Os Setes Saberes: Uma Abordagem Crítica-Filosófica
RESUMO: Este artigo tem como objetivo uma análise crítica sobre a relação entre o saber e o conhecimento e demonstrar que todo e qualquer saber envolve um compromisso sério com o conhecimento, e este um compromisso com a Realidade. O outro questionamento baseia-se na concepção de que temos ou não uma filosofia da educação ou uma educação para a filosofia segundo as teses defendidas por Edgar Morin e, por fim, apresentar uma crítica se estes “sete saberes” correspondem ou não com a nossa realidade e de que forma poderiam ser realizados no processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: conhecimento; saber; realidade; filosofia.
RESUMEN:
Este artículo tiene como objetivo un análisis crítico sobre la relación saber y conocimiento y demostrar que todo y cualquier conocimiento involucra un compromiso serio con el conocimiento, y este un compromiso con la Realidad. El otro cuestionamiento se basa en la concepción que tiene o no una filosofía de la educación o una educación para la filosofía según las tesis defendidas por Edgar Morin y, finalmente, presentar una crítica si estos “siete saberes” corresponden o no con nuestra realidad y de qué forma podrían lograrse en el proceso de enseñanza-aprendizaje.
Palabra-clave: conocimiento; saber; realidad; filosofía
Edgar Morin (Edgar Nahoum), nasceu em Paris em 8 de Julho de 1921, é um sociólogo e filósofo francês de origem judaico-espanhola (sefardita). Pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formado em Direito, História e Geografia, se adentrou na Filosofia, na Sociologia e na Epistemologia. Um dos principais pensadores sobre complexidade. Autor de mais de trinta livros, entre eles: O método, Introdução ao pensamento complexo, Ciência com consciência e Os sete saberes necessários para a educação do futuro. Durante a Segunda Guerra Mundial, participou da Resistência Francesa. É considerado um dos pensadores mais importantes do século XX.[1]
DA RELAÇÃO ENTRE SABER E CONHECIMENTO
Os sete saberes necessários à educação do futuro defendidos por Morin, como ele mesmo defende, não têm nenhum programa educativo, portanto não poderiam ser vistos como métodos ou manuais pedagógicos. Partindo desta posição, coloco-me, livremente, para expor algumas críticas que me parecem necessárias para a efetivação de alegações filosóficas.
A primeira a que me proponho é que, antes de estabelecer uma linha de defesa ou de ataque, haja, prudentemente, uma análise conceitual dos termos que serão julgados.
Muito se tem confundido o saber com conhecimento.
Alguns dicionários são taxativos quanto aos termos, chegando mesmo a julgá-los como sinônimos, principalmente quando usados como verbos.
No Houaiss [2] eletrônico da língua portuguesa, a palavra saber, que do latim sapere, significa ‘ter gosto’, ‘ter sabor’, ‘ter bom paladar’, ‘ter cheiro’, ‘sentir por meio do gosto’, ‘ter inteligência’, ‘ser sensato’, ‘prudente’, ‘conhecer’, ‘compreender’, ‘saber’; ver sab-; f.hist. 991 sabere, sXIII saber.
Fuft define saber como “ter conhecimento, ciência, informação ou notícia; ter conhecimentos técnicos e especiais relativos, ser instruído, ter meios, capacidades, conseguir, ter certeza, poder explicar, compreender, reter, indagar…” (Luft, 1921: p. 589)
Se considerarmos que os dicionários fazem uso da metalinguagem, ou seja, fazem uso de uma linguagem para dar significado a outra linguagem, isto nos levaria a uma relatividade etimológica, o que colocaria em “xeque” todos os conceitos e definições usados como representações simbólicas da realidade.
Morin avalia os Sete Saberes entendendo-os como Sete Conhecimentos, porém, ele mesmo alerta que o conhecimento sensorial e perceptivo estão sujeitos a erros, o que me leva a crer que o saber não é o mesmo que conhecimento, baseado em seu sentido etimológico, uma vez que não é pelo simples fato de experimentado o sal que me tornarei conhecedor do sal ou do que seja salgado.
Não posso dizer com certeza se Morin, após a introdução, quis definir conhecimento, pois se o fez, não ficou bem claro, tendo em vista que só apresentou uma crítica plagiada dos sofistas do ceticismo absoluto como Górgias (485-380 a.C.) e, principalmente, de Pirro (365-275 a.C.), que negou o conhecimento empírico devido aos erros dos sentidos e o conhecimento intelectual devido aos erros da razão.
Avaliado este ceticismo, fica claro que ainda não é possível chegar a um consenso dentro da epistemologia ou da teoria do conhecimento, o que vem a ser conhecimento.
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO OU UMA EDUCAÇÃO PARA A FILOSOFIA?
Ao tratar do assunto sobre o Conhecimento Pertinente, Morin define que é aquele que “não mutila o seu objeto.” (p.2)
A teoria da complexidade moriniana é uma fusão da visão holística [3] com a dialética hegeliana, cujo teor defende que “todas as coisas devem ser consideradas em função de sua interdependência, pois nada está isolado no mundo, bem como em função de seu movimento, compreendido não como o simples movimento mecânico…” e do próprio estruturalismo [4], de forma que é novidade a visão de conjunto, porém vale ressaltar que para se compreender o todo se faz necessário o conhecimento das partes, e considerando que toda parte é um composto de múltiplas partes, o conhecimento tornaria-se inviável, uma vez que tal compreensão levaria ao reducionismo, cujo método aplica-se aos objetos, fenômenos, teorias e significados complexos que podem ser sempre reduzidos, a fim de explicá-los, a suas partes constituintes mais simples, portanto o oposto da teoria da complexidade.
Ao enfatizar que “É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto”, Morin critica a visão quantitativa e defende a necessidade da contextualização, colocando como exemplo a questão econômica e os efeitos emocionais.
Não podemos negar esta interdependência e seus efeitos; a primeira globalização do período helênico trouxe consigo a alienação ideológica e psicológica, porém compreender o todo é um absurdo, uma vez que temos conhecimentos fragmentados e muitas vezes equivocados e distorcidos pelos erros citados posteriormente com relação à realidade.
No que diz respeito à Identidade Humana como terceiro aspecto, fica evidenciado a questão de que somos microcosmos dentro do macrocosmo, um humanismo individualista, porém limitado ao universalismo.
O questionamento que faço é se esta imanência é possível ser compreendida com a transcendência, como foi proposto pela fenomenologia hurselliana. Se a complexidade humana é um valor incontestável ou se é uma abominação natural que dificulta o conhecimento do homem sobre si mesmo e o mundo.
Morin (2000) apresenta uma alternativa para estas perguntas ao propor que “Somos todos filhos do cosmos, mas nos transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura. Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações.” (p.3)
Estas intersubjetividades necessárias à sobrevivência humana não representam algo novo; Antifonte (Séc. VI a.C.) defendia que “somos absolutamente iguais, bárbaros ou gregos.”
Este termo “igualdade” é por demais complexo quando se trata em termos culturais que, segundo Morin, é o fator que nos diferencia, além, é claro, das nossas idiossincrasias. Tudo isto nos leva à relatividade do conhecimento humano sobre si mesmo, tão abordado desde Sócrates (Séc. VI a.C.) até as filosofias de autoajuda do Pensamento Positivo (Séc. XXI d.C.), criando assim um outro abismo: Se o homem não é capaz de compreender as partes do todo seu EU, como compreenderá o Todo do Não-Eu?
Quanto ao quarto aspecto, que trata da compreensão humana, Morin defende um psicologismo utópico:
”… é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.”
É utopia porque vivemos num mundo marcado pelo individualismo, pelo oportunismo, pelo materialismo, pela ambição mesquinha e múltipla; as pessoas não estão preocupadas em compreender ninguém, mas em serem compreendidas pelos outros.
Esta busca de autoafirmação pode levar aos mais diversos conflitos, tanto sociológicos quanto psicológicos.
O século XX marcou o surgimento de novas ciências humanas como a Sociologia [5], com raízes do Positivismo, e a Psicologia [6], embrionária da Lógica Fenomenológica do Sujeito. A primeira, conhecida como ciências sociais, rotulava a resolução dos conflitos sociais, enquanto que a segunda, os conflitos pessoais. Pelo que sabemos, ainda não obtiveram resultados comprováveis.
Se elas se baseavam em meros estudos especulativos, não podem ser consideradas ciências, no sentido lato da palavra, pois suas “experiências” não apresentaram (até o momento) uma generalização para a compreensão coletiva e/ou individual.
Não acredito que “A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la.” pelo fato de que não há só uma inimiga da compreensão, mas várias: dentre elas, podemos destacar os interesses subjacentes, a ignorância da questão e as dificuldades de acesso às informações.
Pode até haver preocupação em ensinar a compreender; o problema é: quem está ensinando a compreender, aprendeu a compreender? Aprendeu a interpretar? Está ou não ensinando e interpretando de acordo com as suas idiossincrasias? Será que o tradotore é um traditore?” (p.1)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se observa na filosofia analítica e especulativa de Edgard Morin é uma tendência peculiar de potencialização da complexidade ao processo de ensino-aprendizagem e avaliação, não que isto signifique coisas novas, pelo menos para aqueles que se julgam educadores.
Enquanto muitos ensinam e aprendem sem saber se o que aprendem ou ensinam são verdadeiros, basta-nos contentar com os infinitos buracos negros que ainda persistem. O mundo não está preocupado em compreender o homem na sua individualidade, mesmo porque isto é uma utopia devido às impossibilidades sistêmicas. Quando falamos do mundo, falamos de um sistema que funciona com as partes em busca do Todo. O que se observa no texto de Morin é que muitas das suas defesas temáticas já foram condenadas em outras linhas e vice-versa.
A função da escola é fazer com que os conceitos espontâneos, informais, que os estudantes adquirem na convivência social, evoluam para o nível dos conceitos científicos, sistemáticos e formais, adquiridos pelo ensino. Eis o papel mediador do docente.
Considerando que este artigo de Morin foi escrito no ano 2000, quando se havia uma perspectiva messiânica do novo milênio, muitas destas concepções, talvez já tenham sido reformuladas por ele, além é claro que as atitudes dos homens no decorrer de suas transformações socioculturais são contingentes e necessárias.
Bibliografia parcial
________________http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EdgarMorin.pdf
1957, Les Stars, Le Seuil, Paris. Em português: As Estrelas de Cinema. Lisboa, Livros Horizonte, 1980. As Estrelas: Mito e Sedução no Cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
1962, L’esprit du temps, Grasset, Paris. Em português: Cultura de Massa no século XX – O espírito do tempo vol.I Neurose, Forense Universitária, Brasil, 1977 vol.II Necrose, Forense Universitária, Brasil, 1977
1973, Le Paradigme perdu: la nature humaine, Le Seuil, Paris. Em português: Enigma do Homem – Para uma nova Antropologia, Zahar, Brasil, 1979.
2001, L’Humanité de l’humanité (t. 5), 1. L’identité humaine, Paris, Le Seuil. Em português: O Método 5 – a humanidade da humanidade: a identidade humana. Sulina, 2003. Europa América, 2003
Para sair do século XX – As grandes questões do nosso tempo, Nova Fronteira, Brasil
1985, O problema epistemológico da complexidade, Europa América, Portugal (debate realizado em Lisboa, dezembro de 1983).
Introdução ao pensamento complexo, Instituto Piaget, Portugal, 1995
1991, Un noveau commencement (em colaboração com Gianluca Bocchi e Mauro Ceuti), Le Seuil, Paris.
1993, Terre-Patrie (em colaboração com Anne Brigitte Kern), Paris: Le Seuil. Em português: Terra-Pátria, Edições Sulinas, Rio Grande do Sul, 1996.
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[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Morin
[2] O dicionário Houaiss foi desenvolvido por uma equipe formada por mais de 150 especialistas- lexicógrafos, redatores, etimólogos, professores, datadores, revisores. O padrão de excelência da pesquisa e o rigor na realização da obra, em todas as suas etapas, o tornaram um divisor de águas, estabelecendo um novo paradigma do saber na língua portuguesa. Por isso a revista VEJA o considerou “um dos três mais completos do mundo”, Pasquale Cipro Neto, colunista da Folha de São Paulo, chama o Dicionário Houaiss de “verdadeiro monumento à língua portuguesa” e especialistas reunidos pela revista ÉPOCA consideram o Houaiss “o mais completo dicionário brasileiro”.
[3] Holismo (grego holos, todo) é a ideia de que as propriedades de um sistema, quer se trate de seres humanos ou outros organismos, não podem ser explicadas apenas pela soma de seus componentes.
[4] Verbete: estruturalismo
1. Denominação dada, em geral, aos estudos lingüísticos compreendidos entre o início do séc. XX e o advento, em 1957, da gramática gerativo-transformacional. Todo estudo lingüístico baseado no pressuposto metodológico de que qualquer ciência deve optar pela observação rigorosa do maior número possível de fatos, com vista a bem fundamentar suas proposições e generalizações, viabilizando, assim, a descoberta da estrutura.
[5] ‘estudo científico de fatos sociais humanos (considerados como objeto de estudo específico), dos grupos sociais como realidade distinta da soma dos indivíduos que os compõem’, voc. criado, em 1830, por Auguste Comte (1798-1857) como equivalente ao seu conceito de physique sociale; a palavra e seus derivados se incorporaram a todas as línguas de cultura, ainda pelo correr do sXIX, e esse foi um dos primeiros exemplos de hibridismo que os puristas aceitaram sem restrições.
[6] psic(o)- + -logia; segundo AGC- criado por Melanchthon (1497-1560), vulgarizado no fim do sXVI por Goclenius de Marburg; cp. fr. psychologie (1588) ‘ciência da aparição dos espíritos’, (1690) ‘parte da filosofia que trata da alma, suas faculdades e suas operações’ e ing. psychology (1653) ‘ciência da mente e do comportamento’; f.hist. 1836 psicologia.
[7] Disposição, temperamento ou maneira própria de cada indivíduo de ver, sentir e reagir de maneira muito pessoal à ação dos agentes externos.
[8] Doutrina fundamental do marxismo, cuja ideia central é que o mundo não pode ser considerado como um complexo de coisas acabadas, mas de processos, onde as coisas e os reflexos delas na consciência, i.e., os conceitos, estão em incessante movimento, gerado pelas mudanças qualitativas que decorrem necessariamente do aumento de complicação quantitativa.
[9] Corrente de pensamento iniciada por Sören Kierkegaard, filósofo dinamarquês (1813-1855), na qual se distinguem Martin Heidegger, Karl Jaspers (1891) e Jean-Paul Sartre, e para a qual o objeto próprio da reflexão filosófica é o homem na sua existência concreta, sempre definida nos termos de uma situação determinada, mas não necessária – o “ser-em-situação”, o “ser-no-mundo” – a partir da qual o homem, condenado à liberdade, por já não ser portador de uma essência abstrata e universal, surge como o arquiteto da sua vida, o construtor do seu próprio destino, submetido, embora, a limitações concretas; filosofias existenciais; filosofias da existência.
[10] Teoria desenvolvida na filosofia liberal inglesa, esp. em Bentham (1748-1832) e Stuart Mill (1806-1873), que considera a boa ação ou a boa regra de conduta caracterizáveis pela utilidade e pelo prazer que podem proporcionar a um indivíduo e, em extensão, à coletividade, na suposição de uma complementaridade entre a satisfação pessoal e coletiva.
Por: Paulo Dias Gomes
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