A sofística como fenômeno da história da educação
O Sofismo estabelece uma nova e ampla concepção da ideia da educação, é a origem da educação no sentido estrito da palavra: a paidéia, um movimento espiritual de incalculável importância para a posterioridade que foi iniciado no tempo de Sófocles por volta do século IV.
O conceito de arete esteve desde o início estreitamente vinculado à questão educativa. Com o desenvolvimento histórico, porém, o ideal da arete humana sofreu as mudanças da evolução do todo social e também nelas influiu.
Desde a mais antiga concepção aristocrática da arete até o ideal político do homem, está vinculado a um Estado Jurídico.
A forma de fundamentação da arete tinha de ser completamente distinta para as classes nobres, para os camponeses de Hesíodo e para os cidadãos da polis.
Havia uma grande desvantagem em relação às sociedades aristocráticas e à nova sociedade civil e urbana, porque, embora possuísse um ideal de Homem e de cidadão e o julgasse, em princípio, muito superior ao da nobreza, carecia de um sistema consciente de educação para atingir aquele ideal. A educação profissional, herdada do pai pelo filho que lhe seguia o ofício ou a indústria, não se podia comparar à educação total de espírito e de corpo no nobre, baseada numa concepção total do Homem.
O nascimento da paidéia grega é o exemplo e o modelo deste axioma capital de toda a educação humana. A sua finalidade era a superação dos privilégios da antiga educação, para a qual a arete só era acessível aos que tinham sangue divino.
A arete política não podia nem devia depender da nobreza do sangue, se não se quisesse considerar caminho falso a admissão da massa no Estado.
Foi das necessidades mais profundas da vida do Estado que nasceu a ideia da educação, a qual reconheceu no saber a nova e poderosa força espiritual daquele tempo para a formação de homens, e a pôs a serviço dessa tarefa.
O caminho do movimento educacional, depois de descrever um amplo círculo, volta de novo a ligar-se, em Platão, Isócrates e Xenofonte, à velha tradição aristocrática e à sua ideia de arete, que adquirem vida nova sobre um fundamento muito mais espiritualizado.
Xenófanes mostra o quanto a “força espiritual” e a política se enlaçavam vigorosamente já desde o início da ideia da arete e se baseavam na ordem e no bem-estar da comunidade estatal.
O movimento sofístico, pela primeira vez, estende-se a vastos círculos e dá publicidade total à exigência de uma arete baseada no saber – se a própria comunidade não tivesse sentido já necessidade de ampliar os horizontes citadinos pela educação espiritual do indivíduo. Esta necessidade fez-se sentir mais desde a entrada de Atenas no mundo internacional, com a economia, o comércio e a política subsequentes às guerras contra os Persas. Atenas ficou devendo a salvação a um só homem e à sua superioridade espiritual.
Assim, por uma evolução lógica, chegou-se à convicção de que a manutenção da ordem democrática do Estado dependia cada vez mais da justa eleição da personalidade dirigente.
Os sofistas dirigiram-se antes de mais nada a uma escola, e só a ela. Era a eles que acorriam os que desejavam formar-se para a política e tornar-se um dia dirigentes do Estado. É certo que as qualidades fundamentais de um homem de Estado não se podem adquirir.
A faculdade oratória situa-se em plano idêntico ao da inspiração das musas aos poetas. Reside antes de mais nada na judiciosa aptidão para proferir palavras decisivas e bem fundamentadas. No Estado democrático, as assembleias públicas e a liberdade de palavra tornaram indispensáveis os dotes oratórios e até os converteram em autêntico leme nas mãos do homem de Estado. Sendo que na idade clássica chama-se de orador o político meramente retórico.
O empenho em ensinar a arete política é a imediata expressão da mudança fundamental que se opera na essência do Estado.
O alto apreço do saber e da inteligência, que Xenófanes tinha introduzido e propugnado, cinquenta anos antes, como um novo tipo de humanidade, tornou-se geral, principalmente na vida social e política. É o tempo em que o ideal da arete do Homem recolhe em si todos os valores que a ética aristotélica reúne mais tarde como prerrogativas espirituais, e que, com os valores éticos do Homem, procura juntar numa unidade mais alta. Era a primeira vez que o aspecto intelectual do Homem se situava vigorosamente no centro. Foi daqui que brotou a tarefa educativa que os sofistas buscaram resolver. Só assim se explica que tenham acreditado poder ensinar a arete.
O objetivo da educação sofista, a formação do espírito, encerra uma extraordinária multiplicidade de processos e de métodos. Podendo encarar essa diversidade pelo ponto de vista da formação do espírito.
De acordo com dois aspectos (espírito e conteúdo objetivo) depara-se com os sofistas em duas modalidades distintas de educação do espírito: a transmissão de um saber enciclopédico e a formação do espírito nos seus diversos campos. Claramente se vê que o antagonismo espiritual destes dois métodos de educação só pode alcançar unidade no conceito superior de educação espiritual.
É na política e na ética que mergulham as raízes desta terceira forma de educação sofística. Distingue-se da formal e da enciclopédica, porque já não considera o homem abstratamente, mas como membro da sociedade. É desta maneira que coloca a educação em sólida ligação com o mundo dos valores e insere a formação espiritual na totalidade da arete humana. Também sob esta forma é educação espiritual; simplesmente o espírito não é considerado através do ponto de vista puramente intelectual, formal, ou de conteúdo, mas sim em relação com as suas condições sociais.
Não podemos deixar de citar a riqueza dos novos e perenes conhecimentos educativos que os sofistas trouxeram ao mundo. Foram os criadores da formação espiritual e da arte educativa que a ela conduz. É claro que, em contrapartida, a nova educação, precisamente porque ultrapassava o meramente formal e material e atacava os problemas mais profundos da moralidade e do Estado.
O conhecimento trazido pelos sofistas geralmente está ligado com a vida e com a prática, e não com a ciência.
Além disso, é importante ressaltar a filosofia, na qual há um interesse cada vez maior pelos problemas do homem, em cujo objetivo determina-se com exatidão progressivamente maior, é mais uma prova da necessidade histórica do advento dos sofistas.
Os sofistas deram o último passo. Transplantaram para a nova prosa artística, em que eram mestres, os vários gêneros de poesia parenética onde o elemento pedagógico se revelava com maior vigor, e entraram assim em consciente emulação, na forma e no conteúdo, com a poesia.
Os sofistas são, com efeito, as individualidades mais representativas de uma época que na sua totalidade tende para o individualismo. Constituem também um capítulo inesgotável e insuficientemente utilizado da “sociologia do saber”.
Podemos, pois, considerá-los um estágio da maior importância no desenvolvimento do humanismo.
A obra dos sofistas pertence sobretudo à esfera formal. Mas a retórica achou na ciência, assim que se separou dela e reclamou os seus direitos, uma fecunda oposição e uma emulação vigorosa. Assim, a educação sofística encerra na sua rica multiplicidade o germe da luta pedagógica da centúria seguinte: o duelo entre a filosofia e a retórica.
Origem da pedagogia e do ideal de cultura
Os sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. Com efeito, estabeleceram os fundamentos da pedagogia, que ainda hoje a formação intelectual trilha, em grande parte, os mesmos caminhos.
O sofista mediano dava-se por satisfeito em transmitir a sabedoria. Para avaliar com justiça a totalidade do movimento é preciso estudar os seus representantes mais vigorosos, sendo que um dos seus principais propósitos é o humanista, que consiste na ordenação da educação humana por sobre todo o reino da técnica, separando o poder e o saber teórico e a cultura propriamente dita, que se converte no fundamento do humanismo.
O que para os sofistas é decisivo é a ideia consciente da educação como tal, tornando-se assim muito natural que os sofistas tenham vinculado o ideal da educação às antigas criações do espírito grego e as tenham considerado como conteúdo próprio dele.
São também os sofistas que criaram a consciência cultural em que o espírito grego alcançou o seu telos e a íntima segurança da sua própria forma de orientação.
Adquirir consciência é uma grandeza, mas é a grandeza da posterioridade. É este um outro aspecto do fenômeno sofístico. Talvez não seja preciso justificar a afirmação de que o período que vai da sofística a Platão e Aristóteles alcança uma vasta e permanente elevação na evolução do espírito grego; ainda assim, porém, conserva-se toda a sua força a frase de Hegel que diz que a coruja de Atenas só levanta vôo ao declinar o dia.
Foi precisamente com os sofistas que ganhamos íntima consciência de que a “continuidade” dos estágios primitivos na estrutura histórica da cultura não é uma palavra vazia, pois não podemos afirmar e admirar os novos estágios sem que neles estejam assumidos os primeiros. Só a partir dos fundamentos teóricos da sua educação é que podemos estudar. Tem importância essencial para o nosso objetivo a sua íntima ligação da elaboração consciente do ideal de educação com a execução consciente do processo educativo.
A natureza humana geralmente está apta para o bem. O homem desgraçado ou inclinado ao mal constitui exceção.
A prática educativa e o mundo das ideias dos sofistas surgem nele numa grande unidade histórica, e revelam-se da maneira incontestável os seus pressupostos políticos e sociais.
É digno de nota que os sofistas nunca tenham propugnado a oficialização da educação, embora esta exigência esteja muito próxima do ponto de vista de Protágoras.
O jovem é mais tarde levado à escola de ginástica, onde os paidotribes lhe fortalecem o corpo, para que seja servo fiel de um espírito vigoroso e para que o homem nunca fracasse na vida por culpa da debilidade do corpo.
Protágoras limita-se ao ensino elementar do conteúdo da poesia que, como vimos, não se dirige à forma, ao ritmo e à harmonia do espírito, mas sim à regra moral e ao exemplo histórico.
A lei já não é uma descoberta de antigos e notáveis legisladores, mas sim uma criação de circunstâncias.
De qualquer modo, é certo que no tempo de Platão pensava-se que a sofística era uma arte intimamente vinculada às condições políticas do tempo.
Plutarco juntou às interações sofísticas doutrinas posteriores à sofística. Assim, procede talvez de Platão o conceito da plasticidade da alma juvenil; e a bela ideia de que a arte compensa as deficiências da natureza provém de Aristóteles, embora tenham ambas antecedentes sofísticos.
A união da pedagogia com a filosofia da cultura, atribuída pela tradição aos sofistas e principalmente a Protágoras, correspondia a uma necessidade interior.
Infelizmente, é extraordinariamente deficiente o nosso conhecimento destas grandes realizações dos sofistas. Perderam-se os seus escritos gramaticais; mas os gramáticos posteriores, peripatéticos e alexandrinos, os reelaboraram.
O sistema grego de educação superior, tal como os sofistas o estruturaram, impera atualmente em todo o mundo civilizado.
Não sabemos em que sentido orientaram os sofistas o ensino da Matemática. Uma objeção capital da crítica pública contra esse aspecto da educação sofista era a inutilidade das matemáticas para a vida prática.
Foi pelo valor teórico que apreciaram a Matemática e a Astronomia, ainda que na maior parte dos casos não tenham sido investigados fecundos e originais.
Foi com a introdução do ensino científico e teórico que se deve ter levantado o problema de saber até que ponto estes estudos se deviam estender. Onde quer se fale da educação científica naquela época, vemos sempre o reflexo desse problema.
A crise do Estado e da educação
A ideia sofística de educação representa um ponto culminante na história inteira do Estado grego. É certo que séculos atrás já havia determinado a forma da vida dos seus cidadãos e que a poesia, em todas as suas formas, tinha celebrado o seu cosmos divino. Mas nunca a tarefa educacional do Estado fora exposta e defendida com tal amplitude. A educação sofística não surgiu apenas de uma necessidade política e prática. Tomou o Estado como termo consciente e medida ideal de toda a educação.
Foi entre dois pólos que o Estado dos tempos clássicos se realizou, em tensão constante, esses dois pólos são a educação e o poder.
Aquilo que o homem julgou reconhecer como lei do universo não foi senão a projeção da sua nova concepção “naturalista” da vida humana.
Calcicles proclamava que deveria levar, em quaisquer circunstâncias, à derrubada da autoridade, as consequências de uma concepção para a qual é simplesmente a força que deve decidir na vida política não equivalem à proclamação da anarquia naquilo que hoje consideramos moral nas relações da vida privada.
As ideias dos sofistas sobre o Homem, o Estado e o Mundo não tinham a seriedade e a profundidade metafísica dos tempos que deram forma aos Estado ático e que as gerações posteriores recuperaram na Filosofia. Seria errôneo buscar nesse campo a originalidade das suas realizações. Como dissemos acima, só é possível encontrá-la na genialidade com que elaboraram a sua arte de uma educação formal. A sua fraqueza deriva da inconsciência do núcleo espiritual e ético em que se fundamentava a estrutura da sua educação.
Autor: Juliano Wentz
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