Neste livro, a autora faz uma análise do pensamento de Antonio Gramsci, filósofo, jornalista e fundador do partido socialista italiano, que morreu na década de trinta do século passado na Itália fascista, regime contra o qual lutou toda uma vida.
Seus escritos se deram, em sua maioria, no cárcere, os quais somente foram editados após sua morte; de seus cadernos, nem sempre escritos de forma longitudinal, tem-se uma extensa bibliografia.
A maioria dos estudiosos dos problemas educacionais que seguem a orientação marxista afirma que à escola está reservada a função de reproduzir as desigualdades sociais, reproduzindo a ideologia das classes dominantes. Para uma análise mais aprofundada sobre a relação entre educação e desigualdade, consulte Variação Linguística e Preconceito Linguístico.
Gramsci, porém, nos diz algo diferente sobre a escola e a sua função: ela pode ser, em certa medida, transformadora, sempre que possa proporcionar às classes subalternas os meios iniciais para que, após uma longa trajetória de conscientização e luta, se organizem e se tornem capazes de “governar” aqueles que as governam.
Gramsci não nega a função reprodutora da escola. Mas seu pensamento tem um compromisso com a transformação da sociedade, e ele procura encarar a escola como uma instituição que, é certo, produz o conformismo e a adesão, mas, dentro de certas condições, pode trazer um esclarecimento que contribui para a elevação cultural das massas.
Tendo em vista as dificuldades criadas pelo tipo de exposição característica dos textos de Gramsci, em que as ideias são retomadas em sucessivas oportunidades, precisadas e reelaboradas em diferentes passagens, o procedimento adotado pela Professora Luna foi o de tentar isolar os principais conceitos introduzidos por Gramsci em seus textos teóricos dedicados à análise da ideologia e da cultura. Ele assim escreveu seus textos, de forma fragmentária, para “driblar” a censura carcerária a que estava condicionado e pela sua saúde precária (Gramsci morreu quatro dias após conseguir a liberdade).
A característica própria da produção teórica de Gramsci é a perspectiva da transformação da sociedade que orienta sua reflexão e, portanto, a própria natureza dos conceitos que tal reflexão produziu. Assim, sua perspectiva é sempre elaborar conceitos que ajudem a classe operária e seus intelectuais (o seu partido) a firmar o poder do proletariado sobre o conjunto das classes subalternas e a disputar a direção intelectual e moral do conjunto da sociedade, visando à tomada do poder político e à alteração da situação de dominação.
Seguindo os pensamentos de Antonio Gramsci, a Professora Luna organiza, no que ele refere à educação, sua exposição em torno do eixo fornecido pela ideia da “escola unitária”, proposta educacional construída tendo como base o processo vivo que levou, num dos movimentos empreendidos pela burguesia, para reforçar e proteger sua hegemonia, à constituição da “escola nova”, a “escola ativa”, na qual haveria maior aproximação professor-aluno e os problemas da vida “prática” (mundo do trabalho) passariam a ser firmemente considerados. A “escola unitária” de Gramsci seria o desfecho de todo o processo de crise da velha escola – crise esta determinada pela agonia da sociedade e da cultura tradicionais, pré-industriais, com o que a escola se separou da vida, tornando-se “desinteressada” demais ou “especializada” demais.
A crise da escola, para Gramsci, era uma “progressiva degenerescência”: as escolas de tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses próprios imediatos, passavam a predominar sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada, invertendo a estrutura que prevalecia anteriormente. O novo tipo de escola, porém, ainda que tivesse muitos elementos progressistas, não era democrático e acabava por se realizar como um fator adicional de perpetuação e cristalização de diferenças sociais. Para destruir tal armadilha, seria necessário, nas palavras de Gramsci, “não multiplicar e hierarquizar os tipos de escola profissional, mas criar um único tipo de escola preparatória (primária-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o, durante este meio tempo, como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou controlar quem dirige”. Em outros termos, seria necessário fundar a “escola unitária”, a “escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual”.
No pensamento de Gramsci, a construção da “escola unitária” não está condicionada à derrocada do Estado burguês, pois se trata de um processo de superação da escola existente: ele decorre, acima de tudo, do desenvolvimento dos elementos racionais da “escola nova” e da luta contra seus aspectos conservadores, elitistas, cristalizadores das divisões sociais, num processo em que a construção do “novo” se afirma no bojo mesmo da luta pela destruição do “velho”. É por isso que ele afirmava que “o advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo”.
Visualizada no todo, a obra da Professora Luna Galano é muito mais que um estudo sistemático do pensamento de Gramsci: analisando os próprios escritos de Gramsci, cria uma maneira de estudar, ao buscar em obras de outros autores o desmembramento e a interpretação de um pensador que, antes de ser brilhante, pensou no âmago da própria luta de classes.
Bibliografia:
MOCHCOVITCH, Luna Galano. Gramsci e a escola. SP, Ed. Ática, 1990. 80 p.
Autor: Ana Luiza Teixeira Portella
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