INTRODUÇÃO
Os contos de fadas são a fórmula mágica capaz de envolver a atenção das crianças, despertando-lhes sentimentos e valores intuitivos, que clamam por um desenvolvimento justo, tão pleno quanto possa vir a ser, o do prestigiado intelecto. Em essência, os contos de fadas podem ser vistos como pequenas obras de arte, capazes que são de envolver as crianças em seu enredo, de instigar a mente e comovê-las com a sorte de seus personagens. Causam impactos no psiquismo porque tratam das experiências cotidianas, e permitem que as crianças se identifiquem com as dificuldades ou alegrias de seus heróis, cujos feitos narrados expressam, em suma, a condição humana frente às provações da vida. Neste processo, cada criança representa suas próprias lições dos contos de fadas, que ouve sempre consoante ao seu momento de vida, e extrai das narrativas, ainda que inconscientemente, o que de melhor possa aproveitar para aí ser aplicado.
As histórias de fada atuam então, no emocional da criança e sua contribuição está em auxiliá-la a tomar decisões para a sua independência, acomodar os seus sentimentos de ambivalência, e lhe dar esperanças que seus esforços poderão lhe conduzir a um final feliz. Oferecendo significado em tantos níveis diferentes enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança. Para as crianças, estes contos são muito mais significativos que outros quaisquer, pois são plenos de significados, com estruturas simples, histórias claras e personagens bem definidos em suas características pessoais (facilitando a identificação deles em bom ou mau, feio ou bonito etc.), e assim atingem a mente da criança, entretendo-a e estimulando sua imaginação, como nenhum outro tipo de literatura talvez seja capaz de fazer, além de facilitar a expressão de ideias.
Os contos de fadas são sempre atuais, muito embora estejam atrelados à realidade sócio-econômica da Europa medieval. Satisfazem porque mapeiam impulsos e temores conscientes e inconscientes e delineiam experiências reais. Lidam com problemas universais, atacam ideias preconcebidas e defendem causas perdidas. Analisando a questão desse contexto fica claro o porquê da preferência por estes tipos de estórias, pois para as crianças as respostas dadas pelos contos de fada são sugestivas, ou seja, permitem que cada criança direcione sua imaginação e criatividade. Deixam à fantasia da criança o modo de aplicar a ela mesma o que a estória revela sobre a vida e a natureza humana. A curiosidade, embora castigada, é incentivada. Mostram o despertar erótico, a iniciação sexual, a esperteza e a malícia. É feminista, abrindo espaço para a mulher comunicar suas ideias. Ao mesmo tempo em que defendem aspirações tradicionais, minam estes ensinamentos convencionais.
Desafiam ideias estabelecidas e levantam questões na mente do público. Apresentam uma justiça poética: o filho mais novo, mais tolo, mais desvalorizado pela família e pela comunidade é quem se casa com a princesa. Falam de medos, de amor, da dificuldade de ser criança, de carências, de auto descobertas, de perdas e buscas, da vida e da morte. Alia-se a isso o fato de que os significados mudam de acordo com a necessidade ou o desejo do leitor. São sempre atuais, também, porque se envolvem o maravilhoso partindo de uma situação real; lidam com emoções; passa-se em tempo e lugar indefinidos; as personagens são simples e vivenciam situações diferentes, resolvem conflitos nos quais buscam a cumplicidade da criança através do imaginário em que bruxas e fadas atuam como elementos mágicos.
De acordo com Warner (1999, p.311), “o conto de fadas, enquanto forma, lida com limites” e tais limites são “muitas vezes impostos pelo medo: um de seus temas fundamentais trata de um protagonista que parte para descobrir o desconhecido e vence seus temores”.
Para Bettelheim (1980), os contos de fadas são os mais indicados para ajudar as crianças a encontrar um significado na vida, pois, ao estimular a imaginação, desenvolver o intelecto, harmonizar-se com suas ansiedades e tornar claras suas emoções, são enriquecedores, satisfatórios e ajudam a aliviar as pressões conscientes e inconscientes. A fantasia facilita a compreensão das crianças, pois se aproxima mais da maneira como vêem o mundo, já que ainda são incapazes de compreender respostas realistas. Não esqueçamos que as crianças dão vida a tudo. Para elas, o sol é vivo, a lua é viva, assim como todos os outros elementos do mundo, da natureza e da vida. Falar sobre literatura infantil é, sem dúvida, falar sobre a imaginação.
A partir dos cinco anos, a criança percebe que os contos de fadas não fazem parte da realidade externa, mas deixa-se seduzir por eles porque se harmonizam com sua realidade interna. Ela sabe que “a verdade dos contos de fadas é a verdade de nossa imaginação” (Bettelheim, 1980, p.148).
Pretende-se neste trabalho demonstrar a importância dos contos de fadas, tanto para o desenvolvimento do imaginário como para a aprendizagem. Pois através dos contos de fadas a criança aprende o valor do respeito da bondade, a sensação de tristeza, de alegria, etc. Resgata o percurso histórico da literatura infantil e dos contos de fadas, demonstrando como se desenvolveu ao longo dos anos. Este estudo e pesquisa estruturam-se em três partes:
A primeira refere-se ao percurso histórico da literatura infanto-juvenil, relatando a origem e a história dos contos de fadas. Na segunda parte, relata a influência dos contos de fadas no desenvolvimento infantil. E na terceira parte, fala da criança e o cognitivo relacionado ao seu desenvolvimento e aprendizagem. A relevância dos contos de fadas para o processo de alfabetização é um aspecto que merece destaque.
E a quarta, por fim, irá tratar da pesquisa das representações sociais da importância dos contos de fadas para o crescimento e desenvolvimento infantil harmônico e holístico.
Como trabalho de Iniciação científica terá a intenção de revelar as representações dos contos de fadas dos docentes da educação infantil e sua importância para o desenvolvimento da criança; não somente como contribuição para o aprendizado da leitura e escrita, e além do entretenimento e prazer para a criança, mas a sua importância para o desenvolvimento psíquico, contribuindo para a resolução de problemas internos, constituição da subjetividade e de uma personalidade sadia.
O objetivo central da pesquisa a ser realizada é recolher as representações sociais do professor de Educação Infantil sobre os contos de fadas. Para atingir esse objetivo central, selecionamos as seguintes questões a serem pesquisadas: a análise do percurso histórico da literatura infanto-juvenil com a origem da literatura infantil; a história dos contos de fadas e sua relação com o imaginário infantil; a valorização dos contos de fadas em prol do desenvolvimento do imaginário infantil; a criança, o cognitivo, a aprendizagem e o seu desenvolvimento associadas às contribuições da teoria das Representações Sociais para melhor compreensão do pensamento dos educadores que se dedicam a este segmento de ensino.
ABORDAGENS METODOLÓGICAS
Em um primeiro momento, nossa pesquisa se direcionará a uma extensa revisão bibliográfica, em banco de teses, dissertações, artigos e livros editados sobre os contos de fadas. Para Alves-Mazzotti, dois aspectos são tradicionalmente associados à revisão da bibliografia pertinente a um problema de pesquisa: a análise de pesquisas anteriores sobre o mesmo tema e ou sobre temas correlatos e a discussão do referencial teórico. Estes são orientados pelo paradigma do pesquisador. O paradigma que será utilizado é o do Construtivismo social em abordagens fenomenológicas.
Em um momento seguinte, adotar-se-á a aplicação de um questionário perfil com o objetivo de conhecer melhor os educadores que serão pesquisados. (iniciais, idade, formação acadêmica, tempo de experiências na educação de crianças, formação continuada)
Depois será aplicada a teoria das representações sociais em sua abordagem processual e estrutural. As RS concernem aos conhecimentos do senso comum. A pesquisa em RS constitui um trabalho de contextualização, que sistematiza pertenças, vivências, valores, comunicações. Não são análises neutras e assépticas. Traduzem as relações entre indivíduos e sociedade, mundo material e simbólico, dissociações entre o subjetivo e o objetivo, o qualitativo e o quantitativo, o coletivo e o individual. Os grupos sociais são responsáveis pela criação e circulação das representações de determinados objetos e atitudes. Atende ao conhecimento prático e à maneira como os atores sociais apreendem as ocorrências do dia a dia. É produto e processo de uma realidade externa. É constantemente transmitido pela tradição, educação e comunicação social.
Possuem a objetivação (nomeação das representações) e a ancoragem (relações desta forma nos contextos sociais e ideológicos em que elas aparecem – leitura e reflexão dos teóricos da educação) como referências de interação e interdependência entre a estrutura social, cultural e os aspectos mentais. A ancoragem relaciona-se dialeticamente à objetivação. O reconhecimento do núcleo central (base comum das representações representa os valores) e dos elementos periféricos (parte operacional das representações) é a abordagem estrutural proposta por Abric e grupo de Midi.
Considerando a relevância deste conhecimento, recorro-me a Alves-Mazzotti (1994), e ao estudo das representações sociais que é um caminho para atingir este propósito, na medida em que pesquisa justamente como se formam e como funcionam os sistemas de referência que utilizamos para classificar pessoas, grupos sociais e acontecimentos da vida cotidiana. Por suas relações com a linguagem, a ideologia e o imaginário social, constituem elementos essenciais à análise dos mecanismos que interferem na eficácia do processo educativo. O nosso relacionamento com os fatos do cotidiano constrói universos consensuais onde novas representações são elaboradas e comunicadas. Formam teorias do senso comum que constroem a identidade grupal e o sentimento de pertencimento do indivíduo ao grupo.
Conforme Madeira (1991), o processo de construção de significado se dá com base em atributos culturais que se inter-relacionam e que são inerentes a uma determinada sociedade, circunscritas a um espaço e tempo históricos. A compreensão de subjetividades requer que se busque relacioná-la às condições sociais em que estas foram produzidas, procurando ir além da mera descrição de fatos. A realidade cotidiana possui um caráter intrínseco que é interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles. Ela se constrói no pensamento e na ação de homens comuns.
Madeira (1991) e Jodelet (2001) citam que as representações sociais relacionam-se ao senso comum, mostrando que os indivíduos vão construindo e atribuindo sentidos aos objetos de sua experiência, desenvolvendo uma forma de pensamento social que se funda na cultura, ao mesmo tempo que a atualiza.
As representações sociais estão tanto na vida das pessoas quanto no mundo. Alcançar a representação social é um exercício de interpretação que se dá ao objeto. É preciso um olhar antropológico, em perspectiva integradora (Jodelet, 2003). Na sociedade, a partir do conhecimento mais amplo, permite ir e vir de um olhar entre os grupos específicos e o conjunto da sociedade.
Para Alves Mazzotti (2005), a teoria das Representações Sociais é adequada para analisar e justificar as práticas docentes porque investiga como se forma e como funciona os sistemas de referência que utilizamos para classificar pessoas, grupos sociais e acontecimentos do dia a dia.
A segunda parte será formulada de acordo com as estratégias sugeridas por Abric (1994, 1989), Flament (1989, apud CAMPOS, 2003) e Vergés (2005), dentre outros, em uma abordagem estrutural. Nesse quadro teórico, dizer que uma representação social é conhecida corresponde a dizer que seu núcleo central e seu sistema periférico são conhecidos. A pesquisa em Representações Sociais assume a perspectiva estrutural a partir da equipe de Aix-em-Provence e seus colaboradores, segundo a qual as representações são vistas como um sistema sociocognitivo particular composto de dois subsistemas: o núcleo central e o sistema periférico. Este corresponde à base comum, consensual das representações que resulta da memória coletiva. Seus fundamentos são os valores associados ao objeto representado. O sistema periférico refere-se aos outros elementos, gerando uma flexibilidade ancorada a uma realidade imediata.
É o sistema periférico que permite a elaboração de representações relacionadas à história e às experiências pessoais do sujeito. Para Abric (1994), é preciso reconhecer os componentes da RS que são: conteúdo, estrutura e seu núcleo central. Sugere três etapas: levantamento do conteúdo da representação; pesquisa da estrutura e do núcleo central (NC), a organização do conteúdo em um sistema de categorias, subsistema temático, identificando as relações e a hierarquia entre os elementos componentes e a verificação da centralidade que são elementos inegociáveis. Conhecido o conteúdo da RS, restam para completar a análise construir uma argumentação sobre como estes componentes se relacionam ao contexto, às atitudes, aos valores e às referências dos sujeitos.
Para atender a este objetivo, será pedido que nomeiem quatro palavras que melhor caracterizam a importância dos contos de fadas para o desenvolvimento do imaginário infantil. Estas palavras serão colocadas em uma planilha do Excel e serão computadas a sua frequência e seu peso, relacionados à sua ordem de aparição (vermelho para a primeira evocação, azul para a segunda evocação, verde para a terceira evocação e amarelo para a quarta evocação). Será calculada a média ponderada destas aparições e a sua ordem média. Depois, elas serão colocadas em um gráfico de dispersão onde serão determinados o seu núcleo central e seus elementos periféricos.
Para finalizar, será realizada uma entrevista conversacional gravada com a concordância dos sujeitos, com o objetivo de melhor aprofundar e articular as redes de sentido que modelam diferentes objetos correlatos. Estas entrevistas transcritas integralmente serão analisadas em suas enunciações, objetivando a identificação de valores e modelos presentes no processo discursivo, tendo em vista pertenças e referências.
O número de sujeitos a serem entrevistados será de 10% dos professores pertencentes a uma escola pública e a uma escola particular na comunidade de Barbacena que se dedicam à Educação Infantil.
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Autor: Mary Celina Barbosa do Nascimento
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