O garoto não pode tocar em bonecas ou brincar de casinha, brincadeiras consideradas de menina. Se apanha na rua, é encorajado a revidar o ataque. Ao cumprimentar homens, é incentivado a manter a maior distância física possível, mas ao se tratar de mulheres, o pai aconselha que ele dê o mais estalado beijo que conseguir. Há pais que adotam essas atitudes, entre outras, parecendo acreditar que vão reforçar no filho a identidade sexual, afastando-o, portanto, da homossexualidade na adolescência e na vida adulta. Nada mais equivocado e arriscado para o desenvolvimento. Para entender mais sobre a educação de crianças, você pode conferir as atividades variadas para educação infantil.
“É muito comum os pais confundirem os papéis de gênero com a orientação sexual. São coisas bem diferentes. A orientação sexual, ou seja, se a pessoa se sente atraída por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto, pelos dois ou por nenhum, é uma característica independente da sua conformação e dos papéis de gênero tradicionais. Em outras palavras, não é ser machão que faz um homem heterossexual, tampouco ser um homem feminino ou sensível o torna homossexual”, afirma a biomédica Cristina Lasaitis, especialista em medicina comportamental, mestre em psicobiologia e autora de um estudo sobre emoções e homofobia.
Tendências homossexuais podem aparecer na infância
Em geral, a criança assume um comportamento mais livre em termos de identidade de gênero, uma vez que ainda não internalizou os padrões da sociedade.
“Assim, um menino poderá se interessar em brincar de casinha ou de bonecas e isso fará parte de seu desenvolvimento natural, independentemente da identidade sexual, que será estabelecida de forma definitiva na idade adulta”, afirma a psicóloga Nancy Ramacciotti de Oliveira Monteiro, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), reforçando conceito entre especialistas de que não existe brincadeira de menino e de menina.
Por outro lado, não é incomum que a criança dê sinais de algumas de suas preferências, incluindo as sexuais. “Algumas podem ter uma percepção precoce da sexualidade, mas, como ainda estão em pleno desenvolvimento, é precipitado tecer afirmações sobre a orientação sexual delas”, declara a biomédica e psicobiologista Cristina Lasaitis.
Ainda assim, se no decorrer de seu desenvolvimento a criança demonstrar tendência a ser homossexual ou transexual, precisará apenas de compreensão da família. “Tentar influenciar a sexualidade por quaisquer meios de coação é, antes de tudo, um abuso”, diz Cristina.
Ela afirma que se os pais não souberem lidar com a sexualidade do filho, o importante é não problematizar a criança nem tentar forçá-la a ter outro tipo de comportamento. “Nesse caso, o acompanhamento de um psicólogo pode facilitar muito o relacionamento da família.”
Segundo especialistas ouvidos por UOL Gravidez e Filhos, o comportamento desses pais, longe de ser uma manifestação individual e isolada, é reflexo da cultura brasileira, ainda fortemente marcada pelo machismo, que estimula os homens a manifestarem sua virilidade o tempo todo.
“Estudei durante anos para poder afirmar que, na nossa cultura, o maior medo dos homens é serem acusados de homossexuais, impotentes ou traídos, e todos esses temores estão ligados à sexualidade. Daí, por terem essas inseguranças em relação a eles mesmos, os pais, de forma consciente ou não, acabam tentando exercer algum controle sobre a masculinidade dos filhos”, afirma Mirian Goldenberg, antropóloga, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e estudiosa do assunto.
O mesmo tipo de pressão também pode ser exercida pela mãe machista, pelos colegas de escola e pela sociedade de um modo geral. No entanto, suas consequências não são diretas e previsíveis.
“A orientação sexual é resultado de uma conjunção de fatores biológicos e psicossociais e refratária a pressões de qualquer tipo, incluindo as familiares. As tentativas de mudar isso conseguem apenas engessar o comportamento do indivíduo, mas não transformam o seu desejo sexual espontâneo. Assim, homossexuais poderão tentar viver uma vida heterossexual, mas ao custo da permanente e insustentável negação do seu próprio desejo e identidade, e com consequências terríveis para a autoestima”, diz Cristina.
A pressão psicológica aplicada aos meninos, mesmo sobre os que não têm qualquer tipo de tendência homossexual, é sempre negativa, do ponto de vista do desenvolvimento. Limitar a masculinidade aos atributos relacionados ao sexo faz com que os homens percam outras formas de expressão, de serem delicados, sensíveis, afetivos e mais abertos às emoções, segundo Mirian. “Eles ficam tão preocupados com as suas ações que deixam de desenvolver todos os potenciais que poderiam”.
Nessa situação, os filhos homens estão sempre se sentindo oprimidos à medida em que são forçados a se enquadrarem em um repertório estreito de comportamentos considerados aceitáveis ou “dignos de macho”. Sentem-se pressionados a adotar atitudes mais agressivas, de estímulo à sexualidade intensa, à competitividade, entre outras.
Para evitar desequilíbrios, os pais devem educar meninos e meninas oferecendo a ambos o acesso aos mesmos recursos, brinquedos e o estímulo ao desenvolvimento das mesmas qualidades. Além disso, é fundamental entender, por mais difícil que seja, que uma criança que não se enquadre dentro dos papéis de gênero tradicionais não é uma criança com problemas. “Os pais devem educar tendo sempre o cuidado de não reforçar o machismo e a homofobia, que já estão presentes na nossa sociedade e que prejudicam a todos nós”, diz Cristina.
Segundo Mirian, às vezes, o pai não tem consciência de que age de forma machista: acredita estar protegendo o filho, para que ele não seja acusado de ser homossexual ou de não ser um homem de verdade. Mas mesmo com boas intenções essa conduta não traz resultados positivos. “O ideal seria perceber que os homens não precisam ser tratados diferente das mulheres. Liberdade, responsabilidade, educação, trabalho e respeito pelo sexo oposto têm de ser para ambos os sexos. Tratar com mais igualdade vai ser muito positivo para os dois na vida futura.”
Por Samuel Alencar
Fonte: Rita Trevisan Do UOL, em São Paulo
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