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Atualizado em 09/08/2024

Formação de Professores de Matemática: Perspectivas de Mudanças

Este artigo explora como a formação de professores de Matemática pode trazer novas perspectivas para a educação matemática, abordando mudanças curriculares e reflexões sobre a prática docente.

Formação de Professores de Matemática: Perspectivas de Mudanças

RESUMO

Trata-se de um estudo de caso na abordagem qualitativa que investigou modificações nas concepções e/ou na postura pedagógica referentes à atuação do Professor de Matemática e os reflexos das mudanças curriculares realizadas. Tal estudo envolveu formandos do curso de Licenciatura em Ciências com Habilitação em Matemática e alunos que estão na metade do Curso de Licenciatura em Matemática da USC Bauru. Os dados, obtidos em entrevistas semi-estruturadas, foram agrupados em cinco categorias que permitiram evidenciar aspectos relevantes da comparação como as diferenças de concepções entre os licenciandos dos dois grupos investigados, provocadas por ações, reflexões e práticas educativas, chegando a ampliar a concepção que os futuros professores de Matemática têm sobre as funções de um educador.

Introdução

O curso de Licenciatura em Ciências com Habilitação em Matemática, além dos conhecimentos específicos de Matemática e de uma formação humanista, pedagógica, oferecia diferentes conhecimentos relacionados às Ciências Físicas e Biologias, formando profissionais para atuar como professor de Ciências no Ensino Fundamental e de Matemática nos Ensinos Fundamental e Médio.

Em função da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Darcy Ribeiro LDB 9.394 de 20/12/96, foi necessário que este curso passasse por um processo de adequação, tornando-se um curso de Licenciatura em Matemática que formasse um professor de Matemática capaz de desempenhar suas funções docentes com competência para atuar no Ensino Fundamental e Médio.

Pensando nisso, o curso de Licenciatura em Ciências com Habilitação Matemática da Universidade do Sagrado Coração de Bauru, que formou professores por mais de duas décadas, passou por transformações que foram além da modificação da grade curricular.

As mudanças atingiram a concepção de que professor de Matemática queremos formar.

As disciplinas pedagógicas mudaram seu foco metodológico e prático conforme sugere Serrazina (2002, p. 10) os cursos de formação de professores devem ser organizados de modo a permitir-lhes viver experiências de aprendizagem que se quer que os seus alunos experimentem e que constituam um desafio intelectual.

Em 2001, mediante a autorização do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE, iniciou-se o processo de reversão curricular do Curso de Ciências com Habilitação em Matemática (que passaremos a chamar de HM) para o Curso de Licenciatura em Matemática (que passaremos a chamar de LM).

Como Coordenadora deste curso desde 2001, tenho refletido muito sobre as transformações que vêm acontecendo. Tais reflexões me desafiaram a realizar esta pesquisa que teve como problema: as mudanças curriculares propostas para o curso de Licenciatura em Matemática provocam alterações significativas nas concepções dos licenciandos?

Desta forma, a pesquisa aqui desenvolvida teve como objetivo identificar se as mudanças curriculares realizadas no curso de Matemática (licenciatura) da USC-Bauru oferecem aos licenciandos mudanças nas concepções e/ou na postura pedagógica referentes à atuação do professor de Matemática e quais os reflexos que estas mudanças estão sendo observados.

Na tentativa de encontrar respostas para essa indagação, optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa, investigando alunos que estão concluindo ou que já concluíram o curso HM e alunos que estão nas séries finais do curso de LM.

Mudanças na formação do professor da escola básica

Nas últimas duas décadas, em função das necessidades sociais e tecnológicas, o paradigma educacional vem sofrendo desafios e transformações em vários países como França, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Holanda, Japão, Espanha, Portugal e Brasil (Pires, 2000).

No Brasil, as mudanças recentemente propostas no processo educativo, de comum acordo com as preocupações mundiais, visam à formação global do cidadão, de modo que o indivíduo utilize os conhecimentos aprendidos na escola para engajar-se na sociedade onde vive. As ações realizadas com os alunos devem desenvolver o raciocínio lógico e proporcionar o relacionamento entre os conhecimentos aprendidos na escola com suas necessidades profissionais e sociais.

Tudo isso também afeta os cursos de formação de professores que devem oferecer subsídios para que seus graduandos conheçam e atendam os anseios educacionais atuais, fundamentados na LDBN 9.394/96. Segundo documentos oficiais, a educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural e também a educação deve ser estruturada em quatro alicerces: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver e aprender a ser (BRASIL, p. 31,1999).

Segundo o Ministério da Educação e algumas Secretarias de Educação Estaduais, o processo educativo deve transformar-se, rompendo com o paradigma educacional existente que se funda numa educação descontextualizada e focada no acúmulo de informações.

Contemplando essas ideias, a formação de um profissional do ensino deve ir além do acúmulo de conhecimentos e oferecer aos graduandos oportunidades que favoreçam a construção de competências e habilidades para interferir na prática docente do futuro professor coerente com a referida LDBN. O sentido de competência invocado aqui, não se resume em conhecer fatos, conceitos ou métodos, mas em saber o que e como fazer; em aprender com os sucessos e os fracassos, utilizando-se de contatos sociais e de redes de informações, com muito empenho e dedicação para resolver os problemas, conforme propõe Alarcão (2003).

Recentemente, o MEC expediu documentos que tratam das diretrizes curriculares para a formação do professor da escola básica (CNE/CP 009/2001 de 8/5/2001). No que se refere à formação dos professores, propõem que os profissionais mobilizem seus conhecimentos, transformando-os em ações (p. 28). Este procedimento requer que o professor domine os conteúdos básicos que vai ensinar, compreenda as questões referentes ao seu trabalho, refletindo criticamente sobre a sua atuação e o contexto em que atua.

Neste sentido, a formação de um professor deverá proporcionar ao graduando a construção de competências, elegendo conteúdos e ações metodológicas, bem como, a realização de um processo avaliativo coerente com essa filosofia. Segundo o documento:

A aprendizagem por competências permite a articulação entre a teoria e a prática e supera a tradicional dicotomia existente entre essas duas dimensões, definindo-se pela capacidade de mobilizar múltiplos recursos numa mesma situação, entre os quais os conhecimentos adquiridos na reflexão sobre as questões pedagógicas e aqueles construídos na vida profissional e pessoal, para responder às diferentes demandas das situações de trabalho. (BRASIL, 2001, p.29)

Sob esta ótica, pretende-se que os egressos de um curso de Professores de Matemática sejam profissionais competentes, trabalhem com os conceitos matemáticos de forma diferenciada, tenham uma visão abrangente do papel social do educador; trabalhem em equipes multidisciplinares; adquiram conhecimentos tecnológicos; relacionem a teoria com os problemas cotidianos na escola e fora dela; aprendam continuadamente, com uma visão histórica e crítica da Matemática.

O projeto pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática traz no seu bojo tais pretensões e, este é o motivo da realização desta pesquisa que pretendeu verificar se houve ou não mudanças nas concepções dos alunos provocadas pelas alterações curriculares e, ainda, identificar quais os reflexos dessas concepções na formação de um professor de Matemática.

Perfil, objetivos e formação profissional dos cursos

Uma pesquisa recente (Tripoli, 2003), realizada por uma aluna do atual Curso de Licenciatura em Matemática, apresenta, em detalhes, a história do Curso de Ciências com Habilitação em Matemática (HM). Neste documento, encontram-se dados relevantes sobre a história deste curso que existiu desde a década de 1960, formando professores polivalentes.

A partir de 1974, após uma implantação progressiva, criou-se o curso de Ciências Habilitação em Matemática, cuja grade curricular era composta por uma parte comum, que abrangia disciplinas para licenciar professores de Primeiro Grau (hoje Ensino Fundamental) e uma parte específica da Habilitação em Matemática ou de Biologia, acrescida das disciplinas pedagógicas que habilitava o egresso para atuar como docente no Segundo Grau (hoje Ensino Médio).

Durante todo o tempo houve preocupações em formar professores e desenvolver, habilidade do raciocínio abstrato e verbal, atenção concentrada, exatidão, memória, iniciativa e meticulosidade, facilidade de comunicação (Anuário,1979, p. 38 apud Tripoli, 2003, p.29)

Está explícito no Projeto Pedagógico deste curso, compromissos com as necessidades da comunidade e da sociedade; a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; a formação de profissionais competentes e críticos caracterizados pela independência intelectual e a formação de um profissional sob os princípios da ética, da fé e da moral cristã.

Seguindo essa linha de raciocínio, tinha como objetivo geral formar professores e principalmente, profissionais com princípios cristãos, éticos e humanos.

Novos rumos

O projeto pedagógico do curso de Licenciatura em Matemática (LM), feito em 2001, almeja que o professor de Matemática tenha uma formação científica, humanista, crítica e reflexiva; conheça os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da sua profissão, bem como seus diferentes modelos de intervenção no cotidiano atuando, rigorosa, científica e intelectualmente.

Seguindo as orientações do MEC (BRASIL, 2001), as diretrizes para o Curso de Matemática, e ainda, o documento Identidade e Missão da Universidade Sagrado Coração (1999) o perfil profissiográfico do formado se caracteriza: pela visão abrangente do papel social do educador; pelo domínio dos conteúdos relevantes relacionados à sua área de conhecimento com capacidade de comunicar-se matematicamente expressando-se com clareza, precisão e objetividade, utilizando os diferentes instrumentos tecnológicos; pela competência para relacionar teoria e prática, utilizando os conhecimentos matemáticos para a compreensão do mundo que o cerca e para desenvolver projetos interdisciplinares; pela capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares e de exercer sua profissão com liderança, segurança, desenvoltura e ética; pela visão histórica e crítica da Matemática que o capacite a avaliar livros-textos, estruturação de cursos e tópicos de ensino; pela capacidade de criar e de adaptar métodos pedagógicos ao seu ambiente de trabalho, bem como de despertar o hábito da leitura e do estudo, incentivando a criatividade dos alunos.

Considerando os aspectos descritos acima, tanto no que se refere aos anseios educativos nacionais quanto aos que sintonizam com o compromisso educativo da USC, pretende-se que este curso de formação de professores de Matemática forme profissionais com conhecimentos gerais e específicos, aptos para atuar, com competência e responsabilidade, nas escolas públicas e/ou privadas, quer seja, em suas funções nas salas de aulas ou como integrante de uma equipe desenvolvendo projetos.

Desta forma, o futuro professor deverá ser capaz de identificar os diferentes métodos utilizados na construção dos conceitos matemáticos, relacionando-os ao momento histórico em que foram produzidos e às principais correntes do pensamento científico contemporâneo; selecionar os conteúdos adequados a serem desenvolvidos; trabalhar com situações problemas ou desenvolvimento de projetos utilizando os diferentes instrumentos tecnológicos e mediante reflexões sobre a sua prática em sala de aula; possibilitar ações que releve as características próprias dos seus alunos e da sua cultura; incentivar as manifestações culturais, as práticas investigativas e reflexivas, os debates sobre temas atuais, e compreender o processo de ensino e aprendizagem da escola e as relações existentes no seu contexto, realizando trabalho em equipe e cooperativo com seus pares.

O desenvolvimento da pesquisa

A partir do que foi descrito, esta pesquisa se preocupou em desvendar se as mudanças curriculares realizadas no curso LM da USC-Bauru possibilitaram aos alunos modificações nas suas concepções e/ou posturas pedagógicas referentes à atuação do professor de Matemática e, ainda, identificar quais os reflexos que tais mudanças provocam na formação dos futuros professores.

Para isso, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, envolvendo formandos ou recém-formados do curso HM e alunos que estavam pelo menos na metade do curso de LM e que já cursaram a disciplina de Metodologia do Ensino da Matemática, do 5º semestre.

A pesquisa, de cunho interpretativo, iniciou-se com as inquietações citadas na introdução; baseou-se em dados descritivos; desenvolveu-se por interações entre pesquisador e os pesquisados; preocupou-se com o processo e não apenas com o produto, conforme Bogdan e Biklen (1994) e Lüdke e André (1986) caracterizam a pesquisa qualitativa.

A coleta das informações realizou-se por meio de entrevistas individuais e semi-estruturadas, baseadas em questões previamente preparadas e sem muita rigidez na sistematização das perguntas, permitindo ao entrevistador fazer as adaptações necessárias e aprofundar o questionamento das respostas emitidas, estimulando os entrevistados a falar mais sobre questões não esclarecidas. Sete alunos do curso de HM, escolhidos aleatoriamente, dentre os poucos que ainda estão neste curso foram entrevistados e sete alunos do curso de LM, escolhidos ao acaso, cuja única exigência era a de ter cursado a disciplina Metodologia para o Ensino de Matemática.

As entrevistas foram gravadas e transcritas para que, posteriormente, se pudesse ter uma visão geral do conjunto, facilitando a compreensão dos resultados. Após várias leituras das suas transcrições, cotejou-se as convergências e/ou divergências presentes nos depoimentos, encontrando cinco categorias de análise.

Compreensão dos resultados

As respostas emitidas pelos entrevistados permitiram encontrar cinco categorias, a saber:

1- Identificação com a área e interesse pela docência

Reuniu-se nesta categoria dados referentes à identificação pela área de formação e interesse pela docência. As respostas investigadas, na sua grande maioria, foram encontradas na pergunta: Por que você escolheu ser professor de Matemática?

Verificando as respostas emitidas foi possível perceber que dos sete alunos do grupo HM, todos responderam que gostam da área escolhida. Quanto ao interesse pela docência, embora quatro dos entrevistados deste grupo tenham declarado seu interesse por ser professor de Matemática, apontando diferentes motivos, dois deles declararam que não pretendem ser professores de Matemática e, outro revelou dúvidas quanto ao seu interesse pela docência.

Realizando as mesmas indagações aos alunos do Grupo LM, todos revelaram o gosto pela área escolhida e o interesse pela docência foi maior neste grupo. Dos sete entrevistados, cinco declaram seu interesse pela docência. Apenas um dos alunos desse grupo demonstrou insegurança e dúvidas, e outro declarou que não escolheu ser professor de Matemática, pois já tinha realizado experiências em outros cursos.

Comparando os resultados encontrados nessa categoria, pode-se afirmar que a diferença entre os dois grupos está no interesse pelo exercício da docência. No Grupo LM o índice de depoentes resistentes à docência é menor (30%), enquanto que no Grupo HM quase a metade dos entrevistados afirmou não estar interessada na docência.

2- Consideram-se preparados para ser um professor de Matemática

Os resultados obtidos nesta categoria, não se ativeram exclusivamente à pergunta Você se sente preparado para atuar como professor de Matemática, mas foram também retirados, convenientemente, de outras duas perguntas: Para o que seu curso lhe preparou? Para que seu curso não lhe preparou?

Dos sete entrevistados do grupo HM, três alunos consideram-se preparados para ser professor de Matemática: para um deles por que já atua como professor e os outros dois, porque acham que não terão dificuldades. Entretanto, apesar dessas afirmações serem positivas, olhando suas respostas nas outras duas perguntas, quando lhes foi perguntado para o que seu curso não lhes preparou, afirmam que não se sentem preparados para ser professor de Ciências. Isso indica que a formação que tiveram como licenciado em HM, não lhes dá segurança para lecionar Ciências, só lhes dá o título e a possibilidade de lecionar!

Dos outros quatro alunos do Grupo HM, dois reconheceram, já na primeira pergunta, que não estão preparados para atuar na docência e os outros dois apresentaram dúvidas, sendo que um deles reconhece que para ser um bom professor de Matemática, precisa estudar e pesquisar mais. Este aluno apresenta uma concepção mais avançada sobre docência, pois nesta etapa antes mesmo sem ser perguntado, já soube definir o que entende por educador.

Analisando os depoimentos dos alunos do Grupo LM, também foi possível perceber a bipolaridade de respostas. Quatro dos sete alunos acreditam que estão preparados para a docência; os outros três não se acham preparados porque ainda não fizeram estágios.

Comparando os resultados obtidos nos dois grupos de alunos nesta categoria, não foi possível perceber diferenças significativas. Entretanto, talvez exista um paradoxo: os alunos do Grupo HM acreditam estarem preparados para exercer a profissão, porque desconhecem os novos anseios educacionais e, justamente, por que os alunos do grupo LM, que têm a oportunidade de vivenciar experiências mais próximas dos novos anseios educacionais, se sintam despreparados para atuar nesta profissão. Confirma-se que o não conhecimento produz certezas e o conhecimento gera dúvidas!

3- Concepção de educador/preparação

As várias representações dos entrevistados sobre educador e, ainda, sobre a percepção de cada um de se achar/ou não um educador, foram agrupadas. Os dados relevantes foram retirados das seguintes questões: O que você entende por Educador? Você acha que seu curso lhe preparou para ser um Educador?

Dos sete alunos do Grupo HM entrevistados, quatro deixaram claro sua concepção de educador como transmissor de conhecimentos, pois utilizaram as palavras passar ou transmitir conhecimentos. Somente um aluno deste grupo não utilizou a ideia que relaciona educador com a transmissão de conhecimentos.

No Grupo LM, todos os depoentes, de alguma forma, revelaram ter consciência de que ser um educador supera a ideia de transmissor de conhecimentos. Utilizaram palavras como facilitador; responsabilidade; busca novos conhecimentos, novas metodologias para sala de aula; aprender com seu aluno; preparar para a vida; amor pelo que faz.

É necessário esclarecer que desses sete alunos do Grupo LM, dois, apesar de terem revelado em seus depoimentos, a consciência do real papel de um educador, não deixaram de usar expressões como passar conhecimentos, demonstrando resquícios da concepção de que o educador se confunde com professor e tem como responsabilidade transmitir conhecimentos.

Ainda nesta categoria agruparam-se dados sobre o que cada um pensa de estar ou não preparado para a função de educador. Dos sete alunos do Grupo HM, tendo em vista que definem o educador como transmissor de conhecimentos, cinco acreditam que estão preparados para serem educadores; um declarou estar em dúvida, mas mostrou-se conhecedor dos atributos de um educador e o outro teve dificuldades em responder.

No Grupo LM, dos sete entrevistados, cinco se sentem preparados; um aluno não respondeu a pergunta e outro se mostrou inseguro, justificando que fez pouca Prática de Ensino. Esta insegurança pode ser explicada pelo fato desses alunos estarem apenas na metade do curso e ainda não se sentirem com o domínio da prática docente.

A análise realizada revela a diferença de concepções entre os dois grupos de alunos. Tal indicativo evidencia que os alunos do Grupo LM estão mais próximos de compreender o significado de educador, conforme as competências e habilidades expressas no projeto pedagógico deste curso.

Nesta categoria foi possível determinar duas subcategorias: o foco na transmissão de conhecimentos ou o foco na formação do ser enquanto pessoa. Aqueles que acreditam que para ser um educador basta transmitir conhecimentos, se fundam na ideia de que muito tempo prevaleceu: a aprendizagem somente acontece mediante a estratégia de repetição do aluno sobre o que o professor lhe informou. Nesta concepção, o aluno é visto como receptor das informações transmitidas pelos detentores de conhecimentos, limitando-se a assistir passivamente, memorizando os conceitos.

A ideia acima se contrapõe à definição de educador dos nossos tempos, pois o trabalho educativo deve combinar a educação geral com conhecimentos específicos, proporcionando aos indivíduos a compreensão dos processos e capacidades de transferir os conhecimentos aprendidos na escola para resolver os problemas do seu cotidiano.

Pensando na educação em sua totalidade, é preciso que o educador se perceba agente transformador da realidade ao conhecer os conhecimentos armazenados historicamente, dedicar e praticar sua vocação, acreditando na humanidade e almejando a transformação da vida dos cidadãos. Assim, o educador, além de tratar dos conteúdos propriamente ditos, deve preocupar-se com a aprendizagem dos seus alunos, oferecendo-lhes oportunidades de pensar, refletir, julgar, discernir sobre questões ligadas aos problemas do seu cotidiano.

Segundo D Ambrosio (1999),

Educação é o conjunto de estratégias desenvolvidas pelas sociedades para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial criativo; b) estimular e facilitar a ação comum, com vistas a viver em sociedade e exercer a cidadania (p. 15)

Esse autor discute, com muita propriedade, a diferença entre educador e professor. Para ele, a prática educativa é realizada pela transmissão de conhecimentos disciplinares, pela profecia de doutrinas e pela vivência de comportamentos e de posturas críticas. Acredita na existência de duas missões distintas: a de educador e a de professor. O educador promove a educação, que é um ato. O professor, professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina, um conceito. A missão do professor é colocar os conteúdos que desenvolve a serviço da educação, trabalhando com estratégias definidas a partir da realidade dos alunos (D Ambrosio, 1999).

Faz parte das atribuições de um educador possibilitar ao seu aluno desenvolver a capacidade de trabalhar em equipe e incentivá-lo a aprender continuamente e a refletir sobre tudo o que vivencia.

4- Articulação teoria e prática/interdisciplinaridade

Ao responder as perguntas: Você acha importante, para ser um professor de Matemática, conhecer disciplinas de outras áreas de conhecimento?; Os parâmetros curriculares sugerem que o aluno utilize a Matemática para resolver problemas do mundo em que vive; Como você faria para utilizar a Matemática na resolução de problemas do cotidiano do seu aluno?, os alunos revelaram se sabem articular a teoria com a prática e utilizar a interdisciplinaridade, importantes estratégias para possibilitar ao aprendiz resolver problemas do seu cotidiano.

Esta categoria agrupou informações obtidas em dois momentos: ao investigar sobre a importância de conhecer disciplinas de outras áreas de conhecimento para ser um professor de Matemática e ao solicitar exemplos de aplicações dos conceitos matemáticos estudados na escola com o cotidiano dos alunos, conforme sugerem os PCNs.

No Grupo HM, apesar de todos os depoentes enfatizarem a importância de se conhecer outras áreas de conhecimentos, apenas dois indicaram o uso da interdisciplinaridade e ainda não de acordo com as aspirações educacionais atuais. Interpretando as respostas emitidas pelos alunos do Grupo HM, relacionadas a esta indagação, foi possível perceber que as diferentes áreas de conhecimentos foram trabalhadas durante a sua formação como professor de Ciências com Habilitação em Matemática, isto é, um professor que soubesse transmitir os conhecimentos relacionados à Biologia, Química, Geologia e que soubesse um pouco de Matemática. Esse sentimento, talvez, seja o fruto de um trabalho disciplinar, onde cada disciplina foi estudada isoladamente e não relacionada ao cotidiano do aluno, sem trabalhar o porquê e o para quê se estuda determinado conhecimento.

Olhando as informações obtidas nos depoimentos dos alunos do Grupo LM, percebeu-se resultados parecidos. Para dois alunos, aprender outras áreas de conhecimentos é bom, pois favorece o trabalho interdisciplinar. Alguns relacionaram com Filosofia, Língua Portuguesa e Teologia, e outros, dando sinais de que não gostaram muito, afirmaram que algumas disciplinas até poderiam ser suprimidas para aumentar outras disciplinas específicas.

O outro aspecto relevante para esta categoria foram os exemplos ou aplicações dos conteúdos estudados na escola com a vida cotidiana. Dos sete entrevistados do Grupo HM, quatro exemplificam a aplicação dos conceitos matemáticos no cotidiano do aluno. Os outros três não souberam relacionar a Matemática com a vida. Apontaram apenas na resolução de exercícios.

Mesmo revelando aspectos positivos sobre o relacionamento teoria e prática, percebeu-se resquícios da pedagogia do faz de conta, pois a entrevistada revelou acreditar em simulações de compras, acreditando que estaria fazendo uma resolução de problemas!

A mesma análise foi realizada com os depoimentos dos alunos do Grupo LM. Dos sete alunos deste grupo, exceto um não exemplificou e nem afirmou que a Matemática deve estar relacionada com as situações do cotidiano. Para este aluno, a Matemática serve para desenvolver pesquisas. Os exemplos dados pelos outros seis depoentes foram: o uso dos temas transversais; partir do contexto dos alunos; aplicação no trabalho do que se aprende na escola; exploração do cotidiano; calcular áreas de terrenos in loco.

Embora os estudos realizados na primeira parte desta categoria não tenham mostrado diferenças significativas, nesta segunda etapa, não se percebe diferenças significativas quanto à articulação entre teoria e prática, dados esses relevantes para a pesquisa aqui realizada. Os depoimentos mostraram o desenvolvimento de competências para relacionar a teoria com a prática, utilizando os conhecimentos matemáticos para compreender o mundo que o cerca, para desenvolver projetos interdisciplinares, criando ou adaptando métodos pedagógicos ao seu ambiente de trabalho.

5- Mudanças na visão de mundo e no relacionamento professor X aluno

Esta categoria formada pelas asserções referentes às concepções que os licenciandos trazem sobre as visões de mundo revelam se houve ou não mudanças significativas para esta abordagem. Perguntou-se: O curso que você faz o preparou para ver o mundo de que forma? Você acha que este curso o ajudou a compreender as relações entre professor e aluno e a entender o mundo em que vive?, possibilitaram a reunião desses dados.

Três, dos sete alunos do Grupo HM afirmam que o curso lhes preparou para ver o mundo de forma diferente, mas não justificaram. Outros quatro, divergiram quanto às finalidades.

Em contrapartida, dos sete alunos do Grupo LM, seis acreditam que o curso lhes preparou para ver o mundo de forma diferente. Três realizaram comparações: como eram quando chegaram e como estão agora.

Analisando esses resultados foi possível perceber as diferenças existentes entre os alunos dos dois grupos, em relação às mudanças ocorridas. Para o primeiro grupo, não houve unanimidade quanto às mudanças, enquanto que para o segundo grupo, exceto um aluno que não viu mudanças.

Ainda nessa categoria, investigou-se como percebem a relação entre professor e aluno. Para o Grupo HM, três afirmaram que em seu curso, a relação professor aluno foi significativa; três não opinaram e um ficou indeciso, enquanto que dos sete alunos do Grupo LM, seis apontaram aspectos relevantes sobre essa relação.

Novamente os alunos do Grupo LM revelam que acreditam na importância do relacionamento professor aluno, direcionada para o compromisso com o cidadão e o respeito para com a pessoa.

Considerações Finais

Os depoimentos dos alunos de diferentes currículos de um Curso de Formação de Professores de Matemática da USC- Bauru, permitiram responder questões que originaram esta pesquisa que teve como objetivo verificar se as alterações curriculares provocaram mudanças nas concepções e/ou na postura pedagógica dos licenciandos e identificar quais mudanças que foram observadas, bem como, outros fatores que interferem na formação de um professor de Matemática.

Foi possível perceber diferenças de concepções entre os licenciandos dos dois grupos investigados. Acreditamos que tais diferenças foram provocadas pela composição da grade curricular, pelo perfil do profissional que se pretende formar, em fim pela filosofia de formação de um professor de Matemática, que se funda na visão de educador, segundo as necessidades atuais.

O estudo revelou que os alunos do Grupo HM apresentam interesse pela área mas nem todos almejam ser professor de Matemática; valorizam o conhecimento científico, mas não a pessoa; acreditam na transmissão de conhecimentos e não na construção dos conceitos; e ainda, não valorizam a relação professor-aluno e se distanciam do real significado de educador.

Em oposição, os alunos que estão na metade do curso de Licenciatura em Matemática (Grupo LM), demonstraram interesse pela área e pela docência, valorizam o ser enquanto pessoa e, consequentemente, definem educador como um facilitador para a aprendizagem ou, pessoa que está sempre buscando novos conhecimentos e metodologias para sala de aula; sugerem que o processo educativo se realize por meio de reflexões, discussões, julgamentos e articulação dos conceitos com a prática cotidiana. Estes alunos acreditam que trabalhar com diferentes áreas de conhecimentos é um forte álibi para a prática da interdisciplinaridade.

No que se refere à resolução de problemas do cotidiano o aluno ou à aplicação da teoria estudada com a prática, a maioria dos alunos do Grupo HM não conseguiu exemplificar ações para relacionar os conceitos matemáticos, enquanto que os alunos do Grupo LM, com relativa facilidade, exemplificaram situações para serem desenvolvidas nas salas de aulas.

É preciso ainda, comentar as diferenças observadas nos dois Grupos em relação ao sentimento de mudanças na visão de mundo e na importância da relação professor – aluno. Os alunos do Grupo HM não percebem tanto as mudanças na visão de mundo e nem deram muito destaque para a relação professor-aluno, enquanto para os alunos do Grupo LM, os professores não devem se preocupar apenas com o conteúdo específicos, mas também com a formação dos futuros educadores e por isso, estimular a relação professor aluno, respeitando o aluno enquanto pessoa e alertando-o para o compromisso da escola para com o cidadão.

Esta pesquisa mostra que há indícios de que o novo Curso de Matemática (Licenciatura) está iniciando a formação de futuros professores de Matemática na direção almejada pelo Projeto Pedagógico deste curso, que tem como fundamento as necessidades atuais e os documentos oficiais. Entretanto, como este curso de Licenciatura está sendo implantado e ainda não formou nenhuma turma, seria conveniente, que futuras comparações fossem realizadas no sentido de fortalecer ou desmistificar os indícios apontados neste estudo. ano por ano.

Brinquedos educativos podem ser uma excelente ferramenta para a formação de professores, pois estimulam a criatividade e o aprendizado.

Métodos e técnicas de estudo são essenciais para a formação docente e podem ser explorados em sala de aula.

https://www.youtube.com/watch?v=DV0k2mHZavk

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, I. Escola Reflexiva e professor reflexivo. São Paulo: Cortez, 2003.

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria dos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

BRASIL, Lei Federal nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 1996.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEMT, 1999.

BRASIL, Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 009/2001, aprovado em 08/05/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, cursos de licenciatura, de graduação plena.

COLL, C. et alli. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

D AMBROSIO, U. Educação para uma sociedade em transição. Campinas: Papirus, 1999.

LÜDKE, M; ANDRÉ, M.E.D. A pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MARTINS, J. BICUDO, M.A.V. A pesquisa qualitativa em Psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Moraes, 1989.

PIRES, C.M.C. Currículos de matemática: da organização linear à ideia de rede. São Paulo: FTD, 2000.

SERRAZINA, L. (Org.) A formação para o ensino da Matemática na Educação Pré-escolar e no 1º ciclo do ensino Médio. Porto: Porto Editora, 2002

TRIPOLI, A. T. Um olhar histórico sobre o curso de Matemática da Universidade do Sagrado Coração. Monografia (Iniciação Científica) Universidade do Sagrado Coração, USC, Bauru, 2003

USC Bauru Documento Identidade e Missão da Universidade Sagrado Coração – Item 8 -1999.

Autora: Maria José Lourenço Brighenti

Universidade do Sagrado Coração- Bauru


Este texto foi publicado na categoria Formação e Desenvolvimento Profissional.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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