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Preconceito Linguístico e o Ensino da Gramática

Explore a relação entre preconceito linguístico e o ensino da gramática, entendendo como a linguagem influencia a educação e como lidar com essas questões no ambiente escolar.

Preconceito Linguístico e o Ensino da Gramática

Preconceito Linguístico


INTRODUÇÃO

Tudo começou no ano de 1973. Eu, como toda criança, tinha um sonho: ir para a escola.

Em casa, juntamente com meus irmãos, brincava de aulinha, sempre queria ser a professora.

Finalmente, no primeiro dia de aula, toda feliz fui para a escola. Começava, naquele momento, uma nova etapa em minha vida. A professora era muito gentil e nos recebeu com carinho.

Com o passar do tempo, fui percebendo que a escola não era o que eu sonhava. As dificuldades foram aparecendo, principalmente em língua portuguesa.

Ao terminar o Ensino Fundamental, resolvi fazer magistério, não por opção, mas porque era o único curso existente em minha cidade. Ser professora nunca fora o meu sonho na adolescência, mas ao terminar o curso de magistério, fui convidada para lecionar em uma escola perto de minha casa. Com muito medo de não conseguir atender às necessidades dos alunos, aceitei o convite. Confesso que não foi fácil, mas gostei da experiência e continuo lecionando. São 22 anos de experiência e hoje me sinto feliz e realizada, pois adoro o que faço.

Durante todo esse tempo, sempre procurei fazer cursos de capacitação para aprimorar a minha prática em sala de aula, mas sempre senti a necessidade de fazer um curso a nível superior. Até que em 2002 surgiu a grande oportunidade de minha vida, o Curso Normal Superior da UEMG.

Durante toda minha vida escolar, tive muita dificuldade em Língua Portuguesa, mais especificamente em Gramática, devido ao grande número de regras que, na maioria das vezes, só são usadas na linguagem escrita, por ser uma linguagem formal.

Como professora, comecei a perceber que os alunos também tinham tais dificuldades. Devido a esse fato, resolvi fazer meu TCC enfocando tal assunto, com o objetivo de reconhecer os conhecimentos prévios que as crianças têm ao ingressar na escola, como ponto de partida para novos conteúdos, trabalhando os aspectos gramaticais dentro das próprias produções dos alunos, respeitando sempre as diferenças individuais dos mesmos.

O tema foi escolhido devido às dificuldades encontradas pelos alunos quanto à aprendizagem da gramática, por causa do grande número de regras. Regras essas que, na maioria das vezes, não são entendidas pelos alunos, mas que decoram para fazer provas. Como não são utilizadas no dia a dia, ficam esquecidas.

Com esse trabalho, pretendo analisar o preconceito linguístico vivido em nosso país pelas classes menos favorecidas, sendo essas discriminadas por não se apropriarem da norma culta descrita nas gramáticas e dicionários. Essas normas só são ensinadas nas escolas e, como no Brasil a escola ainda é privilégio de poucos, essas pessoas permanecem à margem de tais conhecimentos. Isso também acontece devido às diferenças regionais existentes em nosso país, por ser um país de grande extensão territorial.

Com esse trabalho, pretendo também analisar o que pode ser considerado um “erro” dentro da Língua Portuguesa, levando em conta que o papel da escola é formar um cidadão poliglota dentro da sua própria língua. Não é considerada errada a língua materna, isto é, a língua que a criança possui antes de ir para a escola, desde que nasce, levando em conta o contrato social ao qual está inserida. A gramática normativa deve ser ensinada na escola não para que o aluno abandone a sua língua materna, mas para que seja capaz de adaptar a sua maneira de se comunicar às situações e ao contexto vivido no momento.


O Preconceito Linguístico e o Ensino de Gramática

Trabalhar a língua portuguesa na escola, atualmente, para muitos professores, tornou-se um pouco complexo. Distinguir o que é “certo” do que é “errado” é uma tarefa árdua, pois o Brasil, sendo um país de grande extensão territorial e de uma trágica injustiça social, apresenta um português com alto grau de diversidade.

Falar que o português é difícil e complicado é um tanto preconceituoso. Isso tudo gira em torno da gramática. É como diz Marcos Bagno em seu livro Preconceito Lingüístico: “Uma receita de bolo não é um bolo, o molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo… Também a gramática não é a língua” (1999, p.19).

A norma culta é a língua ensinada na escola; como no Brasil a educação ainda é privilégio de poucos, uma grande quantidade de brasileiros permanece à margem de tais conhecimentos.

Os brasileiros que nunca frequentaram a escola são considerados analfabetos e isso gera em torno deles um enorme preconceito, pois muitos acham que quem não frequentou a escola não sabe nada.

Esquecem-se dos conhecimentos prévios que toda criança tem e que podem ser aprimorados de acordo com o contexto em que a criança está inserida.

Apesar de, cada vez mais, a escola lutar para superar o preconceito de que só é certo o que se encontra na gramática normativa, ainda há quem se negue a mudar a sua maneira de ver o português, não respeitando as diferenças regionais e exigindo que o aluno decore regras gramaticais, deixando de lado seu dialeto, para seguir a norma culta exigida nas gramáticas.

Marcos Bagno, em seu livro Preconceito Lingüístico, cita alguns mitos para que se faça uma reflexão sobre os mesmos, para tentarmos conseguir meios mais adequados para combater esse preconceito em nosso dia a dia.

Mito n° 1

“A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente” (1999, p.15).

Segundo Marcos Bagno, esse mito é muito prejudicial à educação no Brasil, porque não reconhece a verdadeira diversidade do português falado aqui. Não respeita a origem geográfica, socioeconômica e nem o grau de escolarização de cada um.

Ao não se respeitar a individualidade de cada brasileiro, desvalorizando a sua cultura e o seu modo de viver, cada vez mais as classes menos favorecidas vão sendo excluídas da sociedade.

Até mesmo na escola já existe um preconceito de que as crianças de classes menos favorecidas são as que mais fracassam. Na maioria das vezes, ficam excluídas dentro da escola por causa da “pobreza” de linguagem que possuem devido ao contexto social em que estão inseridas. Muitas vezes são filhos de pais que nunca frequentaram a escola e não possuem contato com o mundo da leitura.

O que na realidade deveria ser feito é um trabalho com essas crianças, com o objetivo de conscientizá-las de que o que elas falam não é errado, pois na língua falada não existem regras; ela pode ser informal. Já a língua escrita é mais formal.

Mito n° 2

“Brasileiro não sabe português/só em Portugal se fala bem o Português” (p.20).

Isso é uma grande bobagem, pois o brasileiro fala bem o seu português, o português do Brasil, que é a sua língua materna.

Com o passar do tempo, esse português falado no Brasil ficou tão diferente do português falado em Portugal que surgem até dificuldades de compreensão.

É que o português falado no Brasil ganhou textura própria. O Brasil já possui até uma gramática que difere de Portugal. Ainda falamos “português” pelo fato de termos sido colônia portuguesa por um longo tempo.

Segundo Bagno, a língua escrita formal é

O único nível em que ainda é possível uma compreensão quase total entre brasileiros e portugueses, porque a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças. Mas um mesmo texto lido em voz alta por um brasileiro e por um português vai soar completamente diferente, ou melhor, diferente (1999, p.25).

Isso se deve às diferenças de pronúncia. As palavras pronunciadas por um brasileiro soam completamente diferentes das palavras pronunciadas por um português.

Mito n° 3

“Português é muito difícil” (1999, p.35).

Para Bagno, o português no Brasil é taxado de muito difícil devido ao fato de termos que decorar regras e conceitos que não significam nada para nós, pois são baseados na norma gramatical de Portugal.

Realmente, o português que falamos no Brasil é “difícil”, pois, apesar de as escolas estarem lutando para derrubar esse mito, ainda há muitos professores que só consideram “certo” o que está de acordo com a gramática normativa.

Segundo Bagno, “No dia em que nosso ensino de Português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa no Brasil, é bem provável que ninguém mais continue repetindo essa bobagem”.

É preciso que todos estejam empenhados em mudar, pois prega-se muito o respeito às diversidades regionais, mas na realidade, ainda só é bem visto na sociedade brasileira aquele que fala “bem” o português, ou melhor, aquele que segue as regras gramaticais exigidas pela gramática normativa.

Mito n° 4

“Pessoas sem instrução falam tudo errado” (1999, p.40).

Esse mito desrespeita totalmente as pessoas de classes menos favorecidas, pois na maioria das vezes não têm condições de frequentar uma escola.

No Brasil, o português considerado “certo” é aquele ensinado na escola; se essas pessoas ficam privadas de adquirir tais conhecimentos, acabam sendo excluídas da sociedade.

Muitas vezes, essas pessoas deixam de usufruir diversos serviços a que têm direito, simplesmente por não compreenderem a linguagem empregada pelos órgãos públicos.

Esse mito baseia-se na crença de que, apesar da grande diversidade de dialetos encontrados em nosso país, devido a vários fatores, só é correta a língua ensinada na escola, que é explicada nas gramáticas e dicionários.

O aluno, ao entrar em uma escola, é considerado como alguém que não sabe nada. Todo aquele conhecimento prévio que ele já possui é inútil; o que é válido é apenas o que ele aprende a partir dali. Portanto, as pessoas que nunca frequentaram uma escola, apesar de terem alguma bagagem de conhecimento, são rotuladas de ignorantes, que falam tudo errado.

Magda Soares, em seu livro Linguagem e Escola, afirma que:

A escola, como uma instituição a serviço da sociedade capitalista, assume e valoriza a cultura das classes dominantes; assim, o aluno proveniente das classes dominadas encontra padrões culturais que não são os seus e que são apresentados como “certos”, enquanto os seus próprios padrões são ignorados como inexistentes ou desprezados como errados (1986, p.15).

Muitas vezes, no ambiente da escola, exclui-se as crianças de classes humildes por causa de sua maneira de falar, pois não falam de acordo com o padrão cultural das classes dominantes. Geralmente, essas crianças são provenientes da zona rural. Devido a isso, elas acabam fracassando na escola, pois os “testes e provas” são elaborados a partir de pressupostos próprios do universo cultural das classes dominantes. Nesse caso, a responsabilidade pelo fracasso escolar dos alunos provenientes dessas camadas populares cabe à escola, que trata de forma discriminativa a “diversidade cultural”, transformando as “diferenças” em “deficiências”. As crianças das classes menos favorecidas têm apenas um jeito diferente das demais e não uma deficiência. Isso se deve ao meio no qual estão inseridas: muitas vezes são filhos de pais que nunca frequentaram uma escola.

Mito n° 5

“O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão” (1999, p.46).

Para Bagno, “não existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja intrinsecamente “melhor”, “mais pura”, “mais bonita”, “mais correta” que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam”.

O Brasil é um país de grande extensão territorial, portanto há uma enorme variedade lingüística. Nenhuma é mais “correta”, pois todas visam “atender” as necessidades de sua população.

É preciso abandonar essa ideia de que o português de uma comunidade de falantes é melhor ou pior que a outra. É preciso saber respeitar as diferenças. Sendo assim, falar que o português no Maranhão é melhor que em outra parte do Brasil é um tanto preconceituoso. No Maranhão, o português não é “melhor” nem “pior”; apenas visa atender às necessidades do povo que ali habita.

Mito n° 6

“O certo é falar assim, porque se escreve assim” (1999, p.52).

Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, a língua varia de uma região para outra; nenhuma língua é falada de modo idêntico em todos os lugares e por todas as pessoas.

É muito comum, na escola, professores obrigarem os alunos a pronunciar do jeito que se escreve. É preciso conscientizar o aluno de que, na língua escrita, deve-se seguir algumas regras da ortografia oficial, mas não é necessário pronunciar da maneira que se escreve.

Segundo Bagno, “A língua falada é a língua aprendida pelo falante em seu contato com a família e com a comunidade, logo nos primeiros anos de vida. É um instrumento básico de sobrevivência” (1999, p.54).

A língua falada é natural, enquanto a língua escrita é totalmente artificial; exige treinamento, memorização e é necessário seguir regras. A língua escrita é a representação da língua falada, mas de forma bem mais elaborada.

A língua falada é bem menos complexa que a língua escrita. Por exemplo, é muito fácil pronunciar a palavra “expressão”, mas ao escrevê-la, muitas vezes surgem dúvidas se “expressão” se escreve com s, x, ss ou ç.

A língua escrita, geralmente, segue a norma culta que é ensinada na escola através da gramática normativa. A língua falada é muito importante para o estudo científico, pois é nela que ocorrem as variações que vão aos poucos transformando a língua.

Mito n° 7

“É preciso saber gramática para falar e escrever bem” (1999, p.62).

Ainda hoje, predomina na maioria das escolas esse mito. A maioria dos professores de língua portuguesa acha que a gramática é fundamental na vida das pessoas.

Acham que toda pessoa, para ser uma pessoa “culta”, necessita conhecer as regras gramaticais; só fala bem e escreve bem quem tem conhecimento da gramática.

É muito difícil superar esse mito em nossas escolas atualmente, pois os pais de nossos alunos, na maioria, cobram dos professores livros didáticos que tragam conhecimentos gramaticais.

Muitos professores acham que a gramática normativa estabelece a norma culta, ou seja, o padrão lingüístico que socialmente é considerado modelar.

Já Bagno afirma:

Não é a gramática normativa que estabelece a norma culta. A norma culta simplesmente existe como tal. A tarefa de uma gramática seria isso sim, definir, identificar e localizar os falantes cultos, coletar a língua usada por eles e descrever essa língua de forma clara, objetiva e com critérios teóricos e metodológicos coerentes (1999, p.65).

O papel da escola não é obrigar os alunos a memorizar regras da gramática normativa, mas cabe à escola formar bons usuários da língua escrita e falada, sempre respeitando a individualidade de cada um, tendo sempre em vista que a criança é um fruto do meio onde vive. É preciso apenas conscientizar o aluno de que existe uma maneira “correta” de escrever e que a língua falada depende do contexto no qual estamos inseridos.

Por exemplo, ao conversar com uma pessoa do meio rural, é claro que não vamos utilizar a mesma linguagem usada para conversar com uma autoridade, não desconsiderando a capacidade da primeira, mas para não sermos ridicularizados e nem criticados.

Como já foi citado, não é o ensino da gramática que vai garantir a formação de bons usuários da língua. Segundo Magda Soares:

A missão do professor não é fazer com que os educandos abandonem o uso da gramática “certa” e sim auxiliá-los a adquirir, como se fora uma segunda competência, o uso das formas lingüísticas da norma socialmente prestigiada, à guisa de um acréscimo aos usos lingüísticos regionais e coloquiais que já dominam (1986, p.29).

Portanto, é necessário que os educandos tenham conhecimento da gramática, não para fazerem uso constante, mas para adequarem a fala de acordo com o contexto no qual estão inseridos.

Mito n° 8

“O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social” (1999, p.69).

Muitos acreditam que a norma culta padrão é que tem que ser ensinada na escola, porque ela é um “instrumento” de ascensão social, sendo a oportunidade de dar uma língua aos que chamamos sem língua.

É como se aqueles que não frequentam a escola, já que a norma culta é aquela ensinada nas escolas, não tivessem língua, ou seja, o que eles sabem, sua língua materna, não tivesse valor algum.

De acordo com Bagno, se isso realmente fosse verdade, os professores ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país. Ninguém melhor do que eles domina a língua culta.

Bagno afirma que “Achar que basta ensinar a norma culta a uma criança pobre para que ela “suba na vida” é o mesmo que achar que é preciso aumentar o número de policiais na rua e de vagas nas penitenciárias para resolver o problema da violência urbana” (1999, p.70).

Todo brasileiro deve reconhecer a enorme variação lingüística existente em nosso país, devido a alguns fatores que já foram citados.

Apenas conhecer a norma culta não vai resolver os problemas, principalmente das pessoas mais carentes.

Bagno afirma que: é preciso garantir a todos os brasileiros o conhecimento da variação lingüística, mas a escola não deve estar restrita a isso; é preciso favorecer o acesso aos bens culturais, à saúde, à habitação, ao transporte de qualidade e à vida digna de cidadão merecedor de todo respeito” (1999, p.71).

É preciso preparar a criança para a vida em todos os aspectos. Ela deve estar preparada para enfrentar os desafios que a vida nos oferece.

É preciso preparar a criança para ser crítica, participativa, capaz de opinar, fazendo valer as suas ideias. Para isso, não basta dominar a norma culta da gramática.

Autor: Marlene Aparecida Viana Abreu

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