Pautar-se pela verdade sem eufemismos. Psicólogos defendem que essa deve ser a abordagem da morte para crianças, principalmente quando se tratar de um ente próximo. “Enquanto assunto que faz parte do ciclo da vida, a forma de tratá-la deve ser a mais natural possível”, aponta a doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Lucélia Elizabeth Paiva.
Muitos pais ocultam ou procuram disfarçar o tema com o intuito de proteger os pequenos de sofrimento. No entanto, utilizar eufemismos como “fulano virou estrelinha” ou “foi viajar” pode criar expectativas nas crianças de que a pessoa irá voltar. “Ao falar que a pessoa que morreu virou estrelinha há o risco de a criança querer virar estrelinha também”, explica Lilian Lerner Castro, psicóloga clínica e psicóloga do Instituto de Psiquiatria (IPq/FMUSP).
Segundo Lilian, o melhor a se fazer é explicar com exemplos concretos, como acontece com a planta, que nasce, cresce e depois morre. “Os pais ou responsáveis têm que abordar a morte com delicadeza e sutileza, da forma mais real possível”, conta.
A psicóloga aponta que os pais devem deixar claro para a criança o que realmente aconteceu e explicar que a pessoa não vai voltar. “Falar para a criança que a pessoa que morreu gostava muito dela, que também é natural sentir tristeza e sentir-se chateada”, afirma.
A dificuldade dos próprios adultos em lidar com a morte e a não explicitação dos sentimentos diante da criança faz com que ela não tenha a oportunidade de elaborar seu próprio luto. “Mesmo se os pais não contarem de forma objetiva, a criança acaba descobrindo. Ela sente uma ansiedade no cunho familiar. Existe um tempo de luto e essa criança vai ser privada disso? Dependendo do vínculo que ela tem com a pessoa falecida, ela pode ficar ansiosa e muito triste”, alerta Lilian.
O ocultamento da verdade ou a suavização ao falar da morte pode deixar a criança confusa. De acordo com a psicoterapeuta do Projeto Intervir Suporte em Perdas, Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira, inventar argumentos pode constituir algo “desastroso”. “Falar que a ‘vovó está no céu e feliz’ e criar fantasias de retorno do ente querido pode levar a criança a ter pensamentos autodestrutivos à medida que achar que se morrer também poderá se juntar a ela”, afirma.
Segundo Célia, se a criança ouvir “o papai está dormindo no céu” pode levá-la a ter medo de dormir. “É importante responder às questões que surgirem de forma simples. A criança precisa enlutar-se para aceitar que a perda aconteceu”. Outra consequência da não exposição da verdade, conforme aponta a psicóloga Lucélia Elizabeth Paiva, é a perda da confiança da criança. “Quando a criança for crescendo e perceber que não era verdade, ela pode perder a confiança naqueles que contaram para ela”, ressalta.
Além disso, segundo ela, a criança acredita no que fantasia como verdadeiro: “Ela tem um pensamento mágico onipotente. Por isso, a importância de explicar de forma clara e objetiva”. No momento de luto, a criança precisa sentir-se acolhida por um adulto que lhe dê carinho. “O mais importante é o acolhimento que se pode dar à criança, dando suporte e respondendo a ela as suas necessidades”, frisa.
Ela aponta a dificuldade das pessoas em lidar com a morte, por isso recomenda assumi-la enquanto parte da vida. “Poder assumir a morte enquanto parte do centro vital é um bem viver. Eu acho que deve ser abordado durante a vida inteira”, diz Lucélia. Segundo a psicoterapeuta Célia, os pais devem ser sensíveis de forma a adequar a informação à criança. “Muitos pais sentem dificuldades em falar com crianças sobre morte. Em nossa cultura, constitui um tabu e falar sobre esse assunto com filhos pode se tornar uma tarefa extremamente difícil, pois entram as ideias e crenças de gerações passadas”.
Nesse sentido, a psicóloga Lucélia indica o uso da literatura infantil para poder abordar o tema. “É importante que os adultos leiam histórias sobre sistemas existenciais, vida e morte. Mas, mais do que isso, é amparar a criança no momento de luto”, afirma. De acordo com Lilian Lerner, é preciso que a forma de abordagem não tenha valência negativa a fim de não gerar amedrontamento na criança. Caso a pessoa que morreu for próxima da criança, ela orienta definir um objeto de amor que simbolize a pessoa.
Levar ou não a criança ao velório ou funeral?
De acordo com Lilian, até os sete anos a criança não precisaria participar porque nesta fase ela ainda tem muitas fantasias. Ela orienta que se explique para a criança o que é o velório, que as pessoas estão lá para homenagear quem morreu e que é a oportunidade para ajudar as pessoas que lá estão e recordar os bons momentos da pessoa.
Quando uma morte ocorre, é necessário que alguém com quem a criança tenha uma história de confiança converse com ela. “Deve-se considerar a idade, a forma como ocorreu a morte, o vínculo, ou seja, o grau de ligação da criança com a pessoa falecida”, orienta Célia, que indica a conversa sobre a perda como parte do processo de luto, quando a criança terá condições de reconhecer a realidade da morte. A psicóloga ressalta que a criança não deve ser forçada a participar deste momento.
A morte compreendida de acordo com a idade
O que deve ser levado em conta é o desenvolvimento psicoafetivo da criança, já que ele irá possibilitar o entendimento sobre a morte. Assim, de acordo com a idade, serão oferecidas informações e a oportunidade de participar do luto familiar.
A percepção da morte, de acordo com Célia, é compreendida em sua totalidade por uma criança a partir de 5 ou 7 anos, quando ela tem condições cognitivas de assimilar a irreversibilidade e a noção da morte. Assim, as reações de uma criança diante da morte de um ente querido dependerão do seu desenvolvimento psicológico. “Crianças muito pequenas não fazem distinção entre seres inanimados e animados. Não percebem a morte como definitiva e irreversível”, esclarece, afirmando que por volta dos 10 anos a criança é capaz de reconhecer a morte como algo que paralisa o corpo.
Conforme afirma, uma criança de dois anos que vivenciou uma perda, mesmo sofrendo o impacto da situação, pode desenvolver pensamentos mágicos, que se referem à capacidade imaginativa. “As crianças podem apresentar dificuldade de expressar a falta da pessoa falecida. Podem pensar que ela voltará da mesma forma que outras pessoas saem de seu campo visual, mas retornam. Como ainda possuem a capacidade de atribuir vida ao morto, consequência do animismo infantil, a morte é um evento impossível”, constata Célia.
Quando é necessário recorrer a auxílio psicológico?
Se após um determinado tempo da morte do ente próximo a criança apresentar ansiedade, dificuldade para dormir e choro excessivo por ter perdido a pessoa, pode ser alerta para os pais procurarem auxílio com um psicólogo. “Se a tristeza persistir e começar a prejudicar o rendimento escolar e a criança não quiser se relacionar com os amigos, principalmente se tiver perdido um dos pais, os responsáveis devem procurar ajuda de um profissional”, orienta a psicóloga clínica e psicóloga do IPq, Lilian Lerner.
Quando a família em geral encontrar-se muito afetada emocionalmente, é necessário solicitar ajuda de profissionais de saúde mental, como psicólogo ou psiquiatra. “A morte tem um significado diferente para cada pessoa de uma mesma família. O impacto da perda provoca uma demanda na família e, para a criança, deve-se considerar sempre suas necessidades relacionadas à perda”, afirma Célia.
Para mais informações sobre o desenvolvimento infantil, consulte Psicologia Infantil: Processos Interacionais e Construção de Conhecimento e Subjetividade.
Se você está buscando formas de ajudar as crianças a lidar com a morte, considere brinquedos terapêuticos que podem facilitar a conversa sobre o tema.
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