Estimulando o Pensamento Crítico na Sala de Aula
Estimule o pensamento crítico de seus alunos com as nossas técnicas de sala de aula interativas. Aprenda como criar discussões interessantes para desenvolver habilidades essenciais de pensamento crítico nos alunos. Descubra agora!
Para Descartes, pensamento engloba os fenômenos do espírito. O que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que entende, que concebe, que afirma, que quer, que não quer, que imagina e que sente. Este sentido perdeu atualidade mesmo em Descartes. Mais comumente, diz-se de todos os fenômenos cognitivos (em oposição aos sentimentos e às volições). Pensamento é, então, um sinônimo de inteligência. Num sentido bastante mais amplo, pensamento seria tudo aquilo que tem em si um caráter de racionalidade e de inteligibilidade, mesmo sem consciências atual, mas com uma tendência para a consciência.
Crítico: aquele que não aceita nenhuma asserção sem se interrogar primeiro sobre o valor dessa asserção, tanto do ponto de vista do seu conteúdo (crítica interna) quanto do ponto de vista da sua origem (crítica externa).
Nesse momento nos parece importante também definir “estímulos”. Segundo Lalande (1993), estímulo é qualquer ação física que põe em ação as reações de um ser vivo.
Sendo assim, “Estimulando o Pensamento Crítico na Sala de Aula” significa alguém agindo para que outras pessoas atuem de forma inteligente e interrogativa.
Estimular o pensamento crítico me parece ser a missão de todo ser humano no seu ser-com-o-outro, do ser-no-mundo. O que desperta a minha atenção, nesse momento, é circunscrever essa colocação fazendo uma breve revisão do que acontece, na maioria das vezes, dentro da sala de aula.
A educação
Os modelos de ensino mais tradicionais trabalham, basicamente, com a transmissão de informação. O professor veicula informações e o aluno as recebe. A memorização é privilegiada no sentido que permite ao aluno “devolver”, quando solicitado, as informações transmitidas. Quanto mais precisa e fiel for essa “devolução”, melhor, pois ela é um indicador da eficiência do ensino. Nesse panorama, a escola tradicional enfatiza o ensino e não o aprender. Para nos certificarmos da veracidade dessas informações, basta analisarmos as provas que são dadas nas nossas escolas e só para citar mais um exemplo lembraremos do Exame Vestibular. O aluno, normalmente, é avaliado pela quantidade de informações que conseguiu “reter”.
Parece que não há muita discordância de que é essa a forma como se dá a educação, na quase totalidade dos casos. Mesmo que em alguns momentos assumamos outros discursos, na prática temos uma educação transmissivista. Tal modelo teve um papel e uma origem que, se contextualizadas, nos permitem verificar uma função e necessidade histórica – a reprodução do conhecimento.
Mas o que é saber? Muitos estudiosos já o definiram, apresentaremos as palavras do professor Larsen (1998) que “destaca a importância de se diferenciar informação de conhecimento. O conhecimento é representação interna (subjetiva) da informação. Informação é ‘forma de mediação dos conhecimentos socialmente compartilhados’ (Barato, 1994). Para que haja saber, precisamos acrescentar o desempenho ou ação humana (a interação entre o sujeito conhecedor e o contexto de aplicação do conhecimento). O saber, além de acesso a informação, exige a construção de representações internas (conhecimento) e uma prática (desempenho) que molda continuamente o conhecimento).
A partir das colocações feitas, podemos concluir que o simples acesso a informação não pressupõe nem a construção do conhecimento e nem o saber. Portanto, os modelos educacionais tradicionais e vigentes não estão organizados sistematicamente para a elaboração do saber e sim para a transmissão de informação. O foco central não é o aprender, mas o ensinar.
O Mundo Moderno e a Sociedade do Século XXI
Estamos vivendo uma revolução científico-tecnológica, que se deve, entre outras coisas, ao desenvolvimento da microeletrônica, que vem alterando, significativamente, as condições de vida, produção e prestação de serviços. Estas modificações, por sua vez, exigem que as relações sociais se estabeleçam sob outros paradigmas.
As alterações mais fáceis de serem notadas estão relacionadas às desencadeadas pela informática, a tal ponto que nos referimos a nossa era como sendo a “era da informação”. De uma forma ou de outra, a informática se faz presente nas nossas vidas cotidianas, mesmo que na maioria das vezes não tenhamos clareza disso. Quando usamos os serviços bancários, “caixas eletrônicos”, aparelhos eletrodomésticos e serviços de comunicação, só para citar alguns exemplos, estamos nos valendo dos avanços tecnológicos. Nas situações citadas, não questionamos as contribuições e facilidades oferecidas pelo processo de informatização e, geralmente, só nos damos conta da sua presença quando ela se mostra ausente ou “falha”. Como diria Martin Heidegger, ela se faz presente pela ausência.
Hoje, a quantidade de informação produzida é tão grande que é impossível o acesso a todas, mesmo em se tratando de temas extremamente especializados. Com a agilidade e rapidez das novas descobertas, o que era a última palavra num determinado campo do conhecimento deixa de ser verdade dentro de instantes (como exemplo podemos citar as descobertas de algumas drogas medicamentosas). Sendo assim, a memorização de fatos e dados já não pode ser o diferencial entre o “sábio” e o “ignorante”.
Os referidos avanços tecnológicos podem gerar diferentes consequências. Os mais otimistas acreditam que o ser humano ficará livre de tarefas mecânicas, elas serão realizadas pelas máquinas. Homens e mulheres se dedicarão a atividades mais inteligentes que exigem, portanto, uma capacidade diferente da repetir informações ou cumprir ordens. Os pessimistas temem uma desumanização restrita das possibilidades de trabalho, ficando o homem cada vez mais submisso às máquinas, tornando-se uma simples peça de uma engrenagem de proporções inimagináveis. Acreditamos que haja alguns caminhos para se evitar que o prognóstico desfavorável se realize: as pessoas precisam estar preparadas para tomar decisões, devem ser capazes de aprender com autonomia, distanciamento e pensamento crítico. A “era da informação” e a organização social que ela desencadeia é que nos faz vislumbrar esse caminho.
A Escola e o Pensamento Crítico
Ao considerarmos a organização educacional segundo as características descritas anteriormente e as definições dos termos: “pensamento” – “crítico”, somos levados a concluir que, hoje, o pensamento crítico (atuar de forma inteligente e interrogativa frente às asserções ou informações), nas escolas, não é estimulado e, se ocorre, é quase à revelia dos processos de ensino.
Pode parecer bastante severa essa conclusão e para alguns pode ser até ofensiva. No entanto, uma análise desapaixonada poderá confirmá-la.
Por uma questão de tempo, não será possível um trabalho mais profundo para a análise proposta. Mas, é fundamental que alguns pontos, para futuras reflexões, sejam apresentados e comentados.
O primeiro deles é a questão da memorização. Como já dissemos, o ensino tradicional se sustenta e é sustentado na memorização de fatos. Penso que todos concordamos que esse processo mental não desenvolve compreensão, análise, síntese, construção do conhecimento, transferência de conhecimento e nem um bom desempenho em alguma atividade. Apesar de ser necessário para todas as habilidades citadas, ela em si não as garante. Sendo assim, um processo educacional que privilegia quase que exclusivamente o “decorar a matéria” não pode estimular o pensamento crítico. Quando a verificação do saber se resume em repetir as informações ouvidas ou lidas, estamos educando para a ausência de crítica (acriticidade). Estamos deseducando, pois o ser humano é naturalmente crítico, basta lembrarmos das perguntas mais ingênuas das crianças que em todas as situações querem saber os “porquês”. Mas, quando entram na escola, aprendem a não questionar, mas a obedecer.
Quando desejamos que alguém memorize alguma coisa ou que obedeça incondicionalmente, é porque acreditamos que existem verdades absolutas, inquestionáveis. Poder criticar, poder pensar, poder questionar implica em considerar a transitoriedade das verdades. Algo nem sempre muito confortável.
Penso, ainda, que a tarefa de estimular o pensamento crítico não está limitada aos muros da escola. Que é uma atribuição do ser-com-os outros. No entanto, a ênfase que está sendo dada ao ambiente educacional deve-se primeiro ao contexto da nossa conversa e segundo ao fato de ser a escola o espaço, dentro da nossa sociedade, organizado sistemática e intencionalmente para o aprender (pelo menos, assim desejamos).
Os princípios do modelo educacional tradicional estão relacionados com momentos históricos específicos, necessidades culturais, sociais e econômicas, entre outros fatores determinantes. Pressupõem certas visões de mundo, de homem e de sociedade. Mas, para o momento histórico que estamos vivendo, tais concepções não são adequadas. A simples reprodução do conhecimento não será suficiente para vivermos com dignidade, sem nos imbecilizarmos frente às máquinas. Então, nos resta uma pergunta: por que persiste?
Uma das respostas possíveis deve-se ao fato das dificuldades inerentes a todo e qualquer processo de mudança. É muito mais fácil continuar fazendo o que se faz há décadas do que encarar novos desafios, do que ousar. Por outro lado, existe toda uma estrutura educacional em termos de metodologias, livros, estratégias, políticas de formação de professores etc. que garante, de uma forma ou de outra, a continuidade ou a manutenção do status quo. Além disso, ainda existem na sociedade setores que pensam que para defender seus interesses é preciso ter pessoas cumpridoras de ordem, sem pensamento crítico, sem autonomia.
Retomando a questão da dificuldade, temos que salientar que qualquer processo ou relação que se estabeleça no sentido de se trabalhar com pessoas com senso crítico apurado é muito mais desgastante. Não é por outra razão que muitas vezes a palavra “crítica” é usada com um sentido negativo. Por exemplo, diz-se que uma situação é crítica quando ela carrega ou representa gravidade. Quando nos referimos a alguém como sendo uma “pessoa crítica”, há uma tendência a se pensar que se trata de alguém de convívio desagradável e às vezes perturbador da ordem estabelecida. Essas colocações podem ser, tranquilamente, transferidas para a avaliação do comportamento dos alunos. O aluno dócil, não questionador, obediente é o tipo mais desejado. Aquele que pensa, indaga, questiona, duvida, geralmente, não é visto com bons olhos pelo corpo docente e técnico das escolas. Talvez trabalhar com a criticidade seja tão difícil quanto admitir a ausência de verdades eternas. Porque então estimular o pensamento crítico?
Uma das respostas a essa indagação surge a partir da própria pergunta. Se a preocupação se faz presente, é porque existe um espaço, no mínimo, de questionamento e reflexão. Além do espaço, e muito mais importante que ele, a atenção que se está dando, em termos mundiais, ao pensamento crítico nos diz do espírito do tempo, nos fala de características próprias do momento histórico que estamos vivendo. Não é nenhuma invenção de um grupo de intelectuais ou políticos.
O que fazer? Como fazer?
Falamos que existe toda uma estrutura em termos de metodologias, estratégias, livros, etc. que sustentam abordagens de ensino baseadas na memorização. Uma das ações possíveis para aqueles que acreditam e desejam disseminar ideias e ver, de fato, o pensamento crítico sendo estimulado nas salas de aula é começar a fornecer subsídios para os educadores que querem embarcar na deliciosa aventura de ousar a mudar o estabelecido. Tais subsídios podem assumir formas de reuniões, cursos, indicação de bibliografia, propostas metodológicas etc.
Nesse sentido, queremos salientar o uso da informática enquanto recurso instrucional. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a simples presença de um computador na sala de aula não muda a concepção de ensino. É preciso saber o que se quer e como a informática, enquanto ferramenta, pode nos auxiliar no cumprimento de nossos objetivos.
Na tentativa de deixar mais claras algumas das possibilidades do uso do computador em situações de aprendizagem que valorizem a construção do conhecimento – condição sine qua non para o pensamento crítico, a seguir, citaremos alguns exemplos.
Uma das maneiras de se favorecer a construção do conhecimento é oferecer oportunidades de experimentação. Atualmente, vários argumentos são apresentados como impedimentos para a realização de experiências, como por exemplo: custos de materiais, falta de laboratórios, inabilidade dos alunos para a manipulação de alguns materiais. Tais argumentos são usados, muitas vezes, no sentido de justificar um ensino baseado no discurso e na memorização.
Uma das grandes contribuições que os computadores podem oferecer é a simulação de problemas reais. Citaremos alguns exemplos dessa possibilidade nas áreas de físico-química, biologia e ciências sociais, com a intenção de, ao menos, servir como ponto de partida para uma reflexão e, talvez, para servir de estímulo desencadeante de mudanças.
Experiências de físico-química que oferecem perigo de vida a todos os presentes, se realizadas em laboratórios convencionais, podem ser realizadas em computador, sem nenhum tipo de risco. Se as explosões ocorrerem, além de não significarem nenhum perigo, podem ser bem-vindas na testagem de hipóteses e se considerarmos que aprendemos a partir de nossos erros. As leis da física passariam a ser “vividas” e poderiam ser descobertas através das experimentações e não simplesmente memorizadas.
As pesquisas e experiências que necessitam de materiais caros, quase nunca são realizadas e, se o são, acontecem com sérias restrições em função do alto custo que isso apresenta para as escolas. No entanto, se as referidas experiências fossem executadas através de softwares, elas poderiam ser repetidas inúmeras vezes com custo zero. Nesse caso, a questão financeira deixaria de ser um impedimento na criação de ambientes e oportunidades de experimentação por parte dos alunos. Mesmo considerando que poderemos encontrar um contra-argumento referente aos gastos com a compra de computadores, uma análise mais apurada nos mostrará que tais custos se diluem ao longo do tempo.
Outra categoria de atividade que é beneficiada e viabilizada com o uso da informática é a que contempla situações que necessitam de precisão experimental, algo nem sempre fácil de ser obtido ora por falta de materiais adequados ou em boas condições, ora por inabilidade do aluno nos diferentes estágios de aprendizagem.
Lembraremos, ainda, as situações que não podem ser manipuladas no mundo real e que, a partir de uma simulação computacional, poderiam ser de grande valor na construção do conhecimento. Por exemplo, como podemos testar a melhor via de entrada para uma determinada colônia de microrganismos invadir um hospedeiro com algumas características mais específicas? E se alterássemos algumas dessas características? Estas ações passam a ser “reais” com o auxílio de um computador, contribuem para o estabelecimento de relações, trabalham com a ideia de variáveis dependentes e independentes, entre outras habilidades intelectuais.
Para encerrar a apresentação de exemplos, sem a pretensão de ter esgotado as possibilidades de uso de informática em educação, falaremos de algumas situações que podem ser exploradas através das simulações. Pensemos num jogo onde um grupo de pessoas representa um único personagem que, em diferentes momentos e frente a uma diversidade de situações, deve tomar decisões. Cada decisão tem uma consequência que gera uma nova situação. Por exemplo, podemos representar o papel de um secretário de saúde que está enfrentando problemas em relação a algum tipo de epidemia que ameaça se instalar. Temos vacinas? São suficientes? Dispomos da quantidade suficiente? E os interesses políticos e econômicos? Há ainda a pressão da imprensa? E assim por diante. Num modelo como este, a aprendizagem coletiva pode se fazer presente de forma marcante. Os alunos poderão trabalhar com aspectos sociais que até agora só se apresentam de forma descritiva em alguns materiais escritos. É possível integrar conhecimentos de diversas áreas. Além de se tratar de um ambiente bastante rico e lúdico, o processo de tomada de decisão envolve habilidades como análise, estabelecimento de objetivos, busca de informações, transferência de conhecimento e a capacidade de assumir as consequências da escolha feita. Tais habilidades são imprescindíveis no desenvolvimento do pensamento crítico.
Os exemplos que citamos sobre o uso de informática na educação oferecem uma possibilidade de ambientes favoráveis à construção de conhecimento, ao aprender a aprender e ao pensamento crítico. Uma vez que, segundo o professor Steen Larsen, esse tipo de pensamento só é possível quando os alunos podem não só manipular situações concretas, mas, principalmente, re-interpretá-las, re-encená-las, para si e para os outros.
Referências
- Inteligências: conjunto de todas as funções que têm por objetivo o conhecimento no sentido mais amplo da palavra (sensação, associação, memória, imaginação, entendimento, razão, consciência).
- Lalande, André – Vocabulário técnico e Crítico da Filosofia – Ed. Martins Fontes – SP, 1993.
- Idem.
- O adjetivo “tradicional”, nesse caso, não se refere a antigo, mas a um modelo educacional.
- Barato, Jarbas Novelino (1994) Aqui agora: novas tecnologias e ensino municipal.
Autor: Rosemary Soffner