O livro A Importância do Ato de Ler, de Paulo Freire, relata os aspectos da biblioteca popular e a relação com a alfabetização de adultos desenvolvida na República Democrática de São Tomé e Príncipe.
Ao mesmo tempo, nos esclarece que a leitura da palavra é precedida da leitura do mundo e também enfatiza a importância crítica da leitura na alfabetização, colocando o papel do educador dentro de uma educação, onde o seu fazer deve ser vivenciado, dentro de uma prática concreta de libertação e construção da história, inserindo o alfabetizando num processo criador, de que ele é também um sujeito.
1 – A importância do ato de ler
Segundo Paulo Freire, a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra. O ato de ler se deu na sua experiência existencial. Primeiro, a leitura do mundo do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo da sua escolarização, foi a leitura da palavra mundo. Na verdade, aquele mundo especial se dava a ele como o mundo de sua atividade perspectiva, por isso, mesmo como o mundo de suas primeiras leituras.
Os textos, as palavras, as letras daquele contexto em cuja percepção experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber, se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão ia aprendendo no seu trato com eles, na sua relação com seus irmãos mais velhos e com seus pais.
A leitura do seu mundo foi sempre fundamental para a compreensão da importância do ato de ler, de escrever ou de reescrevê-lo, e transformá-lo através de uma prática consciente.
1. “Esse movimento dinâmico é um dos aspectos centrais do processo de alfabetização que deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando sua real linguagem carregada da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador”.
A alfabetização é a criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Assim, as palavras do povo vinham através da leitura do mundo. Depois voltavam a eles, inseridos no que se chamou de codificações, que são representações da realidade.
No fundo, esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma leitura da leitura anterior do mundo, antes da leitura da palavra.
2. “O ato de ler implica na percepção crítica, interpretação e da reescrita do lido”.
1.1 – Alfabetização de Adultos e Bibliotecas Populares: Uma introdução
Para Paulo Freire, falar de alfabetização de adultos e de bibliotecas populares é falar, entre muitas outras coisas, do problema da leitura e da escrita. Não da leitura de palavras e de sua escrita em si próprias, como se lê-las e escrevê-las, não implicasse uma outra leitura da realidade mesma, para aclarar o que chama de prática e compreensão crítica da alfabetização.
Do ponto de vista crítico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática, mais percebemos a impossibilidade de separar a educação da política e do poder.
A relação entre a educação enquanto subsistema e o sistema maior são relações dinâmicas contraditórias. As contradições que caracterizam a sociedade como está sendo, penetram a intimidade das instituições pedagógicas em que a educação sistemática se está dando e alterando o seu papel ou o seu esforço reprodutor da ideologia dominante.
3. “O que temos de fazer então, enquanto educadoras ou educadores, é aclarar assumindo a nossa opção que é política, e ser coerentes com ela na prática”.
A questão da coerência entre a opção proclamada e a prática é uma das exigências que educadores críticos se fazem a si mesmos. É que sabem muito bem que não é o discurso o que ajuíza a prática, mas a prática que ajuíza o discurso.
4. “Quem apenas fala e jamais ouve; quem imobiliza o conhecimento e o transfere a estudantes, quem ouve o eco, apenas de suas próprias palavras, quem considera petulância a classe trabalhadora reivindicar seus direitos, não tem realmente nada que ver com a libertação nem democracia”.
Pelo contrário, quem assim atua e assim pensa, consciente ou inconsciente, ajuda a preservação das estruturas autoritárias.
Só educadoras e educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de ser educado pelos educandos.
Uma visão da educação é na intimidade das consciências, movida pela bondade dos corações, que o mundo se refaz. É, já que a educação modela as almas e recria corações, ela é a alavanca das mudanças sociais.
5. “Se antes a transformação social era entendida de forma simplista, fazendo-se com a mudança, primeiro das consciências, como se fosse a consciência de fato, a transformadora do real, agora a transformação social é percebida como um processo histórico”.
Se antes a alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma autoritária, centrada na compreensão mágica da palavra doada pelo educador aos analfabetos; se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam a realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, como um ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. Agora já não é possível textos sem contexto.
A alfabetização de adultos e pós-alfabetização implicam esforços no sentido de uma correta compreensão do que é a palavra escrita, a linguagem, as relações com o contexto de quem fala, de quem lê e escreve, compreensão, portanto, da relação entre a leitura do mundo e leitura da palavra. Daí a necessidade que tem uma biblioteca popular, buscando o adentramento crítico no texto, procurando aprender a sua significação mais profunda, propondo aos leitores uma experiência estética, de que a linguagem popular é inteiramente rica.
A forma como atua uma biblioteca popular, a constituição do seu acervo, as atividades que podem ser desenvolvidas no seu interior, tudo isso tem que ser como uma certa política cultural.
Se antes raramente os grupos populares eram estimulados a escrever seus textos, agora é fundamental fazê-lo, desde o começo da alfabetização para que, na pós-alfabetização, se vá tentando a formação do que poderá vir a ser uma pequena biblioteca popular com a inclusão de páginas escritas pelos próprios educandos.
1.2 – O Povo diz a sua Palavra ou a Alfabetização em São Tomé e Príncipe
Segundo Freire, com a alfabetização de adultos no contexto da República Democrática de São Tomé e Príncipe, a cujo governo vem dando juntamente com Elza Freire, uma contribuição no campo da educação de adultos como assessor, se torna indispensável uma concordância em torno de aspectos fundamentais entre o assessor e o governo assessorado.
6. “Seria impossível, por exemplo, dar uma colaboração, por mínima que fosse, a uma campanha de alfabetização de adultos promovida por um governo antipopular”.
Não poderia assessorar um governo que, em nome da primazia da aquisição de técnicas de ler e escrever palavras por parte dos alfabetizando, exigisse, ou simplesmente sugerisse que fizesse a dicotomia entre a leitura do texto e a leitura do contexto.
Um governo para quem a leitura do concreto, o desenvolvimento do mundo não são um direito do povo, que, por isso mesmo, deve ficar reduzido à leitura mecânica da palavra.
É exatamente este aspecto importante o da relação dinâmica entre a leitura da palavra e a leitura da realidade em que nós encontramos coincidentes os governos de São Tomé e Príncipe e nós.
Todo esforço que vem sendo feito em São Tomé e Príncipe na prática da alfabetização de adultos como na da pós-alfabetização se orienta neste sentido.
7. “Os cadernos de cultura popular vêm sendo usados pelos educandos como livros básicos, com exercícios chamados Praticar para o Aprender. A linguagem dos textos é desafiadora e não sloganizada. O que se quer é a participação efetiva do povo enquanto sujeito, na reconstrução do país, a serviço de que a alfabetização e a pós-alfabetização se acham”.
Por isso mesmo, os cadernos não são nem poderiam ser livros neutros, é a participação crítica e democrática dos educandos no ato de conhecimento de que são também sujeitos. É a participação do povo no processo de reinvenção de sua sociedade, no caso a sociedade são-tomense, recém-independente do jugo colonial, que há tanto tempo a submetia.
É preciso, na verdade, que a alfabetização de adultos e a pós-alfabetização, a serviço da reconstrução nacional, contribuam para que o povo, tomando mais e mais a sua História nas mãos, se refaça na leitura da História, estando presente nela e não simplesmente nela estar representado.
8. “No fundo, o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo, é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem, mas sabem que sabem”.
O povo tem de conhecer melhor o que já conhece em razão da sua prática e de conhecer o que ainda não conhece.
Nesse processo, não se trata propriamente de entregar ou de transferir às massas populares a explicação mais rigorosa dos fatos como algo acabado, paralisado, pronto, mas contar, estimulando e desafiando, com a capacidade de fazer, de pensar, de saber e de criar das massas populares.
Na alfabetização e pós-alfabetização, não nos interessa transferir ao povo frases e textos para ele ir lendo sem entender. A reconstrução nacional exige de todos nós uma participação consciente em qualquer nível, exige ação e pensamento, exige prática e teoria, procurar descobrir de entender o que se acha mais escondido nas coisas e aos fatos que nós observamos e analisamos.
A reconstrução nacional precisa que o nosso povo conheça mais e melhor a nossa realidade.
2 – Análise das ideias do autor
Ao elaborar uma síntese das reflexões sobre o livro: A Importância do Ato de Ler e as relações da biblioteca popular com a alfabetização de adultos, leva-nos à compreensão da prática democrática e crítica da leitura do mundo e da palavra, onde a leitura não deve ser memorizada mecanicamente, mas ser desafiadora que nos ajude a pensar e analisar a realidade em que vivemos.
9. “É preciso que quem sabe, saiba sobre tudo que ninguém sabe tudo e que ninguém tudo ignora”. (FREIRE, p.32).
É essencial que saibamos valorizar a cultura popular em que nosso aluno está inserido, partindo desta cultura e procurando aprofundar seus conhecimentos, para que participe do processo permanente da sua libertação.
10. “A biblioteca popular como centro cultural e não como um depósito silencioso de livros, é vista como um fator fundamental para o aperfeiçoamento e a intensificação de uma forma correta de ler o texto em relação íntima com o contexto”. (FREIRE, p.38).
Nesse sentido, a atuação da biblioteca popular tem algo a ver com uma política cultural, pois incentiva a compreensão crítica do que é a palavra escrita, a linguagem, as suas relações com o contexto, para que o povo participe ativamente das mudanças constantes da sociedade.
“O processo de aprendizagem na alfabetização de adultos está envolvido na prática de ler, de interpretar o que lêem, de escrever, de contar, de aumentar os conhecimentos que já têm e de conhecer o que ainda não conhecem, para melhor interpretar o que acontece na nossa realidade”. (FREIRE, p. 48).
Isso só será conseguido através de uma educação que estimule a colaboração, que dê valor à ajuda mútua, que desenvolva o espírito crítico e a criatividade: uma educação que incentive o educando unindo a prática e a teoria, com uma política educacional condizente com os interesses do nosso povo.
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Autor: Soraya Mendonça Marques
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