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Atualizado em 09/08/2024

Escolha Profissional e Atualidade do Mercado de Trabalho

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Sem dúvida nenhuma, a psicologia contemporânea carece de urgente revisão das suas práticas predominantes, não se limitando apenas às questões práticas, mas partindo também para o campo teórico ou do conhecimento psicológico. Partindo do estreito imbricamento teoria/prática, o que se percebe é que os procedimentos psicológicos predominantes fundamentam-se em concepções teóricas desatualizadas, que se têm mostrado incapazes de acompanhar os fluxos rápidos e descontínuos a que se encontra submetido o homem contemporâneo, não conseguindo responder satisfatoriamente aos quadros de angústia, ansiedade, insegurança, infelicidade coletiva ou mesmo de “doença mental” que assolam as modernas sociedades urbanas e industriais.

Essa “incompetência social”, essa dificuldade de acompanhar as demandas cotidianas estende-se por quase todo o campo de aplicação do conhecimento psicológico: nas instituições, organizações, escolas, hospitais, grupos, clínica tradicional, etc., existe uma reprodução social sendo exercida nesses espaços, constituindo aquilo a que estou me referindo como “prática psicológica predominante”. A questão é profunda, e a psicologia não conseguiu passar incólume pelo mal do século: a crise da modernidade.

A orientação profissional, como um importante campo prático da Psicologia, não foge a essa problemática. E é dessa questão que nos ocuparemos basicamente aqui, fazendo uma reflexão a respeito das práticas predominantes da Psicologia na área da orientação profissional, procurando um cruzamento em relação à contemporaneidade do mercado de trabalho, considerando que esse deve ser um dos principais fatos a se levar em conta num processo de orientação, uma vez que, numa sociedade como a nossa, a maioria das pessoas busca a universidade em particular, e a educação formal em geral, com a possibilidade de elevação social como ideação de profissional.

Diante de uma atualidade de mercado de trabalho em rápida mutação, engrenado em uma realidade industrial/tecnológica em crescente aceleração, como se colocam as práticas predominantes da orientação profissional, como um instrumento social de inserção das pessoas no mundo produtivo do trabalho? Que resposta oferece a psicologia às inseguranças e expectativas, pessoais e sociais, daqueles que buscam uma entrada eficiente num mercado onde as oportunidades são submetidas a severos cálculos de racionalidade econômica?

Verifica-se historicamente que a orientação profissional no Brasil se introduz através do “Serviço de Orientação”, como centros de pesquisa, desenvolvimento de técnicas e instrumentos, ainda, como centro de divulgação e distribuição do material utilizado na avaliação psicológica do orientando. Posteriormente, se multiplica nas escolas públicas e privadas de nível médio, nas universidades, nos consultórios, nas “clínicas”. A prática tradicional que se faz pela utilização dos exames psicológicos como instrumentos de mapeamento de características e aptidões, traduzido em um diagnóstico que cruza dados referentes ao potencial individual com campos de trabalho/profissões.

Realiza-se habitualmente uma ampla testagem de aptidões psicológicas, levantamento de potencial intelectual, caracterização de personalidade, levantamento de interesse, levantamento sócio-econômico-cultural, uma etapa de informação profissional – devidamente mesclados por entre visitas psicológicas estrategicamente dispostas ao longo do processo. O resultado dessa avaliação é um prognóstico conclusivo que orienta indicando profissões ou campos de trabalho mais compatíveis com tais características de personalidade, potencial intelectual e expressão de interesse. Essa prática se fundamenta no discurso das “aptidões”, da qualificação, dos traços da personalidade, que, por sua vez, reproduz a ideologia do “profissional eficiente”, “o mais apto”, “o mais bem-sucedido” (oferece aos “melhores” as melhores carreiras).

Há de se considerar também o contexto onde tudo isso ocorre: à revelia de toda uma legislação, praticamente inexiste no Brasil uma profissionalização em nível médio. As camadas populares não têm acesso à educação, especialmente à universidade pública e gratuita; ensino de má qualidade, sendo assim, quem não tem acesso a uma realidade não pode desenvolver “habilidades” em relação a ela, portanto, muitos segmentos da sociedade ficam excluídos de uma qualidade de vida exclusiva daqueles que tiveram acesso.

Desse modo, o cliente típico de um processo de orientação profissional é o jovem que conseguiu acesso ao ensino médio e, sem chances de uma profissionalização satisfatória a esse nível, aspira a uma “profissão de nível superior”. Resta agora o desafio do vestibular – aqui fala mais alto aquele poder aquisitivo que puder comprar o melhor ensino; a compensação do ensino de má qualidade com um cursinho preparatório e mais tempo para estudar e se preparar para a maratona. É lógico que esse é apenas o cliente típico da orientação profissional.

Existem outros: os que estão re-optando; os que se sentem desadaptados; os que estão buscando uma segunda profissão; os que buscam cultura. Enfim, muitos os caminhos que trazem a essa importante decisão, porém, as portas se abrem para poucos.

Também no ambiente no qual se processa essa escolha existe muita tensão, ansiedade e insegurança nesse momento da vida. Há muita pressão por uma escolha definida por parte da família, dos amigos e muita expectativa social da pessoa sobre si mesma.

A situação tende a ser sentida como definitiva – essa decisão de escolha profissional influenciará toda sua vida futura e determinará seu locus de inserção na sociedade. Tudo isso sobre o inexorável pano de fundo da competição capitalista.

Existem trabalhos sérios sendo desenvolvidos na área, que ultrapassam, e muito, a reprodução da ideologia das aptidões, o uso de instrumentos tradicionais, quantitativos, de orientação da escolha, e outros tantos que se destacam pela qualidade da informação profissional e pela ágil visão do mercado de trabalho. Para uma visão mais ampla sobre a diversidade no ambiente corporativo, você pode conferir A Importância da Dinâmica sobre Diversidade no Ambiente Corporativo.

Porém, a verdade é que, majoritariamente, os procedimentos habituais de orientação profissional têm pequenas bases de realidade por vários motivos. Sem a menor pretensão de esgotar o assunto, podemos destacar, por um lado, a pequena crítica social e política do processo tradicional em relação à reprodução social levada a efeito por seus instrumentos ideologicamente contaminados e, por outro lado, a falta de contato com a dinâmica da realidade do mercado de trabalho, levando a distorções no resultado do processo.

Defrontamo-nos, então, com a questão da atualidade do mercado de trabalho e as implicações do ritmo contemporâneo da realidade produtiva num processo de escolha profissional. Para início de reflexão – a questão se coloca na difícil interface entre sistema educacional, que reforma a mão-de-obra, e estrutura industrial, que delimita espaços e práticas ocupacionais. É quase desnecessário apontar a enorme distância que existe no Brasil entre escola + formação profissional X necessidades do mercado de trabalho. Também torna-se praticamente desnecessário destacar a diferença de ritmo a que estão submetidas essas duas realidades – o lento ritmo das transformações sociais observado nas instituições de ensino, especialmente públicas, em contraposição ao vertiginoso ritmo tecnológico que domina a estrutura produtiva, provocando mudanças e descontinuidades sucessivas no mercado de trabalho.

Talvez o fenômeno mais marcante que se observe em relação a essas transformações no mercado de trabalho se refira à desestruturação das profissões enquanto espaços ocupacionais bem delimitados, com firme definição de campo de atuação e de procedimentos práticos. O Brasil assistiu durante os anos 70 e, especialmente nos 80, a uma gradativa modificação das bases tradicionais da maioria das profissões, com significativos reflexos no mercado de trabalho, decorrentes da introdução de novidades tecnológicas na produção.

Os desenvolvimentos da indústria eletrônica, a informática, a robótica, como tecnologias de ponta rotinizadas no nível da grande produção, causam impactos que ultrapassam em muito os limites da estrutura produtiva, apresentando extensões consideráveis em termos sócio-políticos. A viabilização de possibilidades como a universalização e imediaticidade da comunicação, explosão da capacidade de processamento das informações e a brutal aceleração do ritmo produtivo potencializando a capacidade de auto-reprodução tecnológica, entre outras, constitui fatos e provoca mudanças irreversíveis não só na vida coletiva, mas na realidade social como um todo.

Não é necessário dizer que o mercado de trabalho, como aglomerado dos espaços ocupacionais para a classe trabalhadora, encontra-se no alicerce dessa relação/via social, sofrendo intensas transformações. O fenômeno anteriormente referido, de transformações profundas verificadas no nível das ocupações/profissões, nada mais é que uma manifestação particular, reflexo, dessa realidade mais ampla.

Assim, tem-se assistido contemporaneamente a uma rápida sucessão de transformações nas profissões, que extingue umas, cria outras, revoluciona outras tantas e relega algumas à obsolescência e agonia. Cumpre ressaltar que essas transformações não se limitam a alterações nas rotinas e procedimentos característicos dessas ocupações, mas implicam ganhos ou perdas de poder e prestígio perante a sociedade, extinguem possibilidades ao mesmo tempo que criam novas oportunidades, apresentando ainda extensos reflexos em termos econômicos.

Pois bem, essa recodificação dos espaços ocupacionais exige constante e dinâmica atualização – estariam os orientadores profissionais “tradicionais”, nas barreiras institucionais das escolas ou no confinamento dos seus consultórios, atentos e sincronizados com tais fluxos? É muito (com) provável que a resposta seja não!

A realidade do mercado não permite hoje que se trabalhe com grandes categorias como engenharia, pedagogia, sociologia ou administração de empresas – a grande maioria das profissões “sobreviventes” apresenta contemporaneamente nuances de especialidades que ultrapassam em muito esses grandes enquadramentos. Também não é ainda suficiente que se entre no nível das especialidades reconhecidas (engenheiro eletricista, mecânico, eletrônica, etc) – a realidade de trabalho faz com que surjam atravessamentos como engenheiro de processos, de produção, de segurança, de projetos, entre outros, que fogem totalmente ao mapeamento habitual.

O mesmo se dá no campo das “medicinas”, hoje superespecializado e díspar nas suas práticas; nas “psicologias”, considerando suas várias possibilidades de inserção no universo do trabalho; ou mesmo no campo da administração de empresas, onde se pode observar uma verdadeira “explosão” de práticas com características bastante diversificadas entre si.

No que se refere às novas profissões, mais uma vez, a aplicação dos desenvolvimentos da eletrônica, a explosão das comunicações e a universalização do emprego da informática não apenas criam novos espaços ocupacionais claramente definidos, instrumentos e novas rotinas nas profissões já existentes. Possibilidades de desenvolvimento de atividades via computador, a incontável oferta de disponibilidades no terreno da telecomunicação, a proliferação da produção de novos equipamentos, a multiplicidade de recursos eletrônicos, como a miniaturização e outros tantos, são apenas ilustrações das afirmativas anteriores.

Ainda no terreno das novidades ocupacionais, convém notar que as necessidades sociais geram ainda campos de conhecimento/prática bastante incomuns; exemplo: biologia marinha, oceanografia, engenharia genética, engenharia sanitária, ecologia, etc., que no mais das vezes estão fora do foco de uma orientação típica.

Mais uma vez, contextualizando, uma tendência social atual de extrema importância para a análise da contemporaneidade do mercado de trabalho diz respeito ao fenômeno claramente observável da gradativa diminuição dos espaços ocupacionais autônomos, tipo “profissão liberal”; estes vêm se institucionalizando paulatinamente, inserindo-se em práticas organizacionais. Como decorrência, observa-se o crescimento da importância social das organizações em geral, como catalisadoras da produção social, e as consequências disso em termos de uma prática profissional contextualizada.

Se este pode ser aceito como um mapeamento rápido da multiplicidade e complexidade das questões de escolha profissional X mercado de trabalho hoje, então como pode a ideologia das aptidões continuar a proceder o seu clássico emparelhamento de raciocínio + habilidade + destreza + atitudes X universo de trabalho?

Pois bem, quando se colocam críticas nesses termos, talvez possam ser levados a arguir sobre a própria relevância da atividade – quanto à sua “utilidade social”.

Seria a Orientação Profissional uma atividade socialmente relevante? Não há dúvida que sim – as distorções provocadas por uma prática dominante inadequada não podem ser os únicos parâmetros de avaliação para invalidação de todo um campo de práticas. Torna-se mais importante ainda, numa realidade social como a nossa, na qual o sistema educacional como um todo não assume organicamente a sua responsabilidade em termos de orientação da escolha profissional dos seus próprios educandos.

Na realidade, a Orientação Profissional é parte do processo de educação, o que significa que a escolha deveria estar organicamente inserida na formação do estudante, deixando de ser uma etapa de decisão, para se unificar ao processo educacional como informação profissional, como discussão coletiva, como atividades práticas, sendo praticada ao longo da formação do estudante.

A escolha profissional é um fato socialmente significativo, porque define a vida das pessoas, condiciona a sua inserção social, forma quadros de competência no nível da produção e favorece engajamento na relação homem X trabalho. Não pode haver dúvida, então, quanto ao fato de que a Orientação Profissional se constitui num importante campo de práticas socialmente relevantes – não se trata aqui, portanto, da extinção, mas do seu redimensionamento.

Enquanto prática psicológica, seria desejável que a Orientação Profissional perdesse a sua conotação literal “orientativa”, diretiva, para se assumir como processo de escolha do orientando – isso não é original – a escolha sugere muito mais autodefinição que a orientação. Por isso, entendemos ser o termo escolha profissional muito mais adequado para designar esses procedimentos que o “clássico” orientação profissional.

Assim, quanto à postura, o orientador de um processo de escolha, diversamente do orientador de um processo de orientação, deve facilitar o envolvimento máximo possível do orientando com sua problemática material, social, pessoal, gerando responsabilização pela sua própria decisão. Isso significa que o processo de escolha deve-se constituir de maneira fenomenológica, trabalhando fatos e questões reais para o orientando, ultrapassando o “laboratório das aptidões e potenciais”.

Além de facilitar a compreensão de aspectos de natureza psicológica envolvidos na escolha, essa prática deve ainda considerar aspectos de natureza social, política, econômica, tecnológica, etc., contemporaneidade da dinâmica das profissões. Deve então, além de trabalhar com sentimentos, ansiedades e expectativas do orientando, contemplar demandas referentes a fenômenos de poder, aceleração tecnológica, flutuações de mercado – deve possibilitar flexibilidade adaptativa e integradora.

No nível dos procedimentos técnicos, deve-se operar em grupos, desenvolvendo-se técnicas situacionalmente flexíveis, utilizadas na vivência dos discursos e do imaginário do grupo tal como se apresenta, deve-se estimular a troca de experiências, a vivência do outro, a autonomia do grupo e dos participantes. Deve-se, ainda, priorizar a informação profissional, a pesquisa de profissões, o conhecimento das realidades de trabalho no local, e a utilização de atividades práticas e dinâmicas na sondagem do até então indecifrável universo do trabalho.

Assim, repensados conceitos e procedimentos, entendemos que a psicologia cumpre melhor seu papel em relação aos processos sociais de escolha profissional e inserção de novos agentes no mercado de trabalho. Apesar das críticas aqui levantadas, percebe-se uma crescente preocupação em relação à superação dos parâmetros clássicos da orientação, destacando-se na área trabalhos criativos e sensíveis à atualidade dos fatos, como novas e múltiplas possibilidades de abordagem do tema. Já não era sem tempo!

Autor: Kleber Prado Filho


Este texto foi publicado na categoria Carreira e Mercado de Trabalho.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

2 respostas para “Escolha Profissional e Atualidade do Mercado de Trabalho”

  1. Muito bom esse texto. Segue um link para reflexão: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392000000200002

  2. Importante comentário e que serve de alerta à disciplina. Deixo um link que deveria ser lido que se chama “Ascensão e Queda da psicologia” que vem do site do “portal dos filósofos”. Parabéns pelo texto.

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