CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL – HISTÓRIA E IDENTIDADE DA CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
Neste processo, a autora destaca quatro etapas distintas:
A primeira etapa
Consistiu dela enquanto aluna do curso de Pedagogia, nos anos de 196 a 1969, onde não tinha clareza de mercado para esta área e as disciplinas oferecidas pareciam ter essa mesma indefinição.
A segunda etapa
Com a vivência de suas situações profissionais, contrastantes (coordenadora pedagógica, em Ilha Solteira, e como professora de Didática e Supervisão Escolar, em uma faculdade particular em São Paulo), pôde refletir sobre dois aspectos: o da experiência docente e o da estrutura curricular do curso de Pedagogia. E com essa experiência docente, enquanto cursava o curso de aperfeiçoamento ao curso normal, constatou que foi determinante para sua aprovação em um dos processos de seleção para coordenadora pedagógica e a coragem de participar de uma prática considerada de vanguarda, refletida pela influência do movimento de renovação pedagógica dos anos 70, incidido sobre sua formação.
Além disso, com essa experiência como coordenadora pedagógica, pôde lecionar as disciplinas Didática e Supervisão Escolar em um curso de Pedagogia. Ao longo dos anos 70, constatou, com o atendimento de profissionais do então denominado ensino de 1º e 2º graus, que ao final do curso chegavam sem ter conseguido adquirir alguma experiência docente e com muita dificuldade em optar pelas habilitações que tinham direito. O que seria suficiente para a formação desses profissionais do curso de Pedagogia?
Visando a reestruturação global dos cursos superiores de formação de magistério no Brasil
O então conselheiro Valnir Chagas, em 1976, propôs a desestruturação do curso de Pedagogia, mas não chegou a se concretizar.
Com essa ameaça, a sua identidade foi colocada em questão. As preocupações que então se colocavam eram se o curso de Pedagogia tinha ou não um conteúdo próprio. E ainda a especificidade da pedagogia enquanto campo de conhecimento justificaria a existência do curso de Pedagogia.
Alguns textos produzidos por professores universitários (1976), tais como de Castro e de Saviani, defendiam a especificidade do conhecimento pedagógico. Castro valorizou a definição dos especialistas em educação, a possibilidade de duas habilitações simultâneas e a introdução da habilitação polivalente, enquanto Saviani deu preferência às habilitações polivalentes. Quanto à experiência do docente como condição para cursar as diferentes habilitações, Castro se mostrou favorável, e em relação a Saviani, não tratando diretamente desse aspecto, não se mostrava muito receptivo ao assunto.
Com discussões, reflexões e outras formas de manifestações, deu-se a suspensão do novo material do Conselho Federal de Educação e o Curso de Pedagogia permaneceu intocado.
Do ponto de vista da estrutura curricular, foi possível, naquela época, eliminar a licenciatura para formação de especialistas em educação e rever a seriação e carga horária das disciplinas.
A terceira etapa
Enquanto coordenadora do Departamento de Educação, passou a integrar o movimento nacional (1979) visando não só a defesa do curso de Pedagogia, mas também sua reformulação. Participando até 1983, foi nesse processo que passou a perceber que o problema de identidade do curso de Pedagogia não tinha a ver apenas com a sua própria organização, mas também com a dos demais cursos de formação de educadores, em nível médio e superior. Essa percepção ocorreu entre o final de 1980 e início de 1981, quando preparavam a elaboração de uma proposta de reformulação do curso de Pedagogia.
Foi proposta ao Comitê pró-participação na reformulação do curso de Pedagogia e licenciatura, estrutura de Cursos de Educação, a partir de uma base comum de estudos sobre a educação (núcleo comum), era prevista a formação específica dos professores para os diferentes níveis de ensino. O preparo de educadores para as tarefas não docentes, tanto para o âmbito escolar quanto para o não-escolar, foi alocado em nível de especialização, com exigência, para os primeiros anos de experiência de dois anos de docência. Remetidos para o nível de pós-graduação, stricto-sensu, e se destinariam à formação de pesquisadores e/ou docentes para o 3º grau. E esta estrutura alcançou seus objetivos. Para resolver outras questões, e após ter cumprido os créditos dos Estudos Pós-Graduados em supervisão e Currículo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, surgiu a oportunidade de trabalhar na UNESP, universidade pública de Marília, e além da docência, pode também dedicar-se à pesquisa, completando o mestrado com o projeto de pesquisa: Buscando a Identidade do Curso de Pedagogia.
Ao mesmo tempo, participou do processo de revisão da estrutura curricular do curso, tendo como limites a legislação a respeito. As principais alterações foram: revisão da carga horária de todas as disciplinas, a eliminação de algumas delas; colocação da habilitação Magistério das Matérias Pedagógicas do 2º Grau como uma primeira a ser cursada, acompanhada por outra, sendo opcional; fosse preparado o docente das séries iniciais da escolarização, com a introdução das várias Metodologias e Práticas de Ensino dos conteúdos a serem trabalhados com crianças; redução da distinção de disciplinas entre as habilitações para formação dos “especialistas” em Administração Escolar, Supervisão Escolar e Orientação Educacional; revisão das disciplinas das diferentes áreas que compunham a habilitação Educação Especial, da área de Deficiente Físico; e por fim, criação da habilitação Magistério para a Pré-Escola.
Participou ativamente dessa reestruturação e não pôde concluir o trabalho de pesquisa!
A quarta etapa
Em 1995, acompanhava através de textos produzidos com a função de gerar discussões e dos relatórios sobre as mesmas. Dessa forma, pôde concluir que o conjunto desse material produzido no período de 1984 (quando impossibilitada de participar dos debates) a 1995 resultava, na verdade, em elemento de comprovação da persistência, ao longo do tempo, do problema da identidade do curso de Pedagogia. Ela retomou suas reflexões.
Assim, voltando apenas à questão da identidade do curso de Pedagogia, cuidou de estudá-la numa perspectiva histórica. Este trabalho foi construído pelo seu próprio envolvimento com o universo que ele representa.
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa pretende contribuir com o campo de estudos referente à história da educação no Brasil, quanto à formação do educador e à construção do conhecimento a respeito do curso de Pedagogia no país.
A expressão questão de identidade refere-se às constantes interrogações e questionamentos verificados na história do referido curso. A busca de tais elementos foi realizada a partir da análise das informações encontradas, fundamentalmente, em três fontes:
- a) nos documentos legais que lhe deram origem e nos que o reformularam ou pretenderam reformular em diferentes momentos de sua trajetória;
- b) nas propostas resultantes do processo de discussão dos profissionais e estudantes a ele ligados;
- c) nas manifestações dos principais atores envolvidos no processo de discussão e/ou reformulação do mesmo.
O trabalho daí resultante compõe-se de duas partes:
- PARTE 1: As três Regulamentações do Curso de Pedagogia no Brasil;
- PARTE 2: A Questão da Identidade do Curso de Pedagogia no Brasil;
PARTE I
AS TRÊS REGULAMENTAÇÕES DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL
1. O CURSO DE PEDAGOGIA A PARTIR DE SUA CRIAÇÃO:
Instituído entre nós por ocasião da organização da Faculdade Nacional de Filosofia, pelo Decreto-Lei nº 1190 de 4 de abril de 1939. Foram fixados os currículos plenos e também a duração para todos os cursos. Para formação dos bacharéis ficou determinada a duração de três anos, adicionando-se um ano de curso de Didática formariam os licenciados, já que era considerada como seção especial. O curso de Pedagogia ficou assim seriado:
DISCIPLINAS 1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE
Complementos de Matemática x
História da Filosofia x
Sociologia x
Fund. Biológicos da Educação x x
Psicologia Educacional x x x
Estatística Educacional x
História da Educação x x
Administração Escolar x x
Educação Comparada x
Filosofia da Educação x
O curso de Didática ficou constituído pelas seguintes disciplinas:
Didática Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação, Fundamentos Sociológicos da Educação.
Ao bacharel em Pedagogia restava cursar as duas primeiras.
No Decreto-Lei nº 1190/39-art. 51, alínea c: refere-se, determina que a partir de 1º de janeiro de 1943, houvesse exigência dessa diplomação para preenchimento dos cargos de técnicos de educação do Ministério da Educação.
Por fim, a exclusão de Didática Geral e Especial da formação do bacharel em Pedagogia torna a identidade desse profissional ainda mais obscura. Para o licenciado em Pedagogia, a situação também não era nada favorável. Além dos problemas relacionados com sua formação, também havia o problema relativos ao seu campo de trabalho. Ficou-lhe o direito de lecionar Filosofia, História e Matemática.
2. O CURSO DE PEDAGOGIA A PARTIR DO PARECER C.F.E. Nº 251/62:
Valnir Chagas explica a controvérsia existente a respeito da manutenção ou extinção do curso de Pedagogia: provinha da acusação de que faltava ao curso conteúdo próprio, na medida em que a formação do professor primário deveria se dar ao nível superior e a de técnicos em Educação em estudos posteriores ao da graduação. Valnir Chagas fixa o currículo mínimo e a duração do curso de Pedagogia.
A licenciatura, na forma estabelecida para os cursos de licenciatura em geral, devia ser cursada concomitantemente ao bacharelado, com duração de quatro anos. Para o bacharelado, o currículo mínimo era fixado em sete matérias, sendo cinco obrigatórias e duas opcionais:
Obrigatórias: Psicologia da Educação, Sociologia (Geral e da Educação), História da Educação, Filosofia da Educação, Administração Escolar.
Opcionais: Biologia, História da Filosofia, Estatística, Métodos e Técnicas de Pesquisa Pedagógica, Cultura Brasileira, Educação Comparada, Higiene Escolar, Currículos e Programas, Técnicas Audiovisuais de Educação, Teoria e Prática da Escola Média e Introdução à Orientação Educacional.
O parecer 251/62 não faz nenhuma referência ao campo de trabalho do profissional, chamando de “técnico de Educação” ou “especialista de Educação”, e num outro momento se reporta a ele com as expressões “administradores e demais especialistas de Educação”, “profissionais destinados às funções não docentes do setor educacional”. A inclusão de Administração Escolar, como base para formação específica do chamado “Técnico de Educação”. Diante dessa imprecisão do currículo, os estudantes de Rio Claro, por ocasião do CONGRESSO ESTADUAL DE ESTUDANTES (1967), apresentaram uma proposta de reformulação do curso.
Apresentaram propostas para:
- formação do profissional no campo educacional;
- campo de trabalho exclusivo para esse profissional;
- campo de trabalho para o licenciado em Pedagogia, regulamentado por concursos públicos regulares de títulos e provas.
Criação de cargos e funções para suprir necessidades educacionais da realidade educacional brasileira;
A participação do licenciado em Pedagogia na organização de um sistema de treinamento, de caráter permanente.
E ainda o licenciado em Pedagogia exerceria a função de técnico de Administração.
Não só no contexto do Estado de São Paulo, mas em todo o país, a situação do pedagogo causava perplexidade: – os licenciados até 1965 (Port.MEC nº 478/54) além do registro de cadeiras de Educação, possuíam também o direito em outras disciplinas do ensino médio: Filosofia, História Geral do Brasil e ainda Matemática, no primeiro ciclo.
– Aos licenciados de 1966 a 1968 (Port.MEC nº 341/65) esse direito estendeu-se à Psicologia, Sociologia (2º ciclo) ou Estudos Sociais (1º e 2º ciclos) na condição de terem-nas cursado por 160 horas/aula e duas disciplinas do currículo de Estudos Sociais no mínimo de 160 horas/aula. – aos licenciados a partir de 1969 não foi dado mais o direito em relação à Filosofia, História e Matemática.
3. O CURSO DE PEDAGOGIA A PARTIR DO PARECER CFE Nº 252/69
Em São Paulo, a ideia de reformulação da estrutura curricular do curso de Pedagogia tornou-se explícita por ocasião do Congresso dos Estudantes de Pedagogia (1967). Sugeriam que a formação de “Educadores Especializados e Técnicos de Educação” fosse feita através de um curso dividido em dois ciclos: o básico e o profissional. A influência do novo pensamento governamental, a Universidade não fugiu ao novo controle do Estado. Com a Lei Federal nº 5540 de 28/04/68 – LEI DA REFORMA UNIVERSITÁRIA – triunfam os princípios da racionalidade, eficiência e produtividade no trato do ensino superior. Nasce a Universidade Tecnocrática, na visão da ditadura militar, acentuando então a relação entre cursos superiores e as profissões.
3.1. LEITURA DO PARECER CFE Nº 252/69
Esse parecer não deixa dúvida quanto ao profissional, ou melhor, aos profissionais a que se refere, ao ser apresentado como instrumento legal que fixa os mínimos de currículo e duração para o curso de graduação em Pedagogia, visando à formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção no âmbito de escolas e sistemas escolares. Mas ao mesmo tempo, cria habilitações para a formação de profissionais específicos, fragmentando a formação do pedagogo.
O curso de Pedagogia passa a ser composto por duas partes: uma comum, constituída por matérias básicas à formação de qualquer profissional na área e uma diversificada, em função de habilitações específicas.
Parte comum: Sociologia Geral, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação e Didática.
Parte diversificada: o magistério dos cursos normais e as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção. Previstas as seguintes habilitações: ensino das disciplinas e Atividades Práticas dos Cursos Normais, Orientação Educacional, Administração Escolar, Supervisão Escolar e Inspeção Escolar. Formando profissionais, no primeiro caso, para atuarem no 1º grau e no segundo caso, profissionais para atuarem no 1º e 2º graus.
HABILITAÇÕES MATÉRIAS
ENSINO DAS DISCIPLINAS E ATIVIDADES Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º grau, Metodologia do Ensino de 1º, Metodologia do Ensino de 1º grau, Prática de Ensino na Escola de 1º grau (estágio) ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º grau, Princípios e Métodos de Orientação Educacional, Orientação Vocacional e Medidas Educacionais. ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º grau, Princípios e Métodos de Administração Escolar e Estatística Aplicada à Educação. SUPERVISÃO ESCOLAR Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º grau, Princípios e Métodos de Supervisão Escolar e Currículos e Programas. INSPEÇÃO ESCOLAR Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º grau, Princípios e Métodos de Inspeção Escolar e Legislação do Ensino.
Mesmo contendo modalidades diversas de habilitação, o curso de Pedagogia supõe um só diploma. E o título único passa a ser o de “licenciado”, emenda, por maioria de votos, apresentada pelo então conselheiro D. Luciano Duarte.
E ainda, o impasse: o direito ao magistério primário, pelos diplomados em Pedagogia. Fixando alguns estudos para a aquisição desse direito: Metodologia do Ensino de 1º grau e Prática de Ensino na Escola de 1º grau, com estágio supervisionado. Sendo uma das exigências do Parecer, por entender que o portador de um título profissional de Educação não pode deixar de possuir alguma vivência da especialidade escolhida.
A experiência de magistério é outra exigência do parecer para a habilitação em Orientação Educacional e estendendo esse requisito à Administração Escolar e à Supervisão Escolar. Quanto à titulação, o Parecer quer evitar uma polivalência dispersiva em setores que requerem autenticidade. Entretanto, pode o diplomado voltar à escola para, mediante aproveitamento de estudos anteriores, obter novas habilitações; estas passam a ser consignadas em apostilas no título inicial. Baseando-se no princípio mais amplo: o da educação permanente, os licenciados em geral têm o direito às habilitações pedagógicas, mediante complementação de estudos que alcancem o mínimo de 1100 horas. E em habilitações pedagógicas no mestrado hajam alcançado o mínimo de 2200 horas.
A última expectativa anunciada no Parecer é a da pretensão de sua própria persistência no tempo. De certa forma, confirmou-se, pois esse Parecer rege o curso de Pedagogia há quase 30 anos.
3.2. ANÁLISE DO PARECER CFE Nº 252/69
No Parecer, apenas o Pedagogo é considerado educador pelos legisladores. Essa conclusão fica fundamentada se ficar esclarecido que a formação, em nível superior, dos professores de 1º e 2º graus é feita através de licenciatura (Parecer nº 672/69).
A formação pedagógica é prevista para os cursos de Licenciatura, mas suas bases são desprezadas. A ideia apresentada por educadores e educandos (1981-SP) quando analisaram a situação das atuais licenciaturas, consideraram que “a realidade em que atuará o professor é mais complexa que aquela que a atual listagem de disciplinas das Licenciaturas sugere”.
Isso significa que quem realiza a essência do processo educativo não é considerado educador, e portanto, sua formação não é prevista como tal; já os que orientam, administram, supervisionam e inspecionam as condições para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra são considerados educadores.
Também coloca-se a questão da limitação na absorção desses profissionais pelo mercado de trabalho. O Parecer, ao reconhecer as tarefas referentes à administração, supervisão, orientação educacional e inspeção no conjunto das atividades escolares, prevê a formação de profissionais em habilitações distintas, regulamentando-as.
A inviabilidade dessa proposta está em desconsiderar a precariedade financeira da maior parte das regiões brasileiras. Desta forma, as escolas ficam com uma delas em descoberto ou ainda um especialista assume ao mesmo tempo as tarefas pedagógicas e de orientação educacional.
Outra questão é a organização curricular, visando a formação de diferentes profissionais, pelo curso de Pedagogia.
Ora, não se pode formar o educador com partes desconexas de conteúdos, quando essas partes representam tendências opostas em educação: uma generalista e outra tecnicista.
Isso significa que, para a formação do pedagogo, não se garantiu a possibilidade de que ele compreenda a educação brasileira. Os elementos até aqui apresentados são suficientes para apontar o que podemos entender como a inadequação da estrutura proposta para o curso de Pedagogia.
Outro aspecto de importância secundária diante do significado do já exposto é o de adicionar às demais incumbências do curso de Pedagogia, no que se refere à diversidade de profissionais a serem formados. O Parecer assegura ainda, aos diplomados em Pedagogia, o direito ao magistério nas séries iniciais de 1º grau.
Da precipitação das especialidades pedagógicas resultou também um tratamento ambivalente à questão da experiência de magistério vinculada às mesmas. Nos Pareceres nº 252/69 e 876/72, não se consegue perceber o significado que lhe tenham atribuído, quanto ao momento em que essa experiência deva ser exigida, e não deixam claro qual o papel que ela possa representar na formação dos especialistas em educação.
Percebendo de antemão a inviabilidade dessa exigência, deixam a cargo de Instituições de Ensino Superior, fixando um mínimo tão reduzido que chega a ficar desprovido de significado.
Ao tentar encaminhar soluções para seus antigos problemas quanto ao currículo e à destinação profissional de seus egressos, essa última regulamentação acabou por gerar outros.
PARTE II
A QUESTÃO DA IDENTIDADE DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL
1. PERÍODO DAS REGULAMENTAÇÕES: A IDENTIDADE QUESTIONADA (1939-1972)
O curso foi instituído com a marca que o acompanharia em todo o seu desenvolvimento: a dificuldade em se definir a função do curso e, consequentemente, o destino de seus egressos. Ora pela dúvida, ora pela suspeita, ora pela discussão do seguinte problema: o curso de Pedagogia teria um conteúdo próprio e exclusivo que pudesse justificar sua existência? Comprometendo todo o desenvolvimento do curso no Brasil, tanto à relação com o campo de trabalho do pedagogo, quanto à organização curricular do curso.
Quando instituído o curso de Pedagogia (1939) já apresentou aquele que seria o seu problema fundamental: o da identificação do profissional a ser formado como bacharel. Não se percebia na época a destinação desse profissional, ou seja, as ocupações a serem preenchidas por ele. Pois para ocupação dos cargos de técnicos de educação, o diploma de bacharel em pedagogia não era uma exigência do mercado.
Nos anos 40, 50 e início dos anos 60, questionava-se a existência do curso de Pedagogia no Brasil.
Com esse enfoque, o autor do Parecer nº 252/62, o conselheiro Valnir Chagas, interpretou a controvérsia existente na época a respeito da extinção do curso. Explicando que a ideia provinha da acusação de que faltava conteúdo próprio, sendo a formação do professor primário deveria ser ao nível superior e a de técnicos em educação em estudos posteriores ao da graduação. Preferindo falar em redefinição do curso. E assim, ele inicia em 1962, os deslocamentos previstos, indicando o técnico em Educação como o profissional a ser formado através do bacharelado. Essa nova situação ajuda a vislumbrar as possibilidades profissionais do bacharel em pedagogia.
O currículo do curso de Pedagogia era o outro tema das insatisfações de estudantes da época. Oferecia poucas possibilidades de instrumentalização do aluno para o exercício das funções de técnico de Educação. E ainda a indefinição do mercado de trabalho era responsabilizada pela imprecisão do currículo.
Sendo assim, em 1969, o Parecer C.F.E. nº 252, também de autoria do professor Valnir Chagas, parecia resolver a questão da identidade do pedagogo, na medida em que não deixava dúvida quanto ao profissional a que se referia. Um só diploma (licenciado) passava a visar a formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção no âmbito das escolas e sistemas escolares. O currículo era composto predominantemente por matérias consideradas como de Fundamentos da Educação.
Como consequência dessa antecipação, além da desconfiguração do curso de pedagogia e da desqualificação das próprias especializações, provocou o chamado “inchaço” desse curso, referindo-se à diversidade de profissionais a serem formados.
E ainda acaba gerando outro impasse à vida do próprio estudante de pedagogia. Trata-se da comprovação da experiência de magistério vinculada às habilitações, a legislação acaba permitindo que sua comprovação possa ocorrer tanto anteriormente ao ingresso no curso como também à obtenção do diploma.
Contraditoriamente, mesmo com o mercado definido, o pedagogo continuou a encontrar problemas quanto à sua colocação profissional.
Ao mesmo tempo que o Parecer C.F.E. nº 252/69 influenciou na definição do mercado de trabalho, conturbou a sua ocupação. E ainda considerado o mais estéril quanto às possibilidades de formação do pedagogo enquanto educador.
A questão básica quanto à identidade do pedagogo também não fica resolvida pelo Parecer de 69.
2. PERÍODO DAS INDICAÇÕES: A IDENTIDADE PROJETADA (1973-1978)
Questões referentes ao destino do curso de Pedagogia estavam sendo gestadas pelo próprio Conselheiro Valnir Chagas. Essa revisão tinha como objetivo principal colocar cursos em função das necessidades geradas pela Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei Fed. Nº 5692/71) formulada sob influência do conselheiro.
O que Valnir Chagas fez foi desdobrar as antigas tarefas anteriormente concentradas no curso em variadas alternativas de cursos e/ou habilitações que comporiam parte do que passou a chamar de licenciaturas das áreas pedagógicas. Nesse sentido, não se falaria mais em curso de Pedagogia.
E a figura do Pedagogo? Não foi extinto se considerado como uma das possibilidades dentre as habilitações a serem programadas pelas instituições de ensino superior, como uma opção além das habilitações fundamentais (administração, supervisão, orientação, além do magistério pedagógico do 2º grau) fixadas pela resolução C.F.E., que incorpora a indicação nº 70/76, em seu artigo 1º.
Foi assim que o professor Valnir fez aflorar o impasse até então subjacente ao desenvolvimento do curso de Pedagogia no Brasil: o da identidade do pedagogo e do próprio curso de Pedagogia.
3. PERÍODO DAS PROPOSTAS: IDENTIDADE EM DISCUSSÃO (1979-1998)
Em 1980, diante da informação que o MEC retomava a matéria a respeito do assunto a partir das Indicações CFE nºs 67/75 e 70/76, que participantes da I Conferência Brasileira de Educação (PUC-SP), se organizaram no sentido de desencadear uma mobilização nacional visando intervir nos rumos do processo.
Criaram o “Comitê Nacional Pró-Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores” e Comitês regionais.
Pela abrangência de suas ações, passou a ser um dos principais atores no cenário das disputas travadas em função do controle do processo de reformulação dos cursos de formação dos educadores.
Apesar da riqueza de iniciativas, eventos, episódios e dados a respeito desse processo, cumpre registrar apenas os elementos que possam se constituir em evidências a respeito da questão da identidade do pedagogo e do curso de pedagogia. Após 20 anos de intensas discussões pelos interessados e de várias tentativas de resolução do assunto por parte dos órgãos governamentais (MEC E C.F.E.), os cursos de formação de educadores não foram redefinidos. Os documentos gerados no interior do movimento não deixam dúvida sobre essa questão.
O documento produzido pela coordenação do COMITÊ PRÓ-PARTICIPAÇÃO NA REFORMULAÇÃO DOS CURSOS DE PEDAGOGIA E LICENCIATURA (1981) constituiu um forte marco no sentido de imprimir as bases que passaram a nortear os rumos dos trabalhos daí para frente.
O comitê indicava uma profunda redefinição na relação tradicionalmente estabelecida, a partir da ideia de que todo professor deveria ser considerado educador e, portanto, sua formação a conduzir à compreensão problemática educacional brasileira. Na especialização é que se faria o preparo dos educadores para as tarefas não docentes, tanto para o âmbito escolar quanto para o não escolar.
Ao introduzir a ideia de “formar todo professor como educador”, o comitê se insurgia contra a “concepção tecnicista”. Porém, não recuperou a ideia de curso de Pedagogia enquanto tal, e em nenhum momento referiu-se à figura do pedagogo.
Foram desencadeados os Seminários Regionais de Recursos Humanos para a Educação, surgindo na etapa conclusiva dos trabalhos ocorrida no período de 21 a 25 de novembro de 1983 em Belo Horizonte, uma proposta de reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciatura. Conhecida como DOCUMENTO FINAL, passa a se constituir como referência básica para o encaminhamento das reflexões a respeito da “Formação do Educador”.
O Documento Final, de 1983, divergiu da proposta do Comitê de São Paulo e recuperou a ideia do curso de Pedagogia. Porém, esse mesmo grau de convicção não atingiu outras de suas questões também antigas: a do profissional a ser formado e a estruturação a ser dada ao curso para a tal formação.
Nas marchas e contramarchas do movimento, as inúmeras alternativas em conflito levaram ao esgotamento das possibilidades de se encontrar a identidade do pedagogo pela via das atividades profissionais em função do mercado de trabalho real e mesmo potencial.
A esse respeito, os relatórios apontam que alguma discussão começou a ser esboçada, mas não chegou a ser enfrentada diante do impasse então encontrado, o da identidade da própria Pedagogia enquanto campo de conhecimento.
Em 1990, a questão da identidade do curso de Pedagogia deixa de ser uma das questões centrais do movimento. O foco passa a ser aquele referente à formação dos educadores em geral.
Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao introduzir alguns indicadores visando a formação de profissionais para a Educação Básica, trouxe novamente o curso de Pedagogia à pauta das discussões e com ele, a questão da sua identidade.
A LDB, em seu artigo 62, introduziu os institutos superiores de educação, além das universidades, de se constituírem num dos locais de formação de docentes para atuar na Educação Básica, e em seu artigo 63, a manutenção do curso normal superior destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séries do Ensino Fundamental.
Surgiram várias indagações, passando a ser grande a expectativa a respeito do futuro do curso de Pedagogia. As instituições de ensino superior passaram a aguardar o encaminhamento do CNE. E através do Ofício Circular nº 014/98, o MEC sinalizou pela manutenção do curso, e que as mesmas encaminhassem propostas visando à reformulação. Em 1998, a ANFOPE, em seu IX Encontro Nacional realizado em Campinas, formulou o documento intitulado “Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Formação dos Profissionais da Educação”.
Esse documento indica que o locus privilegiado da formação dos profissionais da educação para atuação na educação básica e superior são as universidades e suas faculdades/centros de educação, os quais devem ter estruturas repensadas.
O documento apresenta suas orientações a respeito dos seguintes itens: perfil do profissional da educação, competências e áreas de atuação, eixos norteadores da Base comum Nacional, princípios e componentes para organização curricular, e, por fim, duração dos cursos. Quanto às áreas de atuação, a ANFOPE especifica as seguintes: educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos, educação para portadores de necessidades especiais, curso normal); educação profissional; educação não-formal; educação indígena; educação a distância.
Quanto aos eixos norteadores da Base comum Nacional, a ANFOPE define os seguintes: sólida formação teórica, unidade entre teoria/prática, gestão democrática, compromisso social e ético, trabalho coletivo e interdisciplinar e articulação entre formação inicial e continuada.
No Congresso Estadual Paulista sobre formação de Educadores, Águas de São Pedro em 1998, o grupo entendeu que a identidade do curso de Pedagogia “caracteriza-se pela centralização na teoria acerca da prática relativa ao processo educativo, onde quer que esse processo ocorra…” e quanto às suas funções, considera como “o próprio da Pedagogia formar professores de educação infantil, de 1ª a 4ª séries e escola normal (quando esta existir) e/ou educadores sociais, pedagogos para empresas, órgãos de comunicação, áreas tecnológicas ou outras”.
Acrescenta ainda, a preparação do pedagogo para lidar com a demanda de portadores de necessidades educacionais especiais.
Tais funções devem ser desenvolvidas através da flexibilização curricular, cuidando-se para que o pedagogo seja, em primeiro lugar, um professor.
CONCLUSÃO: REGULAMENTAÇÕES E PROPOSTAS CONTRADIÇÕES E PROJEÇÕES
Este trabalho teve o objetivo de apresentar os principais elementos que pudessem aclarar alguns problemas relativos à identidade do curso de Pedagogia no Brasil.
Analisou-se a estrutura curricular, regulamentações do curso e ainda propostas visando à sua reformulação.
Permitindo formular as seguintes conclusões:
- A análise das três Regulamentações do curso de Pedagogia (1939, 1962 e 1969) se encontram carregadas de conteúdos que, contraditoriamente, provocam seu contínuo questionamento.
- Visando a reestruturação global dos cursos superiores de formação do magistério no Brasil, a identidade do pedagogo é projetada, a partir da extinção do curso de Pedagogia enquanto tal.
3. Desde 1981, foram firmados e permanecem orientando o movimento até hoje, dois importantes princípios:
- a) o de que todo professor deve ser considerado educador e, portanto, sua formação deve sempre supor uma base de estudos de forma a conduzir à compreensão da problemática educacional brasileira;
- b) o de que a docência deve se constituir na base da formação profissional de todo o educador.
E ainda respeitando os princípios firmados, oscilaram em três tipos de opções:
- a) a que propôs uma estrutura de “cursos de educação”;
- b) opções que propuseram a manutenção do curso de Pedagogia enquanto curso específico;
- c) opção que se limitou a propor “Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Formação dos Profissionais da Educação”.
Em predominando a proposição da ANFOPE junto ao MEC e ao CNE, a reorganização dos cursos será realizada nas instituições formadoras e a questão da identidade do curso deverá ser aí equacionada.
Se o movimento não adotou ou formulou ainda as bases teóricas que possibilitassem a questão da identidade do curso de Pedagogia, é reconhecida a questão profunda e complexa: a questão da identidade da própria Pedagogia enquanto campo de conhecimento e de investigação.
Restando intensificar as investigações a respeito desse tema que, na verdade, não é novo ou pelo menos estudar as causas de não se ter conseguido encontrar resposta à questão da identidade do curso de Pedagogia no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
SILVA, Carmem Silvia Bissolli da – CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL:
história e Identidade – Camp
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