INTRODUÇÃO
Temo como objetivo estudar a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) – Lei Darcy Ribeiro – sancionada em dezembro de 1996 (lei nº 9.394, de 20/12/1996, publicada no Diário Oficial da União a 23/12/1996, seção I), depois de um parto interminável e em meio a algumas satisfações. Já basta o fato inacreditável de a Constituição ter acolhido, mesmo no último capítulo (das disposições Constitucionais gerais), no artigo 242, §2º, que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.
Conseguiu-se evitar isso na nova LDB, por força da presença do Senador Darcy Ribeiro, possibilitando uma lei com número de artigos abaixo dos 100 (92 ao todo). Num país que tem muitas leis para não serem cumpridas, sobretudo na esfera da educação, falar pouco é garantia de não aumentar as bobagens, além de fugir das prolixidades usuais nessa parte. Nesse sentido, ao lado de ranços que a Lei preserva, há avanços incontestáveis, que vão – em grande parte – por conta da mão do senador Darcy Ribeiro, frequentemente mal interpretado como “interventor”, por ter intercalado no processo decisório sua proposta oriunda do Senado.
Autor: Andrea Trigo Chancharulo
Não teria qualquer condição de passar como um texto avançado, no sentido de ser a “lei dos sonhos do educador brasileiro”. Lei realmente boa só pode provir de um Congresso bom.
Nesse sentido, a interferência do senador Darcy Ribeiro poderia ser acolhida como providencial, sem com isso alegar que suas ideias sobre educação devam ser cânone nacional. No capítulo dedicado à mão do Senador, podemos aquilatar melhor sua presença nessa Lei, e faremos também anotações críticas.
Algumas cautelas sobre nosso estudo precisam ser expressas:
Em primeiro lugar, não pretendemos fazer análise de especialista da área, que não somos a rigor, mas exatamente o inverso: o olhar de um interessado, que tem trabalhado intensamente na área, mas ainda guarda um pouco da visão de fora;
Em segundo lugar, buscamos uma análise crítica, num campo intermédio entre apenas aceitar ou apenas rejeitar a Lei; há ranços, como há avanços, ainda que, no fundo, tenhamos a opinião de que os ranços continuam predominando;
Daremos particular ênfase à discussão em torno do papel da educação no mundo de hoje, retratado de modo muito pálido na Lei, embora haja componentes também alentadores; educação não pode ser panaceia, já que qualquer enfoque isolado da realidade é sempre parcial e deturpado, mas é o eixo em torno do qual giram as transformações modernas, agindo como referência matricial da pesquisa e da intervenção na realidade;
Como balizamento do futuro do país, a Lei expressa com grande timidez a potencialidade da educação, entre outras coisas; porque se atém ainda a modelos didáticos totalmente superados, perante as atuais tendências da aprendizagem, ao lado de conferir a entidades e componentes mais ou menos caducos um papel que não possuem mais;
Por fim, o que se diz, aqui, vale o quanto pesa, nem mais nem menos; a Lei, por si só, merece toda a atenção, por tratar de assunto decisivo para as novas gerações, bem como para o desenvolvimento da sociedade e da economia; entretanto, cada analista imprime seu modo de ver, que será um entre tantos outros também possíveis, e eventualmente até mais acertados. Permanecemos na posição de analista plantado na sociologia, embora sempre interdisciplinar.
Para iniciar a discussão, mostraremos alguns pontos de flexibilização da lei, introduzidos, como regra, pela mão do Senador.
1) IDÉIAS CENTRAIS DO PRIMEIRO CAPÍTULO
Na introdução e em todo texto o autor faz referência ao Senador DARCY RIBEIRO e sua interferência na Lei como um dos congressistas mais comprometidos com a educação no Brasil.
A LDB apresenta em toda a extensão do seu texto um caráter flexibilizado que segundo o autor são características do próprio Senador.
Analisando este capítulo percebemos caracteres que podem ser apontados como progressivos, por exemplo, a progressiva da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. Abre-se também a possibilidade de acesso aos diferentes níveis de ensino.
A garantia do Estado de promover ensino público gratuito e acesso e permanência na escola a todos os alunos, inclusive àqueles que não tiveram acesso na idade própria.
No artigo 15º, assinala que os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares de educação básica, graus de autonomia pedagógica, administrativas e de gestão financeiras, observadas normas do direito financeiro público.
No artigo 8º garante que cabe à União tão somente a ‘coordenação da política nacional de educação’, dando liberdade aos sistemas de ensino nos termos da Lei.
No inciso III do artigo 9º, insiste na assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal, e Municípios diante da obrigatoriedade do ensino fundamental, bem como a incumbência da União em elaborar um Plano Nacional de Educação em colaboração com os Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecendo as diretrizes e competências para a educação infantil, ensino fundamental, e médio.
Quanto à avaliação apresenta uma novidade e informação importante ao dizer que a União tem competência para ‘baixar normas’ sobre os cursos de graduação e pós-graduação. Cabe à União autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar respectivamente os cursos das instituições de ensino superior e os estabelecimentos de ensino.
Para a educação básica assegura que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, inclusive os profissionais da educação que deverão participar dos conselhos escolares ou equivalentes e ainda o mais importante, estabelece ‘progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira’, observadas as normas gerais do direito financeiro público.
A flexibilidade da Lei é clara em quase todos os seus 92 artigos. No artigo 23º, segundo o autor, a Lei apresenta o nível mais surpreendente de flexibilidade, onde diz que a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos alternância regular de períodos de estudo, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
A escola poderá reclassificar os alunos, tendo como base às normas curriculares gerais para cima ou para baixo, dependendo da situação de aprendizagem.
Também abre precedentes para classificar o aluno independente da escolarização anterior. Mesmo sendo flexível a Lei apresenta critérios para que não haja leviandade, ou seja, para classificar ou reclassificar é necessário que haja uma avaliação dentro da regulamentação pertinente.
A flexibilidade da Lei alcança temas como verificação do rendimento escolar ao colocar-se como contínua e cumulativa do desempenho do aluno, prevalecendo os aspectos qualitativos sobre os quantitativos, e dos resultados em longo prazo sobre os eventuais das provas finais.
A LDB é uma Lei a serviço do aluno, o processo de aprendizagem deve estar acima de tudo, sendo a razão de ser do sistema educacional.
2) ASPECTOS POSITIVOS DA LDB:
Os aspectos flexíveis da LDB já denotam por si só um aspecto positivo. Esta Lei consagra a avaliação como parte central da organização da educação nacional.
No inciso VI aparece o compromisso com o ‘processo nacional de avaliação do rendimento escolar’ no ensino fundamental, médio e superior em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e melhoria na qualidade de ensino.
No contexto da Lei, a avaliação é o cuidado pertinente em torno da aprendizagem escolar que implica sempre em acompanhamento permanente e circunstanciado.
A Lei afirma em vários artigos que é dever da escola como um todo promover meios para zelar pela aprendizagem dos alunos e promover a recuperação dos alunos de menor rendimento, assim como:
- A avaliação deve ser contínua e cumulativa do desempenho do aluno.
- Propiciar a possibilidade de aceleração para alunos com atraso escolar.
- Aproveitamento de estudos concluídos com êxito.
- Obrigatoriedade dos estudos de recuperação preferencialmente paralelos ao período letivo.
- Avaliação especial para educação infantil, marcada pelo registro e acompanhamento do seu desenvolvimento.
Para o ensino fundamental, a Lei aparece com preocupação crucial em torno da capacidade de aprender. Para o ensino médio, a preocupação maior é que o aluno continue aprendendo de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.
Para a educação de jovens e adultos, destaca-se os conhecimentos e habilidades adquiridos por meios informais e serão aferidos e reconhecidos por meio de exames. A educação superior deve suscitar o desejo fundamental de aperfeiçoamento cultural e profissional.
Na educação especial não se fala em avaliação, mas em currículo, métodos, técnicas, recursos educativos e organizações específicas, porém, nessa atividade educativa de extremo esmero qualitativo está incluído o processo avaliativo.
Essa LDB, em particular, favorece grandes avanços e progressos notáveis nas teorias e práticas de aprendizagem. Trata o professor como eixo central da qualidade de educação. A valorização do profissional da educação, voltado para o aperfeiçoamento profissional continuado, incluindo também o licenciamento periódico remunerado consagrando a ideia essencial de que o aprimoramento profissional faz parte da profissão.
Alguns componentes podem ser realçados na Lei:
- O aperfeiçoamento profissional continuado e a avaliação do desempenho.
- A perspectiva de nível superior para os docentes que atuam em educação básica, reforçado com graduação plena.
- O acesso à educação fundamental, como direito em qualquer idade.
- A progressiva extensão da obrigatoriedade à educação média.
- Atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos.
- Oferta de educação para jovens e adultos, inclusive regular.
- Acesso ao ensino fundamental como ‘direito público’ subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e ainda o ministério público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
- Todos devem cuidar para que todas as crianças que estejam em idade escolar estejam frequentando a escola.
- Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto da escola, comunidades escolar e local em conselhos escolares e equivalentes.
- Progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira.
- Avanço na concepção da educação básica, sendo compreendida como sistema de “educação”, e não de “ensino”.
3) ASPECTOS NEGATIVOS DA LDB:
Segundo o autor, a LDB não é inovadora, mas introduz componentes interessantes, alguns atualizados, mas predomina uma visão tradicional.
A LDB mantém termos que estão intimamente ligados à educação tradicional, como ensino/aprendizagem, diferenciando claramente quem ensina de quem aprende, ou ainda “a valorização do profissional de ensino” quando poderia usar o termo “profissional da aprendizagem”.
A LDB fala em qualidade de ensino, níveis de ensino, quando através de uma análise mais moderna poderiam ter usado o termo “de educação”.
A visão da educação como ensino corresponde a uma época já superada e por isso compromete não só a qualidade do texto, mas, sobretudo a argumentação da Lei.
No tema “educação para jovens e adultos” ou na “educação profissionalizante”, a Lei manda levar em conta ‘conhecimentos e habilidades adquiridos’ que exala ambiência de treinamento, neste caso o prejuízo está na ambiguidade do texto.
O texto parece exigir muito da educação de jovens e adultos, que se deve levar em conta o que o aluno traz na bagagem, remetendo a educação ao processo de acumulação de conhecimento e não reconstrução constante deste.
A Lei apresenta um gênero de contradição e ambiguidade, haja visto a preocupação em torno da progressão do aluno, sobretudo no ensino fundamental. Esta preocupação aparece desgarrada dos compromissos de aprendizagem que privilegiam o esforço reconstrutivo do aluno e o apoio inteligente do professor, resta apenas a impressão de que o aluno tem que progredir a qualquer custo, até mesmo quando não aprende.
Na educação superior a LDB também apresenta sua visão ultrapassada. Como primeira observação pode-se destacar a linguagem arcaica perdida no atual enredo das finalidades genéricas da educação superior, tendo como fim uma formulação vaga de que a universidade serve apenas para formar diplomados profissionais para a sociedade. Mas esquece de acenar para a preocupação moderna, que é a formação contínua, o compromisso com a capacidade de reconstrução do conhecimento com base na pesquisa avançada.
A investigação científica aparece em terceiro plano, voltado apenas para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, bem como a difusão da cultura, que denota um atraso gritante, pois este não é o papel primeiro da universidade. O que é essencial na universidade é a capacidade de produção própria de conhecimento, o que implica também na sua divulgação, mas na ordem das decorrências não da essência.
Outra observação se refere à importância de “suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional”, revelando a percepção arcaica de aquisição de conhecimento, acenada como processo cumulativo gerencial, dentro da educação superior.
Na educação superior permanece o mesmo espírito perdido em “filosofadas homéricas” voltados a cenários ultrapassados. Assim uma universidade que precisa da extensão extrínseca mostra nisso apenas que não sabe pesquisar ou, sobretudo que não consegue compreender o que é pesquisa no mundo moderno.
O texto apresenta confusões em terminologias como ensino e educação, frequência às com aprendizagem. Enquanto o primeiro mundo pesquisa, o terceiro dá aula.
Outro aspecto grave aparece em relação ao corpo docente das universidades, onde apenas um terço deve ter titulação acadêmica como mestrado ou doutorado, e um terço deve ter tempo integral. Perdeu-se a oportunidade de estabelecer o que é realmente essencial, a capacidade de reconstruir o conhecimento.
A Lei não se refere em seu texto à informática educativa, dedicando apenas um artigo a essa matéria que além de tudo é vista apenas como televisão. Nesse sentido, é deplorável a lacuna na Lei no direcionamento da “informática educativa”.
A educação ocupa uma posição-chave no mundo moderno, espera-se dela algo como uma redenção histórica, porém é tolice não aproveitar essa circunstância para valorizarmos a educação no mundo moderno. A omissão da Lei em participar das discussões sobre a valorização da educação é um grande atraso, pois é cada vez maior a convicção de que estaria na educação a estratégia mais efetiva para enfrentarmos a modernidade, sobretudo no sentido de uma cidadania plantada na competência humana de manejar bem o conhecimento moderno.
4) CONCLUSÃO:
A conclusão que se pode chegar é que temos leis maravilhosas de primeiro mundo, talvez uma das melhores, mas infelizmente só no papel.
É colocada em prática somente aquilo que interessa aos nossos governantes, o que interessa realmente à nossa sociedade é desrespeitado tornando assim impossível inovar a Educação Brasileira. Cabe a nós Educadores (formadores de cidadãos críticos) procurarmos meios para que as Leis de Diretrizes e Bases saiam do papel, trazendo para a nossa sociedade uma educação digna, onde as nossas crianças e jovens possam ter e nos dar um futuro digno.
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