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Atualizado em 10/08/2024

Friedrich Wilhelm Nietzsche

Explore a vida e o pensamento de Friedrich Wilhelm Nietzsche, um dos filósofos mais influentes da modernidade. Descubra suas obras, ideias e a crítica à moralidade tradicional.

Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) nasceu em Rocken, localidade próxima de Leipzig, Prússia, no dia quinze de outubro. Seu pai e seus avôs eram pastores protestantes. Nietzsche teve muito desse espírito religioso durante a infância e cogitava continuar a linhagem. Sua mãe era piedosa e puritana. Em 1849, perdeu o pai e o irmão. Mudou-se então para Naumburg, cidade às margens do rio Saale, onde cresceu, em companhia feminina: a mãe, a irmã, duas tias e a avó. Era uma criança feliz, aluno exemplar, dócil e leal. O zelo e mimo familiar fizeram com que ficasse um pouco deslocado, pois não gostava dos vizinhos, que armavam arapucas para passarinhos e bagunçavam. Preferia a calma do estudo, e os coleguinhas o chamavam de pequeno pastor, rejeitando maiores relações com ele. Lia a Bíblia, para si e para os outros. Na sua autobiografia, um de seus últimos livros, Ecce Homo – como chegar a ser o que é, conta que, como seus colegas duvidavam de uma história dele, deixou alguns palitos de fósforos queimarem até o fim na palma de sua mão.

Em 1858, Nietzsche conseguiu uma bolsa de estudos na escola de Pforta, onde havia estudado o filósofo romântico Fichte (1762-1814). Leu Schiller (1759-1805) e Byron (1768-1824), escritor boêmio romântico que foi um dos gurus do romantismo. O Romantismo teve uma importância decisiva na juventude de Nietzsche, que mais tarde, na maturidade, criticou-o. Com essas leituras, e mais a influência de alguns professores, começou a se afastar do cristianismo. Estudou muito na adolescência: a Bíblia, o latim, autores clássicos, grego e a cultura grega. Gostou muito de Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456). Escreveu um trabalho escolar sobre Teógnis (século VI a.C.). Saindo de Pforta, partiu então para Bonn, onde estudou filosofia e teologia. Junto com seus colegas, Nietzsche teve um período de orgias sensuais e arriscou atuar nas artes masculinas de fumar e beber, abandonando-as em seguida por considerá-las corruptoras da percepção e do pensamento. Em 1867, é chamado para o serviço militar, mas teve um acidente quando montava a cavalo. Seus músculos peitorais se distendem. Seu professor preferido, Ritschl, de cultura grega, o persuadiu a mudar para Leipzig e se dedicar à filologia. Ritschl considerava a filologia o estudo das instituições e pensamentos, e não só o estudo das formas literárias. Seguindo o mestre, Nietzsche completou seus estudos brilhantemente em Leipzig e realizou estudos sobre Homero, Diógenes Laércio (século III) e Hesíodo (século VIII a.C.). A partir desses estudos, conseguiu precocemente o cargo de professor de filologia clássica da Universidade de Leipzig. Tinha vinte e quatro anos e se interessava por música e poesia. Queria viajar para Paris, mas o professor Ritschl, em 1869, lhe propôs o posto de professor e ele aceitou. Lá conheceu um dos únicos amigos cuja amizade durou até o fim, Overbeck, que era professor de teologia. Nietzsche ocupou-se com muito trabalho. Deu aulas sobre Ésquilo e palestras, como: “Sobre a personalidade de Homero”, “O drama musical grego”. Redigiu um texto, A origem e finalidade da tragédia. Alguns não concordam com Nietzsche, mas todos o consideram um jovem de futuro promissor.

Em 1870, ocorre a Guerra Franco-Prussiana, passo importante para a unificação alemã. A Alemanha se industrializa, a exemplo da Inglaterra e França, que desde o século anterior passavam por processo de mecanização da produção. Otto von Bismarck, militar responsável pela unificação alemã, declara guerra à Prússia. Nietzsche participa da guerra como enfermeiro, mas logo adoece, com disenteria e difteria. Essa doença pode ser a origem dos problemas de saúde que o atormentaram por toda a vida. Recupera-se lentamente e volta para a Basiléia, a fim de continuar suas atividades. Fica com a ideia de que o estado e a política são antagonistas. Ocorre a guerra civil da França, e queimam-se os arquivos do museu do Louvre (Paris). Nietzsche fica desesperado, pois considera um crime contra a cultura. Conclui o primeiro livro, O nascimento da tragédia no espírito da música. Meditou sobre o assunto enquanto atuava como enfermeiro. O livro tem forte influência de Wagner (1813-1883) e Schopenhauer. Por volta de 1865, passava por uma livraria quando viu a reedição de um livro que não havia feito muito sucesso na época em que foi feito: O mundo como vontade e representação. Encontrou nele um espelho no qual redescobriu a vida com uma natureza assustadora. Passa então a realmente se interessar por filosofia. No livro está contida a ideia principal de que os atos dos seres vivos são fruto de uma cega vontade de viver. Admira-se com o seu ateísmo, e no Gaia Ciência chama Schopenhauer de “o primeiro filósofo assumidamente ateu”. Schopenhauer diz que os meios de produção só são admiráveis quando podem ser adquiridos por qualquer homem, e que o aumento de custo, a falta de acesso, levam a uma centralização do poder negativa. Antes da guerra, em 1868, Nietzsche e Wagner se encontraram. Nietzsche gostava de suas músicas, como Tristão e Isolda. Através de Brockhauss, um professor da universidade casado com a irmã de Wagner, se encontraram. Nietzsche passou a visitar Wagner em Tribschen, que não ficava longe da Basiléia. Caracterizou o lugar como seu lar e seu refúgio. Wagner era profundo conhecedor da filosofia de Schopenhauer. Em 1872, é publicado O nascimento da tragédia, que começa falando do drama musical grego, onde o dionisíaco se opõe ao apolíneo. O Deus Dionísio (existe também a grafia Dioniso), do vinho e da festa, levava, em seus cultos, à experimentação dramática da existência. Os homens experimentavam a exacerbação dos sentidos, a vertigem e o excesso nos cultos ao Dionísio, o Baco dos romanos. A palavra bacanal deriva dessas festas em homenagem a Baco. O dionisíaco é como um apolíneo uma pulsão cósmica, só que de outro tipo. Nela, se aniquilam as fronteiras e limites habituais da existência cotidiana. É o prazer da ação, a inspiração, o instinto. A existência cotidiana e dionisíaca são separadas uma da outra. Mas ao passar pelo turbilhão perceptivo do culto a esse Deus, volta-se ao estado normal, deseja-se a vida ascética. Os Deuses gregos eram necessários para esse povo, diz Nietzsche, porque legitimavam a existência humana. Os homens viviam seus deuses, que mostravam a vida sob um olhar glorioso. Na tragédia grega, a plateia participava também, era artista. À tragédia se opõe a comédia. Nos cultos, o Deus se revela, mostrando o drama da individualização. O livro de Nietzsche é o de um especialista em cultura grega e sua mitologia. Transborda de lirismo.

O apolíneo surge nas homenagens ao Deus Apolo. É o inverso de Dionísio, pois é o Deus da moderação e da individualidade, do lazer, do repouso, da emoção estética e do prazer intelectual. Esse Deus surge, na cultura grega, depois de Dionísio. A arte grega retratava seus deuses, as pulsões cósmicas se manifestavam nas atividades. A arte grega era a união desses dois ideais, que se alternam. A música e o mito são inseparáveis na arte grega. O mito trágico expressava toda a crueldade do mundo dionisíaco. O coro é dionisíaco, e o diálogo, apolíneo. O pessimismo estava presente na arte, pois os gregos conheciam a dureza da vida. Essa dureza leva à desilusão, que é vencida na arte. A complementação que existia nas experiências antagônicas do Dionísio e Apolíneo foi destruída pela civilização. A Grécia antes não separava o manual e o intelectual, o cidadão e político. A filosofia dos pré-socráticos é afirmadora da vida e da natureza, pois o pensamento está unido com esse fenômeno, a vida. Mas Sócrates corrompeu essa atividade grega, com as suas teorias, realçou o lado frouxo do caráter ateniense e corrompeu a juventude. O caráter da filosofia passa a ser julgar a vida, humanizar a natureza, iluminar a escuridão do mundo com a luz tênue da razão. No lugar ao filósofo mediador, que recria os valores, surgiu o filósofo metafísico. Sócrates é o responsável pela divisão, na autoconsciência, do aparente e do real, no novo culto ao entendimento, ao dizer que nada sabia. Nas suas conversas e perambulações, descobriu que os homens não tinham conhecimento seguro de suas atividades, não resistiam à sua dialética e à sua maiêutica, eles agiam apenas por instinto. O instinto passa, de força criadora, a ser crítico. Sócrates teve que pagar por sua audácia, e sua serenidade diante da morte o tornou um exemplo e o novo ideal da juventude ateniense. Nietzsche também faz a crítica a Sócrates no livro O crepúsculo dos ídolos.

O mito dionisíaco, assim, desapareceu da Grécia, deixou de ser vivenciado pelos homens. A exaltação, encarnada na folia da orgia, e corroborada pela música, deram lugar ao apreço civilizatório. Mas será que ele sumiu para sempre? Nietzsche reconhece em Wagner um Ésquilo moderno, que restaura os mitos instintivos, tornando a unir a música e drama em êxtase dionisíaco. É esse o caráter de sua música, segundo Nietzsche, que, junto com o povo alemão, iria restaurar o mundo experimentado sob transe místico. A música é uma linguagem universal em alto grau. Todas as sensações humanas, seus esforços, seu interior, podem se refletir e exprimir pelas melodias. A razão lança isso no conceito negativo do sentimento, diz Nietzsche. E, continua segundo a doutrina de Schopenhauer, a música é expressão da vontade. O peso da existência é atenuado com estimulantes, e deles derivam a civilização. Pode ser socrática, artística ou trágica. Exemplos respectivos: a civilização alexandrina, helênica ou hindu. A característica da civilização socrática é o otimismo, que está escondido na lógica. Ao mito se sucedeu a clareza do conhecimento.

Nietzsche foi músico amador, embora quisesse mais do que isso. Era bom pianista e suas composições musicais chegam a dar bom volume. Wagner adorou o livro, dizendo que numa carta que suas palavras ainda não cobriam a grandeza do livro, pois eram insuficientes. Mas ele também provocou reações adversas, como a do helenista Mallendort. Pohden e Wagner respondem à crítica, que veio em forma de panfleto. Wagner gostava de Bakunin na juventude. Em 1872, Nietzsche voltou a Basiléia. Profere palestras. É polêmico, mas envolvente. Fala sobre a difusão da cultura na Alemanha. Defende a tese de que o ensino não deve ser apenas profissionalizante, mas capacitador do desenvolvimento das faculdades humanas. Desgostoso com o silêncio sobre o seu primeiro livro, afunda no trabalho e na reflexão. Lhe vêm a ideia de que a filosofia é o médico da civilização. A filosofia deve ser crítica, não passiva. Redige uns pedaços de A filosofia na época trágica dos gregos.

Nietzsche não é um pensador sistemático. Não podemos fazer divisões rígidas de seu pensamento, e classificá-lo é difícil. Alguns estudiosos dividem a sua obra em três fases: pessimismo romântico (1869-1876), influência de Wagner e Schopenhauer; positivismo cético (1876-1881), período de rupturas, influência do moralismo francês; critica o caráter demasiado humano da filosofia e defende a liberdade de espírito; período de reconstrução – a fase de Zaratustra e da afirmação da vida.

Escreve um ensaio, Sobre verdade e mentira no sentido extra moral, no qual explora o lado gnosiológico, de origem e fundamentação do conhecimento. O conhecimento é uma ilusão, a única relação do homem com o mundo possível é a estética. O conhecimento típico do homem, que assimila o mundo à sua perspectiva. Existem os instrumentos do conhecimento (categorias e linguagem) e seu produto, o mundo percebido. Uma das perspectivas que aparecem em Nietzsche é a noção de que o instinto da conservação da espécie é o responsável por muitos atos. O conhecimento é útil à preservação da vida e é também o objetivo de todos os líderes religiosos.

O conhecimento não é transcendente, o homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido humano às coisas, o resultado é o mundo articulado. O conhecimento foi inventado em um minuto, em relação ao cosmos, pelo homem. Foi um minuto mentiroso. A verdade é procurada para ser válida e comum e a linguagem dá as primeiras leis da verdade. A verdade e a mentira seriam relativas, válidas para o ponto de vista humano.

No processo de antropomorfização do mundo, o reduzimos e generalizamos. Por exemplo, ao estereotiparmos folha, ignoramos qual folha é verdadeira e válida. Não existe na natureza a folha, elas são bilhões. Nietzsche observa os humanos de longe e não os considera um ser privilegiado. Um dos pontos principais de sua obra é a crítica aos valores judaico-cristãos. O homem não é divino. Necessita sobreviver e dominar, na história estão presentes a vontade de poder, de dominar. O destino de um homem não é tanto assim, afinal, o sistema solar é apenas um ponto. O homem se apega à mentira do conhecimento como se sua filosofia ou ciência explicasse realmente o mistério cósmico. São invenções o conhecimento, a moral e a metafísica. No século XVIII, caíram as teorias de origem divina do homem. Mas existe o idealismo metafísico, o homem é divino, a Terra é escolhida. Para Nietzsche, o homem está sem Deus, sem causa transcendente. O conhecimento é ativo e submisso à vida. O mundo que tem valor é o que criamos ao perceber. Nossas verdades são ilusão.

Para crescer em potência, uma espécie deve moldar sua concepção de realidade e comportamento em leis invariáveis e elementos previsíveis. Nos filósofos anteriores a Nietzsche, os órgãos de conhecimento eram de origem incondicionada ou transcendente. Para Nietzsche, a capacidade espiritual do homem tem um contexto natural e social.

Kant havia dito que só podemos conhecer fenômenos, e não coisas-em-si. Nietzsche aceita essa posição. Ele vai contra o racionalismo enquanto instrumento da verdade e contra o empirismo, baseado na coisa dada e apreensão dos fatos.

Para Nietzsche, a verdade se tornou uma multidão de metáforas e metonímias, ou seja, relações humanas. Mas elas parecem objetivas e incriadas. O homem só conhece o efeito das leis da natureza, e não elas mesmas. A atividade do conhecer é um meio de se atingir a potência. Para se contrapor à ilusão em que vivemos, devemos desenvolver uma força artística. O mundo que percebemos é uma obra de arte dos sentidos e do intelecto. Da concepção de conhecimento deriva a noção kantiana do conhecimento como atividade constituinte e legisladora. Nietzsche é contra a humanização do mundo.

A objetividade, para o homem, é uma função prática da subjetividade. A essência se torna sentido, e o sentido é uma força ou valor. Esse livro, Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, é sobre verdade e linguagem. A palavra não é mais do que uma representação sonora de uma excitação cerebral. Nietzsche chega à velha verdade: existe um abismo entre a sensação e a linguagem. Com a vida gregária, vem a designação obrigatória e verdadeira das coisas. Assim surge a verdade, de caráter social, convencional.

Nietzsche criticou David Strauss, num ensaio que obteve aceitação, dentre outros, do hegeliano de esquerda Bruno Bauer.

Nos ensaios das Considerações extemporâneas, livro de caráter polêmico, critica o historicismo e as universidades. Diz que o Estado não protege nunca homens como Schopenhauer e Platão, pois tem medo deles. É acusado de megalomania.

Nietzsche sempre foi um defensor do virtuosismo, bem como do espírito guerreiro. Diz que toda a arte e filosofia são um meio para a vida que cresce. Os homens grandes sofrem. Os sofredores são de dois tipos: os de abundância de vida, que querem uma arte dionisíaca, e os que sofrem de empobrecimento de vida. Os românticos são da última categoria. Cita como exemplo de românticos desse tipo Wagner e Schopenhauer, seus ídolos da mocidade, quando já estava maduro, na Gaia ciência.

Em 1872, Nietzsche frequenta assiduamente a casa de Wagner. Wagner e sua mulher Cosima lhe tratam com respeito. Nietzsche tem uma paixão contida por Cosima. Wagner se muda e eles começam a se afastar. Em 1876, vai assistir à tetralogia, O anel dos nibelungos, de Wagner, que andava fazendo muito sucesso e deixara-se embriagar com isso. Nietzsche se irrita com o caráter burguês da obra e pela nivelação da sociedade medíocre, que grosseiramente se entusiasmava pela música. “Aguardo com terror o fim dessas noites, não aguento mais.” Desiludido, vai para Bayreuth. O Parsifal, de Wagner, é uma exaltação ao cristianismo e à santidade. Mais tarde, critica Wagner em muitos aspectos, em O Caso Wagner. Começa a sofrer de saúde. Paul Rée, um médico, vem lhe prestar auxílio. Paul publicara em 1875 Observações psicológicas e se preparava para o segundo livro.

Em novembro de 1876, Nietzsche e Wagner convivem pela última vez. Na Gaia ciência, fala que eles tiveram uma amizade astros, mas como dois navios com objetivos próprios, partiram para mares e sóis diferentes.

Nietzsche vai para Sorrento, numa estada proveitosa. Volta para a Basiléia e a universidade, a saúde piora. Em maio de 1878, lança Humano, Demasiado Humano, numa crítica aos valores. Seguem-se opiniões negativas e positivas. Wagner, Rohde e Malwida ficam embaraçados, contra. Outros, como Overbeck, Rée e Gast, elogiam o livro. Bruno Bauer o elogia, mais tarde. O livro é lançado em comemoração ao centenário da morte de Voltaire, em 1879, Nietzsche se aposenta da faculdade e ganha uma bolsa de 400 francos anuais por serviços prestados à cultura.

A Basiléia foi seu lar durante dez anos. Lá viveu, fez amigos, trabalhou, sempre criticando o vazio de muitos eruditos. Frequentou a vida acadêmica. Passou, então, a ter uma vida errante. Em 1870, sua saúde piora de vez, ele fica à beira da morte. Crises graves e ininterruptas durante meses. Restabelecido, mas não totalmente, viaja pela Europa: Suíça, Itália, França e Alemanha. Numa linguagem mais amena, mas não menos crítica, escreve com todo o seu ser, suas verdades são sangrentas. Ignora o que sejam verdades espirituais. Em 1880, publica O andarilho e sua sombra, em que se empenha “numa luta contra a moral da auto-renúncia”. Esse livro é o de um homem culto do século XIX, opinando sobre diversos assuntos em pequenas sessões. Faz crítica literária, artística, filosófica e até política. Vê a juventude com outros olhos. O jovem é um barril de pólvora, que pode se inflamar em torno de qualquer ideologia. Nesse sentido, acha o hegelianismo perigoso. A obediência aos costumes é moralidade. Os fracos governam, pois associaram-se e recriminam os fortes.

O que é proveitoso constitui o valor. O homem é o criador de valores, mas se esquece de sua criação. A moralidade é o instinto gregário do indivíduo. Quem é punido é quem pratica os atos. Na sociedade, existem os instintos de rebanho. Atribuem-se as palavras um sentido fixo e acha que ela espelha a realidade, que tem caráter transitório. O homem chega, pelos costumes, à convicção de que é preciso obedecer. No inverso disso, existe o prazer, a autodeterminação e a liberdade de vontade.

O espírito livre revolta-se contra a crença. Para libertar-se, é preciso um longo processo de abandono de hábitos e comodidades. Nietzsche não era racional, depois passou a criticar a teologia e elogiar um pouco a ciência. Mas ela está carregada de antropomorfismos. A parte positiva é que ela se livrou do além, da vida após a morte. Escapou das crenças, mas não da crença da verdade. Nietzsche diz que os homens de ciência não têm espíritos livres. A interpretação científica não é única. No inverno de Gênova, vê a obra musical Carmen, de Bizet. Sente-se arrebatado e transportado. É um retorno à vida, depois de estar de caras com a morte.

No final de abril de 1882, Nietzsche chega a Roma. Viajou em um cargueiro. Sua vida amorosa não foi das melhores. Foi recusado no pedido de casamento duas vezes. Conheceu, através de um amigo, duas jovens de origem russa, em 1876. Pediu em casamento a mais velha (eram irmãs), que mais tarde se casou com Hugo. Em julho de 1876, encontrou uma francesa, Louise Ott.

Na Sicília, Paul Rée e Malwida lhe escrevem, pedindo que conheça uma moça, Louise von Salomé, que russa, viajava pela Itália com a mãe. Era muito inteligente e tinha uma personalidade liberada, com comportamento e espírito idem. Ela se relaciona com Nietzsche, mas também gosta de Rilke e admira Freud. Em Roma se conheceram, e Nietzsche se apaixonou. Vão para a Suíça com Rée. Querem ter uma vida cultural, com muitas pesquisas em um grande centro, num projeto que chamam de Santa Trindade. Nietzsche pede Lou em casamento e obtém nova recusa. Ela escreveu um livro sobre Nietzsche, em 1894. O trio se separa. Depois, voltam a ficar algumas semanas juntos. Nietzsche quer fazer de Lou uma discípula que continue seu pensamento.

A família de Nietzsche é contra sua paixão. Seu comportamento é liberado demais: vive com dois homens sem ser casada. E Lou acabou ficando com Rée em Berlim por cinco anos. Rée morreu em 1901, se atirando em uma ravina. Rée nunca teve outro amor depois de Lou, que se casou com Carl Andréas.

Em Silas Maria, Surlei, Nietzsche tem a visão do eterno retorno, teoria que colocará em sua obra-prima, Assim Falava Zaratustra. A energia e a matéria do universo são finitas, e ele está sempre em fluxo, de modo que, no futuro, as coisas voltam. Cada instante traz a marca da eternidade e volta a acontecer um número infinito de vezes. As civilizações voltarão, até mesmo Nietzsche voltará. O universo é animado por um movimento circular sem fim. Passa de um frescor para desenvolver-se e chegar ao ápice, e renasce, como Fênix, de si mesmo. A soma de energia permanece igual no universo. Apesar disso, Nietzsche condenava a crença na vida após a morte. Para ele, o homem havia sido preso pelas suas crenças, inventadas e colocadas acima do real. Não devemos nos voltar para o além e o eterno, pois essa mistificação reduz o homem à condição de servo e destrói as fontes mais profundas da vida. No lugar dessas crenças, devemos reconhecer em nós e na história a Vontade de Potência, de poder. Na teoria do eterno retorno, o mundo se alterna na criação e destruição, alegria e sofrimento, bem e mal. Em Zaratustra, Nietzsche é um defensor do virtuosismo, virilidade, contatos rústicos com a natureza e espírito guerreiro.

Como explica em um poema, Nietzsche estava num jardim, no inverno de Rapallo, esperando e meditando além do bem e do mal, quando “um se fez dois, e Zaratustra passou por mim”. Nada tem a ver com o Zaratustra persa. Quando Nietzsche terminou a primeira parte de Zaratustra, Wagner morreu (sua última música foi Parsifal). Terminou o livro em 1885. Em 1888, Nietzsche escreve Nietzsche contra Wagner, que junto com O Caso Wagner, constitui a justificativa teórica, exorcista, das suas desavenças com Wagner. Nietzsche o critica a torto e a direito, e é famosa a frase em que diz: “Wagner acaricia cada instinto budista e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda a forma de decadência.” Nietzsche reconhece em Wagner o pessimismo, influência de Schopenhauer, e estava em uma fase de afirmação do lado positivo da vida. Foi muito difícil editar Assim Falava Zaratustra, “um livro para todos e para ninguém”. Como em muitas edições de seus livros, Nietzsche pagou do próprio bolso a última parte da obra. Foi uma tiragem de quarenta exemplares, mas não tinha para quem mandá-lo, pois estava sem amigos, e enviou-o para sete pessoas. Overbeck lhe manda livros de vez em quando, pois sabia que Nietzsche estava em dificuldades financeiras.

Nietzsche começa a redigir Além do bem e do mal. É o livro pós-Zaratustra, sobre o qual disse: “é incompreensível, pois remete a experiências só minhas, e eu não encontro companhia nem entre os vivos, nem entre os mortos”. Nietzsche faz prefácios para edições anteriores de seus trabalhos e redige a última parte de A Gaia Ciência. Leu Dostoievsky e adorou sua psicologia, que põe em personagens. O próprio Nietzsche via em si e em sua filosofia uma fonte para muitos psicólogos, que ele considerava terem muito a evoluir. Escreve Para uma genealogia da moral, que complementa e ilustra Além do bem e do mal. Nietzsche vê as origens e motivos que fizeram o homem viver de acordo com a mentira da moral, que serve aos fracos. Escreve um adendo para Além do bem e do mal.

Em 1889, começa a pirar. Saindo do seu quarto de pensão, vê um cocheiro açoitando seu cavalo. Precipita-se entre o animal e o açoite e perde os sentidos. Ficou desmaiado dois dias. Quando Overbeck vai visitá-lo, está louco. Diz que é o sucessor do Deus morto e o bufão da eternidade. Escreveu cartas para muitas pessoas, assinando como Dionísio e o crucificado. Nietzsche sofria da saúde então. Não conseguindo tratamento adequado, se tornara seu próprio médico. Tomava drogas como o ópio, haxixe (principalmente) e cloral. Escreve a primeira parte de seu projeto A vontade de potência, O anticristo. Escreve Ditirambos de Dionísio. Os ditirambos são poemas, Nietzsche gostava de poesia, admirava Goethe e sua sabedoria. No Anticristo, continua seu ataque à moral cristã, como força inimiga da vida, restringidora da vontade de potência, e cuja influência apolínea desvirtuou a humanidade.

Nietzsche é internado na Basiléia. Sua mãe foi contra. O diagnóstico é paralisia cerebral progressiva, causada possivelmente pelo uso de drogas e tendo como agravante sua saúde precária. Nietzsche fica dócil e seus amigos duvidam de sua loucura. Nas visitas, revela boas memórias.

A irmã de Nietzsche, Elizabeth Foster, volta do Paraguai, depois da morte do marido anti-semita, que Nietzsche não gostava. Depois de uma luta judicial, consegue a responsabilidade pelos escritos do irmão e passa a manipulá-los. Eles tiveram uma relação problemática, que alguns dizem ter sido incestuosa, com Elizabeth se aproveitando da decadência do irmão para galgar passos na sociedade. Com os direitos adquiridos na obra do irmão, Elizabeth fundou mais tarde os Arquivos Nietzsche. Ela publica A vontade de potência, não de acordo com a vontade do autor, mas uma coletânea de anotações e aforismos. Os livros de Nietzsche fazem sucesso na virada do século, ele obtém reconhecimento, e seus livros dão dinheiro. Mas não adiantava mais, era tarde. No hospício, Nietzsche escreve Minha irmã e eu, cuja autenticidade muito tem sido questionada. Morre em agosto de 1900.

Sua irmã ainda manipulou seus escritos a favor do fascismo, era admiradora de Mussolini. Sua teoria do super-homem foi adaptada para servir ao arianismo.

Nietzsche critica Kant, ora contra ora a favor. Diz que sua sabedoria era imensa. Que era um cristão pérfido, insidioso. Devemos a Kant um avanço metafísico, o de não crer mais na possibilidade de conhecer um além-mundo. Ele se orgulhava de seu avanço, o de ter descoberto os juízos sintéticos a priori (antes da experiência), sendo possíveis graças a uma faculdade. Mas Nietzsche diz que não temos de acreditar em tais juízos, no seu valor prático, mas nos perguntar como eles são possíveis. Porque preferir sempre a verdade? Ela nem mesmo é fixa e inalterável. Nietzsche é adepto do perspectivismo, a pessoa enxerga o mundo de acordo com sua perspectiva sócio-cultural. A partir do sujeito, o sujeito não pode ser pensado, só vivido, sempre a entender e a interpretar. Nietzsche o chama de “o velho Kant, o grande chinês de Koninsberg. Os sistemas filosóficos exemplares de Kant e Hegel têm colocado fórmulas e valorações nos campos em que atuam.

Para Nietzsche, Hegel e Schopenhauer se colocaram contra a bestial mecanização do mundo. Embora voltados para a modernidade, não faziam do racionalismo algo reducionista. Assim também acontece com Goethe, que Nietzsche não critica, diz que ele inspira respeito. Nietzsche, inicialmente, via no povo alemão uma força dionisíaca, capaz de afastar a monotonia apolínea instaurada na Europa. Mas depois critica os alemães em diversos pontos. Diz que depois de dominar o espírito, se entediam com ele. Esse povo embruteceu com o cristianismo e o álcool. O essencial de sua cultura superior está perdido. Nietzsche reagiu contra o historicismo de Hegel, que justifica as ações dos homens de acordo com o espírito e com o absoluto.

No Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche analisa como Sócrates conseguiu penetrar no coração dos nobres atenienses. Tocava no instinto de combate grego e era um erótico. Assim, conseguiu se sobressair, apesar de ser feio. Então ele afastou as mitificações que exploravam o lado obscuro da natureza, que só podia ser sentido, vivido, e não pensado. Afastou-o com a luz da razão, que elevou à categoria de tirana. Para Nietzsche, a verdade e a falsidade não mais existem, mas sim sinais, o homem está destinado à multiplicidade, pois tudo é interpretação.

Nietzsche condena a noção que se encontra na cultura de muitos povos, que explicam tudo sob a luz racional e terceirizam para um além-mundo o que não se encaixa. Assim, a razão é considerada como divina, pois seu estado de clareza leva a um falso bem-estar. A natureza, para Nietzsche, está além das concepções humanas de entendimento. Essa mesma natureza devia ser experimentada de acordo com o espírito guerreiro, temos de viver em estado de guerra e resistir aos apelos supra-terrenos. Ele criticou a metafísica, que colocava o mundo como reflexo diminuído de algo transcendente. A recompensa para o sofrimento dessa vida, segundo o cristianismo, está no além. O cristianismo é um vale de lágrimas. São os escravos e vencidos, ou seja, os que não podiam experimentar esse mundo com o virtuosismo que ele merece, que fizeram a moral dos fracos, inventando o além. Para recuperar o lado positivo da vida, é necessário uma transmutação de todos os valores, uma revigoração da cultura judaico-cristã. No processo de transformação, teríamos de lutar contra os erros sob os quais fomos criados, como o ressentimento (é tua culpa se sou fraco), a consciência de culpa e o ideal ascético.

Mas sua tarefa é solitária. Toda a civilização é produto de bases falsas, os eruditos são os que têm maior responsabilidade para lutar contra esse defeito e questionar os próprios princípios. A cultura encontra-se em decadência, como resultado do afastamento da força da vida, tão escassa no universo. Nietzsche se afastou, ao enxergar a verdade cada vez mais longe. Mas pagou sua dívida por esse afastamento ao criar seu herói solitário, Zaratustra, um questionador da cultura e civilização, bem como da moral e valores sobre os quais ela se apóia. A tarefa de conscientização de Zaratustra não é fácil, ele encontra a ignorância do “populacho” em um tempo não definido. Zaratustra é o personagem principal de um romance filosófico-poético. Com trinta anos, sobe à montanha para escapar dos males das relações humanas e adquirir conhecimento da natureza. Vive em exposição aos elementos naturais e junto aos seus animais (uma águia e uma serpente). Lá vive por dez anos, até saciar de seu conhecimento como abelha que produz muito mel, e parte para o convívio humano. A narrativa é pouca, o que preenche o livro são os discursos de Zaratustra. Ao descer, encontra um velho e depois de dialogar se interroga: “será possível que este homem santo não saiba que Deus morreu?” Nietzsche já havia feito essa afirmação na Gaia ciência, e desenvolve com Zaratustra. Os Deuses morreram de tanto rir, ao ouvir a afirmação de que só existe um Deus. Nietzsche pretende colocar com essa afirmação que a civilização racional afastou as interpretações místicas do mundo, prevalecendo na Terra, o senso comum, e nele não há lugar para Deus, pois o homem não pode suportar não ser Deus, e portanto Ele não existe. A ignorância do dogmatismo faz com que acreditemos em coisas absurdas. Pelo fato de não podermos explicar, colocamos nossas esperanças no fim das frustrações no além.

Para substituir a divindade morta, Nietzsche sugere o super-homem: o bom senso da Terra. O que há de nobre do homem é ser ele um fim, e não um meio. O super-homem é a ponte, é ele o raio. O homem é algo que será superado. Ele é o resultado da vontade de potência exercida, um paradigma da virilidade e virtuosismo. Se coloca além do bem e do mal, e fez seus valores em pedaços. O povo ri do discurso de Zaratustra, que resolve não pregar mais em praças.

Ao longo do livro, Zaratustra viaja e expõe sua doutrina sobre assuntos diversos, adquirindo alguns discípulos. Os poetas mentem em demasia, Zaratustra expõe a verdade. É um apoio à margem do rio, mas não uma muleta. Por trás de toda a moralidade existe a vontade de poder. O homem deve exercer o poder da vida, de modo a servir de solo ao super-homem. A moral é uma força contrária à natureza. Para chegar ao super-homem, Nietzsche não descarta a eugenia, a procriação para fins de superação. Passa-se o sangue e a alma para o filho, que continua as obras. O sangue é espírito também. A educação deve enobrecer o espírito humano e não restringi-lo. Uma vida viajante faz com que não nos prendamos em rotinas, tem que se viver em estado de alerta, como guerreiro. Zaratustra só poderia crer num Deus que dança, pois todos os dias em que não há danças estão perdidos. Zaratustra critica o Estado, pois ele não representa o povo. Tudo nele é falso, diz Zaratustra. O homem deu valores às coisas a fim da auto-conservação, um valor humano, inadequado. A humanidade não existe, pois é uma abstração.

Os sábios servem o povo e a superstição, não a verdade. Ela está aonde o povo está. Zaratustra conversa com a vida e com os animais, que chegam a cuidar dele em sua época de doença e delírio. A vida lhe confia um segredo: “Olhe, eu sou o que deve ser superior a si mesmo”. Zaratustra critica os estultos e ama a liberdade. É o último dos sábios e conhece a arte da retórica.

Zaratustra parte em busca de novos horizontes. Primeiro vai para as ilhas bem-aventuradas, depois se aventura para além do oceano. Passa pela cidade dos tolos, escorraça-os. Encontra aquele que matou Deus, sempre em busca do homem superior. Mas volta para a terra onde morava, quer retornar à sua gruta. Ouve o grito do homem superior, e no caminho encontra diversos personagens: os reis, o viajante, o homem mais feio, o mendigo. Convida-os tanto para um jantar em sua gruta, onde se dá a ação final. Lá há espaço e comida para todos. Zaratustra consegue o reconhecimento desses homens, com seu pensamento, que de modo crítico, coloca a arte e poesia como força criadora e de vida, o único valor possível.

Os outros livros de Nietzsche são influenciados pelo de Zaratustra. Nietzsche se superou, como pensador da cultura e artista. Sua influência na filosofia posterior é grande, como em Deleuze, Heidegger e Foucault. Depois da segunda guerra, houve uma retomada da interpretação de sua filosofia, em sua acepção original, não deturpada. Fez a crítica da modernidade, e seu bravo peito desbravou os horizontes possíveis com o artifício da linguagem, e não cedeu diante das adversidades, em sua vida incomum.

Influenciou também os existencialistas e os psicólogos. Além de músico, poeta, filólogo e filósofo, foi um grande escritor. Suas obras têm um tom profundo e coeso, como em Platão.

IDEIAS

 

 

Seu estilo é aforismático, escrito em trechos concisos, muitas vezes de uma só página, e dos quais são pinçadas máximas. Muitas de suas frases se tornaram famosas, sendo repetidas nos mais diversos contextos, gerando muitas distorções e confusões. Algumas delas:

 

1 “A filosofia é o exílio voluntário entre montanhas geladas.”

 

2 “Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos.”

 

3 “Não me roube a solidão sem antes me oferecer verdadeira companhia.”

 

4 “O amor é o estado no qual os homens têm mais probabilidades de ver as coisas tal como elas não são.”

 

5 “Como são múltiplas as ocasiões para o mal-entendido e para a ruptura hostil!”

 

6 “Deus está morto. Viva Perigosamente. Qual o melhor remédio? – Vitória!”.

 

7 “Há homens que já nascem póstumos.”

 

8 “O Evangelho morreu na cruz.”

 

9 “A diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo não promete, mas assegura. O cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada.”

 

10 “Quando se coloca o centro de gravidade da vida não na vida mas no ‘além’ – no nada -, tira-se da vida o seu centro de gravidade.”

 

11 “Para ler o Novo Testamento é conveniente calçar luvas. Diante de tanta sujeira, tal atitude é necessária.”

 

12 “O cristianismo foi, até o momento, a maior desgraça da humanidade, por ter desprezado o Corpo.”

 

13 “A fé é querer ignorar tudo aquilo que é verdade.”

 

14 “As convicções são cárceres.”

 

15 “As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.”

 

16 “Até os mais corajosos raramente têm a coragem para aquilo que realmente sabem.”

 

17 “Aquilo que não me destrói fortalece-me.”

 

18 “Sem música, a vida seria um erro.”

 

19 “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”

 

20 “A moralidade é o instinto do rebanho no indivíduo.”

 

21 “O idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno.”

 

22 “Em qualquer lugar onde encontro uma criatura viva, encontro desejo de poder.”

 

23 “Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos.”

 

24 “Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar.”

 

25 “Se minhas loucuras tivessem explicações, não seriam loucuras.”

 

26 “O Homem evolui dos macacos? É, existem macacos!”

 

27 “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.”

 

28 “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.”

 

29 “Torna-te quem tu és!”

 

30 “Cada pessoa tem que escolher quanta verdade consegue suportar.”

 

31 “O desespero é o preço pago pela autoconsciência.”

 

32 “O depois de amanhã me pertence.”

 

33 “O padre está mentindo.”

 

34 “Deus está morto, mas o seu cadáver permanece insepulto.”

 

35 “Acautela-te quando lutares com monstros, para que não te tornes um.”

 

36 “Da escola de guerra da vida: o que não me mata, torna-me mais forte.”

 

Longe de ser um escritor de simples aforismas, ele é considerado pelos seus seguidores um grande estilista da língua alemã, como o provaria Assim Falou Zaratustra, livro que ainda hoje é de dificílima compreensão estilística e conceitual. Muito pode ser compreendido na obra de Nietzsche como exercício de pesquisa filológica, no qual se unem palavras que não poderiam estar próximas (“Nascer póstumo”; “Deus Morreu”; “delicadamente mal-educado”, etc.).

Adorava a França e a Itália, porque acreditava que eram terras de homens com espíritos-livres. Admirava Voltaire e considerava como último grande alemão Goethe, humanista como Voltaire. Naqueles países passou boa parte de sua vida e ali produziu seus mais memoráveis livros. Detestava a prepotência e o anti-semitismo prussianos, chegando a romper com a irmã e com Richard Wagner, por ver neles a personificação do que combatia – o rigor germânico, o anti-semitismo, o imperativo categórico, o espírito aprisionado, antípoda de seu espírito-livre. Anteviu o seu país em caminhos perigosos, o que de fato se confirmou catorze anos após sua morte, com a primeira grande guerra e a gestação do Nazismo.

 

NIILISMO

O legado da obra de Nietzsche foi e continua sendo ainda hoje de difícil e contraditória compreensão. Assim, há os que, ainda hoje, associam suas ideias ao niilismo, defendendo que para Nietzsche:

 

“A moral não tem importância e os valores morais não têm qualquer validade, só são úteis ou inúteis consoante a situação”; “A verdade não tem importância; verdades indubitáveis, objetivas e eternas não são reconhecíveis. A verdade é sempre subjetiva”; “Deus está morto: não existe qualquer instância superior, eterna. O Homem depende apenas de si mesmo”; “O eterno retorno do mesmo: A história não é finalista, não há progresso nem objetivo”.

 

Outros, entretanto, não pensam que Nietzsche seja um autor do niilismo, mas ao contrário, um crítico do niilismo. Pois, para ele, o homem pode ser, além de um destruidor, um criador de valores. E os valores a serem destruídos, como os cristãos (na sua obra, faz menção à doença, à ignorância), um dia seriam substituídos pela saúde, a inteligência, entre outros. Tal afirmação se baseia na obra Assim Falou Zaratustra, onde se faz clara a vinda do super-homem, sendo criar a finalidade do ser. Tal correspondência é totalmente contrária ao niilismo, pelo menos em princípio. Ou um “niilismo positivo”, para Heidegger. Todavia, Nietzsche, contrário ou não, não deixando escapar de suas críticas nem mesmo seu mestre Schopenhauer nem seu grande amigo Wagner, procurou denunciar todas as formas de renúncia da existência e da vontade. É esta a concepção fundamental de sua obra Zaratustra, “a eterna, suprema afirmação e confirmação da vida”. O eterno retorno significa o trágico-dionisíaco dizer sim à vida, em sua plenitude e globalidade. É a afirmação incondicional da existência.

 

Talvez a falta de consenso na apreciação da obra de Nietzsche tenha em parte a ver com os paradoxos no pensamento do próprio autor. As suas últimas obras, sobretudo o seu autobiográfico Ecce Homo (1888), foram escritas em meio à sua crise que se aprofundava. Em janeiro de 1889, Nietzsche sofreu em Turim um colapso nervoso. Como causa foi-lhe diagnosticada uma possível sífilis. Este diagnóstico permanece também controverso. Mas certo é que Nietzsche passou os últimos 11 anos da sua vida sob observação psiquiátrica, inicialmente num manicômio em Jena, depois em casa de sua mãe em Naumburg e finalmente na casa chamada Villa Silberblick em Weimar, onde, após a morte de sua mãe, foi cuidado por sua irmã.

 

ESCRITOS

Obras de Friedrich Nietzsche, na ordem em que foram compostas:

 

1 O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música (Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik, 1872); reeditado em 1886 com o título O Nascimento da Tragédia, ou Helenismo e Pessimismo (Die Geburt der Tragödie, Oder: Griechentum und Pessimismus) e com um prefácio autocrítico. — Contra a concepção dos séculos XVIII e XIX, que tomavam a cultura grega como epítome da simplicidade, da calma e da serena racionalidade, Nietzsche, então influenciado pelo romantismo, interpreta a cultura clássica grega como um embate de impulsos contrários: o dionisíaco, ligado à exacerbação dos sentidos, à embriaguez extática e mística e à supremacia amoral dos instintos, cuja figura é Dionísio, deus do vinho, da dança e da música, e o apolíneo, face ligada à perfeição, à medida das formas e das ações, à palavra e ao pensamento humanos (logos), representada pelo deus Apolo. Segundo Nietzsche, a vitalidade da cultura e do homem grego, atestadas pelo surgimento da tragédia, deveu-se ao desenvolvimento de ambas as forças, e o adoecimento da mesma sobreveio ao advento do homem racional, cuja marca é a figura de Sócrates, que pôs fim à afirmação do homem trágico e desencaminhou a cultura ocidental, que acabou vítima do cristianismo durante séculos.

 

2 A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos (Philosophie im tragischen Zeitalter der Griechen – provavelmente os textos que o compõem remontam a 1873 – publicado postumamente). Trata-se de um livro deixado incompleto, mas que se sabe ter sido intenção de Nietzsche publicar. Trata-se, no fundo, de um escrito ainda filológico, mas já de matriz filosófica disfarçada por uma pretensa intenção histórica. Considera os casos gregos de Tales, Anaximandro, Heráclito, Parmênides e Anaxágoras sob uma perspectiva inovadora e interpretativa, relevadora da filosofia que é de Nietzsche.

 

3 Sobre a verdade e a mentira em sentido extramoral (Über Wahrheit und Lüge im außermoralischen Sinn, 1873 – publicado postumamente; edição brasileira, 2008). — Ensaio no qual afirma que aquilo que consideramos verdade é mera “armadura de metáforas, metonímias e antropomorfismos”. Apesar de póstumo, é considerado por estudiosos como elemento-chave de seu pensamento.

 

4 Considerações Extemporâneas ou Considerações Intempestivas (Unzeitgemässe Betrachtungen, 1873 a 1876). — Série de quatro artigos (dos treze planejados) que criticam a cultura européia e alemã da época de um ponto de vista antimoderno e anti-histórico, de crítica à modernidade.

 

5 David Strauss, o Confessor e o Escritor (David Strauss, der Bekenner und der Schriftsteller, 1873) no qual, ao atacar a ideia proposta por David Friedrich Strauss de uma “nova fé” baseada no desvendamento científico do mundo, afirma que o princípio da vida é mais importante que o do conhecimento, que a busca de conhecimento (posteriormente discutida no conceito de “vontade de verdade”) deve servir aos interesses da vida;

 

6 Dos Usos e Desvantagens da História Para a Vida (Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben, 1874);

 

7 Schopenhauer como Educador (Schopenhauer als Erzieher, 1874);

 

8 Richard Wagner em Bayreuth (Richard Wagner in Bayreuth, 1876).

 

9 Humano, Demasiado Humano, um Livro para Espíritos Livres (Menschliches, Allzumenschliches, Ein Buch für freie Geister, versão final publicada em 1886); primeira parte originalmente publicada em 1878, complementada com Opiniões e Máximas (Vermischte Meinungen und Sprüche, 1879) e com O Andarilho e sua Sombra ou O Viajante e sua Sombra (Der Wanderer und sein Schatten, 1880). — Primeiro de estilo aforismático do autor.

 

10 Aurora, Reflexões sobre Preconceitos Morais (Morgenröte. Gedanken über die moralischen Vorurteile, 1881). — A compreensão hedonística das razões da ação humana e da moral são aqui substituídas, pela primeira vez, pela ideia de poder, sensação de poder, início das reflexões sobre a vontade de poder, que só seriam explicitadas em Assim Falou Zaratustra.

 

11 A Gaia Ciência, traduzida também com Alegre Sabedoria, ou Ciência Gaiata (Die fröhliche Wissenschaft, 1882). — No terceiro capítulo deste livro é lançada o famoso diagnóstico nietzschiano: “Deus está morto. Deus continua morto. E fomos nós que o matamos”, proferido pelo Homem Louco em meio aos mercadores ímpios (§125). No penúltimo parágrafo surge a ideia de eterno retorno. E no último, aparece Zaratustra, o criador da moral corporificada do Bem e do Mal que, como personagem na obra posterior, finalmente superará sua própria criação e anunciará o advento de um novo homem, um além-do-homem.

 

12 Assim Falou Zaratustra, um Livro para Todos e para Ninguém (Also Sprach Zarathustra, Ein Buch für Alle und Keinen, 1883-85).

 

13 Além do Bem e do Mal, Prelúdio a uma Filosofia do Futuro (Jenseits von Gut und Böse. Vorspiel einer Philosophie der Zukunft, 1886). Neste livro denso são expostos os conceitos de vontade de poder, a natureza da realidade considerada de dentro dela mesma, sem apelar a ilusórias instâncias transcendentes, perspectivismo e outras noções importantes do pensador. Critica demolidoramente as filosofias metafísicas em todas as suas formas, e fala da criação de valores como prerrogativa nobre que deve ser posta em prática por uma nova espécie de filósofos.

 

14 Genealogia da Moral, uma Polêmica (Zur Genealogie der Moral, Eine Streitschrift, 1887). Complementar ao anterior — como que sua parte prática, aplicada — este livro desvenda o surgimento e o real significado de nossos corriqueiros juízos de valor.

 

15 O Crepúsculo dos Ídolos, ou como Filosofar com o Martelo (Götzen-Dämmerung, oder Wie man mit dem Hammer philosophiert, agosto-setembro 1888). Obra onde dilacera as crenças, os ídolos (ideais ou autores do cânone filosófico), e analisa toda a gênese da culpa no ser humano.

 

16 O Caso Wagner, um Problema para Músicos (Der Fall Wagner, Ein Musikanten-Problem, maio-agosto 1888).

 

17 O Anticristo – Praga contra o Cristianismo (Der Antichrist. Fluch auf das Christentum, setembro 1888) – Apesar de apontar Cristo, mesmo em sua concepção “própria”, como sintoma de uma decadência análoga à que possibilitou o surgimento do Budismo, nesta obra Nietzsche dirige suas críticas mais agudas a Paulo de Tarso, o codificador do cristianismo e fundador da Igreja. Acusa-o de deturpar o ensinamento de seu mestre — pregador da salvação no agora deste mundo, realizada nele mesmo e não em promessas de um Além — forjando o mundo de Deus como a cima e além deste mundo. “O único cristão morreu na cruz”, como diz no livro que seria o início de uma obra maior a que deu sucessivamente os títulos de Vontade de Poder e Transmutação de Todos os Valores: uma grande composição sinótica da qual restam apenas meras peças (O Anticristo, O Crepúsculo dos Ídolos e o Nietzsche contra Wagner) não menos brilhantes que a restante obra.

 

18 Ecce Homo, de como a gente se torna o que a gente é (Ecce Homo, Wie man wird, was man ist, outubro-novembro 1888) — Uma autobi(bli)ografia, onde Nietzsche, ciente de sua importância e acometido por delírios de grandeza, acha necessário, antes de expor ao mundo a sua obra definitiva (jamais concluída), dizer quem ele é, por que escreve o que escreve e por que “é um destino”. Comenta as suas obras então publicadas. Oferece uma consideração sobre o significado de Zaratustra. E por fim, dizendo saber o que o espera, anuncia o apocalipse: “Conheço minha sina. Um dia, meu nome será ligado à lembrança de algo tremendo — de uma crise como jamais houve sobre a Terra, da mais profunda colisão de consciências, de uma decisão conjurada contra tudo o que até então foi acreditado, santificado, requerido. (… ) Tenho um medo pavoroso de que um dia me declarem santo: perceberão que público este livro antes, ele deve evitar que se cometam abusos comigo. (… ) Pois quando a verdade sair em luta contra a mentira de milênios, teremos comoções, um espasmo de terremoto, um deslocamento de montes e vales como jamais foi sonhado. A noção de política estará então completamente dissolvida em uma guerra de espíritos, todas as formações de poder da velha sociedade terão explodido pelos ares — todas se baseiam inteiramente na mentira: haverá guerras como ainda não houve sobre a Terra.

 

19 Nietzsche contra Wagner (Nietzsche contra Wagner, Aktenstücke eines Psychologen, dezembro 1888).

 

Manuscritos publicados postumamente

 

Escreveu ainda uma recolha de poemas, publicados postumamente, com o nome de Ditirambos de Dionísio.

 

Nietzsche deixou muitos cadernos manuscritos, além de correspondências. O volume desses textos é maior do que o dos publicados. Os de 1870 desenvolvem muitos temas de seus livros publicados, em especial uma teoria do conhecimento. Os de 1880 que, após seu colapso nervoso, foram selecionados pela sua irmã, que os publicou com o título “A vontade de poder”, desenvolvem considerações mais ontológicas a respeito das doutrinas de vontade de poder e de eterno retorno e sua capacidade de interpretar a realidade. Entre essas especulações e sob os esforços de intérpretes de sua obra, os manuscritos de 1880 estabelecem repetidamente que “não há fatos, somente interpretações”.

 

Contudo, está disponível a obra Fragmentos Finais, que é baseada na reestruturação feita aos seus manuscritos no Arquivo.

 

No Brasil, alguns trechos desses fragmentos póstumos podem ser encontrados no livro Nietzsche da coleção Os Pensadores, publicada pela editora Abril Cultural.

Fonte: Filosofia Popular

 


Este texto foi publicado na categoria Cultura e Expressão Artística.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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