O estreitamento entre os direitos à diferença e à igualdade como desafio de uma Educação Inclusiva.
” Todas as formas de racismo ou de exclusão constituem, em última análise, maneiras de negar o corpo do outro” Humberto Eco
Introdução
Diferenças? Deficiências? Igualdade? Exclusão? Cidadania? Direitos? Escola inclusiva? Sociedade excludente? Tantas são as questões que nos saltam à mente quando começamos a falar em inclusão. À medida que aumenta nossa conscientização no que diz respeito à aceitação das diferenças individuais como um atributo dos indivíduos e não como obstáculo, amplia-se também o número de defensores e praticantes da filosofia de uma sociedade inclusiva.
Escola inclusiva. Combatida? Desejada? Utopia? Devaneio? A luta está travada e até aqui, foi longo o caminho. Esta história pode ser dividida em quatro fases principais.
A primeira, que corresponde ao período anterior ao século 20, pode ser chamada de fase da exclusão, na qual a maioria das pessoas com deficiência era tida como indigna de educação escolar.
A segunda fase, chamada de segregação, já no século 20, começou com o atendimento às pessoas deficientes dentro de grandes instituições. A partir da década de 50 e nos anos 60, surgiram as escolas especiais, mais tarde, as classes especiais dentro de escolas comuns. O sistema educacional ficou com dois subsistemas funcionando paralelamente e sem ligação um com o outro: a educação especial e a educação comum.
A terceira fase, localizada na década de 70, constituiu a fase da integração, embora essa ideia já tivesse sido defendida a partir do final dos anos 60. Nesta nova fase, houve a mudança filosófica em direção à ideia de educação integrada, ou seja, escolas comuns aceitando crianças ou adolescentes deficientes nas classes comuns ou, pelo menos, em ambientes menos restritivos possível. Só que, se considerava integrados apenas aqueles estudantes com deficiência que conseguissem se adaptar à classe comum como esta se apresentava, portanto sem modificações no sistema.
Finalmente, a quarta fase, a de inclusão, surgiu na segunda metade da década de 80, incrementou-se nos anos 90 e adentrou o século 21. A ideia fundamental é a de adaptar o sistema escolar às necessidades dos alunos. A inclusão propõe um único sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiência e com ou sem outros tipos de condição atípica. A inclusão baseia-se em princípios fincados na valorização da diversidade humana, pela importância dada ao enriquecimento de todas as pessoas. Afirmando o direito de pertencer e não ficar de fora e o igual valor das minorias em comparação com a maioria. Trata-se não só de educação inclusiva, mas de inclusão social.
Ao tratarmos a questão da inclusão social das pessoas com necessidades especiais com referência aos direitos e à cidadania, nos deparamos com a discussão e um dilema sobre os direitos à diferença e à igualdade. É esta questão que propomos discutir neste trabalho.
Desenvolvimento
“Temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” Boaventura de Sousa Santos
Os riscos sociais de se colocar ênfase sobre a diferença ou sobre a igualdade são bastante sérios. Estas ênfases não estão isentas de sérias implicações sociais. Elas fazem com que saíamos, inadvertidamente, do campo da inclusão e passemos a reforçar, a despeito de nossas intenções, práticas e discursos excludentes.
A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) nos encaminha à discussão quando coloca como princípio a inclusão, reconhecendo a necessidade de se caminhar rumo a uma escola que inclua todos os alunos, celebrando a diferença, na luta pela igualdade. Toda pessoa tem o direito às suas singularidades que a tornam a pessoa que é. Da mesma forma, o direito à igualdade deve-lhe ser garantido, não sendo condenada a ” deixar de estar” ou “deixar de pertencer” a qualquer processo, ou grupo, por procedimentos de segregação e/ou exclusão. No latim se emprega como sinônimas as expressões “morrer” e “deixar de estar entre os homens” (inter homines esse desinere). Desta forma, entendo que excluir é condenar à morte e incluir é processo essencial à vida humana e à vida em sociedade.
Um dos segmentos da população que, reiteradamente, tem sido alvo de exclusão, é o composto pelos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais. Com a nova demanda por uma Educação Inclusiva, a escola tem diante de si um grande desafio, pois, historicamente, esteve a serviço das maiorias, preocupada com a homogeneização dos processos e pessoas, reproduzindo e reforçando a filosofia de que o mundo foi feito para os ditos “mais aptos”. O desafio que demanda essa escola inclusiva expressa a necessidade de mudanças efetivas na filosofia e estrutura do sistema de ensino brasileiro, visando garantir a todos sua igualdade de direitos. Não podemos negar que o foco por uma sociedade inclusiva não pode ser perdido de vista. Não é só a escola que deve preocupar-se e transformar-se para incluir a todos com qualidade. A sociedade inclusiva deve ser buscada, pois, nela não se quer apenas “abrir espaço para o deficiente” ou “aceitá-lo”, num gesto de solidariedade. Na sociedade inclusiva somos apenas – e isto é suficiente – cidadãos responsáveis pela qualidade de vida do nosso semelhante, por mais diferente que ele seja ou nos pareça ser.
Buscar um mundo e uma escola inclusivos significa enfrentar o desafio de impregnar a sociedade com bons motivos que garantam a ampla convivência de pessoas deficientes e não deficientes. Vivemos em um mundo onde todos têm pressa, muita pressa. A vida nas grandes cidades pode ser comparada a uma grande avenida. A maioria da população anda bem nessa avenida. Ninguém para. Só consegue entrar nesta avenida quem tem muita sorte e é hábil na direção. E os que precisam ou desejam andar mais devagar? Devem ser excluídos do direito de andar na avenida? Quem sabe colocar sinais, regras, pistas para quem precisar andar mais devagar? (Werneck) Eles não deixarão de andar e estar. Terão suas necessidades atendidas. Aí encontra-se um dos desafios da escola, considerar a diversidade, transformar-se para atender a todos.
DEZ DESAFIOS A CONSIDERAR
… respeitar o direito que todas as pessoas têm à educação e que os portadores de necessidades educativas especiais devem ser incluídos em escolas comuns da comunidade, sem dificultar-lhes o acesso à escola com manobras, negando-lhes seus direitos.
… acreditar que todos os educandos, portadores ou não, conseguem desenvolver habilidades, pois possuem capacidade de aprender.
… respeitar o potencial de cada aluno e aceitar todos os estudantes igualmente, respeitando suas diferenças individuais.
… preparar apropriadamente todos os educadores constitui-se um fator-chave na promoção de progresso no sentido do estabelecimento de escolas inclusivas.
… Treinamento pré-profissional deveria fornecer a todos os estudantes de pedagogia de ensino primário ou secundário, orientação positiva frente à deficiência, desta forma desenvolvendo um entendimento daquilo que pode ser alcançado nas escolas através dos serviços de apoio disponíveis na localidade.
… fornecer informações sobre recursos externos à escola e intermediar a conexão com pessoas e entidades que possam ajudar o trabalho do professor visando o desenvolvimento do aluno.
… dar oportunidade aos alunos de aprenderem uns sobre os outros, reduzindo o estigma experienciado quando os alunos são colocados em classes separadas.
… utilizar as experiências de vida do próprio aluno como fator motivador da aprendizagem do mesmo. Com isso, adotar uma abordagem centrada no aluno.
… estar mais interessada naquilo que o aluno deseja aprender do que em rótulos, laudos ou estereótipos sobre ele.
… saber que, nos programas, os seguintes métodos são eficientes: experiências com linguagem, histórias e outros textos sobre temas que o aprendiz conhece; aprendizagem assistida por computador; material disponível no cotidiano do público; leitura assistida ou pareada usando livros convencionais e livros adaptados; debate após atividade extra-classe; coleção de histórias de vida dos próprios alunos; uso da lousa para escrever um texto em grupo; colagem com recortes de revistas, uso de material concreto, entre outros.
… estimular outras pessoas importantes na vida do aluno a se envolverem com o processo educativo.
… ser flexível nos métodos de avaliação, pois sabemos que os testes, provas e exames provocam medo e ansiedade nos alunos, além do mais saber que conhecimento e aprendizagem não se quantificam.
… adotar uma abordagem de avaliação, cujos resultados propicie reflexão sobre todo o processo e possa servir de ajuda na solução de problemas e dificuldades encontradas no processo por professores e alunos.
… saber que a aprendizagem deve estar baseada nas metas do aluno.
… considerar que os alunos devem frequentar classes comuns com colegas não deficientes da mesma faixa etária. Esta experiência assegura aos alunos deficientes e não-deficientes crescimento e exercício da cidadania.
… saber que precisa prover suportes (acessibilidade arquitetônica, atendentes pessoais, profissionais de apoio, horários flexíveis etc.) a fim de incluir todos os alunos.
… estar preparada para indicar recursos adequados a cada necessidade dos alunos, tais como: livros, entidades, aparelhos, etc.
… saber que o professor tem a responsabilidade de educar tanto as crianças sem deficiência como aquelas com deficiência. Tem também a responsabilidade de assegurar que o aluno deficiente seja um membro integrante e valorizado da sala de aula, que tem potencialidades e capacidade para aprender. Enquanto profissional, deve buscar formação para estar preparado para desempenhar seu papel da melhor forma possível.
… entender que Educação Inclusiva significa que os alunos com deficiência estão sendo ensinados no mesmo contexto curricular e instrucional com os demais colegas de sala de aula. Materiais curriculares comuns podem precisar ser adaptados, mas somente até o nível necessário para satisfazer as necessidades de aprendizagem de qualquer aluno.
… aplicar às classes de hoje, marcadas pela diversidade humana, os seguintes métodos: instrução multinível, a comunicação total, a aprendizagem por cooperação, aprendizado baseado em atividades, música, trabalho com o corpo, tentando atender às diferenças, preferências e ritmos individuais.
… estimular o diálogo, apoio e troca entre professores e o acesso dos terapeutas e consultores à sala de aula, em vez de retirar alunos de lá, beneficiando a prática educativa não só com relação aos portadores, mas a todos em geral.
… saber que os alunos são parte importante do mundo, devendo ser incluídos nos relacionamentos e interações sociais. Assim como os demais alunos, aqueles com deficiência também precisam participar da vida social da escola como, por exemplo, conduzindo visitantes pela escola, ajudando da mesma forma que os alunos não-deficientes. Quanto mais presentes estiverem esses componentes, maiores serão as chances de que a escola incluirá crianças e jovens portadores de deficiência.
Conclusão
O sistema educacional brasileiro, a escola, o professor, o ensino vigente, ainda respiram ares conservadores e tradicionalistas de épocas que nos antecederam. Reestruturar o conjunto de elementos que compõem o quadro educacional deste início de século implica o reconhecimento do que está sendo, hoje, o preâmbulo do futuro. Em outras palavras, o que planejamos para amanhã, em educação, deverá considerar a marcha incessante e implacável da evolução das ciências, das artes, da tecnologia e, especialmente, da capacidade de extensão da consciência humana.
Preocupa-me esta questão, pois a escola resiste muito em mudar. Para que a mesma torne-se realmente inclusiva, devemos ser ousados, apostando sem medo de errar. Toda essa ousadia não combina com a escola que, historicamente, tem afastado os “diferentes” de seu contexto. Sabe-se que conhecimentos pedagógicos, os mais sofisticados que sejam, não bastarão para reverter o que acontece na prática escolar. As mudanças das quais necessitamos para estabelecer bases para uma escola para todos dependem, sem dúvida, de uma reorientação mais humana de atitudes e propósitos.
O Jornal Folha de São Paulo, mostrando cálculos do MEC (1997), afirma que o ensino ignora 5,7 milhões de deficientes. Apenas 5% de crianças e jovens brasileiros em idade escolar com algum tipo de deficiência recebem atendimento especializado no país. Os 95% restantes estão matriculados em escolas regulares sem receber o atendimento que deveriam ou estão sem estudar, em casa, ou em instituições para deficientes.
Me assusto um pouco ao contemplar o desafio da inclusão e ver a escola com mentalidades e práticas tão conservadoras. Como? Como convencer diretores, professores, pais, que o desafio de ensinar deve ser uma busca constante, diária; e que as boas escolas hoje devem ser especializadas no atendimento a todos os alunos? Quando entenderemos que a raça humana prima pela diversidade, assim, se a escola serve para atender pessoas, preparar cidadãos, deve preparar-se para trabalhar com todos, capacitando-se, buscando conhecimento para isso, sendo mais humana. Temos também que estar atentos à mídia e ao mundo globalizado onde a competitividade aumenta e aniquila a capacidade de ação dos menos privilegiados, quer econômica, política ou socialmente. Excluindo-os, valorizando os que estão nos “padrões” promove a desigualdade. Parece devaneio: a escola com um desafio inclusivo, contra esse gigante que é o mundo globalizado. Concordo com a citação “Incluir é humanizar caminhos” (Werneck). O mundo globalizado e toda a sua tecnologia não nos farão seres mais plenos ou felizes. Fui a um seminário de Educação Inclusiva e saí de lá com o seguinte pensamento: o portador de necessidades educativas especiais é uma pessoa e, por ser pessoa, precisa gozar de todos os direitos que têm os demais cidadãos. Posso te dizer que aceitei e entendi ali a questão da inclusão. Compreendo que o professor é peça chave no processo de inclusão escolar, pois quando está totalmente embuído desse espírito, os resultados são mais positivos. No início, possuía um sentimento de pena com relação aos alunos portadores, hoje sei que eles também têm capacidades que devem ser desenvolvidas.
Concluo dizendo que devemos combater o preconceito entre as crianças, investindo na formação de um adulto mais consciente. O preconceito e desrespeito aos direitos não vêm apenas da falta de informação, mas, principalmente da falta de formação. E essa falta de formação está baseada em atos e atitudes dos adultos em casa, na escola, na mídia, na convivência social. Um exemplo disto são as pessoas tidas como “diferentes” sendo expostas na TV como forma de aumentar a audiência. Em casa, rimos, desligamos a TV e vamos dormir. E na escola, quando os mais “adequados”, sentam-se ao lado da professora, são mais solicitados e até mesmo mais respeitados, ensina-se à toda classe como discriminar e que existem corpos e pessoas inadequados.
Desta forma, para uma escola inclusiva precisamos de informação e formação para minimizar o preconceito, estando atentos para que ele não se instale.
Bibliografia
ASSUNPÇÃO Jr, F.B. A família e o Deficiente Mental, S.Paulo, Ed. Paulinas, 1991
GHERPELLI, M.H. Diferente mas não desigual, São Paulo, Gente, 1995.
MANTOAN, M. T. É. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema, Editora Senac, São Paulo, 1997.
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MAZZOTTA, Marcos J. da S. Educação Escolar: Comum ou Especial?. São Paulo, Pioneira, 1986, p.117.
WERNECK, C. Ninguém mais vai ser bonzinho, na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro, WVA, 1997.
___________. Muito Prazer, eu existo. Rio de Janeiro, WVA, 1992.
___________. Um amigo diferente. Rio de Janeiro, WVA, 1992.
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