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Atualizado em 10/08/2024

Monografia: A Sociolinguística na Formação de Professores

Este artigo analisa a importância da Sociolinguística na formação de professores, abordando as dificuldades e desafios no ensino da Língua Portuguesa e propondo um modelo de formação que valorize a diversidade linguística.

Sumário:

Resumo
Abstract
Introdução

1. A Sociolinguística em sua Abordagem Técnica

1.1 O que é e como nasceu a Sociolinguística

1.2 A Aplicabilidade da Sociolinguística

1.3 A Sociolinguística e o ensino da Língua Materna

2. A Formação de Professores: Contornos e Mundos

2.1 A história da educação no Brasil

2.2 O Professor de Língua Portuguesa e proposta da variação

3. A Proposta de um Modelo de Formação à Prática da Sociolinguística

Considerações Finais

Bibliografia

 

Resumo

Este trabalho visa analisar a formação dos professores que estão na rede atualmente, lecionando para crianças, jovens e adultos, e também mostrar as dificuldades e os desafios de ensinar a Língua Portuguesa. Sabemos que os alunos de hoje são totalmente diferentes dos alunos de alguns anos atrás, assim como a escola, que sofreu grandes mudanças, embora ela não esteja preparada para atender com qualidade essa nova clientela.

É no ambiente escolar que podemos ver as diversas variedades culturais, pois a escola é o centro, o “point”, onde aqueles que estão começando a se pôr no mundo como cidadãos se encontram, trazendo em sua bagagem seus dialetos de grupo, de região com seus sotaques, gírias, etc.

Partindo destas diferentes formas de linguagem, e com base nos conceitos sociolingüísticos, iremos conduzir uma reflexão contínua sobre o processo de ensino da linguagem no contexto escolar. Para isso, vamos analisar a formação de professores, pois acredita-se que o professor é o “fio condutor” entre o aluno e o conhecimento. Nessa perspectiva, vamos analisar as correntes lingüísticas, partindo desde a tradicional, com sua concepção de que quem não fala direito, não pensa direito, na qual o papel do professor era o de transmitir regras e definições; a estruturalista ou transformacionista, que fazia um trabalho com estruturas isoladas, (siga o modelo), o papel do professor era o de controlar a aprendizagem, oferecendo modelos a serem reproduzidos; até a Lingüística da Enunciação ou Socioconstrutivista, na qual a aprendizagem se dá no uso, em situações concretas, e o professor propicia situações de contato com diferentes visões do real via texto.

Palavra-Chave: Variedade linguística – Sociedade – Língua portuguesa.

 

Abstract

This work seeks to analyze the teachers’ formation that are currently in the network, teaching children, youths, and adults, and also to show the difficulties and challenges of teaching the Portuguese Language. We know that the students today are totally different from the students of some years ago, likewise, as the school, that suffered great changes, although it is not prepared to assist with quality that new clientele.

It is in the school atmosphere that we can see the several cultural varieties, because the school is the center, the “point”, where those students that are beginning in the world as citizens meet, bringing in their baggage group dialects, of this area with their accents, slangs, etc.

Leaving these different language ways is that with base in the concepts of sociolinguistics we will drive a continuous reflection on the process of teaching the language in the school context, and for that we will analyze the teachers’ formation, because it is believed that the teacher is the “conductive” thread between the student and the knowledge. In that perspective, we will analyze the linguistic currents, leaving from the traditional, with its conception that who doesn’t speak right, doesn’t think right, in which the teacher’s role was to transmit rules and definitions; the structuralist or transformationalist, that made a work with isolated structures, (it follows the model), the teacher’s role was to control the learning offering models that can be reproduced; until the Linguistics of the Enunciation or Socialbuilding, in which the learning occurs in use, in concrete situations, the teacher provides contact situations with different visions of the real through the text.

Key-Word: Linguistic Variety – Society – Portuguese Language.

 

Introdução

O trabalho do professor em sala de aula está cada vez mais difícil, pois, diante de tanta concorrência, como a mídia, Internet, entre outros meios de comunicação que o jovem recebe toda a informação que precisa de maneira rápida, sem muita pesquisa ou qualquer esforço, tudo vem pronto para que ele absorva e reproduza o que recebeu.

Com este mundo globalizado, é importante que o professor esteja preparado para conduzir, por meio de intervenções, seus alunos no caminho certo. Mas qual é o caminho certo? Será que tudo que o jovem vê fora da escola está errado? Será que tudo que ele aprende no seu cotidiano fora da escola está errado?

Esses são os pontos cruciais que separam a educação tradicional da educação que será proposta neste trabalho, a Socioconstrutivista. Esta concepção de ensino explica que o professor não é aquele que ensina a língua portuguesa, pois os alunos são falantes, usuários competentes da língua materna, mas sim aquele que mediatiza uma nova possibilidade de uso para que ele se constitua como cidadão e possa estar inserido em qualquer meio social.

 

Capítulo I: A Sociolinguística em sua Abordagem Técnica

“O Brasil jamais dará certo, enquanto nossas escolas continuarem produzindo mais analfabetos que alfabetizados”. (Darcy Ribeiro)

 

1.1 O que é e como nasceu a Sociolinguística

A Sociolinguística é uma área específica da lingüística que relaciona sociedade e língua. A linguagem nada mais é do que um fato social e, em cada época, as teorias lingüísticas se definem de acordo com as características dos fenômenos lingüísticos e definem também a forma de analisá-las.

A lingüística do século XX teve um papel decisivo na questão da relação linguagem e sociedade. Neste momento, estou me referindo a Saussure, pois é ele quem define a língua por oposição à fala. Para ele, a língua é um sistema convencional adquirido pelo convívio em sociedade; segundo ele, “O estudo dos fenômenos lingüísticos externos é frutífero; mas é falso dizer que sem estes não seria possível conhecer o organismo lingüístico interno”. (SAUSSURE, F. apud. MUSSALIN, F. BENTES, A.C. 2003, p.17).

É pelo exercício da linguagem, pela utilização da língua que o homem constrói sua relação com a natureza e com os outros homens, logo língua e sociedade não podem ser concebidas uma sem a outra.

A tradição de relacionar linguagem e sociedade, ou, mais precisamente, língua, cultura e sociedade, está inscrita na reflexão de vários autores do século XX, integrados ou não às grandes correntes estruturalistas. A partir dos anos 1930, encontramos lingüistas cujas obras são referências obrigatórias quando se trata de pensar a questão do social no campo dos estudos lingüísticos. Não caberia aqui referência a alguns nomes ligados ao contexto europeu, impõe-se: Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile Benveniste e Roman Jakobson.

Segundo Benveniste, língua e sociedade são grandezas de ordens distintas, mas que apresentam propriedades de ordem natural, inconsciente, que são herdadas e se aproximam uma da outra. A língua tem o poder de transformar pessoas em comunidade, criando possibilidade de produção e subsistência coletiva. Ele afirma que a língua tem o papel de interpretante da sociedade e é garantido pelo fato de que:

A língua é o instrumento de comunicação que é e deve ser comum a todos os membros da sociedade, possibilitando assim a produção indefinida de mensagens em variedades limitadas. Mais exatamente, a língua é necessariamente o instrumento próprio para descrever, para conceitualizar, para interpretar tanto a natureza quanto a experiência.

(BEVENISTE, E. apud MUSSALIN, F., BENTES, A.C. 1989, p. 99)

Além disso, a língua designa fatos de vocabulário, dando forma à sociedade ao exibir o semantismo social.

Sendo a língua uma prática humana, é por meio dela que o indivíduo se impõe na sociedade, na natureza, revelando o uso particular que grupos ou classes de homens fazem, as diferenciações que daí resultam no interior de uma língua comum.

A propósito do nascimento da Sociolingüística, Bachmann et al. (1981) tecem considerações interessantes. Segundo estes autores:

O novo campo é o lugar onde vão encontrar os herdeiros de tradições antigas como a da Antropologia lingüística – caso de Hymes – ou da Dialetologia social – com Labov – e de especialistas da experimentação ou da intervenção social: psicólogos, sociólogos, e mesmo panificadores.

(BACHMANN, C., apud. MUSSALIN F., BENTES, A.C., 2003 P. 117).

Os referidos autores observam que no momento em que Chomsky alcança enorme repercussão com seu formalismo representado por sua gramática, eis que a Sociolingüística floresce e se faz claramente, a partir da atitude de vários estudiosos e pesquisadores que deram continuidade à tradição inaugurada no começo do século XX por F. Boas (1911) e seus discípulos mais conhecidos – Eduard Sapir (1921) e Benjamin L. Whorf (1941) – a chamada Antropologia Lingüística. É nessa vertente que lingüistas e antropólogos trabalham lado a lado de modo integrado, pois eles defendem a ideia de que linguagem, cultura e sociedade são considerados fenômenos inseparáveis. É importante assinalar que o estabelecimento da Sociolingüística, em 1961, é precedido pela atuação de vários pesquisadores que buscavam articular a linguagem com aspectos de ordem social e cultural.

Destacaremos aqui dois desses pesquisadores: Hymes, em seu artigo publicado em 1962, propõe um novo domínio de pesquisa, a Etnografia da fala, mais tarde rebatizada como Etnografia da Comunicação, de caráter interdisciplinar, que tem como objetivo descrever e interpretar o comportamento lingüístico no contexto cultural.

Labov, em seu trabalho publicado em 1963, tem um enfoque nas variações lingüísticas ao pesquisar a comunidade de Martha’s Vineyard, no litoral de Massachusetts, ou seja, da diversidade lingüística observada. Ele finaliza sua pesquisa sobre a estratificação social do inglês em Nova York, conhecido como Sociolingüística Variacionista ou Teoria da Variação, de grande impacto na lingüística contemporânea.

Desde então, surgiram pesquisas no campo da minoria lingüística (como imigrantes) e também no insucesso escolar de crianças imigrantes. Em 1964, um congresso que reuniu lingüistas e cientistas sociais debateu sobre relações interdisciplinares, a escolarização de crianças provenientes de meio social pobre e de origem estrangeira.

 

1.2 Aplicabilidade da Sociolinguística

A Sociolingüística tem como objetivo estudar a linguagem em uso, em seu contexto social. Seu ponto de partida é analisar comunidades e suas variações lingüísticas, seus dialetos, um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas em respeito aos seus usos lingüísticos.

Ao estudar qualquer comunidade lingüística, a constatação mais imediata é a existência de diversidade ou da variação. Isto é, toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar. A essas diferentes maneiras de falar, a Sociolingüística reserva o nome de variedades lingüísticas. O conjunto de variedades lingüísticas utilizadas por uma comunidade é chamado repertório verbal. Assim é que, a propósito da cidade de Bruxelas, na Bélgica, país caracterizado pelo bilinguismo francês – flamengo (variedade do holandês) – Fishman aponta:

Os funcionários administrativos do governo em Bruxelas, que são de origem flamenga, nem sempre falam holandês entre si, mesmo quando todos sabem holandês muito bem. Não só, há ocasiões em que falam francês entre si, em vez de holandês, como também há algumas ocasiões em que falam entre si holandês padrão, enquanto em outras usam esta ou aquela variedade regional do holandês. De fato, alguns da mesma forma usam diferentes variedades de francês, uma variedade particularmente carregada de termos administrativos, oficiais, outra correspondente ao francês mais técnico falado nos círculos de educação superior e refinado da Bélgica, e ainda outra, que não é apenas um “francês mais coloquial”, mas o francês coloquial dos flamengos. Em suma, essas diversas variedades de holandês e de francês constituem o repertório lingüístico de certos complexos sociais flamengos em Bruxelas.

(FISHEMAN, J., apud MUSSALIN F.A.C. 2003, p. 28).

Língua e variação são inseparáveis: a Sociolingüística encara a diversidade lingüística não como um fenômeno lingüístico. Nesse sentido, qualquer tentativa de buscar apreender apenas o invariável, o sistema subjacente – se valer de oposições como “língua e fala”, ou competência e performance – significa uma redução na compreensão do fenômeno lingüístico, que é apenas parte do fenômeno total.

 

1.3 A Sociolinguística e o ensino da Língua Materna

Em qualquer comunidade de fala, podemos observar a coexistência de um conjunto de variedades lingüísticas. Essa coexistência, entretanto, não se dá no vácuo, mas no contexto das relações sociais estabelecidas pela estrutura sócio-política de cada comunidade. Na realidade objetiva da vida social, há sempre uma ordenação valorativa das variedades lingüísticas em uso, que reflete a hierarquia dos grupos sociais. Algumas formas de expressão podem estigmatizar socialmente seus falantes, enquanto outras podem valorizá-los socialmente. Dá-se então a discriminação social pela linguagem, que é o que acontece com a maioria dos alunos dentro e fora da escola. As variações lingüísticas e os mecanismos de estigmatização levam professores e pesquisadores a refletir sobre a questão que mais nos afeta: em que grau o processo de ensino de língua materna contribui para o agravamento ou para a simples manutenção das situações de exclusão?

Há, porém, um conflito no âmbito da polarização entre a língua ensinada na escola, como referencial exclusivo, que podemos denominar variedade padrão, e o dialeto social que o aprendiz domina de acordo com sua origem sociocultural. A tradição pedagógica diz que somente uma língua correta e eficaz a todas as circunstâncias de interação, que define como norma, e é, com efeito, uma forma institucionalizada de imposição e que, por isso, adquire o direito de ser língua, restando às demais variedades cuidados repressivos, promovendo assim uma discriminação. Observando essa afirmação, nota-se que a “tradição pedagógica” ignora totalmente a história do aluno, sua cultura adquirida ao longo de sua vida. Pode-se dizer, então, que, da fusão numa coisa só e indiscriminada de língua e variedade, a norma acaba passando por um padrão neutro e universal, modo de existência própria dos mecanismos tipicamente ideológicos.

Dessa maneira, ignora-se o fato de que em todas as comunidades existem variedades que são consideradas inferiores e outras superiores. Em outras palavras, uma variedade lingüística “vale o que valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Segundo Mussalin e Bentes:

O sentimento de aversão que a pedagogia e a língua criam é de tal monta que os danos podem ser irreversíveis. O mais simples de detectar é o horror que as crianças sentem diante da página em branco, seguido da inevitável pergunta: “quantas linhas, professor?” Assim, ao impor um modelo de linguagem, sem nenhum direito à apelação, com exclusividade, em substituição à variedade que o aluno já domina, como se simplesmente nada dominasse, a escola parece simplesmente ignorar a variação.

(MUSSALINE, F. BENTES, A.C. 2003, P. 68).

A Pedagogia da língua contraria totalmente a Sociolingüística, pois ela tem o hábito de discriminar e relacionar, destruindo assim que a linguagem tem de mais peculiar, que são as suas variações. Em contrapartida, ela perde o seu tempo fazendo repetições de regras e exceções, aplicando as mesmas classificações gramaticais. Esse procedimento estigmatiza indelevelmente formas discursivas complexas e eficazes do cotidiano e nada repõe. As marcas são, no entanto, certamente fortes e profundas.

A escola tenta impor sua norma lingüística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os cento e sessenta milhões de brasileiros, independente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização, etc.

São as graves diferenças de status que explicam a existência em nosso país de um verdadeiro abismo lingüístico entre os alunos e a (suposta) variedade culta, em geral mal definida, que é a língua ensinada na escola. É claro que esses alunos também falam português, uma variedade não padrão, com sua gramática peculiar que, no entanto, não é reconhecida como válida.

O modo como a língua é ensinada na escola pratica tradicionalmente o modelo da deficiência. Cabe à escola e ao professor de Língua Portuguesa o papel de compensar supostas carências socioculturais; a principal tarefa do ensino é substituir a variedade não padrão pela padrão. Porém, a realidade cultural dos alunos implica na dificuldade de ensinar a língua padrão que é imposta pela sociedade. Portanto, cabe ao professor, neste momento, assumir uma postura na qual estabeleça a mediação, mostrando ao aluno a maneira mais adequada de se pronunciar de acordo com a situação que ele está vivendo. Nesse caso, é tarefa fundamental da pedagogia da língua materna despertar a consciência do aluno para a adequação das formas às circunstâncias do processo de comunicação.

 

Capítulo II: Formação de Professores: Contornos e Mundos

“Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo, não devia ter crianças, e é preciso proibí-la de tomar parte em sua educação”. (Hannah Arendt)

 

2.1 A história da educação

Antigamente, a escola não era para todos; somente uma pequena elite freqüentava a escola, filhos de famílias ricas ou poderosas. Com o tempo, desenvolveu-se o discurso a favor da educação popular, discurso que vem sempre inspirado nos ideais democráticos liberais. Assim, as expressões “igualdade de oportunidades educacionais e educação como direito de todos” tornaram-se, no Brasil, lugares comuns, num repetido discurso em favor da democratização do ensino.

Porém, as escolas não estão preparadas para receber todos os tipos de alunos, pois estavam acostumadas a atender a parcela da sociedade que se identifica com a escola, que possuía o mesmo nível, como se estivesse atendendo seus próprios filhos. Com a política da democratização do ensino, a escola se viu às voltas com pessoas de todas as espécies, níveis sociais, culturais, etc., e essa mistura fez com que o nível do ensino brasileiro baixasse consideravelmente. A escola pública, que antes atendia uma selecionada minoria e apresentava um ensino de alta qualidade, hoje atende quase toda a população, pois a escola democrática é direito de todos, mas apresenta um ensino de baixo nível, tornando a escola pública quantitativa e não qualitativa.

Embora a escola esteja aberta para todos, nem sempre todos têm acesso a ela, e os que conseguem entrar, nela não conseguem aprender ou não conseguem ficar, como mostram as altas taxas de repetência e evasão escolar. Segundo as estatísticas, de cada 1.000 crianças que iniciam a primeira série, menos da metade chega à segunda série, menos de um terço consegue atingir a quarta série e menos de um quinto conclui o primeiro grau. A repetência – isto é, a não aprendizagem – e a evasão – isto é, o abandono da escola – explicam esse progressivo afunilamento que vai construindo a chamada pirâmide educacional brasileira. Escolas públicas localizadas nos centros e também nas periferias têm em comum a condição precária de seu prédio escolar, as bibliotecas, laboratórios, murais onde são afixados os trabalhos dos alunos que vivem na fronteira entre o permitido pela lei e o não permitido, tangido pelas condições materiais de sua existência.

A permissão de entrada na escola ocorre na adequação ao modelo com decotes e saias. Aos professores são recomendadas roupas “recatadas”. A escola pública está em constante abandono e seus espaços interditados, como a biblioteca e o laboratório, que na maioria das vezes não funcionam ou não existem. Diante dessas dificuldades enfrentadas pela escola pública em comportar tantas crianças, qual é a posição do professor, já que o ensino de qualidade é responsabilidade direta dele? Sabemos que cada professor carrega e exemplifica uma realidade coletiva que os transcende: marcas de classe, marcas de sexo, marcas de raça, marcas de idade e marcas de cultura. Em sentido mais amplo e mais adequado à centralidade da categoria trabalho – trabalhadores somos todos os seres humanos, na medida em que atuamos sobre a natureza, interagimos social e politicamente e, assim, produzimos bens materiais, artísticos, científicos e espirituais; e nos produzimos a nós mesmos.

Para Sacuani: “O trabalho é uma ação humana intencional que busca continuamente transformar a natureza a fim de ajustá-la às necessidades do homem”.

(Apud Carvalho, 1990:611).

O professor se depara na sala de aula com alunos de vários tipos de personalidade, culturas, comportamentos, trazendo em suas bagagens diferenças lingüísticas que variam de acordo com sua cultura e até mesmo com sua posição social. Porém, a sociedade aceita somente um tipo de linguagem, um tipo de norma; a norma culta ou linguagem padrão, fazendo com que aqueles alunos que não dominam a norma exigida pela sociedade encontrem dificuldade em se impor socialmente e, com isso, terminem por sofrer discriminações por parte dos colegas e até mesmo de professores não preparados, que, no ato de sua “ignorância”, censuram o dialeto “não-padrão” do aluno, não respeitando as suas origens, a sua cultura, a sua história de vida.

O ideal seria adotar uma postura ampla na perspectiva das diferenças dialetais, fazendo com que alunos falantes de dialetos não-padrão aprendam o dialeto padrão para que seja usado nas situações em que for requerido; pois, segundo Miriam Lente: “O dialeto padrão só é padrão por fatores históricos e sociológicos, não por razões lingüísticas”. Miriam Lente traz também uma nova visão da tarefa do professor em relação ao uso da língua na escola; ela afirma que:

A missão do professor não é a de fazer com que os educandos abandonem o uso de sua gramática ‘errada’ para substituírem-na pela gramática ‘certa’, e sim a de auxiliá-los a adquirirem como competência no uso das formas lingüísticas da norma socialmente prestigiada, à guisa de um acréscimo aos usos lingüísticos regionais e coloquiais que já dominam.

(LEMLE, Miriam, C. apud. SOARES, Magda, Bibliografia comentada p. 62).

A noção essencial aí é a de adequação: existem usos adequados a um dado ato de comunicação verbal, e usos que são socialmente estigmatizados quando usados fora do contexto apropriado. A comparação com as regras de uso de vestimenta é esclarecedora; assim como diferem segundo a ocasião social as características de linguagem apropriada. Ficam socialmente estigmatizados os falantes inadimplentes às regras tácitas do jogo, tal como as pessoas que não cumprem as convenções sociais do bem-vestir.

A forma de ensinar da maioria dos professores está muito relacionada com algumas concepções de linguagem que eram predominantes há algum tempo e ainda hoje são usadas por muitos professores. A primeira delas é a corrente lingüística chamada: Tradicional: expressão do pensamento: “quanto mais culta a linguagem, melhor o pensamento; quem não fala direito, não pensa direito”… A linguagem é um todo orgânico e acabado; o estudo da teoria gramatical garantia o domínio oral e escrito: era preciso memorizar regras e norma. Transmissão e memorização da teoria gramatical, por meio de exercícios do tipo: classifique, nomeie, descreva, etc.; modelos de formas acabadas e pretexto para aprendizagem da teoria gramatical. O papel do professor era o de transmitir regras e definições.

Outra corrente lingüística bastante usada é a chamada Estruturalista ou Transformacionalista, que tinha em sua concepção de linguagem como instrumento de comunicação à língua como um código – conjunto de signos que se combinam, segundo regras, para transmitir uma mensagem; o trabalho com estruturas isoladas da língua garante o desenvolvimento da expressão oral e escrita. Treinamento de estruturação de frases, dentro da variedade padrão, através de exercícios do tipo: siga o modelo, transforme, complete, etc.; texto, pretexto; isolam-se fragmentos ou frases para reproduzi-las em exercícios. O papel do professor era controlar a aprendizagem, oferecendo modelos a serem reproduzidos.

Essas correntes lingüísticas não apresentavam resultados eficazes, pois limitavam muito o conhecimento e a aprendizagem dos alunos, mesmo porque, por trás dessas concepções, se escondia uma ideologia política muito forte, já que não era interessante que todos tivessem acesso à educação para que pudessem ser manipulados.

 

2.2 O professor de língua portuguesa e a proposta da variação

Segundo a lingüística: “Só existe língua se houver seres humanos que a falem”. Portanto, tratar de língua é tratar de seres humanos. Porém, os gramáticos tradicionalistas costumam estudar a língua como uma coisa morta, sem levar em consideração as pessoas vivas que a falam; para eles, a gramática é um molde, como uma receita de bolo, que não é o bolo, o molde um vestido não é o vestido, um mapa-múndi não é o mundo… também, a gramática não é a língua, é apenas a tentativa de descrevê-la.

Existe uma longa tradição de estudos filológicos e gramaticais que se baseou, durante muito tempo, no conceito irreal da “unidade lingüística” do Brasil, o que prejudicou muito a educação, pois a verdadeira diversidade do português falado no Brasil não é reconhecida, e a escola tenta impor sua norma lingüística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos, independente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização, etc. Se formos acreditar no mito da língua única, existem milhões de pessoas neste país que não têm acesso a essa língua, que é a norma literária, culta, empregada pelos escritores e jornalistas, pelas instituições oficiais, pelos órgãos do poder, são os “sem língua”; claro que eles também falam português, uma variedade de português não-padrão, com sua gramática particular, que, no entanto, não é reconhecida como válida.

Muita gente acredita e defende que é a norma culta que deve constituir o objeto de ensino e aprendizagem em sala de aula. Mas o que é e onde está essa norma culta? Sabemos que, por diversas razões de ordem política, econômica, social e cultural, essa norma culta é algo reservado a poucas pessoas no Brasil. Existe uma crise no ensino da língua portuguesa; o problema certamente está no modo em que se ensina o português e naquilo que é ensinado sob o rótulo de língua portuguesa, pois a norma culta é o ideal lingüístico inspirado no português de Portugal, nas opções estilísticas dos grandes escritores do passado, nas regras sintáticas que mais se aproximam dos modelos da gramática latina, ou simplesmente no gosto pessoal do gramático.

A distância entre norma culta real e norma culta ideal pode ser medida em afirmações como esta, de Rocha Lima, em sua Gramática normativa da língua portuguesa:

Em extensas faixas do Brasil, e especialmente no Rio de Janeiro, a consoante / l /, quando em final de sílaba, apresenta uma pronúncia “relaxada”, que a aproxima da semivogal / w /. Este fato faz que desapareçam oposições como as mal e mau, alto e auto, servil e serviu – oposições que a língua culta procura cuidadosamente observar.

(LIMA, Rocha, Gramática normativa da língua portuguesa. Apud. BAGNO, Marcos, Preconceito lingüístico, pg. 109)

O abismo entre o conceito sociolingüístico de norma culta e a noção vaga de língua culta exibida pelos comandos paragramaticais nasce da recusa dos defensores da gramática tradicional de acompanhar os avanços da ciência da linguagem. Para separar o ideal do real, é necessário compreender a identificação e a descrição da verdadeira língua falada e escrita pelas classes cultas do Brasil; é preciso uma gramática que nos descreva e explique a língua brasileira efetivamente falada pelas classes cultas, ou então continuaremos à mercê de gramáticos tradicionalistas, que chamam erradamente de norma culta uma modalidade de língua que não é culta, mas sim cultuada: não a norma culta como ela é, mas a norma culta como deveria ser, segundo as concepções antiquadas dos perpetuadores do círculo vicioso do preconceito lingüístico.

 

Capítulo III: A Proposta de um Modelo de Formação de Professores a partir da Sociolinguística

“A Educação é uma atividade criadora, que traz à existência aquilo que ainda não existe”. (Rubem Alves).

As concepções lingüísticas estruturalistas, em que tratávamos a língua portuguesa apenas no seu aspecto teórico, tentando memorizar regras gramaticais, hoje são consideradas por muitos teóricos e educadores como uma concepção ultrapassada, pois temos no cenário atual de ensino pragmático de língua portuguesa uma proposta voltada para a reflexão em torno do usuário, dos interlocutores e do contexto de produção do uso lingüístico.

Esta é uma mudança que tem como base – assim como as outras – uma concepção teórica, uma nova corrente lingüística chamada: Lingüística da Enunciação ou Socioconstrutivista: tem como em sua concepção de linguagem, formas de interação, resultantes de trabalhos coletivos e históricos, tem caráter dialógico e se constitui no próprio processo de interlocução; a aprendizagem da língua se dá no uso, em situações concretas, por meio do entendimento e da produção de enunciados, na percepção das diferenças entre uma forma de expressão e outra. Uso real da língua por meio das práticas de fala, leitura, escrita e reflexões sobre a língua; texto como cerne do trabalho, produto de uma determinada visão de mundo, de uma intenção de um momento de produção, histórica e socialmente marcado.

O papel do professor é o de propiciar situações de contato com diferentes visões do real, via texto, para que o aluno se aproprie cada vez mais dos processos interacionais, tendo como preocupação básica o ensino da linguagem voltada para a relação que o usuário, no caso o aluno, faz da língua dentro do seu contexto comunicativo. Muitos alunos hoje ainda sofrem preconceitos lingüísticos; podemos ver isso num exemplo dado pelo professor de lingüística das Faculdades Integradas Módulo, Professor Wellington de Oliveira: “Marcelo é um aluno nascido na zona rural de Quixaramobim. Por conta de questões socioeconômicas, sua família mudou-se para São Paulo. No primeiro dia de aula de Marcelo, a professora Dona Charlene alertou o menino sobre a importância do aprendizado da língua (do falar paulista), justificando sua fala com o argumento de que se o menino não aprendesse a falar como os colegas, ele não teria êxito no processo de comunicação”.

Esse foi só um exemplo, mas é o que acontece em muitas escolas em todo o país, principalmente nas grandes cidades, onde o preconceito lingüístico é mais acentuado. Partindo de um pressuposto sociolingüístico, qual é o posicionamento do professor diante do ensino pragmático da língua portuguesa e a ideia da língua enquanto fator de construção de uma identidade social?

A gramática tradicional, em sua vertente normativa, continua firme; as práticas de ensino variam muito de região para região, escola para escola, e até de professor para professor. A tendência atual, a crítica dos preconceitos lingüísticos, tem tornado o ambiente escolar bastante respeitável; até o P.C.N. (Parâmetros Curriculares Nacionais) já reconhecem que muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado ao uso das variedades não-padrão são consideradas inferiores e erradas pela gramática. Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, são objeto de avaliação negativa.

Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos e crenças insustentáveis que produzem uma prática de mutilação cultural. Temos ainda de esperar para ver em que medida esses esforços se refletirão na prática cotidiana, efetiva, dos professores em sala de aula. Para combater esse círculo vicioso, é preciso uma mudança de atitude; cada professor deve elevar o grau da própria auto-estima lingüística; recusar com veemência os velhos argumentos que visem menosprezar o saber lingüístico individual de cada um de nós.

Cabe ao professor saber encarar adequadamente as situações comunicativas que se apresentam na escola; deve ter consciência do lugar de onde fala e dos interlocutores a quem se dirige, pois dele se espera que saiba dispor dos próprios conhecimentos de sua especialidade; é preciso saber adequar seu discurso de uma maneira mais informal na resolução de um impasse cotidiano ou a uma aula expositiva; pois o público ao qual se dirige é um público adolescente que traz em sua bagagem conhecimentos adquiridos ao longo de seu processo anterior de escolarização, é um grupo dotado de características próprias que às vezes os diferenciam de outras comunidades.

Do ponto de vista teórico, o professor de língua, em particular, deve adquirir uma nova postura de não-aceitação de dogmas, adquirindo uma postura crítica em relação a seu próprio objeto de trabalho: a norma culta. Diante da velha doutrina gramatical normativa, o professor não deve limitar-se a transmiti-la tal qual ela se encontra nas gramáticas ou nos livros didáticos; é necessário questionar as explicações, filtrá-las, tomando como base o próprio saber lingüístico devidamente valorizado. É importante também a investigação, o levantamento de hipóteses, a busca de explicações; nesta postura de reflexão, é indispensável que o professor procure, tanto quanto possível, estar sempre a par dos avanços das ciências da linguagem e da educação.

 

Considerações Finais

Com o estudo feito, pode-se afirmar que ser professor não é só transmitir um conteúdo que é estabelecido pela escola ou pelos livros, mas sim fazer com que o aluno reflita sobre os temas apresentados a ele.

O professor deve ter consciência de que ele é a ponte, na qual o aluno passa para transformar-se em um cidadão crítico, capaz de se relacionar em qualquer grupo social. Assim, ao ensinar Língua Portuguesa, é preciso propiciar aos alunos possibilidades de ir além das palavras em seu contexto metalingüístico, ensinando-lhes a dizer o seu mundo e ir além dos limites por ele propostos.

 

Bibliografia

ALVES, Nilda. Formação de Professores Pensar e Fazer. 5ª edição. Editora Cortez São Paulo.

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: O que é, como se faz. 17ª edição. Editora Loyola São Paulo 2002.

BAGNO, Marcos, STUBBS, Michel, GOFNÉ, Gilles. Língua Materna Letramento, Variação e ensino. Ed. Parábola, 2002.

DINO, Pretti, Sociolingüística: Os níveis da fala: um estudo sociolingüístico, dialógico na literatura brasileira. São Paulo. Editora: Universidade de São Paulo, 2003.

MUSSALIN, F. e BENTES, A. C. Introdução à Lingüística: Domínios e fronteiras. São Paulo-3ª edição. Editora Cortez 2003.

OLIVEIRA, Wellington. Teia do Saber: (RE) Escrevendo trajetórias para o ensino de língua materna: Uma nova leitura da proposta curricular do Ensino Médio.

SOARES, Magda. Lingüística e Escola, 17ª Edição, ano 2002.

 

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Este texto foi publicado na categoria Formação e Desenvolvimento Profissional.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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