Resenha do Filme “A Guerra do Fogo”
A Guerra do Fogo, dirigido por Jean Jacques Annaud, com Everett McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman e Nameer El Kadi, é baseado na obra de S.H. Rosny Sr. O roteirista Gerard Brach se juntou a Annaud para levar às telas este pequeno épico que tem como tema principal a descoberta do fogo.
O filme aborda a pré-história, retratando como decorreu a vida do homem há 80.000 anos, quando a Terra era habitada por seres primitivos, vivendo em cavernas e em grupos nômades. Especificamente, a espécie Homo Sapiens coexistia com animais pré-históricos, como o tigre dente-de-sabre e o mamute. O objetivo central do filme é revelar como ocorreu a descoberta do fogo.
A Guerra do Fogo tem como enredo a briga entre dois grupos de hominídeos que tinham hábitos de vida diferentes por não estarem na mesma fase de evolução. É evidente que, por se passar na pré-história, o filme não apresenta diálogos. A única linguagem visível é a das ações dos personagens, gritos, grunhidos e a linguagem corporal.
O enredo se desenvolve mostrando uma constante luta entre pequenos grupos tribais para manter a posse de uma chama de fogo, que é disputada como algo vital, pois além de oferecer a possibilidade da ingestão de alimentos assados, ajudava também a combater o frio e a espantar, principalmente, as alcateias de lobos.
A tribo Ulan é utilizada como personagem central, vivendo em torno de uma fonte natural de fogo, onde é atacada por lobos e macacos, perdendo durante a luta o fogo que mantinha a todo custo, sem saber como reacendê-lo.
Ao longo do filme, três membros saem em busca de uma nova chama pela floresta, onde enfrentam os mais variados problemas e parecem ganhar mais consciência e razão a cada novo obstáculo superado.
Depois de vários dias andando e enfrentando animais pré-históricos, a natureza e o desconhecido, eles encontram a tribo Ivakas, que sabia como fazer fogo. Para que o segredo seja revelado, eles sequestram uma mulher Ivaka. A crueldade e o rude conhecimento de ambas as tribos vão sendo revelados. A procura do fogo, elemento fundamental para sua sobrevivência, permanece como um mistério que ninguém sabia como criar.
Como foi dito anteriormente, as duas tribos tinham hábitos diferentes por estarem em etapas distintas de evolução. Enquanto o primeiro grupo, a tribo Ulan, tinha o fogo como um fenômeno sobrenatural, cultuando-o, pois não tinham noção de como fazê-lo, o segundo grupo, a tribo Ivakas, dominava a tecnologia do fogo.
Enquanto a linguagem na tribo Ulan não estava muito distante dos primatas, baseando-se em gritos e grunhidos, a tribo Ivakas tinha uma comunicação mais completa, com sons mais articulados, tendo assim uma linguagem oral mais desenvolvida, classificada por Rousseau como as primeiras manifestações de linguagem no homem, que expressam suas paixões como a dor e o prazer.
Além disso, existem outros elementos culturais, como habitação e ritos, que denotam um maior grau de complexidade do segundo grupo em relação ao primeiro.
A primeira imagem do filme define como era o mundo para aqueles homens naquela época: uma paisagem de uma terra visivelmente inexplorada, com um pequeno foco de fogo – o objeto tema do filme – em seu interior. Porém, não podemos afirmar que para eles, aquele mundo era pequeno, mas sim um mundo imenso e desconhecido, já que, como já foi dito, era muito inexplorado. Desta época em diante, foi uma época de descobrimento.
Havia diferentes tribos com diferentes hábitos de viver naquela vasta mata; estas tribos, na maioria das vezes, eram rivais, já que não tinham a capacidade de coexistir. Digo coexistir referindo-me à parte externa, ou seja, entre os grupos. Apesar de que, mesmo entre os elementos do grupo, havia competição pelos alimentos, por exemplo. Tudo naquela época era motivo de combate. O filme, logo no início, revela este fato, quando uma tribo tenta roubar o fogo da tribo Ulan. Muitas pessoas morrem nesse conflito, havendo inclusive canibalismo por parte da tribo que atacou. Porém, as associações humanas não eram impossíveis naquela época entre grupos. Podemos observar que, em um certo momento do filme, um dos homens do grupo Ulan, ao decorrer dos fatos, explicitamente se apaixona por uma mulher de outra tribo, a qual havia os acompanhado durante um tempo. Ele, no meio de sua trajetória, resolve voltar para reencontrar a moça. Ele acaba sendo capturado pelo grupo ao qual a dita cuja pertence, passando então a conviver com esses indivíduos, adquirindo costumes da tribo. Quando ele chega, tem que se relacionar com muitas mulheres da tribo, e todas eram gordas.
A partir daí, surge uma espécie de “associação humana externa”, já que ocorre entre grupos diferentes. Podemos perceber que, para haver essa união, houve interesse por parte do homem. Vale a pena citar que foi neste grupo que ele aprendeu a gerar o tão desejado fogo. Depois, a mulher volta a conviver com o grupo Ulan, havendo uma nova associação humana. É extremamente necessário chamar a atenção para o fato que descrevo: “… explicitamente se apaixona por uma mulher de outra tribo…”. Isso mesmo. É daí que surge a expressão de sentimento do homem. Eles descobrem a afetividade entre homem e mulher.
E o fruto dessa afetividade é uma criança, como percebemos no final do filme, onde esta mulher encontra-se grávida. Percebemos também que o homem naquela época começa a descobrir o prazer. Existem algumas cenas no filme onde há relações sexuais explícitas, e em algumas há também a demonstração do prazer. Visualizamos que ali surgiu a atração sexual entre o homem e a mulher, já que em alguns momentos, os homens olham a mulher e tentam atacá-la à força.
Percebemos como eram as coisas há 80.000 anos atrás, que para nós parecem tão arcaicas, mas para eles eram tudo tão novo. Também, de “arcaico”, eles tinham os seus instrumentos. Provavelmente, por acaso e por necessidade, eles vieram a descobrir com o passar do tempo as utilidades de certos recursos, como, por exemplo, a utilização de ossos como uma espécie de capa para proteger o fogo.
Utilizavam pedras e paus como armas, plantas como medicamentos e também faziam parte das “cabanas” que construíam; pedras como instrumento de pintura, varetas como instrumento para gerar o fogo, dentre outras situações em que agiam de acordo com a necessidade. Todos esses “instrumentos” eram, obviamente, oferecidos pela natureza. Era ela a ferramenta de exploração daqueles homens. Tudo em volta deles pertencia à natureza.
Era na natureza que eles obtinham seu alimento, matavam sua sede, residiam e morriam. Observamos no filme que a natureza oferece ao homem até uma espécie de armadilha para a captura de seus alimentos: a areia movediça, onde homens desavisados, ao cair nesta areia, eram capturados por um grupo ali formado. Porém, a natureza não traz apenas benefícios para os homens que ali existem. Esses homens passam por sérias dificuldades, como os animais ferozes que os homens eram obrigados a combater, o rio gelado que os homens eram obrigados a atravessar, dentre outros.
Naquela época, como os homens estavam ainda adquirindo uma certa experiência de como lidar com certos tipos de situações, como o combate com um animal, por exemplo, eles eram extremamente vulneráveis a certos aspectos. No filme, a fragilidade deles fica explícita na cena em que três integrantes do grupo Ulan são perseguidos por dois leões. Eles sobem em uma árvore e ali permanecem durante um tempo, alimentando-se das folhas da própria árvore, chegando ao ponto de acabá-las por completo. Fica explícita também a fragilidade em relação aos aspectos climáticos daquela época. Houve um momento em que estavam sentados no meio da mata, alguns congelando de frio, chegando em alguns casos até a morte. Isso acontece também pela falta de controle sobre o fogo. Falando do elemento fogo, ao pesquisarmos, percebemos que ele tem inúmeros significados. Dentre eles temos:
- No dicionário, ele significa o desenvolvimento simultâneo de calor e luz, que é produto da combustão de matérias inflamáveis, como, por exemplo, a madeira, o carvão, o gás.
- Para a Wicca, ele é usado em rituais ou encantamentos de cura mais forte, na purificação de algo difícil de ser realizado, na mudança de hábitos ruins ou para banir doenças difíceis de serem curadas com a água.
- Na astrologia, a Função Intuição corresponde ao Elemento Fogo e é uma maneira de conhecer, ver e penetrar a realidade sem se deixar prender pelos seus aspectos exteriores e formais.
- Na yoga, o fogo é um símbolo muito poderoso, porque desvela a Consciência que subjaz em todas as coisas do mundo material, como a chama que se esconde na lenha.
Quanto à linguagem apresentada no filme, uma possível interpretação seria a seguinte: em um determinado estágio de sua evolução biológica, o homem, já se locomovendo como bípede e tendo suas mãos livres, aprendeu a manipular instrumentos, a interferir no seu meio e a fazer, dentre outras coisas, o fogo. A necessidade de preservar esse conhecimento, dessa tecnologia, levou-o a sofisticar sua capacidade de comunicação. A princípio, sua linguagem pode ter sido meramente gestual, mas ele descobriu que os sons também poderiam se prestar a essa função.
Assim como, ao tornar-se Homo Erectus, viu-se com as mãos livres (antes usadas principalmente na locomoção) e descobriu que poderia usá-las para manipular as coisas; assim como, ao tornar-se Homo Sapiens, descobriu que poderia usar essa capacidade de manipulação para interferir no seu meio; da mesma forma, descobriu que os órgãos utilizados para funções vitais, como a respiração e a digestão, também serviam para emitir sons. A partir do momento em que aprendeu a diversificar os sons através das articulações, conseguiu aumentar as possibilidades de combinação entre eles. Uma vez estabelecidas determinadas convenções entre seus semelhantes, possibilitou-se a troca de informações (como a tecnologia de fazer o fogo) de um indivíduo para o outro.
A sofisticação da linguagem serviu para facilitar a comunicação de uma informação complexa, talvez não expressável meramente pelo gesto. Portanto, como diria o pai da Linguística Moderna, Ferdinand de Saussure, “não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de construir uma língua, vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes a ideias distintas”.
Segundo Roberto da Matta, no seu livro: Uma Introdução à Antropologia Social, no capítulo que diz respeito ao Biológico e o Social, o autor se refere à cadeia de processos da seguinte forma:
- Primeiro Ato: A natureza seria hostil, e o mundo povoado por animais monstruosos, além de toda sorte de infortúnios da natureza: vendavais, vulcões, tempestades e glaciações.
- Segundo Ato: Aparece então o homem, ele é um ser único, universal, nu, fraco e solitário. É dotado de inteligência superior.
- Terceiro Ato: Com sua inteligência e agindo empiricamente, o homem, aprendendo com a natureza, domina o fogo e, com paus e pedras, aprende a se defender.
- Quarto Ato: Reconhecendo sua fraqueza, o homem começa a se agrupar com os primeiros indícios de uma sociedade.
Nessa sociedade, foi sentida a necessidade de se formar instituições com a finalidade de zelar pela paz e pelo bem-estar comum.
A Guerra do Fogo é um filme que está relacionado com o olhar e a perspectiva de quem assiste. São infinitas as possibilidades de leitura desse filme. Algumas películas, por exemplo, podem ser muito úteis na reconstrução dos gestos, do vestuário, do vocabulário, da arquitetura e dos costumes dessa época. Mas, além desses elementos audiovisuais, eles exploram a mentalidade da “sociedade” da época.
Sendo um filme histórico, A Guerra do Fogo é uma representação do passado e, portanto, um discurso sobre o mesmo e, como tal, está imbuído de subjetividade.
Para se captar seu conteúdo histórico, é necessário que, primeiro e momentaneamente, renunciemos à busca objetiva da “verdade histórica”, onde na película, ele apenas encontrará uma visão sobre um objeto passado, que pode contar “verdades” e “inverdades” parciais. Um filme nunca poderia contar a verdade plena de um acontecimento histórico, mesmo abordando fatos reais, é uma representação.
Dessa forma, o que deve ser buscado em um filme histórico não é a “verdade histórica” contida nele, mas a verossimilhança com o fenômeno histórico que retrata.
A Guerra do Fogo é um documento de nossa história, pois corresponde a um acontecimento que teve existência no passado. É um filme original e peculiar, quase um documentário de antropologia com uma história concreta e bem estruturada, abrindo espaço para o estudo do comportamento humano pré-histórico, com notável diferença já citada entre a origem da linguagem, raízes da espécie humana e pelo florescer da razão e das tecnologias que mostra ao longo da disputa pela chama do fogo, que culmina com o domínio e o conhecimento de como gerá-la, através do atrito. São também mostradas algumas passagens da evolução da humanidade, que vai do prazer sexual, puramente animalesco, passando pela sensação do riso, pelo sentimento da solidariedade, egoísmo, hierarquia, entre outros, até chegar ao que é hoje, um aglomerado de pessoas que vive numa sociedade global, relativamente estruturada, mantendo uma luta perene em busca de uma existência confortável, segura e sem violência.
Enfim, o filme A Guerra do Fogo, em sua essência, é uma verdadeira radiografia imaginativa de como foram as primeiras tentativas para se chegar ao ponto em que a humanidade atual chegou e o que tudo indica, está havendo um verdadeiro processo regressivo da espécie, dentro das suas próprias mutações, que não podem parar. Porque, enquanto evoluímos em termos técnicos e científicos, andamos no sentido oposto como pessoas, ao se cometer crimes que nem o homem primitivo seria capaz de praticar, ao lado de outras barbaridades do mesmo nível.
Bibliografia
Filme A Guerra do Fogo.
Comentário do filme pelo professor Marcilio… – mestre da disciplina Origens Evolucionárias do Comportamento;
MATTA, Roberto da., Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social.
Site de procura google:
A Guerra do Fogo Jean-Jacques Annaud.
www.comciencia.br/resenhas/guerradofogo.htm –
DVD Mania – Filmes & Filmes – Análises – La Guerre du Feu
www.dvdmania.co.pt/Analisesf/guerredufeu.html – 30k –
Matérias > E se fez o fogo!
www.10emtudo.com.br/imprimir_artigo.asp?CodigoArtigo=
O cinema e o conhecimento da História
www.ufba.br/~revistao/o3cris.html – 59k
Ficha Técnica
Título:
A Guerra do Fogo
Original:
La Guerre du Feu
Região:
2 (Alemanha)
Duração:
96 m
Ano:
2001
Realizador:
Jean-Jacques Annaud
Estúdio:
EuroVideo
Atores:
Everett McGill, Ron Perlman, Nameer El-Kadi, Rae Dawn Chong
Som:
Dolby Digital 5.1
Imagem:
2.35:1 Anamórfica
Legendas:
Não se aplica
Extras:
Filmografias..
Autor: Soraya M. Marques
Bem legal ,pena q não deu para assistir o filme ,pois não deu,mas queria muito ,aprendi como q era a muitos e muitos anos atrás ,bem estranho mas bem legal e vi como q as coisas mudaram entre hoje em dia e naquela época e acho IMPRESSIONANTE como mudou tanto .