HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
VOLUME I
A PEDAGOGIA DO MEDO: DISCIPLINA, APRENDIZADO E TRABALHO NA ESCRAVIDÃO BRASILEIRA
Pedagogia da escravidão
Práticas empreendidas direta e indiretamente pelos escravizadores para enquadrar, condicionar e preparar o cativo à vida sob a escravidão.
Maior submissão para um máximo de trabalho com o mínimo de gasto e esforço.
PEDAGOGIA SERVIL
Práticas desenvolvidas em Portugal e nas colônias africanas foram extrapoladas no Brasil, devido à superação da escravidão doméstica e pequeno-mercantil lusitana pela escravidão mercantil luso-brasileira e brasileira.
No Brasil colonial e imperial, a pedagogia servil foi abordada pela literatura produzida por clérigos, letrados e proprietários de trabalhadores.
A legislação colonial e imperial dedicou-se habitualmente à normalização do comportamento dos trabalhadores escravizados e do controle dos escravizadores sobre seus cativos.
O BOM SENHOR E O MAU ESCRAVO
Na literatura ficcional da segunda metade do século XIX referiram-se ao tratamento e treinamento ideal do trabalhador escravizado.
Há uma dificuldade na apresentação da pedagogia da escravidão devido à divisão da população escravizada entre cativos novos e cativos crioulos.
FAMÍLIA ESCRAVIZADA
A partir da interrupção da transferência transatlântica forçada de produtores escravizados, a população feitorizada brasileira iniciou uma orável retração absoluta (Conrad, 1985; Maestri, 2002).
Na Colônia e em boa parte do Império, o produtor escravizado era em geral africano, do sexo masculino, arrancado da África na adolescência.
Na África, vários caminhos levavam à metamorfose do aldeão em um cativo vendido em uma feitoria da costa africana:
- Venda pelo patriarca da família;
- Redução judiciária ao cativeiro por dívidas;
- Feitiçaria;
- Adultério;
- Homicídio;
- Captura por sequestro;
- Razias;
- Guerras, etc.
RECONSTRUÇÃO SOCIAL
Durante essa trajetória espacial e temporal, que podia durar semanas e meses, o cativo começava a ser introduzido no universo escravista.
Os “negreiros” africanos impunham sua autoridade sobretudo pela violência, pelo medo, pelo cansaço. (…) Cativos doentes ou insubmissos eram abandonados exemplarmente com as gargantas abertas ao longo dos caminhos para apressar o passo e aumentar a submissão dos prisioneiros restantes.
APRENDER A FALAR
A viagem pelas diversas regiões podia introduzir o cativo em um universo linguístico mais ou menos estranho, exigindo-lhe aprendizado sumário das línguas e falares locais.
Jamais haviam visto o mar, um navio, um homem branco. Percebiam a situação com grande drama, temendo serem devorados por seres antropófagos na outra margem do oceano.
As condições de viagem eram terríveis. Os navios eram abarrotados de passageiros que recebiam pouca alimentação e água.
FOGO NO NEGRO!
Na travessia, distribuíam-se eventualmente os mesmos regalos aos cativos dóceis e castigos brutais aos rebeldes, ministrados com claro sentido pedagógico.
“Se demonstrarem inquietações, o que pode provocar o receio de um motim, descarregava-se fogo contra eles […], e o suposto cabeça é açoitado, à vista de todos, ou enforcado na verga do grande mastro” (Weech, 1992, p.93).
VIVER NO BRASIL ESCRAVISTA
No Brasil, desenvolveu-se uma longa ciência empírica sobre o modo de escolher, comprar e introduzir um cativo na rotina produtiva – amaciá-lo, como diziam os escravistas.
O proprietário via o africano como ser primário, incapaz de compreender, aprender e comportar-se como homem civil.
SERES REDUZIDOS
“Nada impede o negro de se comportar como um monstro, a não ser a covardia e o temor ao castigo, e qualquer impressão moral lhe é estranha à alma […]”
Os escravizadores entendiam a resistência do escravizado à opressão escravista como tendência à barbárie e a negativa ao trabalho feitorizado, como preguiça.
PEDAGOGIA DA ESCRAVIDÃO
Um castigo, para cumprir seus objetivos pedagógicos, devia ser aplicado, sem excesso ou complacência, com rigor correspondente à falta cometida, para introjetar no produto punido e na comunidade escravizada a ideia de poder e da justiça do escravista.
“Qual será a mola que os poderá obrigar a preencher seus deveres? O medo, e somente o medo, aliás empregado com muito sistema e arte, porque o excesso obraria contra o fim que se tem em vista” (Taunay, 2001, p.55).
TORTURAR A ALMA
Eles deviam ser “executados” à vista de toda a escravatura, com maior solenidade, servindo assim o castigo de um para ensinar e intimidar os mais.
A punição não era um direito, mas uma obrigação do escravizador.
OPRESSÃO LINGUÍSTICA
Os escravistas despreocupavam-se em introduzir os africanos na prática do português.
Eram os cativos que tinham que se desdobrar para adquirir conhecimento rudimentar da língua dos senhores.
Tudo indica que o português conhecido como se fosse reduzido, tendo como comunicação das escravarias os falares africanos mais praticados nas unidades produtivas.
BABEL ESCRAVISTA
A introdução do cativo recém-chegado nas práticas agrícolas não exigia treinamento específico, já que lhe cabia tarefas rústicas, simples e pesadas, desenvolvidas em equipe, sob vigilância.
A existência de um ou mais cativos de mesma nacionalidade contribuía para o bom desenvolvimento e aclimação dos recém-chegados.
LADINOS, CRIOULOS E MULATOS
“Assim são chamados os negros que estão preparados para compreender alguma coisa da língua portuguesa, que se fazem entender que são ensinados para o serviço de casa ou para o trabalho na plantação.”
“Enquanto quase todos os negros da raça pura, libertos ou nascidos livres, permaneciam confinados a situações inferiores, os mestiços, pelo contrário, puderam alçar-se a todos os graus da escala social.” (Couty, 1988, p.103)
FAMÍLIA E EDUCAÇÃO
A capacidade de aprender devia-se à miscigenação do africano “bruto” com a cerpa racial mais “elevada”, e não às condições educacionais e sociais a que tinham acesso.
Onde era possível, esforçavam-se por estabelecer laços matrimoniais. A legalização religiosa permitia consolidar relativamente a relação.
A autonomia dos cônjuges era maior nas fazendas de ordem religiosa, registros de famílias estáveis que se reproduziam.
O filho devia respeito ao escravizador e não aos pais biológicos escravizados.
A EDUCAÇÃO DO CRIOULO
Era comum as mães trabalharem com os filhos atados às costas com panos.
Nos primeiros anos, o “muleque” corria solto pelas proximidades da senzala e da casa-grande.
Aos seis ou sete anos, era introduzido na vida de adulto.
Os crioulinhos mais hábeis eram destinados ao aprendizado das tarefas, sobretudo por imitação.
IMITANDO, COMO MACACOS
Na cidade, a grande maioria das crianças-adolescentes escravizados destinava-se a trabalhos duros que requeriam aprendizado sumário.
A ideologia escravista superava a visão do africano ou do afro-descendente intelectualmente minorado através da proposta de que ele aprendia sobretudo através da imitação, para qual teria singular gosto e vocação.
“Muitas vezes o gosto pela imitação permite que aprendam, pouco a pouco, ofícios difíceis e tornem-se relativamente suficientes neste campo.”
A VIDA NA CIDADE
Durante a escravidão colonial, o mundo urbano viveu na dependência do mundo rural.
Condições alimentares inferiores às das fazendas;
Espaços maiores para a manutenção ou superação dos costumes africanos;
A escravidão urbana abriu espaço para a formação formal e informal do trabalhador escravizado.
Um cativo aprendiz garantia uma alta renda, como ganhador, como escravo de aluguel, etc.
BOM NEGÓCIO
A escravidão brasileira desconheceu estabelecimentos educacionais para cativos.
O aprendizado era feito por acompanhamento, em forma isolada, com pouca sistematização.
Era comum que ensinassem “muleques” para vendê-los a melhor preço, quando formados.
Profissionais semi-especializados e especializados na educação formal de cativos.
CONTAR, LER E ESCREVER
As poucas escolas urbanas estavam vedadas ao ingresso de negros livres, quem dirá aos cativos.
Ler, escrever e contar era habilidade raríssima entre os trabalhadores feitorizados.
Alguns, raros, aprendiam com seus senhores, com professores ou aproveitando condições e capacidades excepcionais.
OS DIAS E AS NOITES
As condições dos cativos domésticos eram relativamente superiores às dos cativos assenzalados, ainda que se exagere sobre os privilégios que conheciam, sobretudo porque, não apenas nas residências de proprietários pobres ou somíticos, era habitual que eles trabalhassem portas adentro e portas afora, não raro da madrugada até altas horas da noite.
Nas moradias, alguns cativos adquiriam formação institucional mais refinada, aprendendo a ler, escrever, tocar instrumentos, etc.
MÃO DUPLA
A influência entre escravizadores e escravizados dava-se nos dois sentidos, ainda que de forma radicalmente desequilibrada.
Eram multidões de sinhozinhos e sinhazinhas “comendo os rr e os ss no fim das palavras, trocando os rr por ll; dizendo fazê, mndá, comê; dizendo cuié e muié; outras ainda, trocando o lh por l e dizendo coler e muler […]” (Freyre, 1996, p. 78).
TORTURADORES E TORTURADOS
A ordem escravista mantinha-se essencialmente através da coerção física do produtor.
Nas condições materiais de produção dadas, as relações sociais escravistas ensejavam que o nível cultural médio dos produtores escravizados se mantivesse muito baixo, o que determinava que imperassem atos, técnicas, processos e ferramentas muito simples e rústicos.
MALDITAS HERANÇAS
Pilar das visões de mundo das classes escravizadoras, a ideia do castigo físico justo, como recurso pedagógico excelente, penetrou as classes subalternizadas da época, tornando-se, a seguir, uma das mais arraigadas visões pedagógicas informais da civilização brasileira.
A mesma herança maldita fortalece a ainda muito ampla percepção pedagógica de dificuldade quase natural ao aprendizado das classes populares, sobretudo se afro-descendentes e se expressando nos padrões linguísticos populares divergentes da norma culta praticada e ditada pelos segmentos dominantes.
Autor: Raffaella Francini Gonçalves
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