José Lins do Rego Cavalcanti, jornalista, romancista, cronista e memorialista, nasceu no Engenho Corredor, Pilar, PB, em 3 de julho de 1901, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12 de setembro de 1957. Filho de João do Rego Cavalcanti e de Amélia Lins Cavalcanti, fez as primeiras letras no Colégio de Itabaiana, PB, no Instituto N. S. do Carmo e no Colégio Diocesano Pio X de João Pessoa. Depois estudou no Colégio Carneiro Leão e Osvaldo Cruz, em Recife.
Desde esse tempo, revelaram-se seus pendores literários. É de 1916, por exemplo, o primeiro contato com O Ateneu, de Raul Pompéia. Em 1918, aos 17 anos, José Lins travou conhecimento com Machado de Assis, através do Dom Casmurro. Desde a infância, já trazia consigo outras raízes, do sangue e da terra, que vinham de seus pais, passando de geração em geração por outros homens e mulheres sempre ligados ao mundo rural do Nordeste açucareiro, às senzalas e aos negros rebanhos humanos que a escravidão foi formando.
Passou a colaborar no Jornal do Recife. Em 1922, fundou o semanário Dom Casmurro. Formou-se em 1923 na Faculdade de Direito do Recife. Durante o curso, ampliou seus contatos com o meio literário pernambucano, tornando-se amigo de José Américo de Almeida, Osório Borba, Luís Delgado, Aníbal Fernandes e outros. Gilberto Freyre, voltando em 1923 de uma longa temporada de estudos universitários nos Estados Unidos, marcou uma nova fase de influências no espírito de José Lins, através das ideias novas sobre a formação social brasileira. Ingressou no Ministério Público como promotor em Manhuçu, MG, em 1925, onde, entretanto, não se demorou.
Casado em 1924 com d. Filomena (Naná) Masa Lins do Rego, transferiu-se em 1926 para a capital de Alagoas, onde passou a exercer as funções de fiscal de bancos, até 1930, e fiscal de consumo, de 1931 a 1935. Em Maceió, tornou-se colaborador do Jornal de Alagoas e passou a fazer parte do grupo de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima, Valdemar Cavalcanti, Aloísio Branco, Carlos Paurílio e outros.
Ali publicou o seu primeiro livro, Menino de engenho (1932), chave de uma obra que se revelou de importância fundamental na história do moderno romance brasileiro. Além das opiniões elogiosas da crítica, sobretudo de João Ribeiro, o livro mereceu o Prêmio da Fundação Graça Aranha. Em 1933, publicou Doidinho, o segundo livro do “Ciclo da Cana-de-Açúcar”.
Em 1935, já nomeado fiscal do imposto de consumo, José Lins do Rego transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou a residir. Integrando-se plenamente no ambiente carioca, continuou a fazer jornalismo, colaborando em vários jornais com crônicas diárias. Foi secretário geral da Confederação Brasileira de Desportos de 1942 a 1954. Revelou-se, então, por essa época, a faceta esportiva de sua personalidade, sofrendo e vivendo as paixões desencadeadas pelo futebol, o esporte de sua predileção.
Estilo Literário
A obra de José Lins do Rego faz parte da corrente regionalista neo-realista do Modernismo na década de 30, que tem como outros representantes Jorge Amado e Graciliano Ramos. A prosa de ficção dos anos 30 deu continuidade ao projeto dos primeiros modernistas, a chamada fase heróica, de 1922, de aprofundamento nos problemas brasileiros através de uma literatura regionalista, de caráter neo-realista, preocupada em apresentar os problemas e as desigualdades sociais do Brasil.
Características Literárias
Detentora de um profundo lirismo, uma linguagem cheia de vocábulos regionais, dignas de quem conviveu de perto com a região e o povo descrito em sua obra, e uma narrativa com uma forte inspiração na literatura de cordel, dando ênfase à oralidade, a obra de José Lins do Rego tem como alvo a região nordestina brasileira do fim do século XIX e início do século XX, onde são visíveis a decadência da sociedade patriarcal e a transição dos já obsoletos engenhos de cana-de-açúcar para as poderosas usinas.
Neto de um poderoso senhor de engenho, José Lins do Rego conviveu com essa transição econômica e cultural por toda a sua juventude, o que concede à sua obra um tom de biografia que se estende desde o seu primeiro livro: Menino de Engenho.
José Lins do Rego escreveu ainda alguns livros que se poderiam se encaixar perfeitamente nos dois ciclos anteriores, ou em nenhum deles. São as suas chamadas obras independentes: O Moleque Ricardo, Pureza, Riacho Doce, Água-mãe e Eurídice, além de um livro de memórias intitulado Meus Verdes Anos, onde o autor funde fatos comuns de sua infância com lugares e personagens presentes em alguns de seus livros, principalmente de Menino de Engenho, o que nos concede um mistério acerca de sua obra: até onde seus livros descrevem simples lembranças de sua infância, e até onde são criações de sua lírica e profunda imaginação?
Temas
Quanto aos temas, José Lins do Rego mostrou o Nordeste que viveu: a arbitrariedade dos coronéis, a decadência dos patriarcas rurais, a luta do progresso contra o atraso, o cangaço, as intrigas da política local, tudo temperado pela decadência do engenho, engolido pela usina moderna.
Obras
ROMANCE: Menino de engenho (1932); Doidinho (1933); Bangüê (1934); O moleque Ricardo (1935); Usina (1936); Pureza (1937); Pedra Bonita (1938); Riacho Doce (1939); Água-mãe (1941); Fogo morto (1943); Eurídice (1947); Cangaceiros (1953); Romances reunidos e ilustrados, 5 vols. (1980). MEMÓRIAS: Meus verdes anos (1956). LITERATURA INFANTIL: Histórias da velha Totônia (1936). CRÔNICA: Gordos e magros (1942); Poesia e vida (1945); Homens, seres e coisas (1952); A casa e o homem (1954); Presença do Nordeste na literatura brasileira (1957); O vulcão e a fonte (1958). VIAGEM: Bota de sete léguas (1951); Roteiro de Israel (1955); Gregos e troianos (1957). FILMES: Pureza, direção de Chianca de Garcia (1940); Menino de engenho, direção de Valter Lima (1965); Fogo morto, direção de Marcos Farias (1976). Os romances de José Lins do Rego foram traduzidos na Alemanha, Argentina, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Portugal e Coréia.
Resumo do Livro Menino de Engenho
Carlos de Melo, já adulto, relata de uma forma saudosa a sua infância, quando era apenas o menino Carlinhos, que perdeu a mãe, assassinada pelos desvarios do pai, e fora morar no engenho Santa Rosa, de propriedade do avô materno, o Coronel José Paulino.
Criado inicialmente pelos dengos da tia Maria, Carlinhos passava a maior parte do tempo dividido entre os comportamentos mais divinos, ternos e maternais de sua companhia e o convívio mais extrovertido e libertino dos primos, que revelavam a ele uma face mais carnal do engenho, sempre marcada por alguma travessura.
Carlinhos conheceu no engenho do avô um mundo totalmente diferente: desde as desigualdades sociais que moldavam a figura dos empregados e seus conflitos familiares e sociais, até a força da natureza agindo sobre aquela terra tantas vezes castigada. O cangaço também se fazia presente nas lendas e na realidade do engenho, de modo a aguçar a mente do menino a ponto dele mesmo pedir ao cangaceiro Antônio Silvino para segui-lo junto ao bando, quando da visita deste.
Carlinhos também vai conhecer personagens que marcariam profundamente suas lembranças, como a velha Totonha, com suas histórias, o negro Passarinho, que vivia cantando bêbado, crendices populares, como a do lobisomem, que é citada através de João Cutia, um comprador de ovos da Paraíba. “Não tinha uma gota de sangue na cara e andava sempre de noite, para melhor fazer as suas caminhadas, sem sol”. Achava-se que ele era lobisomem.
Conheceu ali também o amor, primeiramente expresso pela figura pálida e doente da prima Lili, que veio a falecer muito criança. Logo viria uma outra prima do Recife passar alguns dias no engenho, chamada Maria Clara. Menina da cidade e um pouco mais velha que Carlinhos, contava ao menino suas grandes diversões e novidades vistas na cidade, durante os longos passeios pelas terras. Desses passeios, nasceu seu primeiro beijo.
Quando a prima voltou para Recife, o menino sentiu na pele a perda da primeira namorada. Logo sentiria a perda da segunda mãe: o casamento da tia Maria, que o deixaria aos cuidados da austeridade da tia Sinhazinha, mais fria e austera. A austeridade que se torna uma libertinagem maior, quando Carlinhos se inicia e se aprofunda no sexo a ponto de contrair, aos doze anos, gálico. A única saída para tanta rudeza é o colégio, que Carlinhos não tarda a ir, mesmo forçado.
Personagens
Personagens Primários
Carlinhos – é o protagonista da história. Era um menino triste. Gostava de ter liberdade, de brincar com os meninos, mas no fundo era triste. Morava em Recife, antes de ir para o engenho Santa Rosa, o qual ficou por oito anos. Ficou órfão aos quatro anos de idade. O engenho era tudo para ele. Apesar de tia Maria cuidar dele como mãe, não lhe davam notícias a respeito do pai – diziam que estava doente no hospital e o hospital se tornou para ele um lugar para onde se vai e nunca mais volta.
A solidão para Carlos deixava falar o que ele guardava por dentro: as preocupações, os medos, os sonhos.
Gostava de prender os canários com o alçapão. Eram os seus dias de glória. Faziam todos os gostos para o menino: deram o carneiro Jasmim e fizeram os arreios em Itaibana.
Carlos cresce sem orientação e aos doze anos torna-se um corrompido.
Avô José Paulino – figura representativa da realidade patriarcal nordestina. Aos olhos de Carlos, um verdadeiro deus, uma figura de grandiosidade inatingível.
Não era um devoto. A religião dele não conhecia penitência e esquecia alguns dos mandamentos da lei de Deus. Não ia às missas, não se confessava, mas em tudo o que procurava fazer, lá vinha um “se Deus quiser eu tenho fé em nossa Senhora”.
Todos no engenho respeitavam o senhor José Paulino. Depois do jantar, ele sentava-se numa cadeira perto do grande banco de madeira do alpendre. Lia os telegramas do “Diário de Pernambuco” ou dava as suas audiências públicas aos moradores. Todo o dinheiro dele era para comprar terras.
Tia Maria – moça que, com ternura, amor e carinho, vai substituir a mãe na memória de Carlos. O deixará como a mãe após o seu casamento.
Dona Clarisse – mãe de Carlos. É assassinada pelo marido no início do livro.
Pai de Carlos – homem alto e bonito, com olhos grandes, bigode preto. Beijava o menino, contava histórias, fazia os seus gostos. Tudo era para o menino, que mexia nos livros, sujava as roupas. Por outro lado, discutia com Dona Clarisse. Tinha um coração arrebatado pelas paixões, um coração sensível demais às suas mágoas. Fica louco e mata Dona Clarisse.
Personagens Secundários
Tia Sinhazinha – velha de aproximadamente sessenta anos, despótica, que dirigia o convento. As negras, os moleques, todos tinham que se submeter à sua dureza e crueldade. Não gostava de ninguém. Só agradava as pessoas para fazer raiva a outras, depois mudava. Não se aproximava de Carlos. No engenho, trancava a despensa e andava com a chave.
Tio Juca – tio que, levando o menino da cidade para o engenho, apresenta-lhe o mundo novo do engenho e também o próprio avô.
Velha Totonha – Vivia a contar história de Trancoso. Era pequenina e engelhada, tão leve que uma ventania poderia carregá-la, andava muito a pé, de engenho a engenho, “como uma edição viva das ‘Mil e uma noites'”. Tinha talento em contar histórias. Não tinha nenhum dente na boca, mas dava tons às palavras. Recitava contos inteiros em versos, intercalando a prosa com notas explicativas.
Zefa Cajá – Primeira mulher que Carlinhos conheceu como homem, de quem contraiu gálico.
Foco Narrativo
O livro é narrado em primeira pessoa pelo narrador-personagem Carlos.
Tempo
O tempo presente no livro é cronológico. Vai desde quatro anos de Carlos até os doze, quando vai para o colégio.
“Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu”.
“Tinha uns doze anos quando conheci uma mulher, como homem”.
Espaço
O romance se passa na Zona da Mata nordestina, especificamente no engenho Santa Rosa, do coronel José Paulino.
É no engenho que acontecem praticamente todos os fatos marcantes do romance.
Dentro desse espaço do engenho, encontramos outros ambientes como a senzala, a casa-grande, a cachoeira, o engenho Santa Fé, do coronel Lula de Holanda.
Apreciação Crítica
Menino de engenho é uma autobiografia das cenas da infância de José Lins do Rego, que ainda estavam marcadas em sua mente. Segundo depoimento do próprio autor, a sua intenção ao elaborar a obra era escrever a biografia do avô, o coronel José Paulino, a quem considerava uma figura das mais representativas da realidade patriarcal nordestina.
O livro enfoca os abalos de estruturas de uma sociedade rural aristocrata, latifundiária e escravocrata. O universo complexo em questão é o “mundo” do menino de engenho, que vai da pureza às maledicências, caracterizando uma realidade totalizadora e ao mesmo tempo um destino individual.
Há em José Lins do Rego ares de Machado de Assis em características como a da narrativa direcionada pelo fio do pensamento; o fato de citar obras de outros autores, no último parágrafo do livro faz uma comparação de Carlos com Sérgio, do livro “O Ateneu” (Raul Pompéia), sendo que o primeiro sai de uma vida jovem, mas com muita experiência, para seguir seus estudos e o segundo sai de uma vida de mimos para um mundo onde experimentará sensações que ainda não foram vividas. Através da Velha Totonha, o autor faz referências à “Mil e uma noites”, “Pequeno Polegar”, “Barba Azul” etc.; e finalmente a característica de tornar personagens de um livro, título de outro livro ou mesmo personagens, como o moleque Ricardo, personagem homônimo de outro livro de Lins do Rego, e Seu Lula que aparece em “Fogo Morto”.
Os manuscritos de José Lins do Rego traziam como título da obra Memórias de um menino de engenho, mas José Lins riscou Memórias de um e o livro ficou apenas e para sempre Menino de Engenho.
Bibliografia
Livro:
REGO, José Lins. Menino de Engenho. 80ª ed. Rio de Janeiro; José Olympio, 2001.
Autor: João Rodrigues Filho
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