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O livro “A educação em tempos de globalização” organizado pela jornalista Saraí Schmidt, faz parte das discussões de uma pesquisa de mestrado, onde pretendia realizar um estudo sobre as relações entre mídia e educação, privilegiando o fotojornalismo. A imprensa, através de jornais, revistas, periódicos especializados, constrói um discurso sobre dispositivos da educação como currículo, escola, avaliação, conteúdos. Em meio a tudo isso, a figura de professoras e professores é uma presença constante. Nesse sentido, entendemos que é relevante investigar as formas como as representações sobre a docência têm sido construídas através das fotografias veiculadas pelo jornalismo impresso. As tramas dos discursos da mídia constroem e multiplicam as subjetividades e identidades dos sujeitos sobre educação. Ao analisar as fotos, percebemos que não se trata apenas de uma visão capturada do outro, mas antes um lugar dinâmico no qual muitos olhares se interseccionam e por isso a importância de explorar o significado da fotografia para as relações interculturais.
A importância que as imagens têm assumido em nosso cotidiano provocou certa inquietação em nossas práticas educativas, despertando o desejo de discutir o papel que as imagens como artefatos culturais têm desempenhado na constituição de identidades culturais. Neste período contemporâneo em que as reflexões pós-modernas trazem à tona o questionamento dos limites e da gênese das certezas universais e imutáveis, é preciso também entender a mídia como aliada para uma nova compreensão, percebendo-a como um espaço de educação, criando temas escolares, produzindo subjetividades e identidades. Concordamos com a ideia de que é necessário ampliar e articular interações mais efetivas e significativas com os meios de comunicação, como os jornais, por exemplo, no sentido de perceber que a imprensa trabalha com letras, papéis, imagens, cores e que todos estes elementos estão carregados de significados.
Para este trabalho foram recolhidas fotografias e legendas em matérias jornalísticas que fazem referência ao “Dia do Professor” publicadas no dia 15 de outubro no Jornal NH[1][1] nos anos noventa. Foi feita uma releitura das publicações, analisando o material fotográfico como um artefato cultural que institui uma representação sobre a escola e a educação e que pratica uma pedagogia peculiar. Neste estudo serão tomadas como objeto de análise apenas as fotografias e legendas que integram o espaço jornalístico desse dispositivo cultural. Buscamos uma possibilidade não de interpretação, mas de novos olhares para a mídia, iniciando um estudo das representações sobre educação, privilegiando a figura de professoras e professores, que um jornal constrói através de suas fotografias e respectivas legendas.
A pedagogia das imagens
A educação, na perspectiva dos Estudos Culturais – nosso campo teórico nesta pesquisa – não está restrita às formas legais organizadas por diferentes sociedades quase sempre através da instituição escolar. Em qualquer sociedade há inúmeros mecanismos educativos presentes em diferentes instâncias sócio-culturais. Grande parte desses mecanismos têm como função primeira educar os sujeitos para viverem de acordo com regras estabelecidas socialmente, e porque na sua maioria estão inseridas na área cultural, esses mecanismos são revestidos de características “inocentes”, como prazer e diversão que educam e produzem conhecimento. Tal como dizem Henry Giroux e Peter McLaren (1995, p. 144): “Existe pedagogia em qualquer lugar onde o conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que exista a possibilidade de traduzir a experiência e construir verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente redundantes, superficiais e próximas ao lugar comum.”
Levando em conta esta afirmação, podemos considerar que a produção de imagens é um desses mecanismos educativos presentes nas instâncias sócio-culturais. As imagens não cumprem apenas a função de informar ou ilustrar, como também educam e produzem conhecimento. Elas também podem ser consideradas um espaço pedagógico onde representações são construídas a partir de um conjunto de práticas socialmente estabelecidas. Ao mesmo tempo, podemos encontrar neste espaço algumas frestas que dão passagem a outras formas de compreensão do mundo, de representações que não as hegemônicas. Assim, é possível fazer um exercício crítico da produção formal de significados, como uma espécie de movimento de resistência a tais modelos hegemônicos. Assim é possível uma pedagogia crítica da representação (Giroux e McLaren, 1995).
Uma pedagogia crítica da representação envolve a possibilidade de analisar as relações pedagógicas que ocorrem no cotidiano, principalmente através da mídia, buscando identificar de que formas as representações são produzidas e assumidas pelos sujeitos (idem, 1995). Ou seja, como essas relações contribuem para construir significados e constituir identidades culturais.
Nesta perspectiva onde consideramos relevante o papel da imagem, do olhar na construção da trama dos discursos em que estamos hoje envolvidos, onde produzimos e somos produzidos, é preciso discutir também a importância de uma pedagogia estar atenta para o processo de produção das imagens veiculadas na mídia. “Uma pedagogia crítica da representação reconhece que as imagens não são nem objetivas, nem transparentes, mas produzidas no interior de locais discursivos e materiais de disjunção, ruptura e contradição” (ibidem, p. 147). O observador confia nas imagens como confia nos seus olhos. Este é o caso mais específico da fotografia, considerando que esta é um sistema de seleção visual que nos permite perceber o mundo através de imagens selecionadas por alguém. A imagem não está limitada pela barreira dos idiomas.
Todos participamos da cultura das imagens.
A representação do afeto
A noção de representação, tal como discutida na perspectiva dos Estudos Culturais, é diferente da noção trabalhada em determinadas áreas da ciência que enfatizam processos mentais ou internos ou mesmo que entendem a representação como um reflexo da realidade. Seu interesse não está na possibilidade de identificar um correspondente verdadeiro a partir de um modelo real ou “correto”. A questão não é a realidade e sim as relações de poder que estão em jogo nos sistemas de significação que se apresentam para constituir “realidades”. Aqui a representação diz respeito a práticas de produção de significados a partir de eventos, objetos, grupos que já existem ou que são produzidos já dentro do processo da representação. Há interesse em sons, palavras, imagens ou quaisquer conjunto de significantes através dos quais significados culturais são produzidos. Para dizer de outro modo, a ênfase na representação está ligada a significantes e à forma como o significado é construído. Significados são produzidos em diversos locais e circulam através de vários processos e práticas diferentes, tendo sempre a linguagem como forma de representação.
No texto A poética e a política do currículo como representação, Tomaz Tadeu da Silva (1997) propõe uma discussão sobre o conceito de representação dentro da perspectiva pós-estruturalista, onde “conhecer e representar são processos inseparáveis”. O autor discute o papel da visão, do olhar na cumplicidade entre representação e poder, para ele a representação está associada ao olhar, pois “na perspectiva da análise cultural, visão e representação em conexão com o poder, se combinam para produzir a alteridade e a identidade” (Silva, 1997, p. 28). A partir das leituras desse autor, discutiremos algumas representações de educação na mídia, compreendendo a representação como “marca, traço, significante e não como processo mental — é a face material, visível, palpável do conhecimento”. Silva (idem, p.02) assinala que “Perguntas sobre quem está autorizado a conhecer o mundo traduzem-se em perguntas sobre quem está autorizado a representá-lo. Fazer esse tipo de perguntas significa, por sua vez, reconhecer um vínculo entre conhecer e representar, de um lado, e relações de poder, de outro.” A prática da representação está intrinsecamente ligada às formas culturais onde estamos vivendo. Representação é atribuição de significado às relações sociais que permeiam o cotidiano. Representação é uma prática de significação que produz conhecimento. Esse vínculo que existe entre conhecimento e representação é indissolúvel. Ao representar o mundo, diversas formas de conhecimento são produzidas, o que não significa dizer que todas elas são consideradas igualmente válidas, ou que todas elas estão socialmente legitimadas. Entendemos que qualquer narrativa está comprometida com um ponto de vista, com uma forma de perceber as relações. Quando falamos em representação temos que ter claro de onde e para quem está “falando” determinada narrativa, afinal:
As representações são sempre produzidas dentro de limites culturais e fronteiras teóricas e, como tal, estão necessariamente implicadas em economias particulares de verdade, valor e poder. Em relação a esses eixos mais amplos de poder no qual as representações estão envolvidos, é necessário perguntar: a quais interesses servem as representações em questão? Dentro de um dado conjunto de representações, quem fala, para quem, e sob que condições? Onde podemos situar essas representações, ética e politicamente, com respeito a questões de justiça social e liberdade humana? (Giroux e McLaren, 1995, p.145).
Nas inúmeras reportagens analisadas neste estudo encontramos, por exemplo, a narrativa da importância da afetividade no magistério. Em um estudo sobre a ação da mídia no campo da educação construindo a identidade feminina na profissão docente, Marisa Costa e Rosa Silveira (1998, p.349) analisam a revista Nova Escola como um artefato cultural, no sentido de que “palavras e imagens (…) formam um conjunto de perspectivas, métodos e verdades, organizados e colocados à disposição, constituindo práticas com propriedades prescritivas, moldadoras e fixadoras.”
Nesse estudo, as autoras chamam a atenção para o caráter persuasivo das imagens, construindo e reforçando a associação da profissão docente com a afetividade e domesticidade. De forma semelhante, em nosso estudo sobre as fotos publicadas no Jornal NH podemos evidenciar na maioria das imagens selecionadas essa mesma associação. Um exemplo é a foto publicada no dia 15 de outubro de 1997 (ver foto1) com a imagem de duas jovens sorridentes que estão ingressando para realizar o estágio do magistério. Elas abraçam as crianças como meninas que abraçam suas bonecas. Na legenda está explícito que o brincar de bonecas é uma preparação para a formação da futura professora: Claudia e Geórgia: depois das brincadeiras na infância, agora vão dar aulas de verdade.
Outros olhares
O resultado obtido em uma imagem fotográfica depende não apenas daquilo que está sendo “retratado”, daquilo que observamos, do que é fotografável. Mas, depende sobretudo do olhar, da percepção de quem vai captar e de quem vai receber esta imagem. Ao fotografar, o fotógrafo exterioriza a sua visão de mundo, fotografando com sua cultura, seus conceitos.
Não há dúvida de que a imagem é central na contemporaneidade. Estamos imersos no mundo da imagem, da sedução das cores dos anúncios publicitários ou do impacto sutil e oportuno do preto e branco. Seja na televisão, revistas ou em outdoors, a mídia “está presente” criando e multiplicando representações. Não precisamos sair de casa, a mídia invade nossa casa e nos leva para grandes viagens. Somos tomados pela informação visual que invade as cidades. Não temos a opção de entrar ou não no mundo da imagem, somos parte desse cenário e não meros expectadores ou observadores. Homens, mulheres, jovens, crianças, ocidentais ou orientais, todos integrados por esta avalanche de “informações visuais” que cria expectativas em cada pessoa.
A partir das análises das fotografias, percebemos que o enunciado das imagens apresenta, na maioria das vezes, as professoras como mulheres-heroínas da educação que orientam e defendem aluna/os que estão felizes e protegidos na escola. No discurso da mídia, temos a multiplicação de uma imagem padrão da “boa escola” ou da “boa educação”. As fotos evidenciam a defesa de uma narrativa, a da valorização excessiva da afetividade na profissão docente. Temos uma “pasteurização fotográfica”[2][2] criando um ideário de ambiente escolar, uma imagem padrão para a instituição escola.
A mídia cria e reproduz um discurso pedagógico, não apenas quando fala em escola, professor/a e aluno/a, mas ela assume um “discurso educativo” regulando o modo de as pessoas pensarem e agirem, dando espaço para temas educativos dos quais a escola “não consegue dar conta”. Na pesquisa de Rosa Fischer (1996, p.174) a autora discute este apoderar-se da mídia no campo da educação, no que se refere a um público em formação, ao público adolescente:
… esta tendência diz respeito à forma explícita de a mídia assumir para si uma função pedagógica, como a dizer não só que outras instâncias sociais, como a escola estariam talvez perdendo a exclusividade em relação a esse papel, mas principalmente também que os meios de comunicação podem e devem assumir uma liderança neste sentido, diante de tantos e tão graves problemas enfrentados pelos mais jovens…
Outro exemplo interessante é a reportagem publicada também no suplemento NH na Escola do dia 15 de outubro de 1994 (ver foto 2) com a chamada da capa que anuncia: A constelação dos educadores, fazendo uma analogia entre professoras e estrelas que iluminam o mundo. A foto enquadra a tradicional cena de escola, onde a professora também alfabetizadora, acompanha um aluno no quadro no momento da descoberta da escrita. A professora está em segundo plano em relação ao aluno, observando atenta e carinhosamente o menino realizar a tarefa. Na legenda, uma frase de Bachelard, reforçando a importância do professor amar a sua profissão: “Tudo o que olhamos com o olhar apaixonado nos devolve um olhar íntimo”.
Nesta reportagem onde o discurso central é o de uma educação conscientizadora, encontramos fotos-legendas que alertam para a força das “poderosas” e “iluminadas” professoras. Na foto, a professora admira o aluno no quadro, como a artista que admira a sua obra, ou seja, mais uma criança alfabetizada pelas suas mãos.
Das identidades
Outra possibilidade que os Estudos Culturais trazem à educação é o estudo das políticas de identidade. Ao compartilhar a ideia de que as identidades são múltiplas, não definitivas, este campo teórico abre espaços para análises que focalizem raça, classe, gênero, etnia e tantas outras construções que são consideradas marcadores sociais de diferenças e de identidades. Estes grupos sociais são as chamadas “minorias”. São negros/as, homossexuais, deficientes, mulheres; são todos aqueles grupos que não se enquadram no padrão construído historicamente pela cultura ocidental: o homem branco heterossexual. Aquele que está presente na história oficial, nas legislações estabelecidas, no conhecimento científico. Aqueles grupos querem agora legitimar sua existência através das políticas de identidades. Segundo Silva (1997, p.02):
Os questionamentos lançados às epistemologias canônicas, às estéticas dominantes, aos códigos culturais oficiais partem precisamente de grupos sociais que não se vêem aí representados. Há uma revolta das identidades culturais e sociais subjugadas contra os regimes dominantes de representação. É essa revolta que caracteriza a chamada “política de identidade.
Diferentes grupos sociais estão envolvidos em meio à produção de significados, em meio a narrativas que explicam o mundo, que representam seu modo de existir. Ou seja, que representam sua língua, seus costumes, suas práticas sociais. Essas narrativas “contam” a identidade cultural de um grupo. Para Giroux e McLaren (1995, p.145) a cultura “é uma luta em torno de significados, identidades e narrativas”, do que podemos concluir que tanto a produção de significados quanto as narrativas que “contam” as identidades culturais não são processos que se constituem e se estabelecem de forma tranquila. Eles ocorrem em meio a conflitos, eles são negociados em meio à luta por hegemonia. Nessa luta por hegemonia, algumas identidades se sobrepõem a outras e em meio a essas lutas são traçadas políticas de identidades.
O que podemos observar nas fotografias com as quais estamos trabalhando é que na profissão docente o atravessamento de gênero é uma constante. Neste estudo que privilegiou as reportagens referentes ao Dia do Professor, não encontramos um exemplo onde um homem “representasse” a classe do magistério. Em geral, as reportagens são verdadeiras apologias às profissionais abnegadas da educação, às heroínas que têm nas mãos o poder de transformar a sociedade. Guacira Louro (1997) pergunta qual o gênero da escola. Se por um lado há uma construção social que estabeleceu uma ligação entre o desempenho da mulher na família, junto a filhas e filhos e o seu desempenho na escola, junto a crianças e adolescentes, por outro lado, historicamente o conhecimento oficial que compõe o currículo escolar, tem sido produzido por homens. Não podemos esquecer que no início da Idade Moderna o mestre era o responsável pela educação das crianças, quase sempre ligado a ordens religiosas; entretanto, em meio a transformações ocorridas nesse processo, uma das mais significativas foi a feminização do magistério. (idem, 1997). Uma série de discursos vai contribuir para essa mudança, inclusive discursos científicos como, por exemplo, o da Psicologia, “acentuando que a privacidade familiar e o amor materno são indispensáveis ao desenvolvimento físico e emocional das crianças” (ibidem, p. 96).
Apesar do maior contingente de pessoas que segue a carreira do magistério ser constituído de mulheres, comemoramos no dia 15 de outubro o Dia do Professor e não o Dia da Professora. Nesta data, o magistério é manchete de jornais, recebendo homenagens calorosas da mídia nacional. Professores e professoras tornam-se o tema do dia. É o momento de vir a público a denúncia de baixos salários do magistério, de exaltar a “vocação” da profissão, o doar-se para os/as alunos/as.
Nas inúmeras reportagens temos evidenciado uma representação cristalizada do que é ou como deveria ser a professora, ou seja: uma pessoa idealista, compreensiva, e que tem a sua realização profissional no “crescimento” dos/as alunos/as. É interessante ressaltar o papel da mídia enquanto construtora e multiplicadora de “representações” não somente para a comunidade alheia ao ambiente escolar, mas também na construção das subjetividades de professores e professoras. O jornal multiplica uma imagem do que é ser o bom professor ou a boa professora, enfatizando a vocação, o amor às crianças, a dedicação ao trabalho. Na pauta onde a discussão é o baixo salário do magistério, está relacionado que além da remuneração a professora é valorizada pelo privilégio de amar e ser amada pelas crianças, de poder participar da construção de um mundo melhor. Estas mensagens que criam e reforçam discursos, formando as subjetividades.
Um exemplo desta construção de subjetividades, desta trama de informações da mídia, é a matéria publicada no dia 15 de outubro de 1996 (ver foto 3) na editoria de educação do Jornal NH. O veículo abre espaço para a discussão da valorização do professor com o título:
A formação de cidadãos passa pelos professores – salário baixo está entre barreiras a serem derrubadas. A matéria apresenta a opinião da secretária de educação do município, especialistas, presidente do sindicato dos professores. Todos concordam que o professor deveria ser mais valorizado.
Mas o depoimento com direito a fotos e a ocupar o maior espaço da matéria é o de uma professora que relata sua trajetória na educação. Esta professora está autorizada a falar, ela é uma profissional pós-graduada, que esteve durante anos na sala de aula, e agora está ali no jornal, representando a voz de suas colegas. Para a comunidade leitora, quem está falando não são autoridades, mas a própria professora falando sobre a sua experiência. O efeito visual através da fotografia nesta reportagem é muito explorado.
Lado a lado uma foto da professora jovem em sua formatura e em outra ela hoje aos 54 anos, seguindo sua carreira de educadora. É interessante observar o olhar em cada foto. Na primeira, a jovem vestida com a beca (traje de formatura) como símbolo da conquista de quem agora detém o saber. A moça olha para cima buscando um futuro, algo novo que ela tem a conquistar: a sala de aula. Já na segunda foto a professora encara a câmera fotográfica com um sorriso, como de quem já trilhou um caminho na educação e está feliz, realizada. Ela encara o/a leitor/a como uma mulher que está ali, de cabeça erguida defendendo um ideal que não tem preço, é uma doação às crianças. Na legenda que faz uma linha de tempo temos a mensagem da realização no ato de educar:
Elzira na formatura, em 58… E hoje, com a mesma garra (ver foto 3).
Não podemos desconsiderar a função da legenda no fotojornalismo. Ela não é uma simples e “ingênua” frase que acompanha a fotografia. Para Helouise Costa (1994, p.88) “O vínculo entre foto e legenda é fundamental na sua construção por se constituir na sua unidade narrativa.” A legenda está engendrada na trama da edição da fotografia na imprensa. De novo, a autora chama atenção para a relação entre foto e legenda, argumentando que a apreensão de uma fotografia na imprensa acontece em três movimentos:
…inicialmente o olhar percorre a imagem, buscando uma inteligibilidade imediata; num segundo momento lê a legenda, buscando completar sua percepção primeira; por fim retorna a imagem e conclui a interpretação da cena. Se o olhar apreende a totalidade da fotografia e a seguir a da legenda, por que a necessidade de retornar a imagem?
A autora lança uma pergunta que nos faz pensar sobre a narrativa construída a partir de fotografias e legendas associadas a outros recursos jornalísticos. Esse conjunto de elementos produz determinadas representações. Em nosso estudo sobre algumas relações entre mídia e educação entendemos como pertinente retomar as significativas contribuições já citadas de Giroux e McLaren (1996) onde os autores trazem uma discussão sobre a importância da imagem na construção das subjetividades: “…uma pedagogia crítica da representação reconhece que as imagens não são nem objetivas nem transparentas, mas produzidas no interior de locais discursivos e materiais de disjunção, ruptura e contradição.” Os autores seguem o termo “representação” de uma forma similar à usada por Stuart Hall (1997) que define “como a forma pela qual o significado é construído através da localização, do posicionamento e da disposição do discurso. Hall (1997, p. 149) escreve que “a forma como as coisas são representadas e as maquinarias e os regimes de representação numa cultura (…) exercem um papel constitutivo e não simplesmente reflexivo, posterior ao evento.”
A fotografia na mídia exerce um papel muito mais de formadora. O fotógrafo sugere que não interpretemos o mundo. Ele propõe a sua interpretação, a sua visão de mundo. As coisas visíveis são tecidas, construídas pelo invisível.
Considerando a capacidade da fotografia “permitir um estudo minucioso do outro” podemos perceber o seu papel no exercício de poder. Neste sentido, o fotógrafo Fernando de Tacca (1995, p.99) faz uma interessante relação entre a fotografia e o olhar totalitário que controla como uma máquina de vigiar: “O fascínio da fotografia não está em proibir de ver, mas em obrigar a ver, ou de outro lado, se podemos hoje nos sentir aparentemente livres em regimes democráticos é porque talvez tenhamos trocado a própria liberdade pela liberdade de consumir imagens…”
Este ensaio não está finalizado. São apenas propostas de discussões de algumas das inúmeras representações de educação que um jornal constrói. A proposta é multiplicar o discurso, e não desvendar o que há “por trás” da intenção do fotógrafo, do jornalista.
O que buscamos discutir aqui são ideias que compõem as pesquisas que estamos desenvolvendo em direção ao trabalho com imagens. Nesse processo é de fundamental importância o exercício do olhar. Um olhar que seja instigador no questionamento de representações que têm sido naturalizadas nas suas formas sociais e culturais. Esse tem sido um de nossos maiores desafios visto que não fomos formadas para ter “olhos de ver”.
Outro desafio que se impõe é fazer com que o olhar solitário da pesquisadora no momento da análise do material empírico, não seja um olhar pessoal, mas sim coletivo. Deve ser aquele olhar que é também constituído culturalmente, a partir das relações culturais e sociais na qual ambos, pesquisador/a e objeto de análise, estão inseridos. O que pretendemos buscar são as formas como a profissão docente tem sido representada pela mídia. Em nenhum momento nos interessa aqui interpretar as intenções do/a fotógrafo/a, da/o repórter ou do/a editor/a do jornal, pois eles também estão inseridos em contextos culturais. Desse modo, escolhemos por finalizar este trabalho com uma citação um tanto longa, mas pertinente, que nos fala sobre o ato de interpretar:
…se persistirmos em nos proibir de interpretar uma obra sob o pretexto de que não se tem certeza de que aquilo que compreendemos corresponde às intenções do autor, é melhor parar de ler ou contemplar qualquer imagem de imediato. Ninguém tem a menor ideia do que o autor quis dizer; o próprio autor não domina toda a significação da imagem que produz. (…) Interpretar uma mensagem, analisá-la, não consiste certamente em tentar encontrar ao máximo uma mensagem preexistente, mas em compreender o que essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca de significações aqui e agora, ao mesmo que se tenta separar o que é pessoal do que é coletivo. (Joly, 1996, p.44)
Conceito de cultura é um conceito a ser considerado, ao se estabelecer a relação entre Educação e Sociedade. Não há sociedade sem cultura e não se fala em cultura sem interferência de uma relação social.
Aprendendo a ler nas lentes do jornal
Saraí Schmidt – UFRGS
“Se vivemos em um mundo visual, no qual somos bombardeados por ícones novos a cada dia, se as diferentes culturas impõem, umas às outras, verdadeiras guerras visuais, se as guerras verdadeiras passam a ter o visual de meras brincadeiras, como olhar somente para as palavras?”
(Achutti, 1997)
Este trabalho é parte das conclusões de uma pesquisa, onde investiguei as concepções de educação apresentadas na mídia impressa brasileira, centralizando a análise nas reportagens que se utilizam de fotografias. Meu objetivo com este artigo é compartilhar com as/as pesquisadoras/es do GT Alfabetização, Leitura e Escrita as análises desenvolvidas especialmente acerca das representações sobre a alfabetização que estão sendo produzidas e multiplicadas pelos jornais e, particularmente, a articulação das fotos na fabricação destas representações. O tema alfabetização tem sido alvo de inúmeras reportagens e campanhas na mídia impressa brasileira. Considero produtivo e relevante o exercício de desenvolver uma análise sobre as narrativas produzidas e colocadas em circulação pelos jornais sobre a importância da alfabetização para o desenvolvimento social.
Na condição de jornalista e pesquisadora, entendo que este trabalho possa contribuir para a discussão sobre como o jornal participa na construção de concepções hegemônicas sobre alfabetização, como relações de poder forjadas e operantes na arena cultural vão consolidando e legitimando concepções, fortalecendo posições político-filosóficas, produzindo identidades e coordenando sujeitos.
Para este artigo selecionei um conjunto de reportagens que utilizam a fotografia ao colocar em pauta a temática alfabetização. Os materiais selecionados são analisados como artefatos culturais que produzem representações sobre a alfabetização e que praticam uma pedagogia peculiar.
Na pesquisa, realizada na perspectiva dos Estudos Culturais, analiso as formas como a alfabetização é representada na trama de discursos da mídia neste final de século, e discuto como estas representações, construídas com inspiração em concepções modernas e hegemônicas, se constituem e se fortalecem na textualidade fotográfica do aparato jornalístico. Autores e autoras como Alfredo Veiga-Neto, Marisa V. Costa, Rosa M. Fischer, Tomaz Tadeu da Silva e Norma Marzola, entre outros/as, cujas análises contemplam perspectivas pós-estruturalistas e procuram olhar criticamente para o enquadramento iluminista, fornecem o aporte teórico para uma aproximação maior com abordagens que, no quadro da transformação da crítica, vêm possibilitando novas problematizações da educação. As discussões e os trabalhos de autoras e autores como Douglas Kellner, Henry Giroux, Walerie Wakerdine e Stuart Hall sobre narrativa e representação contribuem para abordar questões políticas das identidades culturais.
O que pretendo não é lançar uma “fórmula” ou uma estratégia mais perspicaz para analisar as fotografias que tematizam a alfabetização publicadas nos jornais. Minha proposta foi colocar em discussão as narrativas que os jornais escolhidos estão criando e colocando em circulação sobre o que pode significar o acesso à alfabetização. Também não faço uma análise de imagens no sentido semiótico. Segundo Costa (1996, p.10) “não importa o método que utilizamos para chegar ao conhecimento; o que de fato faz a diferença são as interrogações que podem ser formuladas dentro de uma outra maneira de conceber as relações entre saber e poder”. Os Estudos Culturais, perspectiva teórica na qual este trabalho se insere, abrem a possibilidade de optar por não realizar um estudo de recepção do material analisado e sim discutir aquilo que está sendo colocado em circulação na mídia. Entendo que pode ser produtivo o exercício de tentar analisar quais são os olhares que o jornal está lançando para as questões relacionadas à alfabetização brasileira, examinando o que ele nos diz sobre isto.
[1][1] Jornal NH é uma publicação diária do Grupo Editorial Sinos em Novo Hamburgo. Circulação média de 40 mil exemplares/dia, atingindo cerca de 32 municípios do RS.
[2][2] Conforme dicionário Aurélio: A metáfora pasteurização, (processo pelo qual determinado material é aquecido a temperatura não elevada, por um período longo, e, em seguida, submetido a resfriamento súbito, obtendo-se assim, a morte, apenas dos germes patogênicos) visa fazer relação com a busca da higienização do padrão escolar.
[3][2] Conforme dicionário Aurélio: A metáfora pasteurização, (processo pelo qual determinado material é aquecido a temperatura não elevada, por um período longo, e, em seguida, submetido a resfriamento súbito, obtendo-se assim, a morte, apenas dos germes patogênicos) visa fazer relação com a busca da higienização do padrão escolar.
O livro “A educação em tempos de globalização” organizado pela jornalista Saraí Schmidt
Material didático é uma ferramenta essencial para a prática pedagógica.
A Necessidade da Leitura no Processo de Ensino/Aprendizagem é um tema que se conecta diretamente com a discussão sobre a importância da educação na era da globalização.
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