A Alegria de Ensinar de Rubem Alves
Trata-se de um livro onde Rubem Alves discute vários aspectos do conhecimento e formas de transferência deste conhecimento para alunos e através de gerações. Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, MG, em 1933. Ex-pastor presbiteriano, Rubem formou-se em Teologia e Psicanálise e possui doutorado em Princeton, Estados Unidos. Professor na Unicamp, escreve para o Correio Popular, para a Folha de São Paulo e já publicou vários livros, resultado da boa parte do tempo que dedica a escrever crônicas e artigos.
Capítulo 1 – Ensinar a Alegria
Neste capítulo encontramos uma análise interessante sobre o prazer de ensinar via uma metáfora do “copo cheio” que diz o seguinte: Uma vez o professor estando repleto de conteúdo, na forma de conhecimento, este experimenta o verdadeiro prazer de ensinar, à medida que se esvazia, transferindo este seu conhecimento a seus alunos, e desde que, também, consiga transmitir a estes últimos o prazer também no aprender. Este processo de enchimento – esvaziamento completaria então os dias eliminando a tristeza de vê-los passar sem nada poder fazer.
Capítulo 2 – Escola e Sofrimento
Aqui o autor descreve o martírio dos alunos que frequentam escolas onde existe o “totalitarismo do conhecimento”, onde uma classe dominante, de professores e administradores se impõe sobre os alunos, a classe dominada. O mote é a posse do conhecimento, em detrimento da sabedoria, junto com a estratégia de impor uma técnica onde o que importa é o conhecimento em si e não o significado deste para os alunos. O autor conclui sugerindo que se pense mais em desenvolver a alegria do aprender dentre os alunos e menos nesta postura autocrática do “aprenda e não discuta”.
Capítulo 3 – A Lei de Charles Brown
A partir de uma tirinha do Charles Brown, descoberta em meio às “escombros de ideias”, o autor questiona como o processo de aprendizagem é transmitido de geração em geração, da mesma forma, sem questionamentos. Este fato, considerado um absurdo pelo autor, soa engraçado o que justifica a tirinha. A seguir, o autor comenta que o processo atual hermético de ensino cria um exército facilmente controlável pelas forças econômicas, já que forma alienados, e finaliza com a mensagem de que as informações passadas para os alunos deveriam ter aplicação prática para não padecerem no esquecimento levando a pura perda de tempo. Para uma discussão mais aprofundada sobre a educação, veja também a importância da educação no atendimento às necessidades da criança.
Capítulo 4 – Boca de Forno
Nesta crônica, o autor descreve uma teoria da conspiração baseada no seguinte argumento: histórias infantis, como “boca de forno”, onde o aspecto do absurdo, naquele caso repetição do que “seu mestre mandar”, têm reflexo na realidade na forma de uma crítica de seus autores ao aspecto repetitivo do modelo de aprendizagem atualmente praticado nas nossas escolas. A partir deste ponto, o autor conclui que este aspecto repetitivo limita a capacidade criativa dos estudantes, impedindo que estes busquem alternativas às soluções apresentadas e os limita na busca do desconhecido.
Capítulo 5 – O Sapo
O príncipe que virou sapo e que voltou a ser príncipe. A partir de uma conhecida estória infantil, mais uma, o autor inteligentemente articula o conceito de esquecer para lembrar. Na medida em que o príncipe, que sabia o que é ser príncipe, vira sapo, aprende o que é ser sapo esquecendo o que é ser príncipe e, finalmente, sentindo necessidade de mudar novamente, quebra o encanto e volta a ser um príncipe. O autor metaforicamente nos mostra quão importante é esquecer para aprender. A partir desta reflexão, o autor conclui com uma discussão sobre a importância da palavra, aprendida e esquecida, na formação do indivíduo.
Capítulo 6 – Sobre Vacas e Moedores
As crianças são como vacas, têm sonhos, são puras, mas inúteis à sociedade. Apenas quando passam por máquinas, moedores e vestibulares, respectivamente, é que podem ser consideradas socialmente aproveitáveis. Precisam morrer para serem úteis. Assim, para cada formando existe uma criança morta, para cada bife existe pelo menos uma vaca morta, segundo este interessante e poético argumento do autor.
Capítulo 7 – Eu, Leonardo
Leonardo da Vinci e a IBM. Aquele ficou conhecido por sua liberdade de pensamento e aquela é conhecida por sua excelência tecnológica, fortemente sedimentada no controle da qualidade na produção de produtos, o que pressupõe controle na qualidade do pensamento. Por esta razão, conclui o autor, Leonardo dificilmente seria contratado pela IBM, pelo menos não o seria para trabalhar na área de produção. O que seria ótimo, pois assim, Leonardo não teria sido podado em sua capacidade de criar. A mensagem aqui é refletir sobre a necessidade do controle da qualidade do pensamento como resultado do controle da qualidade da produção e a consequente perda da capacidade de imaginar, de fugir do comum, de criar.
Capítulo 8 – Lagartas e Borboletas
Aqui o autor resume o que foi discutido até então: transformações envolvendo lagartas e borboletas, Leonardos e funcionários monótonos, vacas e moedores. E, então, discute o poder da Palavra, grafado assim pelo autor, na transformação dos corpos, dos seres racionais, já que para os irracionais isto não seria muito eficiente. Neste ponto entra a educação, uma técnica que utiliza a Palavra para transformar os corpos. O autor conclui, então, com mais uma crítica, na verdade a mesma crítica, ao modelo de ensino atual, formadores de indivíduos utilizáveis pela sociedade para produzir de acordo com os desejos deste último. Algo que é radical, mas com certo teor de verdade.
Capítulo 9 – Bolinhas de Gude
Aprender com a idade, voltar a ser criança e ser feliz, esquecer o que se aprendeu e aprender de novo, observar a simplicidade como uma criança vê o mundo. Estas são as mensagens desta crônica do autor. Parece-lhe que a prepotência dos adultos, pais jovens, os impede de entender o mundo das crianças e aprender com eles. Em vez disto, estes adultos impõem sua verdade às crianças, podando-lhes a simplicidade. Contudo, há uma esperança: a de que, uma vez avós, estes adultos tenham mais uma oportunidade de aprender com seus netos.
Capítulo 10 – Um Corpo com Asas
Nesta crônica, o autor descreve a transformação a qual somos submetidos quando entramos em contato com a Palavra (mais uma vez grafado em maiúsculo pelo autor). Para isto, ele utiliza-se da metamorfose da lagarta para a borboleta. Neste caso, a Palavra nos faria sair de um mundo limitado (a folha para a lagarta) para visitar todo um universo real e imaginário (o jardim para a borboleta). As crianças são assim, borboletas soltas e expostas a perigos, que são o preço desta liberdade. O autor então conclui que um dia cada um de nós já foi criança, mas preferiu como adulto deixar de sê-lo, como uma lagarta que volta a ser borboleta, por puro medo daqueles perigos.
Capítulo 11 – Tudo que é Pesado Flutua no Ar
Crônica lúdica. Este poderia ser um outro título para este capítulo. Aqui o autor começa seu raciocínio descrevendo um avô que observa sua neta balbuciar suas primeiras Palavras. A seguir, percebe que sua neta não só balbucia, mas também brinca com as Palavras. Então conclui que é nesta brincadeira, que faz a felicidade de sua neta, que reside uma forma alternativa de ver o mundo: uma grande brincadeira, onde perdemos tempo ao fazer coisas que nos levam a lugar nenhum simplesmente porque estamos lá, já chegamos, pois somos felizes quando tocamos o inexistente como nosso pensamento e, por outro lado, se apenas nos dedicamos a fazer coisas sérias não chegaremos a lugar nenhum porque não experimentaremos aquela felicidade. Existe um comentário final interessante sobre o papel do professor nisto tudo: o papel de fazer com que seus alunos brinquem com o conhecimento, façam com que o pesado flutue, e assim possam ser mais felizes aprendendo.
Capítulo 12 – As Receitas
Nesta crônica, o autor discute a forma atual como as escolas ensinam seus alunos, a qual se baseia na transmissão de um conhecimento sedimentado, um conjunto de perguntas e respostas, em algumas situações até um senso comum. O problema, segundo o autor, é que quando apresentamos o conhecimento desta forma e somente desta forma, limitamos o aluno na elaboração de ideias, ideias estas fundamentais para o crescimento da nação. Assim, é preciso ensinar não só o que se sabe, mas também o que não se sabe. É preciso não somente olhar para que se aprendeu, algo conhecido e cristalizado, mas olhar para o futuro desconhecido, que pode ser explorado com asas do pensamento.
Capítulo 13 – Ensinar o que Não se Sabe
Soltar as amarras do conhecimento sedimentado, livrar-se da segurança que este conhecimento proporciona e cair no desconhecido, ousar atravessar campos nunca antes visitados. Esta é a fórmula do aprender o que não se sabe, o que ninguém sabe, proposta pelo autor. A exposição a este ambiente desconhecido é como sonhar e é sonhando que fazemos ciência, é sonhando que nos livramos da prudência dos que seguem padrões estabelecidos e assim construímos o conhecimento.
Capítulo 14 – O Carrinho
Esta última crônica fala da arte de criar quando não se têm recursos. Como uma criança que monta um carrinho com peças coletadas do lixo contra aquele pai abastado que compra, com o vil metal, um carrinho de última geração para seu filho. Este último será fatalmente esquecido, enquanto o segundo, impregnado de lembranças da infância daquela criança e fruto de ideias, geradas com amor, será levado na lembrança para sempre. O autor conclui que o mesmo ocorre nas nossas escolas, onde os educadores lembram de solicitar mais verbas e recursos e esquecem de estimular as ideias, a criatividade, o amor pelo que se faz.
Conclusão
São várias histórias com uma mensagem comum: a crítica à forma atual de ensino baseado no estático em detrimento do dinâmico. O autor parece bastante preocupado com a forma como educamos nossas crianças, o que acho bastante razoável. Somente não estou certa de como poderíamos implementar as ideias do autor. Parece utópico se considerado linearmente em todos os setores e fases do conhecimento, mas adequado, pelo menos, quando considerado em determinadas fases e/ou setores da nossa formação educacional. No caso do ensino da Educação, que considero o mote desta discussão, creio que o mundo criado pelo autor deveria sim ser explorado, em dueto. Ou seja, podemos e devemos mostrar o conhecimento hermético e ao mesmo tempo fustigar nossos alunos a sonhar, para usar um termo do autor, sobre o mesmo, com o objetivo de desenvolver a capacidade de criar e assim evoluir como educadores.
Autor: Roberta Rubaudo
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