A plasticidade neuronal é a mudança na estrutura e funções do sistema nervoso, com a finalidade de adaptação às mudanças ambientais. Essa plasticidade vem de encontro com a capacidade que o ser humano tem em aprender, mesmo o indivíduo que tenha sofrido algum acidente de trânsito, possua alguma deficiência, no qual tenha afetado a região do cérebro, ele possui a capacidade de aprender, através da plasticidade neuronal.
Segundo SCHMIDT(2000), aponta que estímulos novos (ou seja, tudo o que atinge os nossos órgãos dos sentidos, como a visão, a audição, o tato, o olfato e o paladar representados, por exemplo, pelo sorriso de alguém desconhecido, do perfume de uma flor não familiar, de ouvir uma harmonia musical diferente) são capazes de impulsionar o cérebro para formar novas conexões. Assim, o nosso cérebro precisa de uma “dieta mental” para se tornar mais funcional e esperto. Uma dieta que inclua, entre outras coisas, novas formas de se fazer atividades rotineiras, como alterar o caminho da casa para o trabalho, experimentar novos sabores e introduzir continuamente novidades, como a aquisição de uma nova habilidade (tocar um instrumento musical, aprender um novo idioma, etc.).
O professor tem que estar em constante busca de novas alternativas para estimular com novas maneiras a aprendizagem, para que de fato possa ocorrer a plasticidade neuronal, na qual contribuirá de forma efetiva para seu desenvolvimento. Para mais informações sobre como estimular a aprendizagem, veja Educação Especial e Aprendizagem.
Desta forma o professor tem que estar atento à maneira pela qual ele irá fazer a mediação pedagógica junto aos alunos com necessidades educacionais especiais, uma vez que tal professor deve saber por quais caminhos as informações passam até chegar ao cérebro da criança, de que forma essas informações são processadas, e qual a melhor forma que determinada criança aprende, assim buscando estimular as vias sensoriais da melhor forma possível.
Há duas maneiras para essa mediação pedagógica:
1º) através da exposição direta ao estímulo, momento em que a criança aprende com o contato direto ao objeto. O estímulo aparece assistematicamente e incidentalmente, mas provê uma significativa rede de mudanças que afetam o funcionamento cognitivo e emocional. É o esquema primeiramente proposto pelos comportamentalistas (E-R), e, depois modificado por Piaget (E-O-R);
2º) através da experiência de aprendizagem mediada, isto é, por meio de um mediador humano, o objeto vai sendo apresentado à criança, e, com estimulação adequada, vai se promovendo a aprendizagem, o que no esquema anterior era incidental, neste é intencional. Assim, a criança experimenta situações que foram selecionadas intencionalmente, com um conteúdo de significado. (Kozulin, 1998; Feuerstein e Feuerstein, Shmuel, 1994).
A Aprendizagem Mediada é a maneira pela qual o professor apresenta o objeto de conhecimento, problematizado e trabalhado com o aluno por meio de estímulos, de forma a selecioná-los, ampliá-los ou interpretá-los utilizando de estratégias interativas que possibilitem o aprendiz a produzir significações, atribuir significados para utilização no dia a dia.
Enfim, o aluno não se beneficia somente da exposição direta a um estímulo em particular. Ele busca criar, a partir dela, atitudes, orientações, e técnicas que modificam a forma como ele processa informação e interage no meio em que vive.
REFERÊNCIAS:
VECTORE, Célia; DECHICHI, Claúdia; FERREIRA, Juliene Madureira. Mediação Pedagógica como estratégia de atuação junto a alunos do AEE. Ministério da Educação – MEC, 2010.
SCHMIDT, M.(2000) Gorduras inteligentes. Ed.Roca, São Paulo –SP.
FEUERSTEIN, R. Es Modificable la inteligencia? Madrid, Bruño, 1997.
KOSTIUK, G. S.(1991) “Alguns Aspectos da Relação Recíproca entre Educação e Desenvolvimento da Personalidade” In: Bases Psicológicas da Aprendizagem e do Desenvolvimento. Lisboa: Editora Stampa.
Autor: Elayne Jocelym dos Santos
Os neurônios são células características do sistema nervoso central que possuem a capacidade de estabelecer conexões entre si quando recebem estímulos advindos do ambiente externo ou do próprio organismo. Essas conexões são responsáveis por tudo o que somos. Por nossa personalidade, modo de agir, pela forma que nosso corpo vai adquirindo no transcorrer da vida.
Em linhas gerais, o processo se resume no seguinte. Uma vez estimulados, os neurônios geram impulsos de natureza elétrica e liberam íons e substâncias químicas que lançadas nas sinapses (espaços vazios entre um neurônio e outro) estabelecem ligações entre eles. A cada novo estímulo, a rede de neurônios se recompõe e reorganiza, o que possibilita uma diversidade enorme de respostas.
Plasticidade neuronal é o nome dado a essa capacidade que os neurônios têm de formar novas conexões a cada momento. Por isso, crianças que sofreram acidentes, às vezes gravíssimos, com perda de massa encefálica, déficits motores, visuais, de fala e audição, vão se recuperando gradativamente e podem chegar à idade adulta sem sequelas, iguais às crianças que nenhum dano sofreram.
Características do sistema nervoso
Drauzio – Como funciona a plasticidade neuronal?
Cláudio Guimarães dos Santos – Hoje sabemos que o sistema nervoso humano e de outros mamíferos é extremamente flexível e plástico. Há cerca de 20 ou 30 anos, a ideia era que fosse bastante estático, não só quando em condições normais de funcionamento, mas também quando alterado por alguma lesão.
Não sabíamos muito bem, por exemplo, como o sistema nervoso respondia a situações de aprendizagem, como se modificava – se é que se modificava – como se transformava. Evidentemente, sabíamos que as pessoas mudavam ao longo do tempo, mas não tínhamos ideia de como a estrutura nervosa, neuronal, respondia a essas modificações. Acreditava-se que a sequela era a consequência inevitável de uma lesão neurológica, pois a área danificada estaria perdida para sempre e a isso corresponderia um déficit funcional mais ou menos estático e irreversível.
Essa imagem mudou muito nos últimos anos. Em primeiro lugar, por causa das pesquisas de reabilitação realizadas em pacientes com disfunções cognitivas. Em segundo lugar, pelo advento de novas técnicas de neuroimagem funcional que permitiram o estudo da substância encefálica durante a realização das tarefas cognitivas.
Cognição e tarefas cognitivas
Drauzio – O que você entende por cognição e tarefas cognitivas?
Cláudio Guimarães dos Santos – Costumo usar o termo cognição como sinônimo de inteligência humana. Cognição, portanto, é a capacidade que nós, os humanos, temos de nos adaptar a situações as mais diferentes possíveis. Essa capacidade de adaptação é ímpar no reino animal. Cognição é o que nos caracteriza e nos torna humanos. É o que faz o homem criar obras como a “Nona Sinfonia” e “A Divina Comédia”, ou cometer chacinas.
Memória, linguagem, raciocínio lógico-matemático são exemplos de funções cognitivas, assim como são os aspectos afetivos e emocionais. Atualmente, não faz sentido a divisão entre razão, emoção e motivação, pois está claro que para todo fenômeno relacionado ao funcionamento da mente essas funções se interconectam de maneira intensa.
Drauzio – Não há como separar a razão da emoção…
Cláudio Guimarães dos Santos – A não ser em situações experimentais extremamente específicas, é muito difícil separar a razão da emoção. Mesmo que fosse possível manter um lógico resolvendo um problema de lógica dentro de um escritório, completamente isolado do mundo, ele acabaria pensando nos problemas do dia a dia, na esposa, na viagem que pretendem fazer juntos e tais pensamentos acabariam interferindo no seu raciocínio puramente formal.
Componentes do sistema nervoso central
Drauzio – Os seres humanos têm uma capacidade de planejamento que nenhum outro animal possui. É capaz de planejar o que pretende fazer dali a trinta dias com precisão: marca viagens, reserva hotéis, organiza passeios, programa a vida até a hora da partida e do regresso. Que componentes do cérebro humano garantem essa propriedade?
Cláudio Guimarães dos Santos – Vale a pena começar estabelecendo a diferença entre dois termos: encéfalo e cérebro. Entre nós, embora impróprio, cérebro é o termo mais comum, o mais usado na linguagem corrente. Isso provavelmente aconteceu por um problema de tradução ocorrido há muito tempo. A palavra brain, que em inglês se refere ao encéfalo, foi traduzida por cérebro em português e assim permanece até hoje.
Na verdade, a cognição humana depende do encéfalo, ou seja, de tudo aquilo que temos dentro da cabeça. Tentando explicar melhor. O sistema nervoso central divide-se em encéfalo e medula espinhal. Uma das partes do encéfalo é o cérebro.
Por que é importante fazer essa ressalva? Porque existe uma série de aspectos cognitivos que depende do cerebelo ou do tronco cerebral e essas duas áreas não fazem parte do cérebro. As técnicas de neuroimagem permitiram, por exemplo, verificar que estruturas como o cerebelo, no passado especificamente relacionado com motricidade e equilíbrio, são importantíssimas para a excelência do movimento e utilizadas quando a pessoa escreve, joga tênis, etc.
Drauzio – É bom lembrar que o cérebro é dividido em dois hemisférios. Como eles são constituídos?
Cláudio Guimarães dos Santos – Os hemisférios cerebrais são estruturas compostas por um núcleo chamado substância branca que é formada pelos prolongamentos dos neurônios, células nervosas responsáveis pela cognição (hoje sabemos que outro tipo de células cerebrais – as células da glia – também têm função cognitiva importante).
Os neurônios são constituídos basicamente por um corpo celular de onde saem os dendritos, filamentos ramificados que recebem a informação, e pelos axônios especializados na condução dessa informação para o neurônio seguinte.
A substância branca é toda recoberta externamente pelo córtex, uma camada muito fininha de células.
Drauzio – Qual é a espessura do córtex?
Cláudio Guimarães dos Santos – Alguns milímetros apenas. Interessante é que o córtex, apesar de muito fino, só cabe dentro da cabeça porque se dobra para recobrir os giros (protuberâncias) e os sulcos (reentrâncias), o que confere a aparência pregueada dos hemisférios cerebrais.
Quando, por alterações genéticas, o córtex é liso, sem entranças nem saliências, surgem problemas bastante sérios uma vez que a riqueza da cognição está associada à quantidade de células cerebrais existentes.
Drauzio – É possível estabelecer uma estimativa sobre a quantidade de neurônios?
Cláudio Guimarães dos Santos – É preciso lembrar uma questão ligada à neuroplasticidade. Parece que, ao nascer e dentro do útero, no período embrionário e principalmente no período fetal, temos muito mais células nervosas do que vamos utilizar ao longo da vida e que esse excesso será posteriormente destruído. Se considerarmos os primatas, o número de neurônios é de 30% a 60% maior no nascimento do que o número utilizado durante a vida toda. Se pensarmos nos axônios, essa diferença chega a 400%.
O mesmo acontece com os dendritos, prolongamentos ramificados do corpo celular dos neurônios, que recebem a informação. Nos primeiros um ou dois anos de vida, existe uma riqueza dendrítica enorme que mais tarde é perdida.
O fato é que normalmente se associa aprendizagem ou assimilação de informações à capacidade de formar conexões. Isso é verdadeiro, mas não é tudo. Parece que o sistema nervoso se vale de outro recurso: quando fixa informações, em vez de formar conexões, ele as apaga.
Drauzio – Apaga as que não interessam…
Cláudio G. dos Santos – Certamente apaga as que não interessam. Parece que o processo é mais ou menos o seguinte. Quando se forma algum tipo de assimilação, de modificação do sistema nervoso em resposta a determinado estímulo, o que se altera é o padrão das conexões e não há necessariamente a criação de novas conexões.
Cérebro em ação
Drauzio – Através dos métodos de imagem disponíveis hoje, podemos traçar os rumos que essas conexões tomam quando desenvolvemos determinadas atividades, quer dizer, conseguimos demonstrar o funcionamento do cérebro em ação.
Cláudio Guimarães dos Santos – Embora existam ainda muitas limitações, tanto de tempo quanto de resolução espacial, essas técnicas trouxeram uma série de informações novas sobre o funcionamento encefálico. Nesse aspecto, porém, é interessante fazer uma advertência. De uns dez anos para cá, as revistas de neurobiologia, neurociência, neuropsicologia, foram invadidas por imagens coloridas de encéfalos. Como consequência, hoje temos muito mais dados do funcionamento encefálico do que somos capazes de entender. Por isso, é preciso tomar cuidado com essa fartura delirante de imagens, uma vez que ajudaram a elucidar algumas coisas, mas ainda existe muita controvérsia a respeito do assunto.
Exemplos de imagens
Drauzio – Você poderia explicar a imagem 1?
Cláudio Guimarães dos Santos – É a imagem do hemisfério cerebral esquerdo e não uma imagem funcional nem a imagem do encéfalo. As áreas mais escuras, de cores mais fortes, são as áreas do hemisfério cerebral diretamente ligadas a algum tipo de função.Por exemplo, a mais escura está ligada à articulação da fala; em vermelho, à recepção de estímulos somestésicos, tato, pressão, posição do corpo; em verde, à motricidade e movimentação e, em azul, à visão.
É interessante mencionar que as áreas cinza teoricamente poderiam funcionar como multimodais, ou seja, capazes de processar informações provenientes de várias entradas sensoriais. Seriam áreas integrativas. No caso da espécie humana e dos primatas, essas áreas indiferenciadas crescem bastante. Isso faz com que grande parte do córtex sirva como “massa de manobra” para acomodar uma série de funções cognitivas. Por isso, fica difícil dizer onde estaria localizado, por exemplo, o raciocínio lógico-matemático, pois existe um componente importante no córtex frontal e existe outro no córtex temporal. A linguagem está ligada não só ao córtex parietal, mas também ao temporal e ao frontal.
Embora essa história de localizar as funções em determinados centros seja bastante antiga e ultrapassada, ainda se ouve falar em centro de linguagem, por exemplo. Em neurobiologia, definitivamente, os centros cerebrais estão fora de moda.
Drauzio – Na verdade, essas funções são muito complexas. A memória, por exemplo, integra muitas áreas cerebrais.
Cláudio Guimarães dos Santos – Até do ponto de vista prático, como separar linguagem e emoção de memória? É evidente que as regiões cerebrais ligadas a essa função vão acabar se comunicando de alguma forma.
Drauzio – Você poderia explicar a imagem 2?
Cláudio Guimarães dos Santos – Essa imagem reproduz o encéfalo como se ele tivesse sido cortado ao meio, longitudinalmente. Ela mostra o hemisfério cerebral esquerdo. O corte possibilita ver o tronco cerebral e o cerebelo. Já o córtex não pode ser visto por causa de sua estrutura anatômica, ou seja, uma fina camada de tecido que recobre essas dobraduras todas. Pode-se dizer que ele é a casquinha, a pele do hemisfério cerebral, só que uma pele bastante inteligente.
Drauzio – E a imagem 3?
Cláudio Guimarães dos Santos – A imagem 3 é muito elucidativa quando se quer falar sobre plasticidade neuronal. Ela mostra uma região do córtex cerebral (córtex somestésico) de um macaco correspondente aos dedos da mão. Portanto, está retratado nela o campo cortical dos dedos do macaco. A parte receptiva aferente aos dedos é representada por essas bolinhas que correspondem cada uma grosseiramente a um dedo.
Toda a vez que se mexe num dedo do macaco, os neurônios concentrados em uma das bolinhas respondem. É como se houvesse regiões do córtex especificamente relacionadas a cada um dos dedos. Se eu costurar dois dedos e treinar o macaco a pegar os objetos dessa maneira, as áreas do córtex correspondentes aos dedos, que eram independentes, passam a ser ligadas, ou seja, a separação acaba sumindo.
Drauzio – Quer dizer que não só uma alteração do cérebro provoca modificação nos movimento das mãos, como uma modificação nesse movimento provoca alteração no cérebro.
Cláudio Guimarães dos Santos – Exatamente. Mas isso não ocorre somente com os movimentos. Ocorre também com o córtex auditivo. A imagem 4 mostra a representação dos campos corticais correspondentes a várias frequências que o macaco consegue ouvir e discriminar.
Como se sabe, o som distribui-se em frequências mais agudas e mais graves. A imagem mostra o campo receptivo cortical de um macaco não treinado para nenhuma frequência e a bolinha indica o que ele consegue ouvir em determinada frequência. Se eu treinar esse macaco para distingui-la quando aparece em relação a outras, o campo cortical daquela frequência irá invadir outras áreas.
Drauzio – Isso aconteceria com as pessoas que têm ouvido musical apurado?
Cláudio Guimarães dos Santos – De certa forma, sim. Embora o ouvido absoluto pareça ser uma capacidade inata, não há dúvida de que corresponde a maior quantidade de córtex alocada para essa função.
O interessante nisso é que maior quantidade de córtex alocada para uma função significa menor quantidade alocada para outras funções. As excelências frequentemente vêm acompanhadas de deficiências.
Drauzio – Em geral, só pensamos nas maravilhas de que os outros são capazes.
Cláudio Guimarães dos Santos – Infelizmente, não dá para fazer tudo com o córtex que temos.
Neuroplasticidade e reabilitação
Drauzio – O que se pode dizer quanto à sensação do membro fantasma a que os amputados se referem?
Cláudio Guimarães dos Santos – A imagem 5 refere-se a uma situação bastante conhecida por quem trabalha com pacientes amputados.Essas pessoas frequentemente continuam sentindo a presença do membro que perderam. Durante muito tempo se discutiu, e ainda se discute hoje, qual seria o mecanismo neurobiológico subjacente a essa sensação.
Já se sabe, porém, que as regiões corticais que anteriormente recebiam as informações daquele membro passam a ser utilizadas por outras áreas. Por exemplo: áreas correspondentes à face acabam se apropriando daquelas em que havia estimulação do membro amputado. Então, quando se estimula a face do indivíduo, ele se refere a uma sensação na mão que não está mais lá.
Isso pode ser explicado pela confusão no córtex entre as áreas anteriormente ligadas à face e as áreas ligadas ao membro superior. É esse rearranjo que determina o fenômeno do membro-fantasma.
Drauzio – Que avanços trouxe o conhecimento da neuroplasticidade para a reabilitação dos pacientes?
Cláudio Guimarães dos Santos – A neuroplasticidade lançou luzes sobre a reabilitação. Trouxe esperança muito grande para os pacientes com lesões encefálicas. Sabemos que eles podem ser reabilitados dentro de certos limites, porque são dotados de flexibilidade, de plasticidade cerebral e que existem técnicas mais eficientes do que outras para realizar esse trabalho.
Durante muito tempo, a ideia de reabilitação foi desacreditada. O conhecimento da neurobiologia da flexibilidade cerebral mostrou que as pessoas podem efetivamente ser reabilitadas. Hoje se pensa em reabilitação não só de doenças recorrentes de lesões agudas, de derrames, mas de lesões crônicas como as que ocorrem nas demências ou na doença de Alzheimer. A credibilidade na reabilitação passou a ser maior quando se mostrou que era possível o sistema nervoso modificar-se e responder aos estímulos.
Contestando os dogmas
Drauzio – Esse pessimismo ia contra a evidência dos fatos. Todo o mundo conhece alguém que sofreu um derrame, perdeu o movimento de um braço e de uma perna e depois de certo tempo recuperou a capacidade de movimentá-los.
Cláudio Guimarães dos Santos – Você citou um exemplo do que eu chamo de confusão teorética. O que sabemos das ciências está ancorado numa série de teorias. É raro olharmos o mundo diretamente, de frente. A ideia da inexistência da flexibilidade do sistema nervoso era teorética e contrariava a evidência dos fatos. Foi preciso acumular muita observação para aceitar que ela fosse modificada.
Hoje sabemos que outro dogma da neurobiologia foi quebrado recentemente: a ideia de que depois do nascimento não há multiplicação de neurônios. Resultados de pesquisas realizadas no final dos anos 1990 mostraram que existem diferenciação e multiplicação de neurônios no indivíduo adulto. A importância dessa descoberta para a neuroplasticidade ainda é um assunto a ser investigado mais a fundo.
Drauzio – Era um dogma absoluto a perda e a não reposição dos neurônios no decorrer da vida.
Cláudio Guimarães dos Santos – Nos anos 1970, 1980, já havia sido detectada essa multiplicação de neurônios em pássaros e em outros mamíferos. Em humanos isso só ficou claro mais tarde e foi como um tremor de terra dentro da neurobiologia em particular e das neurociências em geral.
Drauzio – Admitir que o fenômeno existe é reconhecer que talvez exista uma forma de estimulá-lo.
Cláudio Guimarães dos Santos – Sem dúvida, a potencialidade existe e foi demonstrada justamente numa região, o hipocampo, que é fundamental para a memória. Talvez exista, ainda, uma relação mais importante ligando a capacidade de multiplicação de neurônios à memória e à capacidade de aprendizagem.
Drauzio – O que se pode fazer para estimular a plasticidade cerebral?
Cláudio Guimarães dos Santos – Sempre que se levanta essa questão, digo que o melhor é utilizar o encéfalo. Parece que ele, como qualquer outra estrutura do corpo, quanto mais usado for, melhor funcionará. Mas, é preciso fazê-lo da melhor maneira possível. Ele não existe para a pessoa tomar socos na cabeça, mas para ela pensar, raciocinar, escrever, desenhar, pintar. A melhor estimulação que se pode oferecer-lhe é fazer com que trabalhe de forma criativa. O que é repetitivo, monótono, sem graça não estimula o funcionamento do encéfalo. Atividades criativas e com aspecto motivacional intenso preservam, dentro de certos limites, o aparecimento de doenças degenerativas como as demências.
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