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Atualizado em 09/08/2024

Educação e Violência: Qual o Papel da Escola?

O artigo explora o papel da escola na prevenção e redução da violência, discutindo como as instituições de ensino podem criar ambientes seguros e saudáveis para os alunos.

Autora: Aida Maria Monteiro Silva *

Nos últimos anos, muito se tem falado de violência, até porque esta passou a fazer parte do nosso cotidiano, o que explica o interesse em discuti-la. Esta motivação é comprovada em pesquisa realizada recentemente pelos meios de comunicação sobre os problemas que mais inquietam a população. A violência, entre outros, foi destacada por pessoas de diferentes camadas sociais como um dos principais problemas, principalmente aquela que atinge a vida e a integridade física dos indivíduos.

Para que possamos entender melhor os determinantes da violência e o papel da educação, algumas questões nos parecem pertinentes para ajudar a nossa reflexão. De que forma a violência é engendrada na nossa sociedade? Quais os valores que têm norteado as diferentes práticas sociais e, entre estas, a educacional? Qual o papel da educação e da escola diante de uma sociedade com características violentas? Estas são perguntas fundamentais.

Hoje, a violência está estampada nos grandes centros do nosso país e se apresenta de diferentes formas. Por isso, para Vera Telles (1996), é mais fácil se falar de violências no plural, ou seja, a violência urbana, a policial, a familiar e a escolar. Embora considerando que todas essas manifestações de violência estão imbricadas, vamos dar um maior destaque, neste texto, à violência escolar, sobretudo a que se manifesta de forma subjetiva nas relações sociais no interior da escola.

Este problema tomou tamanhas proporções que está sendo visto como de âmbito mundial e também como uma questão de utilidade pública, pois sua manifestação se propaga em proporções semelhantes às das doenças infecciosas, uma vez que afeta as grandes metrópoles (Gilberto Dimenstein 1996). Portanto, esta problemática não é uma característica apenas da sociedade brasileira. Outras sociedades da América Latina e da América Central também vivem experiências de taxas elevadas de violações dos direitos humanos, inclusive a violação do direito à vida é muito frequente, como é o caso do Peru, Colômbia, Bolívia, El Salvador e Guatemala (Sérgio Adorno, 1994).

Em relação ao Brasil, não podemos desconsiderar a história da formação do nosso povo, com a escravidão gerando comportamentos de servidão, de mando e de submissão, em que o indivíduo é desrespeitado na sua condição fundamental de pessoa humana e tratado como “objeto” de manipulação dos seus “proprietários”. Sérgio Adorno (1994) chama a atenção para o fato de que, durante o período monárquico, a sociedade resolvia os seus conflitos relacionados à propriedade, ao monopólio do poder e à raça, utilizando, de um modo geral, o emprego da violência. E este era considerado um comportamento normal, legítimo e, por ser rotineiro, passava a ser institucionalizado. É como se fosse um processo natural, justificando até uma certa aquiescência da sociedade.

Ao longo da história do nosso país, o que se tem observado é que, mesmo com a implantação do regime republicano, cujo fundamento básico é o bem comum e o bem público a todos os cidadãos, esse quadro de violência pouco se modificou, até porque no campo político temos convivido com várias alternâncias de regimes autoritários e ditatoriais que implodiram o direito de liberdade dos indivíduos. Estes foram períodos que trouxeram elevados custos à convivência democrática do nosso povo, com violações do direito à vida e inúmeras mutilações físicas.

Esta realidade do nosso país serve para desmascarar a imagem tradicional de que o brasileiro “é um povo sentimental, ordeiro e pacífico”, conforme coloca Maria Victória Benevides (1996).

O fato de a sociedade brasileira ser organizada e determinada por um modelo econômico capitalista extremamente excludente, caracterizado por uma grande concentração de renda, aliás, uma das maiores do mundo, se constitui em um dos principais fatores da desigualdade e da violência. 50% da renda do país fica nas mãos de 10% da população, enquanto que os 20% da população mais pobres detêm apenas 2,1% dessa renda (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-PNUD, 1994). As relações são profundamente desiguais. Essas grandes diferenças geram privilégios para alguns e, consequentemente, a ausência de direitos para muitos.

É a sociedade do mundo capitalista que valoriza, essencialmente, o consumo, as coisas materiais, a aparência em detrimento da essência da pessoa humana. É um total desvirtuamento do significado de ser gente, ser sujeito, ser pessoa. Valores como solidariedade, humildade, companheirismo e respeito são pouco estimulados nas práticas de convivência social, quer seja na família, na escola, no trabalho ou em locais de lazer. A inexistência dessas práticas dá lugar ao individualismo, à lei do mais forte, à necessidade de se levar vantagem em tudo, e daí a brutalidade e a intolerância.

A violência perpassa as diferentes relações sociais e aparece de forma explícita nos meios de comunicação de massa, principalmente na mídia televisiva. São vários os programas que enfatizam e reproduzem, com veemência, atos de violência e até de barbárie que acontecem frequentemente nas sociedades em geral. Além disso, a televisão comumente apresenta programas com “brincadeiras” desrespeitosas em que os indivíduos são usados como objeto sarcástico. Até os programas infantis não fogem a essa conotação violenta.

Esta questão da influência da mídia eletrônica é destacada por alunos de um conjunto de escolas localizadas no Município de São Paulo, onde realizamos uma pesquisa sobre a percepção que alunos, professores e direção da escola têm em relação à problemática da violência urbana e escolar (Aida Silva-1995). Os alunos, de forma unânime, afirmaram que há uma tendência das pessoas em “copiarem” os programas da televisão, a ponto de determinadas atitudes virarem moda entre as crianças e os jovens. E eles vão mais além, defendem a necessidade de um disciplinamento para o horário e a frequência de programas que têm conotação violenta.

O alerta que esses jovens nos trazem merece ser apreciado com mais atenção, até porque a televisão é um dos meios de comunicação que está presente em praticamente todos os lares da nossa população e boa parte do tempo das crianças é ocupado com a televisão.

É neste contexto que entendemos a violência, enquanto ausência e desrespeito aos direitos do outro. É como dizem os sujeitos dessa pesquisa: “violentá é romper a liberdade e os direitos do cidadão. É alguém que passa dos limites e invade a privacidade do outro. É a falta de solidariedade e o desrespeito aos direitos humanos”.

Na verdade, a escola também reflete o modelo violento de convivência social. E o mais grave é que muitos educadores não se apercebem como violadores dos direitos dos alunos. É o que podemos chamar de violência simbólica, que segundo Dulce Whitaker (1994), “ajuda não só a obscurecer a violência que está no dia a dia, no cotidiano, como também a esconder suas verdadeiras causas”. É a violência sutil que, em geral, não aparece de forma tão explícita e serve para escamotear e dissimular os conflitos.

E ainda essa mesma autora chama a atenção porque muitas vezes “os professores não se dão conta de que o que torna as crianças apáticas, não são propriamente os conteúdos ministrados, mas sim o ponto de partida da ação pedagógica que se apresenta carregado de autoritarismo e, portanto, de violência simbólica”.

Na pesquisa a que nos referimos anteriormente sobre a percepção dos alunos e educadores em relação à violência urbana e escolar, esta visão da escola enquanto espaço de violência é destacada pelos alunos, e estes exemplificam como esta se manifesta: “quando o professor fala: este aluno está ferrado comigo” (isto porque o aluno era indisciplinado), ou então, “este aluno não quer nada com a escola e por mim está reprovado”. E o mais interessante é que os professores não vêm estas formas de relacionamento com os alunos como desrespeitosas ou violentas. Para estes, a violência na escola aparece, basicamente, na relação entre os alunos e destes para com o professor. Era como se o professor pudesse ficar isento de tais práticas, mas, na verdade, todos nós somos produtos do conjunto das relações sociais de uma determinada sociedade da qual fazemos parte. Daí a importância de termos conhecimento de como essas relações são produzidas para podermos pensar alternativas de superação.

E qual é o papel da educação e da escola nesse contexto? Se entendemos que a educação é um processo de construção coletiva, contínua e permanente de formação do indivíduo, que se dá na relação entre os indivíduos e entre estes e a natureza, a escola é, portanto, o local privilegiado dessa formação, porque trabalha com o conhecimento, com valores, atitudes e a formação de hábitos.

Dependendo da concepção e da direção que a escola venha assumir, esta poderá ser local de violação de direitos ou de respeito e de busca pela materialização dos direitos de todos os cidadãos, ou seja, de construção da cidadania.

Entendemos que um projeto de escola que busque a formação da cidadania precisa ter como objetivos: tratar todos os indivíduos com dignidade, com respeito à divergência, valorizando o que cada um tem de bom; fazer com que a escola se torne mais atualizada para que os alunos gostem dela; trabalhar a problemática da violência e dos direitos humanos, a partir do processo de conscientização permanente, relacionando esses conteúdos ao currículo escolar; incentivar comportamentos de trocas, de solidariedade e de diálogos, como bem coloca Renata Aguirre – aluna da 8ª série da Escola Municipal de São Paulo – “a violência é a força bruta contra alguém. Quem pratica a violência é burro, covarde, porque somos seres humanos e a única coisa que nos diferencia dos animais é a capacidade de pensar e de falar. Se nós temos a capacidade de usar palavras, para que usar a força bruta? É isso que as pessoas precisam entender”.

E para Vera Candau e outras (1995), é importante que “a escola seja um espaço onde se formam as crianças e os jovens para serem construtores ativos da sociedade na qual vivem e exercem sua cidadania” e essas autoras, referendando Sime (1991), chamam a atenção no sentido de que esta proposta educativa deve ter como eixo central a vida cotidiana, vivenciando “uma pedagogia da indignação e não da resignação. Não queremos formar seres insensíveis e sim seres capazes de se indignar, de se escandalizar diante de toda forma de violência, de humilhação. A atividade educativa deve ser espaço onde expressamos e partilhamos esta indignação através de sentimentos de rebeldia pelo que está acontecendo”. Assim, acreditamos que esta deva ser a nossa utopia.

Bibliografia

1-ADORNO, Sérgio-Violência: um retrato em branco e preto-In Revista Idéias-nº 21-FDE-SP-1994.

2-BENEVIDES, Maria Victória- A Violência é Coisa Nossa-In A Violência no Esporte – vários autores-Secretaria. da Justiça e da Defesa da Cidadania-SP-1996

3-CANDAU, Vera e outras-Oficinas Pedagógicas de Direitos Humanos-Vozes-RJ-1995.

4-DIMENSTEIN, Gilberto- A Epidemia da Violência- Folha de São Paulo- 22/09/96.

5-SILVA, Aida Monteiro-A Violência na Escola: a percepção dos alunos e professores-1995-mimeo.

6-TELLES, Vera-Violência e Cidadania-In Violência no Esporte-vários autores-Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania-SP-1996

7-WHITAKER, Dulce-Violência na Escola-In Revista Idéias-nº 21-FDE-SP-1994

* Professora da Universidade Federal de Pernambuco-Doutoranda da Universidade de São Paulo

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Este texto foi publicado na categoria Saúde Mental e Psicológica.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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