eugenismo vitoriano, as teorias européias sobre raça, o fascismo) têm sido substituídas por definições culturais, as quais possibilitam que a raça desempenhe um papel importante nos discursos sobre nação e identidade nacional. Paul Gilroy tem analisado as ligações entre, de um lado, o racismo cultural e a idéia de raça e, de outro, as idéias de nação, nacionalismo e pertencimento nacional:
Enfrentamos, de forma crescente, um racismo que evita ser reconhecido como tal, porque é capaz de alinhar “raça” com nacionalidade, patriotismo e nacionalismo. Um racismo que tomou uma distância necessária das grosseiras idéias de inferioridade e superioridade biológica busca, agora, apresentar uma definição imaginária da nação como uma comunidade cultural unificada. Ele constrói e defende uma imagem de cultura nacional — homogênea na sua branquidade, embora precária e eternamente vulnerável ao ataque dos inimigos internos e externos… Este hum racismo que responde à turbulência social e política da crise e à administração da crise através da restauração da grandeza nacional na imaginação. Sua construção onírica de nossa ilha coroada como etnicamente purificada propicia um especial conforto contra as devastações do declínio (nacional) (Gilroy, 1992, p.87).
Mas mesmo quando o conceito de “raça” é usado dessa forma discursiva mais ampla, as nações modernas teimosamente se recusam a ser determinadas por ela. Como observou Renan, “as nações líderes da Europa são nações de sangue essencialmente misto: a França é [ao mesmo tempo] céltica, ibérica e germânica. A Alemanha é germânica, céltica e eslava. A Itália é o país onde… gauleses, etruscos, pelagianos e gregos, para não mencionar outros, se intersectam numa mistura indecifrável. As ilhas britânicas, consideradas como um todo, apresentam uma mistura de sangue celta e germânico, cujas proporções são particularmente difíceis de definir” (Renan, 1990, pp.14-15). E essas são misturas relativamente simples se comparadas com as encontradas na Europa Central e Oriental.
Este breve exame solapa a idéia da nação como uma identidade cultural unificada. As identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres do jogo de poder, de divisões e contradições internas, de lealdades e de diferenças sobrepostas. Assim, quando vamos discutir se as identidades nacionais estão sendo deslocadas, devemos ter em mente a forma pela qual as culturas nacionais contribuem para “costurar” as diferenças numa única identidade.
4. GLOBALIZAÇÃO
O capítulo anterior questionou a idéia de que as identidades nacionais tenham sido alguma vez tão unificadas ou homogêneas quanto fazem crer as representações que delas se fazem. Entretanto, na história moderna, as culturas nacionais têm dominado a “modernidade” e as identidades nacionais tendem a se sobrepor a outras fontes, mais particularistas, de identificação cultural.
O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do século XX? A resposta é: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo “globalização”. Como argumenta Anthony McGrew (1992), a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da “sociedade” como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço” (Giddens, 1990, p. 64). Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da globalização a ter efeito sobre as identidades culturais. Eles são discutidos com mais detalhes no que se segue.
Lembremos que a globalização não é um fenômeno recente: “A modernidade é inerentemente globalizante” (Giddens, 1990, p. 63). Como argumentou David Held (1992), os estados-nação nunca foram tão autônomos ou soberanos quanto pretendiam. E, como nos faz lembrar Wallerstein, o capitalismo “foi, desde o início, um elemento da economia mundial e não dos estados-nação. O capital nunca permitiu que suas aspirações fossem determinadas por fronteiras nacionais” (Wallerstein, 1979, p. 19). Assim, tanto a tendência à autonomia nacional quanto a tendência à globalização estão profundamente enraizadas na modernidade (veja Wallerstein, 1991, p. 98).
Devemos ter em mente essas duas tendências contraditórias presentes no interior da globalização. Entretanto, geralmente se concorda que, desde os anos 70, tanto o alcance quanto o ritmo da integração global aumentaram enormemente, acelerando os fluxos e os laços entre as nações. Nesta e na próxima seção, tentarei descrever as conseqüências desses aspectos da globalização sobre as identidades culturais, examinando três possíveis conseqüências:
- As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-moderno global”.
- As identidades nacionais e outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização.
- As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades — híbridas — estão tomando seu lugar.
Compressão espaço-tempo e identidade
Que impacto tem a última fase da globalização sobre as identidades nacionais? Uma de suas características principais é a “compressão espaço-tempo”, a aceleração dos processos globais, de forma que se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, que os eventos em um determinado lugar têm um impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande distância. David Harvey argumenta que:
A medida que o espaço se encolhe para se tornar urna aldeia “global” de telecomunicações e urna “espaçonave planetária” de interdependências econômicas e ecológicas — para usar apenas duas imagens familiares e cotidianas — e à medida em que Os horizontes temporais se encurtam até ao ponto em que o presente é tudo que existe, temos que aprender a lidar com um sentimento avassalador de compressão de nossos mundos espaciais e temporais (Harvey, 1989, p. 240).
O que é importante para nosso argumento quanto ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. Todo meio de representação — escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte on dos sistemas de telecomunicação — deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais. Assim, a narrativa traduz os eventos numa seqüência temporal “começo-meio-fim”; os sistemas visuais de representação traduzem objetos tridimensionais em duas dimensões. Diferentes épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo. Harvey contrasta o ordenamento racional do espaço e do tempo da Ilustração (com seu senso regular de ordem, simetria e equilíbrio) com as rompidas e fragmentadas coordenadas espaço- tempo dos movimentos modernistas do final do século XIX e início do século XX. Podemos ver novas relações espaço-tempo sendo definidas em eventos tão diferentes quanto a teoria da relatividade de Einstein, as pinturas cubistas de Picasso e Braque, os trabalhos dos surrealistas e dos dadaístas, os experimentos com o tempo e a narrativa nos romances de Marcel Proust e James Joyce e o uso de técnicas de montagem nos primeiros filmes de Vertov e Eisenstein.
No capitulo 3 argumentei que a identidade está profundamente envolvida no processo de representação. Assim, a moldagem e a remoldagem de relações espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representação têm efeitos profundos sobre a forma como as identidades são localizadas e representadas. O sujeito masculino, representado nas pinturas do século XVIII, no ato de inspeção de sua propriedade, através das bem-reguladas e controladas formas espaciais clássicas, no crescente georgiano (Bath) ou na residência de campo inglesa (Blenheim Palace), ou vendo a si próprio nas vastas e controladas formas da Natureza de um jardim ou parque formal (Capability Brown), tem um sentido muito diferente de identidade cultural daquele do sujeito que vê a “si próprio/a” espelhado nos fragmentados e fraturados “rostos” que olham dos planos e superfícies partidos de uma das pinturas cubistas de Picasso. Todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo simbólicos. Elas têm aquilo que Edward Said chama de suas “geografias imaginárias” (Said, 1990): suas “paisagens” características, seu senso de “lugar”, de “casa/lar”, ou heimat, bem como suas localizações no tempo — nas tradições inventadas que ligam passado e presente, em mitos de origem que projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de nação que conectam o indivíduo a eventos históricos nacionais mais amplos, mais importantes.
Podemos pensar isso de uma outra forma: nos termos daquilo que Giddens (1990) chama de separação entre espaço e lugar. O “lugar” é específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado: o ponto de práticas sociais específicas que nos moldaram e nos formaram e com as quais nossas identidades estão estreitamente ligadas:
Nas sociedades pré-modernas, o espaço e o lugar eram amplamente coincidentes, uma vez que as dimensões espaciais da vida social eram, para a maioria da população, dominadas pela presença”– por uma atividade localizada… A modernidade separa, cada vez mais, o espaço do lugar, ao reforçar relações entre outros que estão “ausentes”, distantes (em termos de local), de qualquer interação face-a-face. Nas condições da modernidade…, os locais são inteiramente penetrados e moldados por influências sociais bastante distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente aquilo que está presente na cena; a “forma visível” do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza (Giddens, 1990, p. 18).
Os lugares permanecem fixos; é neles que temos “raízes”. Entretanto, o espaço pode ser “cruzado” num piscar de olhos — por avião a jato, por fax ou por satélite. Harvey chama isso de “destruição do espaço através do tempo” (1989, p. 205)
Em direção ao pós-moderno global?
Alguns teóricos argumentam que o efeito geral desses processos globais tem sido o de enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidade cultural. Eles argumentam que existem evidências de um afrouxamento de fortes identificações com a cultura nacional, e um reforçamento de outros laços e lealdades culturais, “acima” e “abaixo” do nível do estado-nação. As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações “globais” começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais.
Alguns teóricos culturais argumentam que a tendência em direção a uma maior interdependência global está levando ao colapso de todas as identidades culturais fortes e está produzindo aquela fragmentação de códigos culturais, aquela multiplicidade de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo cultural descrita por Kenneth Thompson (1992), mas agora numa escala global — o que poderíamos chamar de pós-moderno global. Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas”— como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens — entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. A medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural.
As pessoas que moram em aldeias pequenas, aparentemente remotas, em países pobres, do “Terceiro Mundo”, podem receber, na privacidade de suas casas, as mensagens e imagens das culturas ricas, consumistas, do Ocidente, fornecidas através de aparelhos de TV ou de rádios portáteis, que as prendem à “aldeia global” das novas redes de comunicação. Jeans e abrigos — o “uniforme” do jovem na cultura juvenil ocidental — são tão onipresentes no sudeste da Ásia quanto na Europa ou nos Estados Unidos, não só devido ao crescimento da mercantilização em escala mundial da imagem do jovem consumidor, mas porque, com freqüência, esses itens estão sendo realmente produzidos em Taiwan ou em Hong Kong ou na Coréia do Sul, para as lojas finas de Nova York, Los Angeles, Londres ou Roma. E difícil pensar na “comida indiana” como algo característico das tradições étnicas do subcontinente asiático quando há uni restaurante indiano no centro de cada cidade da Grã-Bretanha
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas —desalojadas —de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de “supermercado cultural”. No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é conhecido como “homogeneização cultural”.
Em certa medida, o que está sendo discutido é a tensão entre o “global” e o “local” na transformação das identidades. As identidades nacionais, como vimos, representam vínculos a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. Elas representam o que algumas vezes é chamado de uma forma particularista de vínculo ou pertencimento. Sempre houve uma tensão entre essas identificações e identificações mais universalistas —por exemplo, uma identificação maior com a “humanidade” do que com a “inglesidade” (englishness). Esta tensão continuou a existir ao longo da modernidade: o crescimento dos estados-nação, das economias nacionais e das culturas nacionais continuam a dar um foco para a primeira; a expansão do mercado mundial e da modernidade como uni sistema global davam o foco para a segunda. No capítulo 5, que examina como a globalização, em suas formas mais recentes, tem um efeito sobre as identidades, pensaremos esse efeito em termos de novos modos de articulação dos aspectos particulares e universais da identidade ou de novas formas de negociação da tensão entre os dois.
5. O GLOBAL, O LOCAL E O RETORNO DA ETNIA
As identidades nacionais estão sendo “homogeneizadas”? A homogeneização cultural é o grito angustiado daqueles/as que estão convencidos/as de que a globalização ameaça solapar as identidades e a “unidade” das culturas nacionais. Entretanto, como visão do futuro das identidades num mundo pós-moderno, este quadro, da forma como é colocado, é muito simplista, exagerado e unilateral.
Pode-se considerar, no mínimo, três qualificações ou contratendências principais. A primeira vem do argumento de Kevin Robin e da observação de que, ao lado da tendência em direção à homogeneização global, há também uma fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da “alteridade”. Há, juntamente com o impacto do “global”, um novo interesse pelo “local”. A globalização (na forma da especialização flexível e da estratégia de criação de “nichos” de mercado), na verdade, explora a diferenciação local. Assim, ao invés de pensar no global como “substituindo” o local seria mais acurado pensar numa nova articulação entre “o global” e “o local”. Este “local” não deve, naturalmente, ser confundido com velhas identidades, firmemente enraizadas em localidades bem delimitadas. Em vez disso, ele atua no interior da lógica da globalização. Entretanto, parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais. E mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações “globais” e novas identificações “locais”.
A segunda qualificação relativamente ao argumento sobre a homogeneização global das identidades é que a globalização é muito desigualmente distribuída ao redor do globo, entre regiões e entre diferentes estratos da população dentro das regiões. Isto é o que Doreen Massey chama de “geometria do poder” da globalização.
O terceiro ponto na crítica da homogeneização cultural é a questão de se saber o que é mais afetado por ela. Uma vez que a direção do fluxo é desequilibrada, e que continuam a existir relações desiguais de poder cultural entre “o Ocidente” e “o Resto”, pode parecer que a globalização — embora seja, por definição, algo que afeta o globo inteiro — seja essencialmente um fenômeno ocidental.
Kevin Robins nos faz lembrar que:
Embora tenha se projetado a si próprio como trans-histórico e transnacional, como a força transcendente e universalizadora da modernização e da modernidade, o capitalismo global é, na verdade, um processo de ocidentalização — a exportação das mercadorias, dos valores, das prioridades, das formas de vida ocidentais. Em um processo de desencontro cultural desigual, as populações “estrangeiras” têm sido compelidas a ser os sujeitos e os subalternos do império ocidental, ao mesmo tempo em que, de forma não menos importante, o Ocidente vê-se face a face com a cultura “alienígena” e “exótica” de seu “Outro”. A globalização, à medida que dissolve as barreiras da distância, torna o encontro entre o centro colonial e a periferia colonizada imediato e intenso (Robins, 1991, p. 25).
Na última forma de globalização, são ainda as imagens, os artefatos e as identidades da modernidade
ocidental, produzidos pelas indústrias culturais das sociedades “ocidentais” (incluindo o Japão) que dominam as redes globais. A proliferação das escolhas de identidade é mais ampla no “centro” do sistema global que nas suas periferias. Os padrões de troca cultural desigual, familiar desde as primeiras fases da globalização, continuam a existir na modernidade tardia. Se quisermos provar as cozinhas exóticas de outras culturas em um único lugar, devemos ir comer em Manhattan, Paris ou Londres e não em Calcutá ou em Nova Delhi.
Por outro lado, as sociedades da periferia têm estado sempre abertas às influências culturais ocidentais e, agora, mais do que nunca. A idéia de que esses são lugares “fechados” — etnicamente puros, culturalmente tradicionais e intocados até ontem pelas rupturas da modernidade — é uma fantasia ocidental sobre a “alteridade”: uma “fantasia colonial” sobre a periferia, mantida pelo Ocidente, que tende a gostar de seus nativos apenas como “puros” e de seus lugares exóticos apenas como “intocados”. Entretanto, as evidências sugerem que a globalização está tendo efeitos em toda parte, incluindo o Ocidente, e a “periferia” também está vivendo seu efeito pluralizador, embora num ritmo mais lento e desigual.
The Rest in the West (O Resto no Ocidente)
As páginas precedentes apresentaram três qualificações relativamente à primeira das três possíveis conseqüências da globalização, isto é, a homogeneização das identidades globais. Elas são:
a) globalização caminha em paralelo com um reforçamento das identidades locais, embora isso ainda esteja dentro da lógica da compressão espaço-tempo.
b) A globalização é um processo desigual e tem sua própria “geometria de poder”.
c) A globalização retém alguns aspectos da dominação global ocidental, mas as identidades culturais estão, em toda parte, sendo relativizadas pelo impacto da compressão espaço-tempo.
Talvez o exemplo mais impressionante desse terceiro ponto seja o fenômeno da migração. Após a Segunda Guerra Mundial, as potências européias descolonizadoras pensaram que podiam simplesmente cair fora de suas esferas coloniais de influência, deixando as conseqüências do imperialismo atrás delas. Mas a interdependência global agora atua em ambos os sentidos. O movimento para fora (de mercadorias, de imagens, de estilos ocidentais e de identidades consumistas) tem uma correspondência num enorme movimento de pessoas das periferias para o centro, num dos períodos mais longos e sustentados de migração “não-planejada” da história recente. impulsionadas pela pobreza, pela seca, pela fome, pelo subdesenvolvimento econômico e por colheitas fracassadas, pela guerra civil e pelos distúrbios políticos, pelo conflito regional e pelas mudanças arbitrárias de regimes políticos, pela dívida externa acumulada de seus governos para com os bancos ocidentais, as pessoas mais pobres do globo, em grande número, acabam por acreditar na “mensagem” do consumismo global e se mudam para os locais de onde vêm os “bens” e onde as chances de sobrevivência são maiores. Na era das comunicações globais, o Ocidente está situado apenas à distância de uma passagem aérea.
Tem havido migrações contínuas e de grande escala, legais e “ilegais”, para os Estados Unidos, a partir de muitos países pobres da América Latina e da bacia caribenha (Cuba, Haiti, Porto Rico, República Dominicana, ilhas do Caribe Britânico), bem corno grande número de “migrantes econômicos” e de refugiados políticos do Sudeste da Ásia e do Extremo Oriente— chineses, coreanos, vietnamitas, cambojianos, indianos, paquistaneses, japoneses. O Canadá tem uma substancial minoria de população caribenha. Uma conseqüência disso é uma mudança dramática na “mistura étnica” da população dos Estados Unidos — a primeira desde as migrações em massa das primeiras décadas deste século. Em 1980, um em cada cinco americanos tinha origem afro-americana, asiático americana ou indígena. Em 1990, essa estatística era de um em cada quatro. Em muitas cidades grandes (incluindo Los Angeles, San Francisco, Nova York, Chicago e Miami), os brancos são agora uma minoria. Nos anos 80, a população da Califórnia cresceu em 5,6 milhões, 43 por cento dos quais eram pessoas de cor — isto é, incluindo hispânicos e asiáticos, bem como afro-americanos (comparados com 33 por cento em 1980) — e um quinto tinha nascido no estrangeiro. Em 1995, previa-se que inn terço dos estudantes das escolas públicas americanas seria constituído de “não-brancos” (Censo dos Estados Unidos, 1991, citado em Platt, 1991).
Ao longo do mesmo período, houve urna “migração” paralela de árabes do Maghreb (Marrocos, Argélia, Tunísia) para a Europa, e de africanos do Senegal e do Zaire para a França e para a Bélgica; de turcos e norte-africanos para a Alemanha; de asiáticos das Indias Ocidentais e Orientais (ex-colônias holandesas) e do Suriname para a Holanda; de norte-africanos para a Itália; e, obviamente, de pessoas do Caribe e da India, Paquistão, Bangladesh, Quênia, Uganda e Sri Lanka para o Reino Unido. Há refugiados politicos da Somália, Etiópia, Sudão e Sri Lanka e de outros lugares, em pequenos números, em toda parte.
Esta formação de “enclaves” étnicos minoritários no interior dos estados-nação do Ocidente levou a uma “pluralização” de culturas nacionais e de identidades nacionais.
A dialética das identidades
Como esta situação tem se mostrado na Grã- Bretanha, em termos de identidade? O primeiro efeito tem sido o de contestar os contornos estabelecidos da identidade nacional e o de expor seu fechamento às pressões da diferença, da “alteridade” e da diversidade cultural. Isto está acontecendo, em diferentes graus, em todas as culturas nacionais ocidentais e, como conseqüência, fez com que toda a questão da identidade nacional e da “centralidade” cultural do Ocidente fosse abertamente discutida.
Num mundo de fronteiras dissolvidas e de continuidades rompidas, as velhas certezas e hierarquias da identidade britânica têm sido postas em questão. Num país que é agora um repositório de culturas africanas e asiáticas, o sentimento do que significa ser britânico nunca mais pode ter a mesma velha confiança e certeza. O que significa ser europeu, num continente colorido não apenas pelas culturas de suas antigas colônias, mas também pelas culturas americanas e agora pelas japonesas? A categoria da identidade não é, ela própria, problemática? E possível, de algum modo, em tempos globais, ter-se um sentimento de identidade coerente e integral? A continuidade e a historicidade da identidade são questionadas pela imediatez e pela intensidade das confrontações culturais globais. Os confortos da Tradição são fundamentalmente desafiados pelo imperativo de se forjar uma nova auto-interpretação, baseada nas responsabilidades da Tradução cultural (Robins, 1991, p. 41).
Outro efeito desse processo foi o de ter provocado um alargamento do campo das identidades e uma proliferação de novas posições-de-identidade, juntamente com um aumento de polarização entre elas. Esses processos constituem a segunda e a terceira conseqüências possíveis da globalização, anteriormente referidas — a possibilidade de que a globalização possa levar a um fortalecimento de identidades locais ou à produção de novas identidades.
O fortalecimento de identidades locais pode ser visto na forte reação defensiva daqueles membros dos grupos étnicos dominantes que se sentem ameaçados pela presença de outras culturas. No Reino Unido, por exemplo, a atitude defensiva produziu uma “inglesidade” (englishness) reformada, um “inglesismo” mesquinho e agressivo e um recuo ao absolutismo étnico, numa tentativa de escorar a nação e reconstruir “uma identidade que seja una, unificada, e que filtre as ameaças da experiência social” (Sennett, 1971, p.15). Isso freqüentemente está baseado no que antes chamei de “racismo cultural” e é evidente, atualmente, em partidos políticos legais, tanto de direita quanto de esquerda, e em movimentos políticos mais extremistas em toda a Europa Ocidental.
Algumas vezes isso encontra uma correspondência num recuo, entre as próprias comunidades comunitárias, a identidades mais defensivas, em resposta à experiência de racismo cultural e de exclusão. Tais estratégias incluem a re-identificação com as culturas de origem (no Caribe, na Índia, em Bangladesh, no Paquistão); a construção de fortes contra-etnias — como na identificação simbólica da segunda geração da juventude afro-caribenha, através dos temas e motivos do rastafarianismo, com sua origem e herança africana; ou o revival do tradicionalismo cultural, da ortodoxia religiosa e do separatismo político, por exemplo, entre alguns setores da comunidade islâmica.
Também há algumas evidências da terceira conseqüência possível da globalização — a produção de novas identidades. Um bom exemplo é, o das novas identidades que emergiram nos anos 70, agrupadas ao redor do significante black, o qual, no contexto britânico, fornece um novo foco de identificação tanto para as comunidades afrocaribenhas quanto para as asiáticas. O que essas comunidades têm em comum, o que elas representam através da apreensão da identidade black, não é que elas sejam, cultural, étnica, lingüística ou mesmo fisicamente, a mesma coisa, mas que elas são vistas e tratadas como “a mesma coisa” (isto é, não-brancas, como o “outro”) pela cultura dominante. E a sua exclusão que fornece aquilo que Laclau e Mouffe chamam de “eixo comum de equivalência” dessa nova identidade. Entretanto, apesar do fato de que esforços são feitos para dar a essa identidade black um conteúdo único ou unificado, ela continua a existir como uma identidade ao longo de uma larga gama de outras diferenças. Pessoas afro-caribenhas e indianas continuam a manter diferentes tradições culturais. O black é, assim, um exemplo não apenas do caráter político das novas identidades isto é, de seu caráter posicional e conjuntural (sua formação em e para tempos e lugares específicos) mas também do modo como a identidade e a diferença estão inextrincavelmente articuladas ou entrelaçadas em identidades diferentes, uma nunca anulando completamente a outra.
Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas” de urna cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas. Entretanto, seu efeito geral permanece contraditório. Algumas identidades gravitam ao redor daquilo que Robins chama de “Tradição”, tentando recuperar sua pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas. Outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao plano da história, da política, da representação e da diferença e, assim, é improvável que elas sejam outra vez unitárias ou “puras”; e essas, conseqüentemente, gravitam ao redor daquilo que Robins (seguindo Homi Bhabha) chama de “Tradução”.
O capítulo 6 descreverá, brevemente, esse movimento contraditório entre Tradição e Tradução, num quadro mais amplo e global, e perguntará o que isso nos diz sobre o modo como as identidades devem ser conceptualizadas, em relação com os futuros da modernidade.
Naquilo que diz respeito às identidades, essa oscilação entre Tradição e Tradução (que foi rapidamente descrita antes, em relação à Grã- Bretanha) está se tornando mais evidente num quadro global. Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado. Pode ser tentador pensar na identidade, na era da globalização, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro: ou retornando a suas “raízes” ou desaparecendo através da assimilação e da homogeneização. Mas esse pode ser um falso dilema.
Pois há uma outra possibilidade: a da Tradução. Este conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias “casas” (e não a uma “casa” particular). As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas têm sitio obrigadas a renunciar ao sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural “perdida” ou de absolutismo étnico. Elas estão irrevogavelmente traduzidas. A palavra “tradução”, observa Salman Rushdie, “vem, etimologicamente, do latim, significando “transferir”; “transportar entre fronteiras”. Escritores migrantes, como ele, que pertencem a dois mundos ao mesmo tempo, “tendo sido transportados através do mundo…, são homens traduzidos” (Rushdie, 1991). Eles são o produto das novas diásporas criadas pelas migrações pós-coloniais. Eles devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia. Há muitos outros exemplos a serem descobertos.
6. FUNDAMENTALISMO, DIASPORA E HIBRIDISMO
Algumas pessoas argumentam que o “hibridismo” e o sincretismo — a fusão entre diferentes tradições culturais — são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas formas de cultura, mais apropriadas à modernidade tardia que às velhas e contestadas identidades do passado. Outras, entretanto, argumentam que o hibridismo, com a indeterminação, a “dupla consciência” e o relativismo que implica, também tem seus custos e perigos. O romance de Salman Rushdie sobre a migração, o Islã e o profeta Maomé, Versos satânicos, com sua profunda imersão na cultura islâmica e sua secular consciência de um “homem traduzido” e exilado, ofendeu de tal forma os fundamentalistas iranianos que eles decretaram-lhe a sentença de morte, acusando-o de blasfêmia. Também ofendeu muitos muçulmanos britânicos. Ao defender seu romance, Rushdie apresentou uma defesa forte e irresistível do “hibridismo”:
No centro do romance está um grupo de personagens, a maioria dos quais é constituída de muçulmanos britânicos, ou de pessoas não particularmente religiosas, de origem islâmica, lutando precisamente com o mesmo tipo de problemas que têm surgido em torno do livro, problemas de hibridização e guetização, de reconciliar o velho com o novo. Aquelas pessoas que se opõem violentamente ao romance, hoje, são de opinião de que a mistura entre diferentes culturais inevitavelmente enfraquecerá e destruirá sua própria cultura. Sou da opinião oposta. O livro Versos satânicos celebra o hibridismo, a impureza, a mistura, a transformação, que vêm de novas e inesperadas combinações de seres humanos, culturas, idéias, políticas, filmes, músicas. O livro alegra-se com os cruzamentos e teme o absolutismo do Puro. Mélange, mistura, um pouco disso e um pouco daquilo, é dessa forma que o novo entra no mando. E a grande possibilidade que a migração de massa dá ao mundo, e eu tenho tentado abraçá-la. O livro Versos satânicos é a favor da mudança-por-fusão, da mudança-por-reunião. E uma canção de amor para nossos cruzados eus (Rushdie, 1991, p. 394).
Entretanto, o livro Versos satânicos pode perfeitamente ter ficado preso entre as irreconciliáveis forças da Tradição e da Tradução. Essa é a visão, simpática a Rushdie, mas também crítica, de Bhiku Parekh (1989).
Por outro lado, existem também fortes tentativas para se reconstruírem identidades purificadas, para se restaurar a coesão, o “fechamento” e a Tradição, frente ao hibridismo e à diversidade. Dois exemplos são o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental e o crescimento do fundamentalismo.
Numa era em que a integração regional nos campos econômicos e políticos, e a dissolução da soberania nacional, estão andando muito rapidamente na Europa Ocidental, o colapso dos regimes comunistas na Europa Oriental e o colapso da antiga União Soviética foram seguidos por um forte revival do nacionalismo étnico, alimentado por idéias tanto de pureza racial quanto de ortodoxia religiosa. A ambição para criar novos e unificados estados-nação (que, como sugeri acima, nunca realmente existiram nas culturas nacionais ocidentais) tem sido a força impulsionadora por detrás de movimentos separatistas nos estados bálticos da Estônia, Letônia e Lituânia, da desintegração da Iugoslávia e do movimento de independência de muitas das antigas repúblicas soviéticas (da Geórgia, Ucrânia, Rússia e Armênia até o Curdistão, Usbequistão e as repúblicas asiáticas islâmicas do antigo estado soviético). O mesmo processo, em grande parte, tem ocorrido nas “nações” da Europa Central, que foram moldadas a partir da desintegração dos impérios austro-húngaro e otomano, no foral da Primeira Guerra Mundial.
Esses novos aspirantes ao status de “nação” tentam construir estados que sejam unificados tanto em termos étnicos quanto religiosos, e criar entidades políticas em torno de identidades culturais homogêneas. O problema é que elas contêm, dentro de suas “fronteiras”, minorias que se identificam com culturas diferentes. Assim, por exemplo, há minorias russas “étnicas” nas repúblicas bálticas e na Ucrânia, poloneses étnicos na Lituânia, um enclave armênio (Nagorno-Karabakh) no Adzerbajão, minorias turco-cristãs entre as maiorias russas da Moldávia, e grande número de muçulmanos nas repúblicas sulistas da antiga União Soviética, que partilham mais coisas, em termos culturais e religiosos, com seus vizinhos islâmicos do Oriente Médio do que com muitos de seus “conterrâneos”.
A outra forma importante de revival do nacionalismo particularista e do absolutismo étnico e religioso é, obviamente, o fenômeno do “fundamentalismo” . Isto é evidente em toda parte (por exemplo, no ressuscitado e mesquinho “inglesismo”, anteriormente mencionado), embora seu exemplo mais impressionante deva ser encontrado em alguns estados islâmicos do Oriente Médio. Começando com a Revolução Iraniana, têm surgido, em muitas sociedades até então seculares, movimentos islâmicos fundamenta listas, que buscam criar estados religiosos nos quais os princípios políticos de organização estejam alinhados com as doutrinas religiosas e com as leis do Corão. Na verdade, esta tendência é difícil de ser interpretada. Alguns analistas vêem-na como uma reação ao caráter “forçado” da modernização ocidental: certamente, o fundamentalismo iraniano foi uma resposta direta aos esforços do Xá nos anos 70 por adotar, de forma total, modelos e valores culturais ocidentais. Alguns interpretam-no como uma resposta ao fato de terem sido deixados fora da “globalização”. A reafirmação de “raízes” culturais e o retorno à ortodoxia têm sido, desde há muito, uma das mais poderosas fontes de contra-identificação em muitas sociedades e regiões pós-coloniais e do Terceiro Mundo (podemos pensar, aqui, nos papéis do nacionalismo e da cultura nacional nos movimentos de independência indianos, africanos e asiáticos). Outros vêem as raízes do fundamentalismo islâmico no fracasso dos estados islâmicos em estabelecer lideranças “modernizantes” bem-sucedidas e eficazes ou partidos modernos, seculares. Em condições de extrema pobreza e relativo subdesenvolvimento econômico (o fundamentalismo é mais forte nos estados islâmicos mais pobres da região), a restauração da fé islâmica é uma poderosa força política e ideológica mobilizadora e unificadora.
A tendência em direção à “homogeneização global”, pois, tem seu paralelo num poderoso revival da “etnia”, algumas vezes de variedades mais híbridas ou simbólicas, mas também freqüentemente das variedades exclusivas ou “essencialistas” mencionadas anteriormente. Bauman tem-se referido a esse “ressurgimento da etnia” como uma das principais razões pelas quais as versões mais extremas, desabridas ou
indeterminadas do que acontece com a identidade sob o impacto do “pós-moderno global” exige uma séria qualificação:
O “ressurgimento da etnia”… traz para a linha de frente o florescimento não-antecipado de lealdades étnicas no interior das minorias nacionais. Da mesma forma, ele coloca em questão aquilo que parece ser a causa profunda do fenômeno: a crescente separação entre o pertencimento ao corpo político e o pertencimento étnico (ou mais geralmente, a conformidade cultural) que elimina grande parte da atração original do programa de assimilação cultural… A etnia tem-se tornado uma das muitas categorias, símbolos ou totens, em torno dos quais comunidades flexíveis e livres de sanção são formadas e em relação as quais identidades individuais são construídas e afirmadas. Existe agora, portanto, um número muito menor daquelas forças centrifugas que unia vez enfraqueceram a integridade étnica. Há, em vez disso, unia poderosa demanda por uma distintividade étnica pronunciada (embora simbólica) e não por uma distintividade étnica institucionalizada.
O ressurgimento do nacionalismo e de outras formas de particularismo no final do século XX, ao lado da globalização e a ela intimamente ligado, constitui, obviamente, urna reversão notável, uma virada bastante inesperada dos acontecimentos. Nada nas perspectivas iluministas modernizantes ou nas ideologias do Ocidente nem o liberalismo nem, na verdade, o marxismo, que, apesar de toda sua oposição ao liberalismo, também viu o capitalismo como o agente involuntário da “modernidade” previa um tal resultado.
Tanto o liberalismo quanto o marxismo, em suas diferentes formas, davam a entender que o apego ao local e ao particular dariam gradualmente vez a valores e identidades mais universalistas e cosmopolitas ou internacionais; que o nacionalismo e a etnia eram formas arcaicas de apego —a espécie de coisa que seria “dissolvida” pela força revolucionadora da modernidade. De acordo com essas “metanarrativas” da modernidade, os apegos irracionais ao local e ao particular, à tradição e às raízes, aos mitos nacionais e às “comunidades imaginadas”, seriam gradualmente substituídos por identidades mais racionais e universalistas. Entretanto, a globalização não parece estar produzindo nem o triunfo do “global” nem a persistência, em sua velha forma nacionalista, do “local”. Os deslocamentos ou os desvios da globalização mostram-se, afinal, mais variados e mais contraditórios do que sugerem seus protagonistas ou seus oponentes. Entretanto, isto também sugere que, embora alimentada, sob muitos aspectos, pelo Ocidente, a globalização pode acabar sendo parte daquele lento e desigual, mas continuado, descentramento do Ocidente.
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