Qualidade de Ensino-Aprendizagem: Análise Crítica e Possíveis Soluções Baseadas na LDB
Saiba mais sobre qualidade de ensino-aprendizagem através de uma análise crítica dos problemas existentes e possíveis soluções baseadas na LDB. Compreenda o que você pode fazer para melhorar a qualidade da educação, seja como professor, aluno ou pais.
A Constituição Federal de 1988 defendeu a Educação como um direito subjetivo do cidadão, ou seja, um direito inalienável, sendo dever do Estado garantir o cumprimento deste direito, não podendo jamais ser relativizado nem colocado em segundo plano. Claro que em termos de política, isso demanda uma implementação que leva tempo, mas que aos poucos vai se tornando uma prática. Entretanto, ao se democratizar a Educação, nem sempre se pautou pela busca e permanência da qualidade de ensino. As escolas públicas da Educação Básica não oferecem, de modo geral, a mesma qualidade de ensino das instituições privadas.
A LDB 9394/96 é também chamada de Carta Magna da Educação. Inspirada e defendida pelo antropólogo Darcy Ribeiro, que conseguiu manter suas ideias em um texto legal e bem sintetizado, permitindo uma generalização e flexibilidade e com repercussões políticas. (FAGUNDES, 2008)
Ao mesmo tempo em que se busca uma educação de qualidade, visa-se uma transformação da ordem social, pois um povo mais educado se torna mais responsável e mais consciente de seus direitos e defende com mais convicção a cidadania, enquanto um espaço de participação política e democrática. A prática docente pode influenciar nesse processo, pois os professores são os formadores de opinião, os responsáveis pela educação e formação dos valores de seus alunos.
Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise crítica e salientar possíveis soluções para uma boa qualidade de ensino/aprendizagem baseadas na Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96, tendo como premissa o Título II “Dos princípios e fins da educação nacional”, artigos 2º e 3º.
A educação: família e o Estado
O artigo 2º da LDB define a pessoa humana pela tríplice capacidade de:
- a) adquirir pleno desenvolvimento pessoal;
- b) inserir-se nas relações políticas;
- c) qualificar-se para o trabalho.
Educa-se o povo para capacitar qualquer pessoa a desenvolver a plenitude de si mesma; envolver-se com as demais e produzir. Essa definição permite o atual debate pedagógico sobre o ensino de valores, inclusão social, competências, habilidades, etc.
Para os conservadores, a família seria o lugar natural da criança, a estrutura ideal para o desenvolvimento normal da infância. A educação é um processo social de permanente humanização (LDB, art. 1º) na família, escola e sociedade. O artigo 3º, inciso X, impõe aos sistemas educacionais a “valorização da experiência extra-escolar”, outra proposição epistemológica da Educação Popular. Nova mudança paradigmática se produziu no direito à educação.
Somos remetidos a uma realidade inexistente, utópica. A lei indica o Estado e a família como os responsáveis pela educação, tirando parte de sua responsabilidade. E ainda garante igualdade de condições para o acesso e permanência escolar, liberdade de aprendizagem, respeito à liberdade, valorização do profissional de educação, gestão democrática e qualidade de ensino e vinculação entre educação escolar, trabalho e práticas sociais. Porém, o que observamos é que nada disso acontece; se realmente fosse do jeito como descrito na lei, nossa educação seria uma maravilha. Quem dera nosso profissional da educação fosse valorizado e se nossos alunos tivessem igualdade de condição para o acesso e permanência escolar.
O artigo 2º, que coloca a educação como dever do Estado e da família, repete o mandamento da Constituição. O acréscimo “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana” apenas repete o que a LDB de 1961 já dizia, repetição do artigo 166 da Constituição de 1946. Tal conceituação, no entanto, àquela época recebeu uma definição melhor, já que o Art. 2º do projeto de LDB que o poder executivo remeteu ao Congresso Nacional em 1948, definia liberdade como aquilo que “favorecerá as condições de plena realização da personalidade humana, dentro de um clima democrático, de modo a assegurar o integral desenvolvimento do indivíduo e seu ajustamento social” e, definia solidariedade humana como “aquilo que incentiva a coesão da família e a formação de vínculos culturais e afetivos, favorecerá a consciência da continuidade histórica da nação e o amor à paz e coibirá o tratamento desigual por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, bem como os preceitos de classe e raça. São, portanto, princípios tradicionais da educação nacional, universalmente válidos.
As finalidades da educação mantêm o que o artigo 205 da Constituição diz, pois se temia a época que uma nova discussão só atrasasse o processo de lei. Daí que o artigo 2º é praticamente uma cópia do artigo 206 da Constituição Federal, com alguns acréscimos, como o inciso IV, que inclui como princípio básico o “respeito à liberdade e apreço à tolerância” e o Inciso X, que adicionou o princípio da “valorização da experiência extra-escolar”. Eles reforçam o apoio ao pluralismo cultural, a necessidade de incluir o respeito às crenças e costumes de todas as culturas, reformando o caráter democrático do processo educativo. Por exemplo, estas observações repercutem para escolas confessionais, que não podem, por nenhum motivo, obrigar seus alunos a práticas que contrariem sua liberdade de fé. Por isso também, a ênfase à tolerância, a diferença dos pontos de vista e sua mútua compreensão, o que inclui os erros que por ventura cada um possa cometer.
Outras considerações menores implicaram na substituição de expressões como “profissionais de ensino” por “profissionais de educação escolar”. Exigências diversas, como para ingresso na carreira do magistério, foram deixadas para o Art. 67 da mesma LDB ou a gestão democrática, foram definidas especialmente para instituições federais, cabendo a cada estado criar legislação própria. O Estado, ainda que incentive, resignou-se a não interferir na questão da gestão democrática da escola particular, com o receio de recair em ação de inconstitucionalidade e injuridicidade, extrapolando seus direitos constitucionais.
Um dos principais problemas que a LDB enfrenta é relativo ao inciso IX, que prevê o ensino com base na garantia de padrão de qualidade. Mesmo para as escolas particulares, tal princípio é evidente. “Tudo indica que a conquista da qualidade percebida pelo cliente gera ótimos lucros em qualquer setor… é a força motriz muito mais importante na conquista de uma posição competitiva”. A respeito, Anísio Teixeira em “Plano e Finanças da Educação”, dizia em 1963 que “em verdade, [a escola] é o lugar para aprender, mas aprender envolve experiência de viver, e deste modo todas as atividades da vida, desde as do trabalho até as da recreação, e muitas vezes, as da própria casa”. Por isso, Motta, em direito Educacional, salienta o mérito de Eneida Macedo Tito, da Escola Municipal Gilberto Jorge, que recebeu o Prêmio Nacional de Incentivo ao Ensino Fundamental, do MEC, em vista da motivação dos seus alunos.
A educação como direito social, conforme o artigo 6º da Constituição Federal, deverá ser garantida para todos e de forma equânime, por isso os princípios do direito à educação constante na LDB, nos artigos 2º e 3º.
Considerações finais
Nesse aspecto, o texto da lei limita-se, praticamente, a repetir os artigos 205 e 206 da Constituição Federal, com alguma adaptação redacional e acrescentando, em consonância com o conceito de educação do artigo primeiro e seu parágrafo segundo, os princípios da “valorização da experiência extra-escolar” e “vinculação entre educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”.
Chama atenção, porém, a modificação de alguns detalhes no texto constitucional.
O primeiro deles é a inversão operada no enunciado do art. 205. Enquanto ali se lê que a educação é “dever do Estado e da família”, na lei está escrito “dever da família e do Estado”. Dir-se-ia que tanto faz, que a ordem dos fatores não altera o produto. Pode ser. Mas não deixa de ser estranho. Se a ordem é indiferente, então por que inverter apenas nesse caso, uma vez que nos demais casos se transcreveram pura e simplesmente?
A questão aumenta de importância quando nos recordamos da momentosa polêmica entre os defensores da escola pública e da escola particular na discussão do projeto de LDB que resultou na lei aprovada em 1961. A Igreja Católica, justificando os interesses privatistas, afirmava a precedência da família em matéria de educação, situando o Estado em posição subsidiária.
Coincidência ou não, o fato é que o grande mentor, ao lado de Hayek, do neoliberalismo, Milton Friedman, também defende explicitamente a precedência da família sobre o Estado em matéria de educação.
Outra modificação, contudo, parece trazer maiores implicações. Trata-se do princípio expresso no inciso V do artigo 206 da Constituição: “Valorização dos profissionais de ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União”. Na LDB, esse princípio foi reduzido para “valorização do profissional da educação escolar” (Art. 3º, inciso VII).
Observe-se que no projeto aprovado no Senado (Substitutivo Darcy Ribeiro) constava “valorização dos profissionais da educação, garantindo, na forma da lei e respeitada a autonomia universitária, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional” (Art. 3º, inciso VII).
A LDB deu nova legitimidade jurídica para que forças sociais transformadoras conquistem mais espaço político para atuarem nos sistemas de ensino.
No artigo 2º, declara que a finalidade da educação é o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
E, ainda que o ensino deva ser ministrado com observância de princípios de: igualdade de condições para acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à tolerância; coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais; valorização do profissional da educação escolar; gestão democrática do ensino público na forma dessa lei e da legislação dos sistemas de ensino; garantia de padrão de qualidade; valorização da experiência extra-escolar; vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
O conteúdo da LDB reporta-se às questões relativas aos objetivos e ao direito à educação, ao lugar e peso do público no processo educacional, às questões de ordem administrativa, financeira, de formação docente, acesso e permanência dos alunos, situando a educação formal no universo de práticas sociais e institucionais que lidam com o processo de formação humana em geral.
A escolarização obrigatória não é universal e não garante o direito à permanência e ao sucesso na escola. A condição de possibilidade para o exercício da cidadania é a capacidade do educando fazer uso público da razão. Além da análise quantitativa, há necessidade da avaliação qualitativa da habilitação para o uso público da razão. O fracasso da cidadania brasileira é também fracasso da escola. Por isso, o problema do acesso não se resolve simplesmente com professores e vagas nas escolas. É necessário, também, que os candidatos à escola tenham condições de ingressar e permanecer na escola, com sucesso, pelo tempo a que têm direito. É verdade, mas não é toda a verdade. É necessário também lembrar as situações nada incomuns de trabalho infantil, em que crianças de 10 a 14 anos, e até de menos de 10 anos, antes mesmo do ingresso na escola ou logo nos primeiros anos de escolarização, são desafiadas à difícil conciliação entre trabalho e escola ou, não raro, postas ante o dilema de ter que optar entre trabalho e escola (FERRARO, 2002, p. 217-218).
Conclusões
A população em geral tem informação fragmentada e pontual sobre educação. Essa união dá um recado para todos: cada um de nós, pessoa física ou jurídica, deveria deixar seus interesses particulares de lado e tomar a iniciativa, dentro de sua área de atuação, de discutir a educação no Brasil.
A sociedade, por sua vez, em grande parte por causa do aligeiramento com que a mídia trata a questão, é mal informada e tende a confundir aparência com essência. Temos ainda os interesses corporativistas, a estrutura precária de formação do educador, o mito das “causas nobres” como o Ensino Fundamental de nove anos e a educação em tempo integral que às vezes aparecem como possíveis soluções. A qualidade ainda é confundida com um ensino de elite, o que só colabora para a nossa educação ficar fora de sintonia com o século 21.
Teria de ser uma formação que preparasse o professor para dar respostas diferentes, dependendo da realidade da criança e de suas necessidades. Ele precisa saber fazer a transposição didática dos conhecimentos universais que serão ensinados em sala de aula, transformando-os em conhecimentos significativos para os alunos, quaisquer que sejam suas origens e condições socioeconômicas. Ninguém ensina o que não aprendeu. Por isso, o curso de formação precisa dar peso grande ao conteúdo que vai ser ensinado.
Ter uma instituição de ensino superior dedicada exclusivamente à formação de professores, os Institutos Superiores de Educação (ISEs), velho sonho de Darcy Ribeiro, que foram criados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Essas instituições não devem ter as fragmentações disciplinares que ocorrem na universidade. São obrigatoriamente multidisciplinares. Mas só isso não basta. É indispensável municiar o professor com orientações didáticas para o trabalho em sala de aula, que sugiram planos e sequências didáticas, que apontem boas práticas e exemplifiquem com a experiência de quem já fez e deu certo. Esse processo é parte importante da educação continuada e deveria ocorrer cotidianamente, no chão da sala de aula.
Além de ser feita nos ISEs, essa formação precisa estar acoplada a um sistema de certificação. Exames desse tipo deveriam ser exigidos para entrar e progredir na carreira, com bolsas de auxílio para aperfeiçoamento dos que não conseguissem desempenho satisfatório ou estímulo salarial para os que fossem bem-sucedidos nesses exames.
É uma questão de bom senso, confiança e projeto comum. Os pais precisam estar cientes de todos os problemas e sempre que possível contribuir para as discussões das soluções que serão implementadas. É preciso que exista uma relação de confiança entre a escola e os pais, para que estes se sintam seguros quanto ao acerto de decisões estritamente técnicas.
Não adianta manter as crianças por mais tempo na escola se o que ela oferece continuar a não ter qualidade. Sem contar a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Médio somam juntos 11 anos. É preciso indagar: o que fazer para todos permanecerem no sistema de ensino esses anos e conseguir ter aprendizagens significativas? Adianta prolongar em um ano a permanência na escola se o dinheiro, por exemplo, para pagar os professores, continuar o mesmo, assim como os recursos didáticos que são usados em sala de aula? Essas são as ditas “causas nobres” que não resolvem os problemas e ainda contribuem para desviar a atenção das questões que realmente importam.
Referências
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Autor: Shirley da Rocha Afonso
Possui graduação em Enfermagem pela Universidade Paulista – Campus Bacelar (2006), especialização em Enfermagem Gerontológica e Geriátrica pela Universidade Federal de São Paulo (2008) e docência em ensino médio, técnico e superior na área de saúde pela Faculdades de Pinhais (2009). Atualmente é enfermeira executora e vice-presidente com atividades gerenciais e de supervisão na Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital e Maternidade Vidas. Tem experiência na área de Enfermagem e gestão de serviços e programas de assistência à saúde do adulto e do idoso, com ênfase em clínica médica-cirúrgica, hematologia e oncologia, atuando principalmente nos seguintes temas: enfermagem geriátrica e gerontológica, demências, intervenções, educação, quimioterapia, assistência de enfermagem pré e pós-operatória. É coordenadora da Comissão Organizadora de Curativos e supervisora da Comissão de Gerenciamento dos Resíduos dos Serviços de Saúde do Hospital e Maternidade Vidas. Professora titular do curso técnico de enfermagem, Disciplina de Gestão em Saúde, Trabalho de Conclusão de Curso, Assistência de Enfermagem Domiciliária, Anatomia e Fisiologia Humana, Farmacologia, Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Biossegurança da Área da Saúde, Controle de Infecção Hospitalar pelo Centro Paula Souza – ETEC Parque da Juventude.