Relação Homoafetiva: A União Homoafetiva como Entidade Familiar
Aprenda como unir a relação homoafetiva e aprimorar a sua vida familiar. Saiba como ter sucesso ao construir uma entidade familiar homoafetiva, e como isso pode melhorar a sua vida.
Relação Homoafetiva: A União Homoafetiva como Entidade Familiar
Introdução
Nas últimas décadas, houve um processo de superação frente à relação homoafetiva. No Brasil, muitas pessoas assumem sua orientação sexual, mesmo sabendo das incertezas jurídicas. No direito brasileiro, ainda não existe uma regra que discipline essas relações.
A progressiva superação do preconceito
Nos EUA, um soldado que declarou sua orientação homoafetiva foi obrigado a sair da corporação e produziu uma frase muito boa: “deram-me uma medalha por matar dois homens e uma expulsão por amar outro”. No Brasil, na década de 90, teve início o debate quanto à orientação sexual, e uma autoridade religiosa declarou: “os cachorros que me desculpem, mas o projeto de casamento gay é uma cachorrada”.
Corre assim um grande desprezo pelos homossexuais. Mas os tempos estão mudando e cada vez mais pessoas assumem sua posição, mesmo correndo o risco de homofobia, podendo até ocorrer o emprego de violência. Hoje, vários tribunais estão reconhecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo, tendo os mesmos direitos que pessoas de sexo oposto, mas essa posição não é a dominante. Na Constituição de 88, houve o reconhecimento institucional pleno, caracterizando assim como verdadeiras entidades familiares. Assim, vemos que a aplicação do direito deve ser feita por meio da aplicação direta dos princípios constitucionais.
Orientação sexual, relações homoafetivas e o papel do direito e do estado
Com a evolução que vem ocorrendo, o jurista deixa de apenas aplicar a norma e deve fazer a valoração in concreto e escolhas fundamentadas. Assim, o operador do direito deverá explicitar seus pontos de observação e os valores e fatores que o influenciaram na decisão. O papel do Estado é acolher e não rejeitar aquelas pessoas que são vítimas do preconceito e da intolerância.
A homossexualidade não vem determinantemente da parte genética da pessoa, pois o seu meio de convívio influencia bastante; cabe assim ao intérprete constitucional o dever de ter suas pré-concepções conscientes, suas escolhas pessoais não devem influenciar sua decisão.
No mundo, vemos vários casos de discriminação, como exemplo podemos citar a Alemanha nazista, que proibia o casamento entre judeus e alemães, na África do Sul durante o apartheid e também nos Estados Unidos, onde era proibido o casamento inter-racial.
A união estável entre pessoas do mesmo sexo no direito comparado
No mundo, as discussões sobre o tratamento jurídico das uniões entre pessoas do mesmo sexo possuem uma tendência ao reconhecimento. Observamos o caso europeu, onde na década de 90 vários países declararam a proteção jurídica à união homoafetiva. O primeiro país foi a Dinamarca, que desde 1989 reconheceu os direitos e obrigações mútuas entre pessoas do mesmo sexo. Em 2001, a Holanda foi o primeiro país a autorizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na Bélgica, isso ocorreu em 2003.
Na França, em 1999, foi aprovado o pacte civil de solidarité (PACS), possibilitando a união entre casais não ligados pelo casamento, podendo ser tanto de sexo oposto como do mesmo sexo. Em 1994, o Parlamento Europeu criou uma resolução sobre a paridade de direitos dos homossexuais da comunidade europeia.
Nas Américas, temos como referência o Canadá, a Argentina e os Estados Unidos. No Canadá, o casamento homossexual é protegido desde 2005, onde, após uma consulta à Suprema Corte, foi declarado que não violava nenhum princípio constitucional e ainda afirmou que a medida realizava o princípio da igualdade. Na Argentina, temos legislação da cidade autônoma de Buenos Aires, que reconhece a união estável de pessoas do mesmo sexo desde 2002. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte declarou inconstitucional emendas constitucionais que impediam qualquer autoridade estadual de praticar atos que garantissem direitos a homossexuais.
A constituição de 1988 e o reconhecimento jurídico das relações entre pessoas do mesmo sexo
Uniões homoafetivas e princípios constitucionais
Em meio aos vários princípios existentes no ordenamento jurídico, a carta magna prevê o mandamento da igualdade e liberdade, que se acolhe nos princípios da livre-iniciativa e da legalidade. Devemos ainda acrescentar o princípio da dignidade da pessoa humana, que ilumina o núcleo dos direitos fundamentais, e por fim, o princípio da segurança jurídica, pois o direito deve ter estabilidade e previsibilidade. Assim, a constituição tenta garantir a proteção jurídica para que os indivíduos não sejam rotulados por suas características pessoais e tenham o direito de desfrutar da proteção jurídica, de serem livres e iguais, podendo desenvolver a plenitude de sua personalidade. O Estado tem o dever de garantir esses direitos ao cidadão para legitimar e garantir um patamar de elevação política, ética e social.
Princípio da igualdade
Na constituição de 88, foi consagrado o princípio da igualdade e condena toda e qualquer forma de preconceito e discriminação. Assim, vemos que a constituição é refratária a todas as formas de preconceito e discriminação, desde o menosprezo até a desequiparação fundada na orientação sexual das pessoas.
Igualdade formal e material, igualdade na lei e perante a lei.
A igualdade formal está na origem histórica liberal, impedindo assim a hierarquização entre pessoas; o estado deve agir de maneira impessoal.
A igualdade material está associada à ideia de justiça distributiva e social, procurando ter uma mínima equiparação entre a vida das pessoas.
O exposto é resolvido no plano da igualdade puramente formal, sem nenhum envolvimento do plano material. Na noção de igualdade formal, vemos que deve ser projetada tanto no âmbito do legislador quanto no âmbito do intérprete do direito. Assim, os intérpretes devem atribuir sentido e alcance às leis de modo a não produzir efeitos inadequados, onde as leis devem observar o exposto na constituição. A constituição é expressa em considerar suspeitas as desequiparações baseadas na origem, no gênero e na cor de pele; no item gênero, por certo, entra a orientação sexual.
Fundamentos invocados para a desequiparação
Cita-se como impossibilidade a procriação, mas não é uma justificativa razoável para o tratamento desigual, pois o cerne da família é a afetividade. No código civil, também se coloca como requisito a convivência pública, contínua e duradoura, não fazendo referência à procriação.
Outra situação seria a moral, mas a moral é relativa, pois vemos que em outros tempos ocorreram a escravidão, a tortura e a mutilação, que já foram considerados normais; então esse não é um argumento que se pode sustentar.
Uma terceira corrente atribui que não é possível atribuir um status familiar às relações, por elas serem contrárias aos valores cristãos. Este argumento não tem valia em um estado laico.
Princípio da liberdade pessoal, do qual decorre a autonomia privada
Liberdade é o ato de decisão e escolha entre várias alternativas. Em outra concepção, liberdade não é um ato de escolha, mas o produto de um contexto externo a ele. Uma melhor definição pode ser a junção das duas teorias, que seriam condicionadas a circunstâncias naturais, psíquicas, culturais, econômicas e históricas. Sendo assim, é uma capacidade que não é apenas subjetiva.
O indivíduo deve ter o direito de desenvolver sua personalidade e o estado tem a obrigação de promover esse desenvolvimento.
A exclusão das relações homoafetivas não daria causa ao regime de união estável, pois há um espaço não regulado no direito. Isso apenas seria uma forma de embaraçar o exercício da liberdade e o desenvolvimento da personalidade de um número expressivo de pessoas. A autonomia privada pode ser limitada, mas não suprimida, pois se algo é suprimido, deve o estado promover outro bem jurídico de mesma hierarquia e igualmente tutelados pelo direito.
O não reconhecimento da união estável não promove nenhum bem jurídico a ser tutelado; ao contrário, atende apenas a uma concepção moral, que até pode contar com muitos adeptos, mas não se impõe a uma sociedade democrática de direito, regida por uma constituição que condena a discriminação. Isso só seria viável em uma sociedade que teria como base um regime totalitário, que busca moldar indivíduos adequados.
Princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana passou da religião para o direito nas últimas décadas, e aos poucos está sendo inserido nas legislações. No Brasil, teve início com a constituição de 88, onde as pessoas no mundo têm um espaço de integridade a ser assegurado, diferente das coisas, pois as coisas têm valor e as pessoas têm dignidade, valor moral.
Dentre várias ideias de dignidade da pessoa humana, cito duas que são as mais importantes: o indivíduo deve ser tratado sempre como fim em si mesmo e não como meio; os projetos de vida de cada indivíduo, desde que razoáveis, devem ser reconhecidos e ter igual respeito e consideração. As relações afetivas são vistas como meio para a realização de um modelo idealizado, onde o indivíduo só é reconhecido quando se molda ao papel social, um exemplo é o papel de membro da família heterossexual, dedicada à criação de filhos.
Também podemos ver que a discriminação das relações homoafetivas não é tratada com a mesma igualdade e dignidade. Para a constituição da própria identidade, precisamos do olhar do outro; se não ocorrer o reconhecimento por parte do outro, há um desconforto, levando muitos a negar sua própria natureza.
Princípio da segurança jurídica
A segurança jurídica busca reger a tutela de valores como a previsibilidade das condutas, a estabilidade das relações jurídicas e a proteção da confiança. A exclusão da relação homoafetiva do regime jurídico da união estável, sem que outro regime venha a disciplinar, é inequivocamente geradora de insegurança jurídica. Relações entre pessoas do mesmo sexo sempre irão existir, mesmo com as manifestações do poder público e decisões judiciais conflitantes; isso só afeta a segurança jurídica para toda a sociedade.
Os mais afetados são os envolvidos nas relações homoafetivas, por não ter uma garantia quanto a projetos de vida, pois necessitam de previsibilidade quanto à herança, partilha de bens, deveres de assistência recíproca de alimentos, dentre outros. O código civil prevê todas essas situações para a união estável; só faltaria superar a insegurança jurídica da matéria. Uma outra ponta seria quanto à segurança de terceiros que efetuarem relações jurídicas com pessoas nessa situação; se ocorrer a morte de um dos indivíduos, como ficariam as dívidas? Falta assim uma seguridade quanto a esses parceiros homoafetivos.
O primado da afetividade: a união homoafetiva como entidade familiar
Como já observamos, o conceito de família vem se alterando com o tempo; houve um deslocamento para os aspectos existenciais, em substituição aos patrimoniais. Na família antiga, buscava-se uma relação íntima com a outra pessoa e a criação de filhos; já com a evolução do direito, vemos que a concepção de família é bem mais ampla, visando atingir de um modo bem abrangente as pessoas de mesmo sexo ou de sexo oposto que estão vivendo juntas por afetividade e não apenas para criar filhos, com isso é quebrado o paradigma onde existem vínculos consanguíneos entre as pessoas que formam a família.
Para essa evolução, vemos algumas etapas: o código de 16 nega a eficácia jurídica ao concubinato; em segundo, alguns dissídios são resolvidos no plano do direito a um salário ou indenização por trabalhos domésticos; em seguida, é inserido esse tipo de obrigação na relação de direito, de modo a impedir o enriquecimento injustificado, recomendando-se uma sociedade de fato; posteriormente, passou-se a reconhecer a união de fato entre companheiros e, por fim, a constituição de 88 recepcionou e aprofundou essa evolução.
Por fim, vale ressaltar que a defesa do modelo tradicional de família não pressupõe a negação de outras formas de organização familiar, pois não há incompatibilidade entre a união estável de pessoas de sexo oposto e a união de pessoas de mesmo sexo.
O que foi observado neste capítulo é que todas as uniões estáveis, tanto de heterossexuais quanto de homossexuais, devem ser regidas pelas mesmas normas e princípios e que isso em nada irá violar o art. 226, § 3º.
Uniões homoafetivas e a regra constitucional do art. 226, § 3º
Como vimos anteriormente, não existe regra constitucional expressa prescrevendo a aplicação do regime da união estável às uniões homoafetivas. O art. 226, § 3º diz: “para efeito da proteção do estado, é reconhecimento à união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Não há pertinência em ver que o emprego da expressão “união estável entre homem e mulher” importa, a contrario sensu, em proibição à extensão do mesmo regime em outra hipótese; nela não se pode vislumbrar uma restrição, seria como condenar alguém à anistia.
Para garantir que a norma não seja inconstitucional, o código civil apenas cita uma norma de reprodução; assim, podemos admitir que a constituição não imponha nem proíba a extensão do regime jurídico da união estável às uniões homoafetivas.
Lacuna normativa e mecanismos de integração da ordem jurídica
Divulga-se que no conhecimento convencional não há lacuna no direito, mas apenas na lei. O processo de preenchimento desses vazios chama-se integração; na integração, não há o cuidado de revelar o sentido de uma norma existente e aplicável à dada espécie. A constituição de 34 impunha ao aplicador do direito o dever de integrar a ordem jurídica, na letra expressa do art. 113, XXXVII: “nenhum juiz deixará de sentenciar por motivo de omissão da lei”. Quando ocorrer a omissão da lei, o juiz deverá buscar na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito.
Os princípios constitucionais na interpretação e na integração da ordem jurídica
Os princípios passam a funcionar assim como os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Deixando de ser o segundo plano do direito, assim eles vislumbram todas as áreas do direito, influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas. Como existe omissão no direito, os princípios vêm para suprir essa necessidade, produzindo como resultado a equiparação, em tudo que couber, das uniões estáveis entre homem e mulher e as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo.
O recurso à analogia na integração da ordem jurídica
A analogia consiste na aplicação de uma norma jurídica concebida para uma determinada situação de fato a uma situação semelhante. O código civil prevê a união estável, que cita convivência pacífica e duradoura com o intuito de constituir família; essa concepção está tanto presente na relação heterossexual quanto na homoafetiva, pois os elementos nucleares são encontrados nas duas hipóteses. Conforme o exposto, neste ponto verificamos que a união estável homoafetiva constitui entidade familiar e, na falta de disciplina específica, deve reger-se pelas mesmas regras da união estável entre homem e mulher.
Conclusão
Como a união homoafetiva é um fato que veio para ficar, o governo tem a obrigação de respeitar a diversidade, fomentar a tolerância e contribuir para a superação do preconceito e da discriminação.
Os princípios impõem a extensão do regime jurídico para as relações homoafetivas; a igualdade importa no reconhecimento, dignidade em respeito ao desenvolvimento da personalidade de cada um, e liberdade que permite a livre escolha de cada um. Se a segurança jurídica não for observada, poderia abrir uma lacuna no direito; assim, essa lacuna seria preenchida pela analogia que, neste caso, teria como mais próximo à união estável entre homem e mulher, tendo ambas como essencial à afetividade e ao projeto de vida comum.
Autor: Enerson Antoniolli
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