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Atualizado em 09/08/2024

O especial na educação x o especial da educação

Este artigo analisa a diferença entre o conceito de 'especial na educação' e 'especial da educação', discutindo a importância da inclusão total e incondicional de todos os alunos nas escolas regulares, além de abordar a formação de professores e as práticas pedagógicas necessárias para uma educação inclusiva.

INTRODUÇÃO

O autor apresenta uma análise densa e complexa dos sistemas de exclusão e desigualdade no contexto das sociedades modernas sob o impacto da globalização. Focaliza as diferenças como constitutivas de grupos identitários e discute os paradigmas da exclusão, da segregação e da integração como fenômenos reguladores do sistema de pertença hierarquizada.

Existe, ao nosso ver, na base desses equívocos e restrições, uma indiferenciação entre o especial da educação e o especial na educação.

O especial na educação tem a ver com o que está posto no Documento, do ponto de vista operacional. Neste caso, o que se entende é que as condições da inclusão implicam a justaposição do ensino especial ao regular, ou seja, o inchaço deste, pelo carreamento de profissionais, recursos, métodos, técnicas da educação especial às escolas regulares. Em outras palavras, esta proposição tem a ver com o que já existe há muito tempo e que sustenta o modelo organizacional da integração escolar, entendida no Documento como integração parcial, na qual o aluno tem de se adequar ao ensino regular para cursá-lo e o staff do ensino especial vai lhe servir para isso.

O que define o especial da educação não é a dicotomização e a fragmentação dos sistemas escolares em modalidades diferentes, mas a capacidade de a escola atender às diferenças nas salas de aula, sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns, sem estabelecer regras específicas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avaliação da aprendizagem especiais).

O especial da educação tem a ver com a inclusão total, incondicional de todos os alunos às escolas de seu bairro, como cita Salamanca, e que ultrapassa o âmbito dos alunos com deficiência, englobando-os, sem dúvida. Este especial da educação não é requerido apenas para a inserção de alunos com deficiência, mas para que possamos reverter uma situação vergonhosa da escola brasileira, hoje, marcada pelo fracasso e pela evasão de uma parte significativa dos seus alunos.

Em outras palavras, este especial qualifica as escolas que são capazes de incluir os alunos excluídos, indistintamente, descentrando os problemas relativos à inserção total dos alunos com deficiência e focando o que realmente produz essa situação lamentável de nossas escolas.

Um grupo bem mais amplo de aprendizes está desmotivado, infeliz, marginalizado pelo insucesso e privações constantes e pela baixa auto-estima resultante da exclusão escolar e da sociedade – alunos que são vítimas de seus pais, de seus professores e, sobretudo, por viverem em condições de pobreza em todos os seus sentidos. Esses alunos são sobejamente conhecidos das escolas, pois repetem as suas séries várias vezes, são expulsos, evadem e ainda são rotulados como mal nascidos e com hábitos que fogem ao protótipo da educação formal.

É certo que os alunos com deficiência constituem uma grande preocupação para os educadores inclusivos, mas todos sabemos que a maioria dos alunos que fracassam na escola são crianças que não vêm do ensino especial, mas que possivelmente acabarão nele!

Outro ponto a ser lembrado é a exequibilidade da inclusão escolar. É importante destacar que as transformações exigidas pela inclusão escolar não são utópicas e que temos meios de efetivá-las. Essas mudanças já estão sendo implementadas em alguns sistemas públicos de ensino e em escolas particulares no Brasil e no exterior, que aceitaram o desafio de se tornar verdadeiramente inclusivos e estão fundamentados nas teorias educacionais pós-modernas, no multiculturalismo, e em novos paradigmas que emergem no cenário da educação neste início de século.

As implicações pedagógicas que podemos retirar dessas novas contribuições teóricas são inúmeras e a LDB já indica algumas delas em seu texto, quando se refere, por exemplo, a novos critérios para a formação de turmas escolares (ciclos de formação e de desenvolvimento), quando sugere planos de desenvolvimento individualizados das escolas, respeitando a identidade social e cultural dos alunos, participação ativa dos pais nas decisões das escolas e outros meios pelos quais podemos compatibilizar os princípios de uma educação verdadeiramente inclusiva, com alternativas pedagógicas e organizacionais necessárias à sua consecução.

Em uma palavra, mudam as escolas e não mais os alunos!

Pensar, decidir e trabalhar em favor da inclusão é deflagrar por essa tão óbvia concepção uma revolução no ensino!

SOBRE A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

Quanto à formação dos professores na ótica do especial na educação, já temos muitos meios de capacitar esses profissionais: nas Habilitações dos Cursos de Pedagogia, nas inúmeras especializações que se criam nos cursos de pós-graduação, na formação continuada oferecida pelas redes de ensino como “cursos preparatórios para a inclusão”, no acervo de clínicas e instituições que atendem a alunos e pessoas com deficiência. Trata-se da velha e conhecida formação que é necessária para manter a ideia de que a escola-clínica é a que resolve os problemas das deficiências e, em consequência, da inclusão escolar.

A formação tradicional em educação especial não se destina a profissionais que terão o compromisso de incluir os excluídos da escola, pois não lhes incute a ideia do especial da educação, que redireciona objetivos e práticas de ensino, pelo reconhecimento e valorização das diferenças. Porque continua a dividir, a separar, a fragmentar o que a escola deve unir, fundir, para se fortalecer e tornar-se justa e democrática, cônscia de seus deveres e dos preceitos constitucionais que garantem a todos os cidadãos brasileiros uma escola sem preconceitos, que não discrimina, sob qualquer pretexto – Art.3º parágrafo IV do Título I da Constituição da República Federativa do Brasil.

Na perspectiva da educação aberta às diferenças e do ensino inclusivo, a formação dos professores não acontece pelos mesmos caminhos acima referidos; ela é construída no interior das escolas, continuamente, à medida que os problemas de aprendizagem dos alunos com e sem deficiência aparecem e considerando-se concomitantemente o ensino ministrado, suas deficiências, inadequações, conservadorismo.

Trata-se de uma nova formação, que busca aprimorar o que o professor já aprendeu em sua formação inicial, ora, fazendo-o tomar consciência de suas limitações, de seus talentos e competências, ora, suplementando esse saber pedagógico com outros, mais específicos, como o sistema braile, as técnicas de comunicação e de mobilidade alternativa/aumentativa, ora aperfeiçoando a sua maneira de ensinar os conteúdos curriculares, ora levando-o a refletir sobre as áreas do conhecimento, as tendências da sociedade contemporânea, ora fazendo-o provar de tudo isso, ao aprender a trabalhar com as tecnologias da educação, com o bilinguismo nas salas de aula para ouvintes e surdos.

Mas tudo isso sendo entendido como um processo de trabalho que é necessário para que a escola acolha a todos os alunos, sem preconceitos e cônscia de seus compromissos de formadora e não apenas de instrutora das novas gerações e transmissora de um saber, que é ultrapassado continuamente e que, assim sendo, não pode ser sistematizado aprendido/ensinado, como antes.

Como ensinar aos professores em formação inicial ou em serviço práticas heterogêneas e inclusivas, a partir de uma política de formação de professores que enfatiza a deficiência, que categoriza os aprendizes e seus professores e que, assim procedendo, opta pela homogeneidade das práticas e exclui os que nela cabem em uma modalidade específica de educação?

Na verdade, o ensino dicotomizado em regular e especial define mundos diferentes dentro das escolas e dos cursos de formação de professores. Essa divisão perpetua a ideia de que o ensino de alunos com deficiência e com dificuldades de aprendizagem exige conhecimentos e experiência que não estão à altura dos professores regulares. Há mesmo um exagero em tudo o que se relaciona à educação especial, que desqualifica o ensino regular e os professores que não têm a habilidade de ensinar essa clientela.

Temos, então, de recuperar, urgentemente, a confiança que os professores do ensino regular perderam de saber ensinar todos os alunos, sem exceção, por entenderem que não há alunos que aprendem diferente, mas diferentemente.

Resumindo o que acabamos de descrever e comentar, podemos afirmar que existiu e ainda existe uma ambiguidade na direção dos atendimentos da educação especial.

As principais tendências de nossas políticas nacionais de educação especial até 1990 foram o atendimento terapêutico e assistencial, em detrimento do educacional, propriamente dito. A ênfase no apoio do governo às ações das instituições particulares especializadas nas deficiências continua acontecendo, o que marca a visão segregativa da educação especial no Brasil. Infelizmente, ainda não se tem uma clara definição das nossas autoridades educacionais sobre a adoção de uma política verdadeiramente inclusiva em nossas escolas regulares.

Se a educação especial se protege, ao se mostrar temerosa por uma mudança radical da escola, a educação regular se omite totalmente, passando pela questão muito rapidamente, mas protegendo-se da mesma forma de toda e qualquer transformação de seu trabalho nas escolas, alegando falta de preparo dos professores e de condições funcionais para atender a todas as crianças, inclusive as que têm deficiências.

Nesse jogo político-institucional, quem perde são sempre as crianças e a nação brasileira, que tem suas novas gerações mais uma vez privadas dos benefícios de uma escola que ensinaria justiça, democracia e abertura às diferenças, pelo método mais eficiente – a convivência entre pares.

A educação especial e todas as utilizações dessa adjetivação nos programas, projetos, planos de ação para desenvolver a escolaridade de alunos com deficiência ainda têm um peso muito forte e ajudam a dividir os alunos, professores, sistemas, escolas, ideias, legislação, ao invés de ampliar a especialização do ensino em todos os alunos.

E O QUE HÁ DE NOVO?

O movimento inclusivo, nas escolas, por mais que seja ainda muito contestado, pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, especialmente no meio educacional, é irreversível e convence a todos pela sua lógica e pela ética de seu posicionamento social.

A inclusão está denunciando o abismo existente entre o velho e o novo na instituição escolar brasileira. A inclusão é reveladora dessa distância que precisa ser preenchida com as ações que relacionamos anteriormente.

Assim sendo, o futuro da educação inclusiva está, ao nosso ver, dependendo de uma expansão rápida dos projetos verdadeiramente embuídos do compromisso de transformar a escola, para se adequar aos novos tempos.

Não se muda a escola com um passe de mágica, mas a implementação da escola inclusiva é um sonho possível e estamos trabalhando nesse sentido, colhendo muitos resultados animadores em redes de ensino e em escolas particulares brasileiras.

O LEPED/Unicamp tem assessorado inúmeros projetos em todo o Brasil, nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e ao mesmo tempo pesquisado o que está sendo realizado diretamente nas salas de aula, produzindo dessa maneira conhecimento a respeito da inclusão escolar.

Os principais indicadores de sucesso dos nossos projetos têm a ver com as mudanças atitudinais de professores, diretores e da comunidade escolar, assim como dos pais e alunos das escolas, diante da inclusão. Não se trata aqui de alunos com deficiência, mas de todos os alunos que estão na escola, mas marginalizados, e dos que estão fora dela, porque foram excluídos ou ainda não conseguiram nelas penetrar, por preconceitos de toda ordem: sociais, culturais, raciais, religiosos. Somos um país transcultural dada a nossa forte miscigenação, mas nem por isso deixamos de discriminar e de isolar os grupos minoritários mais estigmatizados e também outros, que foram e são considerados inferiores, como os negros, índios, imigrantes e migrantes do Norte e Nordeste, entre outros.

No âmbito das escolas com as quais estamos trabalhando, os indicadores de sucesso aparecem também atrelados ao cumprimento dos planos de ação dos sistemas de ensino e das escolas, individualmente.

Salientamos que esses sistemas em que trabalhamos todos eles excluíram a educação especial de seus organogramas e com isso temos outras condições de tratar as novas propostas de organização do ensino nas escolas, livres de toda saída possível para fugir da inclusão. Uma modalidade de ensino única reduz as chances de se encaminhar os problemas e as dificuldades para ensinar algumas crianças, com ou sem deficiências, em ambientes à parte e remete os problemas de ensino às escolas, aos professores, à estrutura e ao funcionamento geral dos sistemas. Essa situação desafiadora faz com que se ultrapassem os limites pedagógicos e administrativos das escolas, na direção da inclusão.

Em uma palavra, o desafio da inclusão está desestabilizando as cabeças dos que sempre defenderam a seleção, a fragmentação do ensino em modalidades, as especializações e especialistas, o poder das avaliações, da visão clínica do ensino e da aprendizagem. E como não há bem que sempre ature, está sendo difícil manter resguardados e imunes às mudanças todos os que colocam nos alunos a incapacidade de aprender.

PENSANDO E FAZENDO UMA ESCOLA PARA TODOS: a inclusão escolar

O momento é de descartar os subterfúgios teóricos, as distorções propositais do conceito de inclusão, condicionada à capacidade intelectual, social e cultural dos alunos, para atender às expectativas e exigências da escola. Porque sabemos que podemos refazer a educação escolar, segundo novos paradigmas, preceitos, ferramentas, tecnologias educacionais.

De fato, as condições que temos, hoje, para transformar as escolas brasileiras nos autorizam a propor uma escola única, em que a cooperação substitui a competição, pois o que se pretende é que as diferenças se complementem e que os talentos de cada um sobressaiam. Dentre as inúmeras reformas que estamos realizando nas escolas e redes de ensino em que estamos implementando uma escola para TODOS, a elaboração e a execução de currículos, em todos os níveis de ensino, implicam em interação e não mais em distribuição e transmissão do saber por via unilateral e hierarquicamente direcionada, do professor para o aluno. Ambos podem e devem ser co-autores dos planos escolares, compartilhando todos os seus atos, do planejamento à avaliação, e respeitando-se mutuamente.

As turmas escolares organizadas por ciclos de desenvolvimento e formação fazem desaparecer as séries escolares e o tempo de aprender passa a ser um aliado e não mais um inimigo dos alunos.

A avaliação da aprendizagem torna-se um processo de duas mãos em que não se analisa apenas um de seus lados, o do aluno, sem conhecer o outro, o do ensino e atuação do professor.

Estamos, a duras penas, combatendo a descrença e o pessimismo dos acomodados e mostrando que a inclusão é uma grande oportunidade para que alunos, pais e educadores demonstrem as suas competências, poderes e responsabilidades educacionais.

As ferramentas estão aí, para que as mudanças aconteçam, urgentemente, e re-inventemos a escola, desconstruindo a máquina obsoleta que a dinamiza, os conceitos sobre os quais ela funciona, os pilares teórico-metodológicos em que ela se sustenta.

Os pais são os grandes aliados dos que estão empenhados na construção da nova escola brasileira – a escola inclusiva, aberta às diferenças. Eles são uma força estimuladora e reivindicadora dessa tão almejada recriação da escola, exigindo o melhor para seus filhos, com e sem deficiências, e não se contentando com projetos e programas que continuem batendo nas mesmas teclas e/ou maquilam o que sempre existiu.

Os pesquisadores do LEPED/Unicamp têm trabalhado sobre os resultados desses projetos e também sobre as condições mais favoráveis à inclusão escolar. Muitos desses estudos foram concluídos e estão em andamento. São teses de Doutorado em Educação, dissertações de Mestrado que orientamos na Faculdade de Educação e que constituem já um acervo pertinente a questões relativas à inclusão.

Pensamos que o essencial é que todos os investimentos atuais e futuros da educação brasileira não devem repetir o passado, mas considerar, verdadeiramente, o papel da escola e de seus educadores ao ensinar a importância da diversidade em todas as suas manifestações, inclusive na nossa própria espécie. E para termos sempre presente que o nosso problema mais urgente e relevante, antes de toda e qualquer preocupação que possamos ter com os alunos que já estão nas escolas, é com os que estão fora delas e com tudo o que as torna injustas, discriminadoras e excludentes.

INCLUSÃO ESCOLAR


A inclusão escolar visa reverter o percurso de exclusão de qualquer natureza e ampliar as possibilidades de inserção de crianças, jovens e adultos em escolas regulares. Estas escolas deveriam incluir crianças com deficiências ou altas habilidades, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos vulneráveis ou marginalizados. O movimento mundial por uma educação para todos vem se fortalecendo, sobretudo, a partir das últimas décadas.

Uma decorrência desse movimento é a aprovação e ratificação de recomendações e princípios proclamados, internacionalmente, em convenções, conferências e documentos dos quais o Brasil é signatário.

É o caso, por exemplo, da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, em 1990, em Jomtien, Tailândia. Outro exemplo é a ratificação das Normas Uniformes Sobre a Igualdade de Oportunidades Para Pessoas com Deficiência, em 1993, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas-ONU. Neste contexto, na Espanha, em 1994, realizou-se a Conferência Mundial de Educação Especial que deu origem à Declaração de Salamanca que propõe a escola inclusiva, isto é, uma escola aberta às diferenças, na qual crianças, jovens e adultos devem aprender juntos, independentemente de suas características, origens, condições físicas, sensoriais, intelectuais, linguísticas ou emocionais, econômicas ou socioculturais. Segundo proclama a Declaração de Salamanca:

“Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. (…) O desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de bem-sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que possuam desvantagem severa. O mérito de tais escolas não reside somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas as crianças: o estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva.”

Um dos princípios norteadores da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação – LDB 9.394/96 é o da igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. A LDB reconhece a educação infantil como direito e prevê a garantia de condições adequadas à escolarização de jovens, adultos e trabalhadores, a qualidade de ensino em todos os níveis e modalidades educacionais, além de outros direitos e obrigações. (Título III, Artigo 5 I-IX) A reafirmação de identidades étnicas e o desenvolvimento de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas são apontados em diversas proposições.

A LDB rompe com o modelo assistencial e terapêutico operante, até então, no que diz respeito ao tratamento dispensado a educandos com deficiências e necessidades educacionais especiais. Tais proposições nos permitem inferir que os pilares fundamentais da LDB podem favorecer à concretização de projetos flexíveis e inovadores referenciados no ideal de uma escola inclusiva.

INTEGRAÇÃO OU INCLUSÃO?

As primeiras experiências de atendimento às pessoas com deficiências física, sensorial e mental datam do século XVII, quando as anormalidades despertavam comiseração, altruísmo e o espírito humanitário de religiosos, filantropos e médicos abnegados. Durante a Idade Média, as práticas vigentes eram orientadas por crenças, superstições e pelo pensamento não científico. A religiosidade impregnante estimulou o exorcismo e o isolamento como meios de erradicação de supostos malefícios atribuídos ao convívio com seres considerados endemoniados, por apresentarem deformidades físicas ou comportamentos bizarros. Essas iniciativas, no entanto, refletem uma certa mudança de paradigma, considerando-se que, na antiguidade, crianças nascidas defeituosas eram condenadas ao infanticídio.

A partir do século XIX, a institucionalização/segregação tornou-se prática recorrente, e instituições residenciais de cunho assistencial e terapêutico proliferaram da Europa para os Estados Unidos. No Brasil, o atual Instituto Benjamin Constant e o Instituto Nacional de Educação de Surdos, criados na década de 50 do século XIX, no Rio de Janeiro, representam um marco dessa tendência e podem ser considerados precursores da educação especial no País. O panorama brasileiro é retratado em um estudo, realizado por Mazzotta (1996), no qual o pesquisador reúne dados e exemplos de experiências educacionais voltadas para as pessoas com deficiência, ao longo do tempo, e evidencia a omissão do poder público no decorrer do último século. A partir desse panorama, MANTOAN (1998) conclui que:

“Essas iniciativas não estavam integradas às políticas públicas de educação e foi preciso o passar de um século, aproximadamente, para que a educação especial passasse a ser uma das componentes de nosso sistema educacional. De fato, no início dos anos 60 é que essa modalidade de ensino foi instituída oficialmente, com a denominação “educação dos excepcionais”.

A partir da década de 70 do século passado, o movimento passou a ser o de desinstitucionalização ou dessegregação com ênfase no integracionismo que deu origem à implantação de serviços de apoio e a outras alternativas de atendimento educacional e de saúde. Em decorrência, observa-se a manutenção de estruturas de ensino segregado e a proliferação de classes especiais, salas de recursos e serviços especializados para onde são encaminhados alunos com deficiência e com necessidades educacionais especiais. Presenciamos, hoje, a coexistência conflitiva entre o paradigma de integração e o de inclusão escolar que encerram modalidades distintas de inserção desses alunos em escolas de ensino regular.

O modelo de integração – representado pelo sistema de cascata (mainstreaming) – constitui um mecanismo paralelo de avaliação no qual a inserção é parcial e condicionada às possibilidades de o aluno adaptar-se à escola. Baseia-se no princípio de normalização, isto é, na preparação do aluno para acompanhar uma turma ou série em um ambiente o menos restritivo possível. Inversamente, o paradigma da inclusão escolar, representado pelo caleidoscópio, preconiza a inserção incondicional do aluno desde o início de sua trajetória escolar sem a mediação do ensino especial. Visa transformar a escola e os ambientes educacionais, ao promover mudanças de atitudes e o convívio natural com as diferenças como experiência de formação pessoal e profissional. Em outras palavras:

“O paradigma da inclusão escolar desloca a centralidade do processo para a escola, tendo por princípio o direito incondicional à escolarização de todos os alunos nos mesmos espaços educativos. Produz uma inversão de perspectiva no sentido de transformar a escola para receber todos os educandos com suas diferenças e características individuais. A concretização desta possibilidade não dispensa o adequado aparelhamento da escola e a capacitação docente. Reconstruir uma escola exige a revisão de posturas e concepções, o reordenamento do trabalho pedagógico e o investimento vultoso em estruturas includentes.” (SÁ, 1998).

A concretização da escola inclusiva baseia-se na defesa intransigente de princípios e valores éticos, nos ideais de cidadania, justiça e igualdade para todos, em contraposição aos sistemas hierarquizados de desigualdade e inferioridade.

“Uma política de igualdade genuína é a que permite a articulação horizontal entre as identidades discrepantes e entre as diferenças em que elas assentam. O novo imperativo categórico que deve presidir a uma articulação pós-moderna e multicultural das políticas de igualdade e identidade é termos o direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; termos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza.”(SANTOS, 1995).

Para que esse ideal se torne realidade, a escola precisa adaptar-se às diferenças e responder às necessidades gerais e específicas de todos os alunos. A transformação da escola envolve o compromisso de educadores, pais, especialistas, agentes do poder público e de outros atores sociais para assumir desafios, formar novas competências e constituir uma rede de solidariedade. Trata-se, pois, de um amplo movimento de transformação e de democratização da educação como direito de todos, tendo como horizonte a construção de uma sociedade inclusiva.

Esse ideal pode ser alcançado por meio da conjugação de esforços e da disposição individual e coletiva para rever práticas e posturas. Nesse sentido, destacamos alguns fatores que favorecem a transformação da escola para que ela se torne inclusiva:

  • Valorização das diferenças como objeto de conhecimento, fenômeno educativo e manifestação da complexidade e heterogeneidade da natureza humana;
  • O projeto pedagógico da escola construído coletivamente;
  • Desenvolvimento de estratégias de ensino que respeitem diferentes sistemas expressivos, ritmos, estilos de aprendizagem e a manifestação de valores, talentos e habilidades.
  • Uma concepção de currículo como sistema aberto, mutável, capaz de refletir e ampliar as experiências vividas;
  • Organização flexível dos tempos e dos espaços escolares, arranjos organizacionais e estratégias de ensino condizentes com as necessidades dos alunos;
  • Atividades que possibilitem o diálogo, a interação grupal, o exercício de cooperação, solidariedade, espírito crítico e a criatividade;
  • Relação de parceria entre escola, família e comunidade;
  • O investimento na formação continuada em serviço e na valorização do magistério;
  • Articulação entre a escola e os movimentos sociais.

Elizabet Dias de Sá

Especialista em Psicologia Educacional pela PUC/MG

Para saber mais…

BRASIL. Ministério da Justiça. Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília:CORDE, 1997.

Esta declaração é fruto do consenso internacional acerca da proposta de uma escola inclusiva. reúne princípios, proposições e recomendações que visam assegurar o direito de todos à educação.

FOREST, M. et al. What is inclusion? Disponível em:<http://inclusion.com> Acesso em: 07 maio 2002. (traduzido por Edicléia Mascarenhas Fernandes)

Depoimentos de situações vivenciadas por famílias do Canadá e dos Estados Unidos.

MANTOAN, M. T. E. et al. Pensando e fazendo educação de qualidade.São Paulo: Moderna, 2001

Este livro discute o conceito de qualidade na educação e possibilita compreender a dimensão da escola inclusiva. Apresenta relatos de experiências e projetos desenvolvidos em escolas abertas às diferenças.

MANTOAN, M. T. E. Integração X Inclusão: educação (de qualidade) para todos. Porto Alegre, Revista Pátio, a.5, p. 48-51, 1998.

Neste artigo, a autora discute a diferença entre o paradigma da integração e da inclusão escolar e ressalta os princípios de uma escola para todos.

_____. Ser ou estar, eis a questão: compreendendo o déficit intelectual. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1997.

A leitura deste texto possibilita compreender a diferença entre deficiências orgânicas e deficiências circunstanciais. Apresenta uma visão dinâmica das potencialidades e limitações dos alunos em relação ao contexto da escola e da vida.

MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.

Este livro apresenta um panorama das políticas públicas no âmbito educacional e situa, historicamente, a educação especial no sistema geral de educação no contexto brasileiro. é uma importante referência para se compreender o percurso histórico da escolarização de pessoas com deficiência no Brasil e no mundo.

SÁ, E. D. Necessidades educacionais especiais na escola plural. Banco de Escola. Disponível em: <http://www.lerparaver.com/bancodeescola> Acesso em: 07 maio 2002.

Trata-se do relato de experiência de inclusão escolar de uma aluna com Síndrome de Down em uma escola pública de educação infantil em Belo Horizonte.

SANTOS, B. S. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, Rio de Janeiro, 1995.(Mimeografado)

STAINBACK,S.; STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed, (s.d).

A educação especial e a inclusão escolar é um tema que merece atenção especial.

Brinquedos e materiais adaptados para crianças com deficiência podem ser uma ótima opção para estimular o aprendizado.

Educação especial é fundamental para garantir que todos os alunos tenham acesso a um ensino de qualidade.

Distúrbios de aprendizagem são um desafio que deve ser enfrentado com estratégias adequadas.


Este texto foi publicado na categoria Educação Inclusiva e Especial.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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