LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 1.ed. São Paulo: Vozes, 1997.
A autora Guacira Lopes Louro é doutora em Educação, professora titular aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora do CNPq. Coordena o GEERGE (Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero) desde 1990. Tem publicado vários artigos nessa perspectiva. É autora do livro “Prendas e antiprendas – Uma Escola de Mulheres (Porto Alegre, Editora da Universidade, 1987)”.
Estrutura do Livro
O livro é dividido em sete capítulos: A emergência do ‘gênero’, Gênero, sexualidade e poder, A construção escolar das diferenças, O gênero da docência, Práticas educativas feministas: proposições e limites, Uma epistemologia feminista, Para saber mais: revistas, filmes, sites e livros.
Identidades Plurais
A autora relata que os sujeitos possuem identidades plurais, múltiplas; identidades que se transformam, que não são fixas ou permanentes, que podem, até mesmo, ser contraditórias. Assim, o sentido de pertencimento a diferentes grupos – étnicos, sexuais, de classe, de gênero, etc.
As identidades de gênero se constroem quando os sujeitos se identificam social e historicamente como femininos e masculinos.
As identidades sexuais se constroem através das formas como os sujeitos vivem sua sexualidade.
“Paradoxalmente”, como diz Tereza de Laurentis (1994, p.209), “A construção do gênero também se faz por meio de sua ‘desconstrução’. Ao aceitarmos que a construção do gênero é histórica e se faz incessantemente, estamos entendendo que as relações entre homens e mulheres, os discursos e as representações dessas relações estão em constante mudança. Isso supõe que as identidades de gênero estão continuamente se transformando. Sendo assim, é indispensável admitir que até mesmo as teorias e as práticas feministas – com suas críticas aos discursos sobre gênero e suas propostas de desconstrução – estão construindo gênero.
Relações de Gênero e Educação
Observa-se que as relações entre os gêneros continuam, sem dúvida, objeto de atenção, uma vez que distintas estratégias procuram intervir nos agrupamentos humanos, buscando regular e controlar taxas de nascimento e mortalidade, condições de saúde, expectativas de vida, deslocamentos geográficos, etc.
Homens e mulheres certamente não são construídos apenas através de mecanismos de repressão ou censura; eles e elas se fazem, também, através de práticas e relações que instituem gestos, modos de ser e de estar no mundo, formas de falar e agir, condutas e posturas apropriadas (são, usualmente, diversas). Os gêneros se produzem, portanto, nas e pelas relações de poder.
O conceito foucaultiano de “biopoder”, ou seja, o poder de controlar as populações, de controlar o corpo-espécie, também parece ser útil para que se pense no conjunto de disposições e práticas que foram, historicamente, criadas e acionadas para controlar homens e mulheres.
A concepção fortemente polarizada dos gêneros esconde a pluralidade existente em cada um dos pólos. Assim, homens e mulheres que se afastam da forma de masculinidade e feminilidade homogênea são considerados diferentes, são representados como outro e, usualmente, experimentam práticas de discriminação ou subordinação.
A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Ela também se fez diferente para os ricos e para os pobres.
Os novos grupos foram trazendo transformações à instituição. Ela precisou de diversas: organização, currículos, prédios, docentes, regulamentos, avaliação, que iriam explicitar ou implicitamente “garantir” e também produzir as diferenças entre os sujeitos. Gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e meninas, tornando-se parte de seus corpos.
Os mais antigos manuais já ensinavam aos mestres os cuidados que deveriam ter com corpos e almas de seus alunos. O modo de sentar e andar, as formas de colocar os cadernos e canetas, pés e mãos acabariam por produzir um corpo escolarizado, distinguindo o menino ou a menina que “passará pelos bancos escolares”.
As escolas feministas dedicavam intensas e repetidas horas ao treino das habilidades manuais de suas alunas, produzindo jovens “prendadas”, capazes dos mais delicados e complexos trabalhos de agulha ou de pintura.
A escola continua imprimindo sua marca distinta sobre os sujeitos, através de múltiplos e discretos mecanismos.
Devemos, na escola, como professores, observar o comportamento de meninos e meninas cobrados pela sociedade e, quando o comportamento parece diferente, devemos nos “preocupar”, pois isso é indicador de que esses alunos(as) estão apresentando comportamentos diferentes.
A ampla diversidade de arranjos familiares e sociais, a pluralidade de atividades exercidas pelos sujeitos, o cruzamento das fronteiras, as trocas, as solidariedades e os conflitos são comumente ignorados e negados.
As aulas de Educação Física são também palco de manifestação de preocupação com relação à sexualidade da criança.
Se acreditarmos que as escolas também fabricam sujeitos, produzem identidades étnicas, de gênero, de classe; se reconhecermos que essas identidades estão sendo produzidas através de relações de desigualdade; se admitirmos que a escola está intrinsecamente comprometida com a manutenção de uma sociedade dividida e que faz isso cotidianamente, com nossa participação ou omissão, devemos encontrar justificativas para interferir na continuidade dessas desigualdades.
Se as diferentes instituições e práticas sociais são constituídas pelos gêneros (e também os constituem), isso significa que essas instituições e práticas não somente “fabricam” os sujeitos como também são, elas próprias, produzidas (engendradas) por representações de gênero, bem como por representações étnicas, sexuais, de classe, etc. De certo modo, poderíamos dizer que essas instituições têm gênero, classes e raça.
A atividade escolar é marcada pelo cuidado, pela vigilância e pela educação, tarefas tradicionalmente femininas. No Brasil, a instituição escolar é primeiramente masculina e religiosa, através dos jesuítas. A escola foi atribuída, em diferentes momentos, à produção do cristão, do cidadão responsável, dos homens e das mulheres virtuosas das elites condutoras do corpo sadio e operoso.
Professoras foram vistas, em diferentes momentos, como solteironas ou “tias”, como gentis normalistas habilidosas alfabetizadoras. Professores homens foram apresentados como bondosos orientadores espirituais ou como servos educadores, sábios mestres, exemplo de cidadãos. A identidade de professor e professora parece ter escapado, mas é também constitutiva de homem e de mulher.
Para algumas feministas, a crítica às formas convencionais de educação escolar levou ao questionamento das escolas co-educativas, ou seja, com base em suas observações, elas recomendam um retorno às escolas separadas por gênero.
Pensada como um novo modelo pedagógico, construído para subverter a posição desigual e subordinada das mulheres no espaço escolar, a pedagogia feminista vai propor um conjunto de estratégias, procedimentos e disposições que devem romper com as relações hierárquicas presentes nas salas de aula tradicionais. A voz do professor(a), fonte de autoridade e transmissora única do conhecimento legítimo, é substituída por múltiplas vozes, ou melhor, é substituída pelo diálogo, no qual todos(as) são igualmente falantes e ouvintes, todos são capazes de expressar (distintos) saberes. Como diz Spender (1980, p.66).
Com o feminismo surge “uma nova maneira de pensar sobre a cultura, sobre a linguagem, a arte, a experiência e sobre o próprio conhecimento”. (Laurentis, 1986, p.2). Na verdade, isso ocorre fundamentalmente porque ele redefine o político, ampliando seus limites, transformando seu sentido, sugerindo mudanças na sua “natureza”. Se o pessoal é político, como expressa um dos mais importantes insights do pensamento feminista, então se empreenderá de um modo novo as relações entre a subjetividade e a sociedade, entre os sujeitos e as instituições sociais.
As mulheres e os homens feministas precisam estar atentos às relações de poder que se inscrevem nas várias dinâmicas sociais, das quais elas e eles fazem parte. A integração dos estudos feministas a outros estudos progressistas, longe de representar um enfraquecimento político, representa um ganho para o feminismo.
Na elaboração dos argumentos teóricos, a autora valeu-se de muitas fontes registradas ao longo do tempo.
Fontes:
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 1.ed. São Paulo: Vozes, 1997.
Revista Brasileira: estudos feministas editados pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IF-CS/UFRG).
Educação e Realidade: editada pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Filmes: Vitor ou Vitória (Victor/Victória, 1992)
Conta comigo (Stand by me, 1989)
Livros: Uma questão de gênero (1992), Editora Rosa dos Ventos
História das mulheres no Brasil, editora Contexto, etc.
Para saber mais sobre práticas educativas feministas, você pode conferir Educação infantil: discurso, legislação e práticas institucionais.
Além disso, a discussão sobre a construção de identidades pode ser aprofundada em Direitos Humanos em Contexto Escolar: Compreensão e Instrumentos.
Se você está interessado em explorar mais sobre a relação entre gênero e educação, considere 50 Atividades para o Berçário e Maternal.
Por fim, para um olhar mais crítico sobre a educação, veja Manual para elaboração de monografias: dicas essenciais.
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