Resumo
A monografia a seguir elucida sobre os usos do RPG (Role Playing Game) na sala de aula.
Uma vez que tão pouco material foi escrito sobre o assunto em território nacional, a pesquisa baseia-se neste escasso material e nos relatos de educadores que implementaram tal jogo, na base da tentativa e erro, permitindo-nos ter uma ideia melhor de como fazer e aprender com seus erros.
Abstract
The monograph to proceed elucidates on the uses of RPG (Role Playing Game) in the classroom, once so little material was written on the subject in national territory, being based on this scarce material and on educators’ reports that implemented such a game on the basis of trial and error, allowing us to have a better idea of how to do and learn from mistakes.
Súmario
1 Introdução
2 Desenvolvimento
2.1 Considerações Iniciais
2.1.1 Objetivos
2.1.2 Escolha do Tema abordado
2.2 Abordagens
2.2.1 Abordagem da equipe pedagógica
2.2.2 Abordagem dos demais professores
2.2.3 Abordagem dos pais
2.3 Desenvolvimento
2.3.1 Desenvolvimento do Tema
2.3.2 Interdisciplinaridade
2.3.3 Estilo
2.3.4 Escolha do Sistema de jogo
2.3.4.1 Criação de Sistema de jogo
2.4 Aplicação
2.4.1 A primeira aula
2.4.2 Desenvolvimento da Aula
2.4.3 Avaliação de resultados
2.4.4 Reunião Pedagógica
3 Conclusão
4 Bibliografia
5 Apêndices e Anexos
1 Introdução
1.1 Tema:
O uso do RPG na sala de aula
1.2 Problema:
Como usar o jogo de RPG na sala de aula?
1.3 Delimitação do Universo de Pesquisa:
O universo de pesquisa ao qual essa monografia se refere é a aplicação do RPG no Ensino Médio, compreendendo assim, em sua maioria, adolescentes e jovens adultos.
1.4 Delimitação do Assunto:
O assunto da monografia está delimitado a uma análise pedagógica do jogo de RPG, abordando em que consiste o mesmo e como deve ocorrer a abordagem e sua forma de utilização em classes do Ensino Médio.
1.5 Objetivo Geral:
O objetivo da monografia é disponibilizar ferramentas pedagógicas para a aplicação do jogo de RPG em classes do Ensino Médio.
1.6 Justificativa:
Devido ao escasso material sobre a utilização do RPG em sala de aula, em contrapartida a outras ferramentas como a televisão e o computador, mais uma pesquisa neste campo se faz necessária para aumentar o leque de opções dos professores em suas classes do Ensino Médio.
1.7 Hipótese
Segundo minhas expectativas, espero que o RPG se mostre uma ferramenta versátil, que possa ser usada tanto em apenas alguma matéria ou mesmo multidisciplinarmente, ajudando na socialização, desinibição e desenvolvimento emocional e empático.
1.8 Procedimento Metodológico:
O procedimento metodológico usado neste trabalho é a pesquisa bibliográfica.
2 Desenvolvimento
Antes mesmo de começar a responder a pergunta proposta pela monografia, cabe aqui um pequeno histórico do jogo, e claro, uma explicação do que ele se trata.
Ao contrário de outros jogos cuja origem se perde no tempo, o RPG tem uma data de nascimento. Em meados da década de 1970, um grupo de amigos, dos quais faziam parte Gary Gygax e Dave Arneson, jogavam um wargame, jogo em que se controla miniaturas em um diorama em que cada miniatura representa um pelotão de soldados. Durante o jogo, Dave tentava invadir o castelo de Gary, porém suas tentativas eram em vão. Ele notou que o diorama mostrava um rio ao lado leste do castelo e uma abertura de esgoto gradeada. Dave, então, disse que entraria com um pelotão no esgoto. Gary, porém, argumentou que um pelotão não caberia lado a lado dentro do esgoto e que, se eles entrassem em fila, chamariam a atenção. Dave propôs que apenas um soldado entraria com a missão de abrir os portões do castelo. Eles finalizaram a sessão e, na semana seguinte, Gary havia feito um diorama do sistema de esgoto, labiríntico e cheio de monstros. Nascia assim o Dungeons & Dragons, o primeiro RPG. Um jogo onde se joga apenas com um personagem. Com o tempo, o jogo se espalhou por todo o planeta. A Inglaterra criou a primeira editora exclusivamente envolvida com RPG.
Nos anos 1990, houve no Brasil o chamado “Boom do RPG”. Diversos títulos de RPGs americanos tiveram suas versões traduzidas para o português, enquanto surgiram, enfim, os primeiros RPGs cem por cento nacionais. Em 1991, tivemos o Tagmar, ambientado num cenário de fantasia medieval, Millenia de ficção científica e, no ano seguinte, O Desafio dos Bandeirantes, o primeiro a usar uma ambientação histórica nacional.
Desde então, as versões foram se multiplicando e temos, nos dias de hoje, mais de vinte títulos criados no Brasil, sem contar um sem número de versões traduzidas de livros internacionais, tudo em seis editoras, sendo que três delas trabalham exclusivamente com RPG. Um número alto, considerando um mercado editorial tão restrito.
Mas o que é RPG? Todo rpgista (como são chamados os jogadores) tem de responder a esta pergunta pelo menos dez vezes em sua vida. E, mesmo assim, a resposta nunca é fácil ou curta. O RPG (role playing game ou jogo de interpretação de papéis) pode ser resumido a um teatro de improvisação com regras. O mestre do jogo cria o cenário, elabora os objetivos e desafios e os propõe aos jogadores. Cada jogador cria, seguindo certas regras, o seu personagem. Ele deve desenvolver a parte individual do mesmo, seus anseios, seus objetivos pessoais, seu passado e como ele encara o mundo.
Durante o jogo, as decisões tomadas pelos jogadores devem condizer com o personagem. Assim, um jogador interpretando um homem sábio e pacifista não pode ser o primeiro a se atirar a um combate quando seu grupo é cercado por mercenários, por exemplo. Neste caso, ele deve negociar a passagem do grupo, o pagamento de uma taxa ou até a rendição dos mesmos, se isso evitar o derramamento de sangue. Em poucas palavras, o personagem deve fazer coisas condizentes com o que ele é. Como disse o roteirista italiano Gianfranco Manfredi, responsável pelo título Mágico Vento, em sua recente oficina de roteiro no 4º Festival Internacional de Quadrinhos, realizada no dia 8 de outubro: “Eu crio meu personagem. Se ele é um homem sombrio e corrupto e, num determinado episódio, alguém o oferecer dinheiro, terei de fazê-lo aceitar. Depois de criar um personagem, ele ganha vida; tudo que eu faço é escrever o que ele quer fazer”.
Ao contrário do que era no início, o RPG quase não faz mais uso de miniaturas, nem muito menos de dioramas. O mestre, quando quer fazer com que os jogadores entendam a grandiosidade de uma mansão, detalha, em uma narrativa, um hall de entrada gigantesco, as obras de arte que o adornam e os móveis caros espalhados. Ou seja, tudo se passa na imaginação de cada um. Para as ações que os jogadores querem que seus personagens realizem e que podem ter uma chance de falha ou mesmo em que a sorte está envolvida, o mestre pede uma rolagem de dados, que é, de acordo com o sistema de jogo (como as regras de cada RPG são chamadas), mas geralmente envolvem dados que podem ter desde quatro lados até cem lados. Mesmo que dúzias de páginas fossem utilizadas, ainda assim seria pouco para explicar o jogo. A leitura de alguns dos livros da bibliografia utilizada na pesquisa será de suma importância para o entendimento da mecânica do jogo.
Quando o professor pensa em aplicar o RPG em sua sala de aula, ele deve se fazer algumas perguntas, que, a propósito, devem ser feitas quando se lança mão de qualquer ferramenta educacional.
O conteúdo que quero passar para os alunos necessita do RPG ou o mesmo não seria transmitido melhor com outra ferramenta? Como devo abordar a organização da escola com esta proposta? Como abordar os alunos com a proposta?
Quando feitas estas perguntas e obtidas as respostas para as mesmas, está na hora de colocar em prática o jogo. Bem, ainda não. O uso de RPG, ainda mais nestas épocas com alguns escândalos ocorridos com o mesmo, merece uma pesquisa apurada e um plano bem minucioso para sua aplicação em sala de aula.
Por isso, a seguir será apresentado um esquema, com a compilação da pesquisa realizada para o trabalho de monografia nos últimos meses, com um passo a passo de como aplicar o jogo em salas de aula e com as considerações de outros educadores em vários estados do país, e outros, até mesmo de fora dele, discriminando cada passo deste planejamento e seus resultados em suas experiências.
Elas estão divididas em Considerações Iniciais, Abordagens, Desenvolvimento, Aplicação e Avaliação para seguir uma linha de raciocínio e de trabalho retilínea e de fácil reprodução para educadores que porventura venham a consultar tal material.
2.1 Considerações Iniciais
2.1.1 Objetivos
Antes de tudo, o professor deve ponderar sobre os objetivos de se usar o RPG em sala de aula.
Será a ferramenta adequada? Nenhuma outra atividade poderia se adequar melhor a seus objetivos? Isso deve ser levado em conta, pois, embora esteja sendo usado cada vez mais como ferramenta pedagógica, o RPG não é a ferramenta pedagógica definitiva, assim como qualquer outra atividade não o é. Segundo os educadores e pedagogos do site Histórias Interativas, que fizeram parte do Simpósio de RPG e Educação desde sua origem, o RPG serve como ferramenta de socialização, cooperação, criatividade, interatividade, interdisciplinaridade, e também, segundo a opinião do coordenador pedagógico do projeto Jogo de Aprender, uma ferramenta para abordagem de temas transversais e avaliação de aprendizado.
Devido à natureza interpretativa do jogo, ele já carrega em si um grande potencial desinibidor, socializador e incentivador da cooperação, uma vez que, constantemente, os alunos têm de trocar ideias entre si, exercitar sua empatia ao se colocarem no lugar do personagem, além de traçar planos de ação conjunta, o que requer o mínimo de cooperação entre eles.
Uma vez que é um jogo onde não existe tabuleiro, tela de computador ou nenhum artifício de mídia (exceto em casos onde o mestre prefira usar uma música para dar o clima), ele faz uso constante da imaginação. Quando o mestre quer passar o quão pobre o casebre onde os jogadores estão, ele não mostra uma foto; ele descreve a escassez de móveis, a poeira que os recobre e o estado deplorável de conservação. O resto fica por conta da imaginação dos jogadores-alunos, que preenchem as lacunas criando, em sua mente, a própria “versão imaginária” do casebre.
A interatividade é o ponto alto do jogo. Jogos normais impõem escolhas restritas aos seus jogadores. Mesmo os mais avançados jogos de computador muitas vezes só deixam escolher entre ir pela esquerda ou pela direita. No jogo de RPG, as escolhas são praticamente infinitas, só limitadas pela imaginação de seus jogadores. Segundo a equipe pedagógica do site Histórias Interativas, “Atividades interativas comprovadamente levam a uma maior fixação de conteúdo do que atividades expositivas”. Assim, o aluno não fica restrito à opção a, b ou c. Ele mesmo cria uma resposta d, que pode ser vista como tão certa como todas as anteriores.
Como ferramenta de interdisciplinaridade, o RPG pode unir as aulas de Artes, Língua Portuguesa (Literatura) e História, ensinando, por exemplo, sobre a época do Renascimento, colocando alunos nos papéis de nobres, clero, mecenas, artistas ou plebe, ou mesmo falar da Guerra Civil Espanhola com seu círculo de artistas, revolucionários e a máquina de guerra sendo financiada pelos nazistas. As opções são ilimitadas. É claro, não são restritas a estas matérias. Conceitos de Física ou mesmo sobre a evolução humana podem ser facilmente abordados.
Outro quesito que é um forte do jogo é a abordagem de temas transversais. Muitas vezes, ao abordar tais temas, os alunos não conseguem expor suas opiniões, pois alguns destes temas ou são polêmicos ou tabus. Assim, uma vez que o professor os aborde numa mesa de jogo, em que quem deve tomar as ações é o personagem interpretado pelo aluno e não a pessoa do aluno propriamente dita, ele pode transferir suas dúvidas, opiniões e ideias para o mesmo, se soltando das amarras que o prendem. Em uma turma falando de sexualidade, por exemplo, o aluno poderia facilmente fazer perguntas ou ações como o personagem o qual está interpretando o faria, conseguindo ou permitindo-se encontrar uma resposta e entender uma reação sem se expor.
E que maneira melhor de avaliar a aprendizagem dos alunos do que em um ambiente menos estressante do que o gerado pelas provas, mas ainda assim controlável? Em matérias como História, para se certificar que o aluno aprendeu, basta ver se ele escolhe as decisões que o personagem interpretado deveria tomar, que estão condizentes. Isto é: uma dama da corte vitoriana nunca tocaria em dados, um jesuíta ao encontrar índios deveria tentar catequiza-los e um camponês da Idade Média, desconfiado de que sua vizinha é uma bruxa, deveria comunicar tal fato à Inquisição, por exemplo. Os professores podem verificar mais facilmente se eles entenderam os contextos históricos ou as consequências de suas ações por meio do jogo. Porém, é bom considerar que o jogo pode e deve ser usado não só como uma ferramenta para dar notas, o que o tornaria em uma modalidade alternativa das tradicionais provas, mas também, e prioritariamente, como uma forma de avaliação do aprendizado do aluno, onde ainda deve ser trabalhado.
2.1.2 Escolha do Tema Abordado
Embora pareça, a princípio, que a escolha do tema esteja inclusa no tópico 2.1.1 Objetivos, ele deve ser ponderado e escolhido separadamente.
Uma vez que se escolha usar a interdisciplinaridade com a disciplina de História, tomando como exemplo, o tema abordado deve ser a matéria vigente ou vindoura da disciplina.
O tema deve ser escolhido com cuidado. Deve-se levar em conta o tipo de necessidade atual das turmas e como ele será abordado.
Vejamos o caso da experiência prática realizada pelo professor Carlos Klimick em uma escola do Rio de Janeiro no ano de 1999 (para mais detalhes do caso, veja o Anexo 1 “Experiência prática com o RPG aplicado à educação”). Devido a problemas de indisciplina em sua turma de 8ª série, a equipe pedagógica escolheu abordar o tema Autoridade x Responsabilidade. Durante o jogo, expuseram os alunos a problemas típicos do mundo moderno, como o perigo de se fazer favores a estranhos em estradas, assédio sexual, tráfico de animais e escravidão no campo. Durante toda a partida, os alunos foram colocados frente a decisões difíceis e, assim, tiveram de aprender a conviver com a responsabilidade de suas decisões. O objetivo da escolha do tema, neste caso, era fazer com que os alunos tivessem um vislumbre das dificuldades da vida e de como arcar com suas decisões, sem terem de lançá-los realmente “na vida”, podendo assim fazê-lo na mesa de jogo com segurança.
Outro exemplo de tema é o jogo criado por mim chamado “Evoluções & Civilizações” (para maiores detalhes, ver Apêndice 1 “Evoluções & Civilizações”). Neste jogo, o tema abordado é a evolução social humana. Funcionando como uma atividade extraclasse, cada aluno é colocado como soberano de um reino que começa na pré-história. Cada um dos alunos dá um nome para seu reino e seu povo. Cada um deles começa com uma quantidade de comida igual, que é a moeda inicial do jogo, e com uma população também em igual número. Com essa moeda, eles decidem o que irão financiar para a evolução de seu reino, a tecnologia da agricultura, que permitirá que seu povo não tenha de circular pelo reino para caçar, ou as armas de pedra esculpida que, embora ainda exijam mobilidade, uma vez que o povo ainda terá de caçar para comer e ir até onde os animais estão, propicia, também, armas eficazes contra invasões futuras. Os alunos, então, a cada dia de aula, devem entregar suas decisões em um envelope, assim como os planos futuros.
Por meio do jogo, os alunos podem aprender como os Estados se formam, como funciona uma sociedade complexa e como ela é um resultado de decisões e ações ocorridas em séculos atrás. No grupo de teste, que foi pequeno demais e sem um rigor técnico suficiente para ser incluído como pesquisa de campo e, portanto, só será citado como uma forma de exemplo, tivemos um mesmo problema com dois jogadores que tomaram decisões diferentes.
Ambos os reinos que estavam em um nível de desenvolvimento parecido com o do império romano passavam por um período de fome e corrupção. O povo explodia em rebeliões esporádicas, mas que prenunciavam uma rebelião maior. Um dos jogadores, que vou chamar de X, decidiu instituir um Estado Fundamentalista. Impôs ao povo uma religião dura em que seu governante (no caso, ele) era uma figura messiânica, tendo autoridade divina para realizar o que quisesse. Ele assim, por alguns séculos, abafou as revoltas e também minou a influência dos reinos dos outros jogadores no seu reino. O outro jogador, que chamarei de Y, decidiu abdicar do trono, criando um “reinado democrático”, onde os líderes deveriam ser escolhidos pelo voto e iriam dirigir o reino até sua morte, quando então ocorreria outra eleição. Ele colocou então seu herdeiro no trono que, como medida e para agradar o povo, caçou os corruptos e redistribuiu a renda.
O mais interessante é que nenhuma das duas decisões foi uma escolha dada por mim. Ambos os jogadores pesquisaram sobre o assunto e descreveram seus planos. Ou seja, o jogo os estimulou para que fossem estudar mais a respeito de política e história, sem que o mestre (no caso, eu) os pedisse.
Assim, a escolha do tema é fundamental para todo passo dado adiante, pois será sobre ele que será baseado todo o trabalho a seguir.
2.2 Abordagens
2.2.1 Abordagem da equipe pedagógica
Antes de tudo, após decidir aplicar o RPG na sala de aula, é preciso expor a ideia à equipe pedagógica da escola. Nesta fase, é necessária uma abordagem mais técnica do jogo. Expor seus benefícios, os cuidados a serem tomados em sua aplicação e seu plano para fazê-lo, incluindo o tema a ser enfocado.
Acredita-se que com a equipe não será tão necessária a apresentação de explicações e argumentos tão sólidos para eliminar preconceitos e explicar casos mal interpretados, como os casos ocorridos em Ouro Preto e Guarapari (para maiores informações sobre estes casos, consultar o Apêndice 2 “Pequeno resumo a respeito dos crimes envolvendo o RPG”), uma vez que se espera que os educadores sejam mais abertos a novas abordagens pedagógicas. Porém, convém ao professor estar “armado” dos citados argumentos e, então, cabe alguma pesquisa do assunto.
2.2.2 Abordagem dos demais professores
Uma vez que a abordagem dada ao uso do RPG inclua a interdisciplinaridade, uma abordagem a algum outro professor terá de ser realizada.
Algumas vezes, será difícil convencer um colega a mudar seu plano de aula para enquadrar outra atividade ou mesmo pode ser argumentado o desconhecimento do funcionamento da mecânica do jogo. Esta é uma parte delicada e requer muita diplomacia. Explicações resumidas sobre o jogo e uma demonstração de como seria mais fácil explicar algumas matérias com o uso do jogo por ventura terão de ser usados.
Porém, o professor deve ter em mente o momento de recuar. Alguns educadores podem ter ideias melhores de como fazer a exposição de suas disciplinas ou, em alguns casos, serem intransigentes ou retrógrados no tocante a se mexer no plano de aula já estabelecido e preparado.
O RPG é para ser usado como uma ferramenta facilitadora e não como um pomo da discórdia. Se houver uma negativa firme do professor abordado, mude seus planos ou deixe para utilizar o RPG em outra oportunidade.
2.2.3 Abordagem dos pais
Devido a casos recentes envolvendo o RPG a crimes como citados acima, pode acontecer de que alguns pais venham à escola procurando por explicações. Esta é de longe a parte mais delicada da abordagem.
Deve-se considerar que, em alguns casos, os pais tiveram suas opiniões formadas por reportagens tendenciosas de programas populares ou mesmo o problema seja a crença da incompatibilidade do RPG e da religião.
Em primeiro lugar, uma explicação sobre os fatos dos tais crimes deve ser feita. Sem tentar abrandar qualquer possível culpa do RPG, apenas a verdade deve ser apresentada, pois isso ajuda a estabelecer um vínculo de confiança. Em seguida, discorre-se sobre casos que envolvam a religião, demonstrando através de vários livros de RPG que, em cem por cento dos casos (desses livros), eles alertam sobre a característica do jogo ser a representação de um fato fictício. Eles vêm com um alerta dizendo que são apenas um jogo e nada ali é real. Mostre que alguns RPGs são baseados em cenários históricos, como o Desafio dos Bandeirantes da editora Devir, o Middle Age e o Gênesis, ambos da Sociedade Histórica Inglesa, sendo que um explora fatos sobre a Idade Média e o outro sobre temas bíblicos.
Em caso de negativa, o professor deve agir como em casos de alunos ou pais de alunos que se neguem a deixar seus filhos participarem de atividades ligadas a folclore, festas juninas ou de dia das bruxas: passe uma atividade complementar para o aluno. O RPG também não deve ser pivô da desarmonia entre os responsáveis pelos alunos e a escola.
2.2.4 Abordagem dos alunos
Uma vez que o plano é a aplicação do RPG em sala de aula, uma abordagem mais madura dos alunos pode ser feita. Mas sem explicações técnicas sobre os benefícios do uso do mesmo. Uma leve explicação do que é o jogo e como ele funciona já basta.
Alguns alunos podem ficar receosos sobre o uso do mesmo devido à exposição à qual estarão sujeitos ou por acharem que não sabem interpretar. Cabe aí ao professor ser um pouco persuasivo e mostrar algum “jogo de cintura” para convencê-los.
2.3 Desenvolvimento
2.3.1 Desenvolvimento do tema
Após o sinal verde da equipe pedagógica e dos professores (no caso de uma abordagem interdisciplinar), está na hora de desenvolver mais profundamente o tema abordado. Deve-se reduzir o universo de ação dos alunos para se conseguir um maior controle do que acontece, mas não demais a ponto de tirar a liberdade dos alunos. Deve-se fazer algumas perguntas nesta fase que são cruciais. Onde e quando o jogo começa? O que ocorre naquele período de tempo? Quais os personagens dos alunos, naquele jogo? Eles serão a força motriz deste micro universo enfocado ou serão apenas coadjuvantes?
Se o tema, por exemplo, tem como objetivo trabalhar as diferenças entre uma atividade realizada por meio de um trabalho cooperativo frente às realizadas por meio de um trabalho individual, pode-se usar como exemplo as palavras do autor de RPG e jornalista Flávio Andrade que diz: “Estamos num mundo cada vez mais opressivo, onde tudo é mais fácil, mas as exigências são maiores. Há uma contradição social, pois o meio estimula o individualismo, enquanto a melhor maneira de viver nele é a cooperação.”
Neste caso, a abordagem do tema poderia ser a de colocar os personagens interpretados pelos alunos em uma ambientação onde vários acontecimentos iriam requerer a cooperação entre eles, embora a mesma tarefa pudesse ser realizada sozinha em alguns casos, só que de forma mais difícil.
Em alguns casos, uma pesquisa pode ser requerida para auxiliar os alunos no jogo, caso envolva temas como contexto histórico, leis, costumes ou coisas mais técnicas.
Tente prever possíveis decisões dos alunos para certos problemas que você irá criar para tornar a aventura (como as seções de jogo são chamadas) mais fluida e ágil, porém tenha em mente que, assim como na vida real, em um jogo de RPG as pessoas podem tomar rumos imprevisíveis ou mesmo fazer ações conscientemente idiotas e sem razão. Nestes casos, nunca será possível prever e o professor deve saber lidar com as mesmas e, assim como deve entender e saber aplicar a lei da ação e reação.
2.3.2 Interdisciplinaridade
No caso da escolha de aplicar o jogo em conjunto com outra disciplina, certas alternativas devem ser feitas e planejadas meticulosamente pelos professores envolvidos.
As seções ocorrerão em ambas as disciplinas? Ou a temática será dada em uma e o jogo propriamente dito será realizado na outra? Serão alternados, sendo um dia em uma e outro dia em outra disciplina? Elas ocorrerão no período de aula ou será uma atividade extraclasse? Será parte integrante do currículo ou ministrada em forma de oficina pelos professores envolvidos?
Uma boa ideia, tomando o exemplo de uma interdisciplinaridade entre as disciplinas de História e Artes, seria a aplicação do jogo em si nas aulas de Artes, enquanto que na disciplina de História o professor analisaria, junto aos alunos, as ações de seus personagens, dizendo o que ocorreria com eles se eles agissem de tal forma em certo período histórico.
2.3.3 Estilo
O estilo do jogo deve ser escolhido para servir aos propósitos do objetivo e do tema escolhidos.
Pode-se fazer uso desde o tradicional jogo de mesa, onde são rolados dados em questões que dependem da competência e sorte do personagem, até o estilo Live Action, que consiste nos jogadores interpretarem mesmo os seus personagens, ou seja: se o personagem manca, ele deve mancar; se ele fala de forma empolada, o mesmo se aplica e por aí vai.
Embora o RPG seja um jogo onde cada pessoa usa um personagem, em alguns casos, isto pode ser mudado.
Em casos como o citado no tópico 2.3.1 Desenvolvimento do Tema, onde a cooperação é necessária, os alunos poderiam, por exemplo, ser divididos em grupos pelas suas fileiras e cada fileira seria responsável por um personagem. Assim, a cada tomada de decisão, um dos alunos do grupo decide o que o personagem faz. Isto estimula o senso de responsabilidade do aluno, uma vez que ele não pode tomar decisões arbitrárias, pois elas não só interferem nos demais personagens da trama, como também o personagem não é pertencente apenas a ele.
2.3.4 Escolha de um sistema de jogo
Como foi dito na Introdução, o sistema de jogo é o conjunto de regras que o rege.
Na sala de aula, porém, o uso de sistemas complexos e que exigem um conhecimento muito aprofundado das regras é desaconselhado. O professor deve lançar mão de jogos de RPG para iniciantes, como, por exemplo, Primeira Aventura da Manticora, ou o jogo Ação (agora a ser relançado pela editora: Jambo) e o 3D&T da editora Talismã, uma vez que suas regras são simples e mesmo o material é bem barato (o mais caro dos livros custa nove reais atualmente).
Em caso de total incompatibilidade de sistemas pré-existentes para a utilização com a temática a ser abordada, convém ao professor adaptar ou criar um novo sistema de regras para seu próprio uso.
2.3.4.1 Criação de sistema de jogo
Criar um sistema de regras não é uma tarefa a ser chamada de simples. Os sistemas atualmente no mercado exigiram que seus criadores testassem os mesmos à exaustão com grupos de teste e isso pode demandar um tempo que muitas vezes o educador não tem. Não é recomendável usar seus alunos como um grupo de teste.
Fazer uma pesquisa para ver como cada sistema atual funciona é de suma importância.
Porém, em alguns casos, o que basta é a adaptação de algum sistema de regras vigente. Muitas regras complexas podem, por recomendação dos próprios autores, serem ignoradas ou modificadas.
Um sistema que eu criei para uso em sala de aula é bem simples. Cada aluno escolhe as coisas que seu personagem carrega dentro de um limite de 10 itens, que ele possa usar de acordo com suas habilidades, depois escolhe uma habilidade em que seu personagem é Excelente, duas em que é Bom, duas em que é Regular, duas em que é Ruim e uma em que é Péssimo. Em caso de ações em que os personagens precisem rolar o dado, situações estas em que algo é crítico ou que dependa de sorte, eles rolam um simples dado de seis faces. Uma habilidade Excelente só erra se tirar um resultado 1, uma Boa se tirar um resultado 1 ou 2, uma Regular se tirar qualquer resultado abaixo de 3, uma Ruim se tirar qualquer abaixo de 4 e uma habilidade Péssima só acerta com um resultado 6.
2.4 Aplicação
2.4.1 Primeira Aula
A primeira aula da aplicação do jogo é crucial. A ambientação, as regras e a criação de personagem pelo professor devem ser feitas de forma clara e coordenadas.
Dúvidas, mesmo que pareçam aos olhos do professor bobas ou meras provocações, devem ser respondidas claramente. O professor deve saber que elas podem não ser poucas.
A primeira aula serve para isso. Um mero preparo para as demais que se seguirão. Não tente começar o jogo ainda na primeira aula. Em caso de sobrar algum tempo ao terminar de elucidar as dúvidas dos alunos e passar para a ambientação, peça que escrevam o histórico de seus personagens. Quem são, o que almejam, seus questionamentos e etc. Se o referido tempo não estiver disponível, peça como “dever de casa”.
Em caso de uma oficina, talvez seja possível começar ainda no primeiro dia. Avalie a situação e tome a situação que lhe convier.
2.4.2 Desenvolvimento da Aula
As aulas seguintes serão as que o jogo se desenrolará. O professor deve conduzir tudo de acordo com o planejado.
Não se deve esquecer nenhum dos temas escolhidos ou mesmo pular situações. Embora numa mesa de jogo normal o improviso seja muito importante, ele só deve ser usado em casos de ações tomadas pelos alunos que não estavam previstas.
A paciência é essencial. Alguns alunos talvez usem seus personagens para resolver rusgas pessoais ou mesmo para humilhar outros alunos. O uso de meta ação (ação usando conhecimento prévio do jogador, não do personagem, ou ações dos jogadores, conversa fora do jogo) deve ser evitado. Não chame atenção do aluno, mas faça sim o personagem dele sofrer as consequências, ensinando-lhe o valor de seus atos. Isso elimina uma quebra do clima do jogo, a dispersão e inibição da turma.
Em caso de turmas que se mostrarem muito arredias, quem sabe o professor tenha de lançar mão de um outro mestre de jogo experiente, mas que deve ser instruído como agir em sala de aula.
Mesmo que o professor tenha planejado um conjunto, por exemplo, de seis seções de jogo, mas os alunos resolveram os problemas e alcançaram o objetivo desejado do jogo em menos partes, é recomendado que ele seja finalizado do que render mais uma ou duas seções sem ter mais nada o que fazer.
2.4.3 Avaliação de resultados
Ao final do trabalho com o jogo, o professor deve fazer uma avaliação geral dos resultados. Rever os problemas e barreiras encontradas é muito produtivo para futuras incursões nesta área.
Anotações dos acontecimentos ocorridos com os personagens dos alunos e suas ações serão úteis, assim como gravações em fita K7 ou mesmo filmagens.
Novamente, no caso de interdisciplinaridade, esta avaliação deve ser feita em conjunto com os professores envolvidos.
2.4.4 Reunião Pedagógica
Uma reunião pedagógica se faz necessária. Seja para elucidar dúvidas de professores que não se envolveram no projeto, ou apenas para expor os resultados da atividade para os demais educadores e a toda a equipe pedagógica do colégio.
Tal iniciativa pode quebrar futuras barreiras para a aplicação do jogo em outras ocasiões que surgirem, sejam elas dentro das dependências do colégio envolvido ou mesmo por aqueles professores que por ventura trabalhem em outros colégios.
3 Conclusão
Através deste trabalho, eu pude comprovar a hipótese levantada. O RPG não só se mostrou uma ferramenta versátil, como se provou apto a desenvolver a empatia dos alunos, reduzir sua inibição e até mesmo permitir uma melhor socialização dos alunos. Sinto que apenas arranhei as possibilidades desta ferramenta, mas pelo menos ela confirmou minhas expectativas.
4 Bibliografia
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CEZAR Jr. J., DA SILVA Y. M. E., NAHOUM L., RODRIGUES M. – Tagmar. GSA, Rio de Janeiro, 1991
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CASSARO, Marcelo., SALADINO, Rogério – Primeira Aventura. Talismã, Brasil, 2005
JACKSON, Steve. – GURPS. Devir, Brasil, 1999
Site Histórias Interativas
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00:31:23 15/09/2005
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00:34:29 15/09/2005
Site RPG e Educação
Site Jogo de Aprender
http://www.jogodeaprender.com.br/artigos_3.html 00:51:06 15/09/2005
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Apêndice I
EVOLUÇÕES & CIVILIZAÇÕES jogo criado por Alonso Marinho Horta
O objetivo do jogo é ensinar aos alunos noções de evolução social, política e filosófica.
Materiais Usados: Os únicos materiais requeridos para o jogo são envelopes pardos (1 para cada aluno) e um mapa desenhado pelo professor com pelo menos um território por aluno.
Como jogar: O professor deve passar entre os alunos um saco com papéis numerados, cada número correspondendo a um território. Em seguida, cada aluno, como primeiro passo, dará nome para seu território e povo. O professor então deve entregar um envelope para cada aluno. Dentro, uma proposta. Cada povo terá três escolhas. Entre gastar seus fundos em desenvolver a Agricultura, armas de caça com pontas de pedra lascada, ou a cerâmica rudimentar.
Cada escolha tem suas vantagens e desvantagens. A agricultura faz com que o povo deixe de correr riscos em caças e permite que o povo se fixe à terra. As armas de caça com ponta de pedra lascada permitem maior sucesso na caça e ainda ajudam a desenvolver armas para defender seu território. A cerâmica rudimentar permite guardar melhor os alimentos e é essencial para o desenvolvimento futuro de outros trabalhos manuais, como a roda.
Ao contrário de outros jogos, este não tem um manual de instrução preciso. Os alunos podem resolver por escolhas das mais diversas e mesmo mudar a política de seu território. O professor deve estimular seus alunos a irem além das instruções. Deve, também, ter “jogo de cintura”, pois como as escolhas deles podem ser variadas demais, ter um manual passo a passo seria contraproducente ou mesmo extenso demais.
Assim, cada escolha deve ser analisada pelo professor, que deve dar o resultado das ações. Ele deve analisar a decisão dos alunos e criar uma resposta, seja apenas a resposta a qual opção de evolução que o jogador fez ou avisando de eventos como novas descobertas, pragas, sinais estranhos e etc.
Cada uma das ações dos alunos deve ser entregue no envelope, que o professor analisa durante a semana e responde na aula seguinte. Os alunos lêem o que aconteceu com seus territórios, veem suas opções e voltam a responder e assim recomeça o ciclo.
Em alguns momentos, o professor deve colocar crises nos territórios, como fome, pragas e revoltas, para ver como os alunos resolveram os problemas. Nestes casos, não dê opções, apenas explique o acontecido e deixe que os alunos resolvam o que fazer.
Os turnos, como são chamadas as passagens de tempo entre uma decisão e outra, no início devem ser de 200 anos. À medida que os territórios evoluírem, comece gradativamente a reduzir este tempo fictício para mostrar a aceleração da evolução tecnológica e social. No início, a moeda para os gastos nas pesquisas deve ser a própria comida, que, à medida que eles evoluem, passa a ser os metais preciosos e depois para moeda corrente.
A seguir, segue para auxiliar o roteiro de jogo do jogador chamado Alexandre (nome fictício) para se ter uma ideia de como um aluno pode tomar certas decisões e como administrar as mesmas.
No ponto de partida do jogo, como todos os outros, Alexandre recebeu as três opções básicas e escolheu por “pesquisar” a cerâmica (o termo pesquisar passou a ser usado para designar as tecnologias, filosofias e políticas a serem aprimoradas durante o jogo). Já na segunda rodada, Alexandre decidiu que iria gastar mais dinheiro do que o necessário, só que para adiantar a descoberta da roda pelo seu povo. Ele disse que assim ficaria mais fácil carregar as caças até seu povo. Ele disse ainda que seu povo se esforçaria mais, pois ao ‘apertar o cinto’, iriam passar por dificuldades, mas, no futuro, conseguiriam deixar um legado para seus filhos. Para recompensar, como a ideia era criativa, possibilitei que a mesma vingasse.
A seguir, Alexandre evoluiu a agricultura, a irrigação para melhorar o resultado de suas colheitas e, por fim, decidiu que era hora de evoluir as armas de seu povo. A próxima atitude dele foi propor o estudo de seu povo da metalurgia. Ele decidiu novamente ficar um tempo sem fazer mais avanços para dedicar-se ao estudo dos metais. Por meio desses estudos, ele desenvolveu o trabalho em bronze. Assim, mesmo ficando um tempo defasado em relação aos seus amigos, ele pôde evoluir seu armamento utilizando a tecnologia ofertada pelo bronze e acabou por valer-se de pontas metálicas nas suas armas muito antes dos outros participantes. Em seguida, ele achou que era necessário que seu povo tivesse uma religião organizada. Ele então se proclamou como líder espiritual de seu povo, dizendo ser um escolhido e filho dos deuses, e sua palavra era lei. Por meio desse estratagema, ele deteve, por um tempo, alguns questionamentos que o povo tinha sobre sua autoridade.
Os próximos passos escolhidos por ele foram o desenvolvimento da arquitetura, da matemática e a doma de animais.
Neste ponto, o povo de Alexandre travou contato com um dos territórios vizinhos ao seu, controlado pela jogadora Miriam (nome também fictício). Sua decisão foi a de gastar mais tempo aprendendo a língua daquele povo e assim estabelecer relações diplomáticas com o mesmo. Alexandre ofereceu a sua vizinha, como prova de suas boas intenções, a tecnologia da matemática, assim Miriam gastou só um terço do preço normal para aprender tal tecnologia. Em troca, Miriam ensinou ao povo de Alexandre o treinamento de cavalos, possibilitando-lhes que encurtassem o tempo gasto para as viagens entre os países.
Miriam, porém, não desconfiou dos reais planos de Alexandre. Astuto como poucos, Alexandre sempre trocava tecnologias simples ou não ofensivas. Miriam, ao contrário, sempre lhes ensinava alguma coisa possível de se usar em tempos de guerra. Após um tempo, Alexandre propôs a mim que um grupo de sua milícia fosse treinado como espiões. Feito isso, ele os infiltrou no território de Miriam. Quando Miriam finalmente descobriu a rede de espionagem que se instalara em seu reino, já era tarde. Alexandre já possuía as tecnologias de bigas, arco e flecha e até elefantes de guerra. Com o conhecimento estratégico do território inimigo, Alexandre conquistou o antigo país de Miriam, que decidiu, juntamente com o restante de suas forças militares, fugir com uma parcela de seu povo. Sua ideia não era fixar residência, mas sim transformar seu povo em um povo mercante, uma ideia que sinceramente me surpreendeu.
Alexandre assim prosseguiu até seu povo atingir um grau de organização político, cultural, social e econômico parecido com a Idade Média europeia. Neste momento, seu reino foi cercado por um exército desconhecido. Na verdade, era o exército de Miriam, seu povo, após amargar muito, se tornou rico com o comércio e contratou milhares de mercenários para dizimar o reino que destruiu sua sociedade. Após uma batalha que não podia vencer, Alexandre se retirou com o que restou do reino para o seu antigo território. Aprendida a lição de que alguns povos não esquecem mágoas, Alexandre propôs aos demais reinos uma Liga dos Reinos que intermediaria casos de possíveis guerras e crises diplomáticas. Assim, em plena Idade Média, ele havia criado a ONU. Porém, a Liga nem sempre pode evitar guerras, apesar de sempre tentar. Ao fim do jogo, a maioria dos jogadores tinha levado seus territórios até a Idade Moderna. Porém, até aquela data, a Liga dos Reinos ainda se situava no reino de Alexandre.
Apêndice I
Neste Apêndice, Carlos Klimick narra uma experiência de aplicação de RPG com alunos num ambiente extra-classe.
Experiência Prática com o RPG aplicado à educação por Carlos Klimick
Introdução:
Descrevo a seguir a utilização prática do RPG para passar os conceitos de autoridade x responsabilidade para alunos de oitava série num colégio do Rio de Janeiro no ano de 1999. O trabalho realizado também contribuiu significativamente para a socialização de um aluno “problemático”.
A proposta do trabalho:
A metodologia usada foi o RPG de mesa, in loco, com o acompanhamento da atividade extraclasse pela coordenadora que é psicóloga. Convém citar que o colégio em questão tem tradição em atividades extraclasse para os alunos do “estudo dirigido” – uma série de aulas de reforço dadas à tarde. Estas atividades extraclasse são alternadas bimestralmente.
A atividade foi iniciada em 1999, sendo bem-sucedida em ambos os casos e renovada todos os anos. Descrevo a seguir um resumo de como foi o trabalho com a oitava série.
A 8ª série vinha se apresentando como problemática para o colégio. Os alunos ficavam da manhã até 4 horas da tarde no colégio e questionavam todas as regras e regulamentos, exigindo, inclusive, sair para almoçar fora do colégio. Diante da negativa do colégio, os alunos alegavam que a coordenação tinha que “confiar neles”. Finalmente, os alunos admitiram que queriam almoçar fora simplesmente porque era proibido.
Diante desse quadro, a coordenadora nos chamou e propôs o trabalho. Ela nos disse que adolescentes são um grupo difícil para psicólogos, porque eles têm dificuldade em se expor. A coordenadora acreditava que poderia entendê-los melhor através dos personagens que eles criariam e como interpretariam estes personagens. O tema da história de RPG deveria ser autoridade x responsabilidade.
Concebemos a seguinte história: um grupo de adolescentes excursionando por conta própria para o Pantanal para acampar. Os obstáculos a serem transpostos eram:
- Um homem oferecendo dinheiro para que eles levassem um pacote de remédios para seu irmão em Mato Grosso. No caminho, havia uma blitz da polícia.
- Parada de ônibus com os desafios de evitar alimentação de qualidade duvidosa (sanduíche “misto-frio”, ovo rosa e salsichão de padaria), e um bêbado que ficaria provocando as meninas.
- Após chegar ao hotel, planejar o acampamento.
- Encontrar um ninho de jacarés perto do local onde iam acampar, com a presença da mamãe jacaré.
- Deparar-se com um grupo de “coureiros” – caçadores ilegais de jacaré, que tentariam silenciá-los.
- Encontrar uma fazenda com trabalho escravo.
Conversamos com os alunos, falando que a aventura seria uma excursão imaginária ao Pantanal com diversos desafios, e pedimos que eles fizessem os esboços dos personagens à mão livre, simplesmente escrevendo numa folha de caderno os seguintes dados:
- Nome do/a jogador/a:
- Nome do/a personagem:
- Histórico do/a personagem:
- Situação familiar:
- Habilidades (o que sabe fazer):
- Equipamento levado.
Ao analisarmos as fichas de cada personagem, deparamos com uma situação delicada. Um dos alunos havia recebido dos colegas o “carinhoso” apelido de “Urina”. Ele era rejeitado pelos colegas e adotava atitudes contraditórias para ser aceito. Ao mesmo tempo em que se colocava como vítima preferida das brincadeiras e gozações, as revidava com brincadeiras que não eram bem vistas pelos colegas. Assim, ele entrava num círculo vicioso de revidar, ser rejeitado, aceitar o papel de vítima, revidar, etc.
A turma era composta por rapazes e moças. Tanto os rapazes como as moças desprezavam o “Urina”. O grupo de rapazes formou o auto-intitulado “comando Pi”, um grupo de amigos que tinha como um de seus objetivos matar o personagem do “Urina”. Este comando era liderado por um aluno, “X”, um líder negativo que gerava bagunça.
Avisamos a coordenação e usamos estratégias de RPG para contornar o problema. Separamos a turma, Flávio (meu sócio) ficou “mestrando” (coordenando a sessão) para o “comando PI” e eu fiquei com as meninas e o “Urina”.
Na primeira parte, ficou evidente o despreparo social dos alunos; uma das meninas nunca havia andado de ônibus. Uma delas aceitou levar o pacote de “remédios” e o escondeu na sacola do “Urina”. O plano dela foi estragado porque o “Urina” foi bem-sucedido em um teste de habilidade (rolando dados) e o personagem dele percebeu a manobra da personagem dela. O personagem do “Urina” então jogou o pacote pela janela. Passaram assim pela blitz sem problemas, superando o primeiro obstáculo da história. Nesta fase, “Urina” ainda era rejeitado pelos demais.
Na parada de ônibus, o bêbado, um personagem PMJ (Personagem do Mestre do Jogo, ou seja, interpretado pelo mestre e não pelos jogadores), começou a provocar as personagens das jogadoras. O “Urina” resolveu se meter empurrando o bêbado, o qual imediatamente puxou uma faca. O realismo da situação deixou o aluno aturdido e ele fez seu personagem recuar. O bêbado foi contido por outros personagens PMJs – frequentadores do bar. Uma consequência engraçada foi o comentário da menina que nunca havia andado de ônibus:
– Mas essa parada de ônibus não tem detector de metais? Deixam qualquer um entrar aqui?
Uma consequência positiva foi que as meninas respeitaram um pouco mais o rapaz.
Enquanto isso, o “comando Pi” seguia para o Pantanal pegando carona em caminhões e vivendo aventuras sem maiores consequências.
A história prosseguiu normalmente, com os personagens evitando confusão com o PMJ que estava na rodoviária para receber os remédios e planejando a excursão.
No acampamento, encontraram o ninho de jacarés e um dos personagens foi ferido pelo jacaré-fêmea. O personagem pertencia ao jogador “Y”, o mais calmo do “comando Pi”. Foi quando o “Urina” se prontificou a cuidar da perna do personagem do Y. De todos os jogadores e jogadoras, “Urina” tinha sido o único a incluir entre as habilidades de seu personagem “Primeiros Socorros” e a incluir um kit de primeiros socorros entre os equipamentos. A partir desse momento, alguns integrantes do grupo passaram a ver “Urina” com outros olhos, e ele também passou a se portar de forma diferente em relação ao grupo.
Logo depois, na história, os personagens dos jogadores encontraram os coureiros (PMJs) que começaram a atirar neles. “X” resolveu aproveitar (era o único personagem armado) e declarou:
– Eu aproveito e mato o “Urina”.
Porém, “Y” imediatamente protestou que “Urina” o estava carregando e havia cuidado da perna dele. As meninas também mandaram “X” “parar com a criancice, pois todos teriam de se unir para escapar com vida dali.” Diante da negativa geral, “X” se conteve.
A confusão terminou com as personagens das meninas fugindo pelo mato junto com dois integrantes do “comando Pi”. Ao mesmo tempo, fugiam numa canoa “Y”, “X” e “Urina”, sendo que apenas os dois últimos personagens estavam em condições de remar. Os “coureiros” perseguiam ambos os grupos.
O grupo das meninas passou pela fazenda escravocrata e conseguiu chamar a polícia pelo telefone. Enquanto isso, “X” e “Urina” tiveram de se unir para conseguir ajuda numa vila de pescadores.
A aventura terminou com sucesso para o grupo.
A coordenadora continuou acompanhando o grupo e nos relatou que a socialização de “Urina” melhorou muito. Ele conseguiu achar um lugar no grupo e ser aceito como igual. O reflexo em suas notas foi bem positivo. Com o tempo, seu “carinhoso” apelido foi deixado de lado pelos colegas.
Apêndice II
Neste texto, disponibilizado pelos responsáveis pela Editora Daemon, criadores dos RPGs Arkanun, Anjos, A Cidade de Prata e Hi Brazil, esclarecem alguns pontos sobre os recentes crimes em que envolveram o RPG. O texto já traz instruções para que seja divulgado sem que seja preciso a devida autorização.
Autor: Alonso Marinho Horta
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Alonso Marinho Horta, desculpe-me já coloquei seu nome. Recebi a monografia dessa forma por email.
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