Dimensões de um Currículo que Contemple a Educação Inclusiva
Conceito de Currículo
Mais do que programas, listas de conteúdos e de atividades, o currículo é o desenvolvimento de formas de pensar, de perceber o mundo, de viver. Implica na preparação do indivíduo para a sociedade existente, para posições de domínio ou de submissão, para a assunção de posições críticas ou alienadas em relação à realidade, para a vivência plena ou apenas parcial da cidadania.
As perspectivas conceitual e filosófica de Educação que regem o currículo definem o cotidiano escolar e suas decorrências. Na nossa discussão, preocupada com a diversidade e a inclusão, o referencial curricular apontado foi o do Multiculturalismo Crítico, com a citação de autores como Mc Laren e das perspectivas construtivistas – Vygotsky e Piaget – de Bruner e de Perrenoud, entre outros.
De acordo com esta perspectiva, o currículo não trabalha só com o conhecimento, mas com a cultura, a identidade e a subjetividade. Elaborar currículos é tomar decisões sobre os saberes que serão considerados, valorizados e transmitidos pela escola. É também decidir quanto à criação ou não de grupos excluídos e culturas negadas pela escola. A perspectiva multicultural faz com que o currículo se comprometa com o ensino de qualidade e com a perspectiva de acolhimento e respeito às diversidades.
Os Responsáveis pelo Currículo
Não são apenas os profissionais da Educação os responsáveis pelo currículo. Há saberes fundamentais que estão na área de conhecimento dos especialistas, mas há outros que vêm da comunidade interna e externa à escola e dos próprios alunos, e que podem aprimorar extraordinariamente o currículo. Assim, ele precisa ser democrático, abrangente e inclusivo, para atender às singularidades do alunado – não apenas às chamadas necessidades educativas especiais, mas às necessidades individuais dos que transitam no espaço escolar.
O Conceito de Inclusão como Estruturante do Currículo
O grupo falou exaustivamente de inclusão, destacando que ela significa que, quando existe verdadeiramente, a sociedade se entende e se adapta para atender às necessidades de todos, em vez de apenas a um grupo; que ela defende os direitos de todos, com as dificuldades que possam ter; traz grupos excluídos para dentro do “sistema”, trazendo a este uma qualidade que é usufruída por todos; e parte da compreensão de que todos somos diferentes, valorizando as peculiaridades e a individualidade de cada um. Estas foram notadas no próprio grupo, na riqueza da diversidade de experiências e compreensões.
É importante ressaltar que a inclusão começa pela família e pela escola, onde as crianças, os jovens e os adultos devem experienciar a convivência com todos, em vez da segregação dos grupos isolados.
No caso do currículo, não significa trabalhar para os grupos “especiais”, pois isso ainda é excluí-los, mas trabalhar com eles na construção da concepção de sujeito, de conhecimento e de mundo que o currículo envolve. Não se trata apenas dos alunos com necessidades educativas especiais, mas também dos “culturalmente diferentes” da norma de performance que a escola espera, “culturalmente desfavorecidos” em relação à cultura dominante.
Sociedade Excludente – Escola Excludente
A discussão do grupo pontuou que não existe uma escola excludente, desvinculada do contexto social mais amplo. Estas práticas são vividas, antes do cotidiano escolar, na vida. São elas as geradoras das estereotipias, dos medos e dos sentimentos de menor valia que muitos portadores de necessidades educativas específicas apresentam na escola. Foi gratificante encontrar, no nosso grupo, tantas pessoas que vencem estas barreiras e vão buscar, na luta, a superação do preconceito e o direito à plena cidadania.
Adaptações Curriculares
Para atender às diversidades de que falamos, há a necessidade de “adaptações” do currículo regular, envolvendo modificações organizativas, nos objetivos e conteúdos, nas metodologias e na organização didática, na temporalidade e na filosofia e estratégias de avaliação, permitindo o atendimento às necessidades educativas de todos, em relação à construção do conhecimento.
Alguns membros do grupo criticaram os currículos desenvolvidos nas escolas, chamando-os de “excludentes, reprodutores, domesticados, acríticos”. Esta reflexão incluiu os próprios currículos das universidades, sobretudo os dos cursos de formação de educadores.
A discussão desta semana deixou boas indicações de tópicos a serem aprofundados nas próximas etapas. Foi ressaltado, por exemplo, que qualquer adaptação curricular necessita das condições mínimas de acessibilidade, que permitam a sua consecução. O grupo falou também da importância, na atualidade, das novas tecnologias de informação e comunicação inseridas neste processo curricular, apontando para as chamadas “tecnologias assistivas”, conceito bastante novo na Educação em nosso país.
Tais adaptações precisam, necessariamente, envolver toda a equipe da instituição – evitando a transferência de responsabilidades – e perpassar três níveis: o projeto político-pedagógico, o currículo e as mudanças de atitudes individuais.
O conceito de adaptação curricular mostrou-se, no entanto, polêmico. Alguns membros do grupo defendem a ideia de que não é possível criar um currículo modificado para o desenvolvimento cognitivo específico de grupos de pessoas, tendo que haver apenas recursos técnicos de acessibilidade para esses grupos. Argumentam que é muito grande a diversidade de características destes grupos, o que demandaria a criação não de adaptações, mas de “múltiplos currículos”, sendo implementados concomitantemente.
Afirmam, ainda, que não há qualquer diferença na estrutura mental ou na forma de aprendizagem dos membros destes grupos. Consequentemente, defendem a existência de um currículo único, e que seja feita, para todos os alunos, a avaliação diagnóstica do nível de abstração, concentração e generalização em que se encontram, dos conceitos previamente construídos e das motivações, por exemplo. Deste patamar partiria o desenho curricular adequado.
Outra parte do grupo, no entanto, afirmou que o desenvolvimento do currículo único, sem adaptações para atender às diversidades, pode acentuar as práticas excludentes, agora sob a forma do descaso e do abandono destes alunos ao “fundo da sala de aula” e aos perigosos rótulos das “dificuldades de aprendizagem”. Estes colegas argumentam que o fundamental é a criação da “escola inclusiva”, aquela que é tão flexível a ponto de acolher todos, e também as adaptações curriculares necessárias para que todos sejam atendidos. Afirmam que o currículo é único de qualquer forma, apenas no momento da implementação, em vez de uma única estratégia, são aplicadas adaptações.
A Formação Docente Necessária
Embora não fosse este o tópico discutido pelo grupo, assim como no Seminário, foram muito frequentes as intervenções que destacavam a necessidade do aprimoramento desta formação, de que o professor – pesquisador que se pretende hoje em dia tenha em mente questões da problemática concernente à Educação Inclusiva, além da sensibilização e da motivação para o trabalho que realmente efetive a inclusão.
Esta formação deve, segundo alguns debatedores do Fórum, contemplar informações sobre os diversos tipos de necessidades especiais. Isto não significa, no entanto, desenvolver nos professores uma “ânsia diagnóstica” em relação aos alunos, baseada nas famosas classificações etiológicas, o que acaba se refletindo na já conhecida busca de encaminhamentos destes para outros profissionais, numa tentativa de minimizar a angústia docente diante do que não sabe enfrentar e da diminuição da culpabilização pelo fracasso destes alunos. Alguns membros do grupo defendem que esta aprendizagem não se restrinja às características das várias modalidades de necessidades educativas específicas, mas às peculiaridades dos vários grupos e culturas excluídos.
O grupo destacou, ainda, os aspectos da subjetividade docente que se refletem, por exemplo, nas representações – muitas vezes inconscientemente rotuladoras e preconceituosas – que os docentes elaboram em relação às diversidades.
Foi unânime a constatação de que os nossos professores necessitam de formação contínua, e isto não se refere apenas ao trabalho inclusivo. Faz falta, também, uma capacitação que atinja o local de trabalho, pelas dificuldades dos docentes em relação a horários e deslocamentos para a realização de cursos. A Educação à Distância foi apontada como uma boa perspectiva para este tipo de suplência à formação inicial do professor.
A Prática da Inclusão na Escola
Esta talvez tenha sido a discussão mais acalorada do grupo. Novamente pudemos sentir duas posições quanto à questão. Uma parte dos debatedores defende a inclusão total e imediata, mesmo que “forçada”, colocando todos os alunos nas salas regulares, em tempo integral. Para eles a inclusão ocorrerá, naturalmente, no convívio e no contato diários. Argumentam que esta é uma estratégia efetiva para a diminuição da desigualdade social como um todo, acrescentando que este movimento não está crescendo apenas no nosso país, mas que é de âmbito mundial.
Outra parte do grupo trouxe um pensamento diferente, chegando a afirmar que o primeiro defende uma “inclusão xiita”. A inclusão total, segundo eles, é perigosa e pode aumentar os índices preocupantes de evasão. Pode ainda recriar, no cotidiano escolar, uma versão excludente das práticas externas, com a discriminação, a falta de acesso aos conhecimentos e a avaliação meritocrática e classificatória, de que falaremos mais tarde.
Afirmam que os procedimentos inclusivos precisam ser acompanhados de uma preparação, que inclui a revisão das normas arbitrárias de normalidade, secularmente aplicadas. Criticam a aplicação indiscriminada de princípios que, mesmo sendo legítimos e justos, podem ser contaminados pelo descrédito e pela desesperança.
Cotidiano da Educação Inclusiva no cotidiano da Escola
Foram feitos alguns relatos de experiências sobre a inclusão do cotidiano escolar, por alunos (ou ex-alunos) com necessidades especiais e por professores. O grupo, no entanto, na discussão, identificou importantes aspectos desta dimensão.
Relatos de Experiências Pessoais como Alunos
Os poucos participantes que relataram as suas experiências escolares no ensino regular eram portadores de deficiência visual, e descreveram situações ocorridas em uma época quando nem sequer se aventava a possibilidade de inclusão, quando os alunos portadores de algum tipo de deficiência ou necessidade educacional especial que estudavam em classes regulares tinham que “se adaptar por conta própria”.
O conceito de adaptação curricular não existia e os professores não eram qualificados para lidar com a diversidade educacional. Consequentemente, o sucesso acadêmico dependia do esforço do aluno e de sua “sorte” em contar com professores que tivessem interesse em ajudá-lo, e “bom senso” para vislumbrar formas alternativas de ensino. Não resta dúvida que um grande número de alunos abandonou a escola no meio do processo, sofrendo agudamente o processo excludente que tanto foi discutido.
Pelo que nos foi relatado, os alunos com deficiências visuais cumpriam sua escolarização básica (antigos primário e ginásio) em escolas ou classes especiais (muitos estudavam com professores particulares em casa), sendo que alguns seguiam posteriormente para o ensino médio (segundo grau) em escolas regulares. Vale observar que esta situação continua ainda sendo, em muitos casos, uma realidade no nosso país.
Segundo os relatos, só conseguir matrícula em uma escola regular já era um desafio, pois a maioria não aceitava alunos com deficiências. Muitos acabavam recorrendo às provas de diplomação (denominadas, na época, Artigo 91 e Artigo 99, correspondendo, respectivamente, ao ginásio e o segundo grau), mas isso também apresentava dificuldades já que não havia, de modo geral, condições para que as provas fossem transcritas em Braille e os candidatos eram obrigados a prestar exame oral.
Chamou a atenção do grupo que mesmo agora, com a legislação que obriga as escolas a aceitarem alunos com deficiências, uma mãe relatou que estava tendo que comparecer ao Ministério Público para garantir a permanência de seu filho cego na escola!
Além disso, os alunos cegos que conseguiam ultrapassar a barreira do ingresso no ensino regular se deparavam com dificuldades para desenvolver seus estudos, já que não havia equipamentos e recursos pedagógicos facilitadores. O próprio aluno era obrigado a trazer os seus equipamentos e a encontrar formas de acompanhar as aulas. Mais uma vez, verificamos que em grande parte das escolas brasileiras, inclusive nas universidades, essa situação ainda se faz presente.
Outra dificuldade encontrada e que ainda perdura, sobretudo na universidade, é o volume excessivo de leituras que os alunos cegos não conseguem acompanhar, já que dependem da ajuda dos colegas de classes e de ledores, nem sempre disponíveis no ritmo requerido.
Relatos de Experiências como Professores
Também não foram muitos os relatos de professores sobre experiências de inclusão de alunos com deficiências em suas classes regulares, porém as opiniões eram divergentes. Um participante, por exemplo, colocou que, em sua experiência, os alunos que chegavam na escola regular oriundos do ensino especial tinham uma maior bagagem tanto em termos de socialização, quanto de desenvolvimento acadêmico, tendo, portanto, melhores condições de adaptação. Outro, ao contrário, ressaltou que esses alunos tinham mais dificuldades de entrosamento com a dinâmica da escola do que os que estavam desde pequenos no ensino regular.
No entanto, foi consensual que o grau de adaptação do aluno com necessidades especiais na escola regular depende da capacitação do professor. Foi relatado, como ilustração, o caso de uma aluna com deficiências múltiplas inserida em uma classe regular onde a professora, apesar de dedicada, não sabia como trabalhar pedagogicamente com ela; a menina ficava “jogada em um canto”, e acabou não querendo mais ir à escola.
Aparentemente, professores que já tiveram experiência no ensino especial têm mais facilidade em aceitar alunos especiais, quando lecionam em turmas regulares. A postura do professor quando considera esse aluno como sua responsabilidade, igual aos demais, é um fator determinante para o sucesso do processo ensino-aprendizagem e de seu desenvolvimento acadêmico.
Outro aspecto importante é a compreensão de que cada aluno é diferente, ainda que tenham o mesmo tipo de deficiência ou necessidade especial. Uma professora relatou a experiência de dois alunos surdos em sua classe que, apesar do mesmo diagnóstico (e, segundo ela, do mesmo tipo de personalidade) apresentavam processos de aprendizagem, compreensão e envolvimento com as tarefas bastante distintas. Esse é um dado importante, pois o professor não pode pensar que uma vez que teve um aluno surdo em sua sala, por exemplo, todos os demais serão iguais.
A “inclusão forçada” foi também citada como um fator que prejudica, no cotidiano, a aceitação dos alunos especiais por parte do professor, que se sente ainda mais sobrecarregado. Há muitas queixas de professores contra essa “imposição” de alunos os quais eles não se sentem preparados para ensinar, principalmente no contexto já complexo de classes superlotadas e escolas sem apoio pedagógico efetivo.
Também foi discutida a prática segregada de Educação Física, com aulas separadas de alunos de classes especiais e regulares. Chamou atenção que isso ocorria mesmo em escolas cujas atividades recreativas e não-acadêmicas eram integradas. Quanto a esse aspecto foi levantada a questão da separação, em instituições especializadas, dos alunos cegos e dos de baixa visão.
Reflexões sobre a Prática Pedagógica
Embora não tenhamos tido um grande número de relatos destas experiências, a discussão sobre cotidiano escolar foi bastante rica, tendo girado em torno de duas questões básicas:
- “Todos os alunos, independente de condições prévias (deles e da escola), devem ser inseridos no ensino regular, sem grande defasagem de idade-série?
- Que tipo de recursos ou apoios diferentes alunos, com diferentes tipos de necessidades especiais (deficiência visual, auditiva e /ou cognitiva, distúrbios de comportamento, múltiplas deficiências, altas habilidades) precisam, para que possam estudar em escolas inclusivas com aproveitamento acadêmico?
Sobre essas questões alguns pontos foram consensuais. O primeiro era de que não é possível, nem mesmo desejável, que haja um “manual” que explique “como desenvolver e implementar um currículo inclusivo”. Isso vai contra a própria essência do conceito de currículo inclusivo, que tem a característica básica de ser flexível para permitir a individualização.
Ainda sobre o currículo, foi visto que na creche e na Educação Infantil, cuja ênfase recai em atividades que visam o desenvolvimento da psicomotricidade, linguagem, além de autonomia e participação, não há necessidade de grandes adaptações em nível curricular. Ao contrário, o importante é descaracterizar a criança com deficiência com um ser frágil, que necessite atitudes de superproteção por parte da professora.
Na escola básica, porém, a situação é mais complexa, pois a maior parte dos professores, oriundos de uma formação “conteudista”, acredita que alunos com necessidades especiais, devido aos seus comprometimentos, não têm condições de alcançar os objetivos propostos para os demais. A inclusão pode, no entanto, ser favorecida, se o Projeto Político-Pedagógico da escola enfatizar programas; tanto os voltados para desenvolvimento de habilidades sociais de modo geral, quanto de educação acadêmica formal, propriamente dita.
No âmbito da convivência social, temos como metas a comunicação, a linguagem, a aprendizagem individual e social e o desenvolvimento do potencial (através de seus interesses). No âmbito acadêmico, o desenvolvimento da leitura e da escrita, a resolução de situações-problema e compreensão do cálculo, o cuidado com o próprio corpo e com o ambiente e a percepção das transformações no entorno social são os pontos enfatizados. As situações reais das atividades organizadas para o alcance das metas permitem que o professor reflita sobre cada resposta alcançada, dentro dos interesses e dos ritmos de cada criança.
A alfabetização, sobretudo de pessoas cegas, foi também um dos focos de discussão durante essa semana, e os participantes a consideraram como um ponto que ainda necessita de maiores reflexões, no que tange à inclusão direta desses alunos na classe regular. Foi manifestado que, no caso de crianças cegas, há risco de problemas de aprendizagem se elas forem incluídas em uma classe de 40 alunos para serem alfabetizadas, antes de terem o domínio do Braille e Soroban.
De modo geral, foi visto que não há como se determinar a forma como cada escola fará as adaptações curriculares necessárias; o próprio professor, baseado em sua experiência cotidiana, pode chegar a propostas criativas que atendam às necessidades individuais dos alunos, sem sair de sua rotina com a turma.
Sobre o papel a ser representado pelo professor no cotidiano de uma classe inclusiva, houve diferentes manifestações. Enquanto alguns enfatizavam sua capacitação pedagógica diferenciada como pré-requisito para encarar a diversidade no processo ensino-aprendizagem, outros colocaram que a maior função do professor em sala de aula não é tanto passar um conteúdo específico, mas sim desenvolver relacionamento, cidadania e independência.
Sobre essa perspectiva, foi levantada a questão do conteúdo acadêmico mínimo que necessita ser cumprido em cada etapa da escolarização, argumentando-se que um professor preparado para lidar com a diversidade e a individualidade não terá grandes dificuldades em transmitir qualquer conteúdo a seus alunos. Por outro lado, um professor preparado apenas para transmitir conteúdos, sem saber lidar com a diversidade e a individualidade, nem sempre conseguirá transmitir o seu conteúdo programático, mesmo que não tenha alunos com necessidades especiais em sua classe.
No desenvolvimento da dinâmica cotidiana foi considerado importante que as aulas incluam diferentes alternativas para abordar o assunto do dia, de forma que os vários “estilos” e interesses de aprendizagem tenham vazão. O professor deve aprender a planejar as suas aulas de maneira diversificada, para que cada aluno tenha oportunidade e possibilidade de participação e, ao final, contribua para a aprendizagem geral do grupo.
Independente da composição da turma, o professor deve ser capaz de preparar e coordenar as atividades de sala de aula, imprimindo às mesmas uma dinâmica mais compatível com a realidade social e menos enfadonha para os alunos. Além disso, em uma aula inclusiva atividades de caráter comparativo e competitivo devem ser substituídas por aquelas que incentivem a cooperação entre os alunos.
Foi também bastante realçado, por diversos participantes, que o professor que se proponha a atuar efetivamente com uma perspectiva inclusiva, deve ser um pesquisador de sua própria prática, pois só assim ele poderá construir novos paradigmas de educação, desenvolvimento e aprendizagem. Nesse sentido o professor, ao iniciar seu trabalho diário, deve sempre se perguntar: “O que preciso fazer para que o aluno X, que tem uma deficiência / dificuldade Y, possa aprender o conteúdo programado, como os demais?” “Será que o que estou falando / mostrando faz sentido para ele? Será que ele partilha dos mesmos significados que a maioria dos outros alunos?”.
Este simples exercício investigativo ilustra como se pode lidar no cotidiano com a diversidade, pois tira a ênfase e a responsabilidade em aprender do aluno e focaliza nos procedimentos de ensino, beneficiando a turma toda, não só o aluno considerado “especial”.
Nesse sentido, os saberes acumulados da Educação Especial têm que ser compartilhados com os professores e demais educadores do ensino regular, sempre que qualquer aluno com algum tipo de deficiência ou dificuldade específica chegue na escola. Como ele aprende, e o que ele precisa para aprender?, são as primeiras questões que a professora terá que desvendar, antes de planejar qualquer atividade para ele.
Ficou explícito nas discussões travadas sobre o cotidiano que, se por um lado, há consenso que o currículo e as atividades de sala de aula dele decorrentes têm que ser planejados para todos, por outro, vários participantes apontaram que não há como negar que, que alunos com necessidades especiais específicas têm que ser atendidos em suas especificidades, caso contrário a aprendizagem não acontecerá.
Em outras palavras, uns advogam que o currículo tem que ser o mesmo e o professor deve transmitir a matéria e desenvolver as atividades para a classe como um todo, sem colocar na “berlinda” nenhum aluno. Outros, no entanto, acreditam que na prática cotidiana muitas vezes a adaptação é a única forma de estimular o aluno e promover algum tipo de aprendizagem; principalmente porque ele já vem com uma história de fracasso escolar. Se a sua inserção na classe regular não lhe garantir algum nível de sucesso acadêmico, mesmo que o que lhe seja cobrado seja diferente dos demais, ele se tornará mais frustrado ainda e a situação escolar poderá ser aversiva.
O grande problema apontado, em diversos momentos da discussão, foi o número excessivo de alunos na classe regular. Pois, frente a uma turma de mais de 30 alunos, como é a realidade em todo nosso país, é muito complicado para o professor desenvolver uma dinâmica diversificada, que lhe garanta um equilíbrio entre o planejamento curricular geral e o atendimento às diferentes necessidades individuais dos alunos.
Finalmente, a polêmica entre a inclusão total e as alternativas de atendimento mais específicas, já mencionada, foi também trazida no bojo da discussão sobre cotidiano escolar. Baseados em suas experiências, alguns participantes pregam que modalidades especializadas como sala de recursos, por exemplo, se devidamente organizadas e integradas na proposta pedagógica da escola, são um excelente instrumento de apoio ao professor que tem alunos com deficiências em sua classe. Para eles, a existência no sistema escolar desse tipo de apoio traz ao professor de classe regular certa segurança pedagógica, que lhe permite lidar com o desconhecido e, então, aceitar o desafio de forma mais tranquila.
Outros participantes, no entanto, lembraram que as salas de recursos têm tido, no decorrer dos anos, a tendência de substituir o aprendizado na sala regular, onde o aluno especial acaba tendo como único objetivo sua “socialização”. Em outras palavras, a existência de salas de recursos ou outras alternativas de atendimento tem levado na prática o professor a, de uma certa forma, se acomodar e se eximir da responsabilidade de ensinar aquele aluno junto com os demais, e essa foi, justamente, uma das razões da falência do modelo de integração.
O contra-argumento foi de que com a disseminação (bem sucedida) de propostas inclusivas nas escolas regulares, as salas de recursos terão gradativamente a sua participação diminuída no exercício da docência em sala de aula, mas que, neste momento, elas ainda são um porto seguro para o professor que desconhece o aluno especial.
Em termos gerais, no entanto, o grupo concorda que oferecer algum atendimento específico, em grupos menores, não contradiz obrigatoriamente a inclusão, desde que as pessoas tenham sempre a oportunidade de aprender juntas, em grupo ampliado, por exemplo, em oficinas de trabalho diversificado.
Avaliação Institucional e da Aprendizagem no Paradigma da Escola Inclusiva
Este tópico talvez seja o de mais difícil abordagem, e isto se refletiu no pequeno número de intervenções a seu respeito, embora o interesse pelo assunto fosse manifestado e os comentários sobre o tema, de alta validade. Nós, educadores, ainda estamos muito pouco preparados para este complexo processo que é a avaliação, além de trazermos sensíveis lacunas sobre ele, originárias dos cursos de formação.
Avaliação Institucional
Abrangente e “total”, inclui a avaliação da instituição educativa e do próprio currículo que ela implementa, das condições extrínsecas ao aluno. Os participantes do grupo enfatizaram esta necessidade, destacando que um currículo inclusivo não pode prescindir da qualidade, sendo a avaliação um instrumento de alcance e manutenção da mesma.
Constitui-se, além do mais, em importante avaliação do próprio sistema avaliativo empregado, ou do que atualmente chamamos de meta-avaliação. A escola deve ser avaliada nos seus aspectos políticos, teóricos e pedagógicos, e na própria filosofia de inclusão que ali se pratica (ou não se pratica). Isso evita o conhecido fenômeno de “culpabilização” do aluno pelo fracasso na aprendizagem e permite vislumbrar o que o nosso grupo tanto almeja: uma escola que garanta a permanência de todos, sem exclusão e sem desenvolvimento de processo segregatórios e seletivos.
Por voltar os olhos para a própria instituição e para os atores institucionais, a avaliação gera, muitas vezes, resistências e demanda a criação de um clima favorável e de atitudes institucionais avaliativas, por parte do grupo que nela transita.
Um processo de avaliação precisa envolver aspectos objetivos, que permitam dados claros e indiscutíveis sobre o que a instituição realiza, mas também ter um olhar, de cunho mais sensível, do “institucional vivido”, da dimensão simbólica que confere significações e torna representações e ações obrigatórias para a sociedade ou para o grupo. Ele concorre para que a avaliação institucional se situe para além da pura eficácia organizativa e funcional. Em verdade, ela pode se transformar num instrumento de poder, a serviço de interesses hegemônicos e de grupos conservadores da sociedade.
É o momento de avaliar o contexto escolar, incluindo o Projeto Político-pedagógico, as condições materiais de funcionamento da instituição, a atuação da equipe técnico-administrativa, as estratégias de gestão, as condições de “ecologia organizacional”, o currículo desenvolvido e o sistema de avaliação de rendimento, entre outros aspectos.
Avaliação da aprendizagem, ou do rendimento dos alunos
Esta, embora cotidiana, não é tão mais fácil que a anterior. A Educação traz para a avaliação, segundo o nosso grupo de discussão, a visão de homem e de sociedade que a inspira. Se esta visão é rígida, classificatória e calcada em padrões “normalizantes” – como a da maior parcela da nossa sociedade – a avaliação dela decorrente é a que vivenciamos na realidade escolar: meritocrática e discriminatória. Neles ainda prevalece o culto aos padrões estabelecidos de beleza, de aptidão e de intelectualidade.
Para agravar este quadro, a Educação – do mesmo modo que a Psicologia da Educação – sofreu forte influência dos estudos mensuracionistas sobre a inteligência e do paradigma medicalizante no tratamento das dificuldades de aprendizagem em o tratamento dado aos desvios de comportamento apresentados na escola. A própria avaliação qualitativa ficou diminuída, frente às estratégias quantitativas de avaliação da aprendizagem. O resultado disto é que as falhas na avaliação provocam, entre outras coisas, o encaminhamento frequente, aos serviços especializados, de alunos que apresentam necessidades educativas que podem ser supridas pela própria escola.
Uma avaliação que leva em conta as diversidades, da mesma forma que o currículo, precisa sofrer adaptações. Trata-se, segundo os encaminhamentos do grupo, de desenvolver uma perspectiva crítica quanto à avaliação, incluindo questões como: “Quais os objetivos iniciais do processo ensino – aprendizagem?” “O que estamos realmente avaliando? “Para que?” “Quais os aspectos que podem ser modificados (em que âmbito e com qual prioridade)?” “Quais as estratégias de mudança decorrentes da avaliação realizada?” “Qual a participação do aluno nesse processo avaliativo” (será ele apenas o objeto da avaliação?), entre outros.
O aluno portador de necessidades educacionais especiais, segundo o grupo, é um indivíduo que se desenvolve de forma qualitativamente diferente, mas não pode ser considerado inferior ou incapaz de aprender. Foi denunciada a tendência à estereotipia e à rotulação, muitas vezes dissimulada por sentimentos de pena e comiseração em relação a esses alunos que “aprendem de maneira diversa”. Isto leva a uma avaliação que foca muito as dificuldades e limites, e pouco as potencialidades e os avanços alcançados. Foi lembrado no fórum, ainda, que a avaliação deve considerar o chamado “estilo de aprendizagem” de cada um, já que todos nós temos formas próprias e peculiares de aprender. A consideração do estilo pessoal e das competências de cada aluno certamente propiciaria a utilização de formas mais criativas de avaliar o rendimento escolar.
Os participantes do grupo indicaram a importância da análise comparativa das respostas emitidas, pelos alunos, às propostas curriculares apresentadas pela instituição. Esta comparação não deveria ser feita, porém, apenas entre os alunos ou em relação aos padrões de expectativa previamente estabelecidos, mas evolutivamente, quanto aos progressos de cada aluno.
Outro enfoque foi o de que deve ser mudada a tendência vigente de avaliar apenas o que o aluno realiza sozinho, e se passar a avaliar também o que ele é capaz de realizar em grupo, ou com o auxílio do professor.
A avaliação deve ser realizada continuamente, evitando-se o uso apenas de “cortes avaliativos” transversais. Estes podem sofrer a influência de variáveis que intervêm no processo só naquele momento, mascarando assim o desempenho dos alunos. É fundamental que o professor utilize registros, para que a longitudinalidade, citada anteriormente, ocorra. Principalmente na realidade educacional do nosso país, em que predominam as turmas numerosas, os registros permitem que o professor não perca os dados da avaliação.
É importante a formação de grupos de alunos, a partir do resultado das avaliações, porque isso facilita o trabalho do professor. O grupo ressaltou, no entanto, que esses grupos não devem ser fixos, estáveis, mas sofrer uma rotatividade que facilite a interação entre todos os alunos.
Da mesma forma, deve haver uma variedade de metodologias, situações e instrumentos de avaliação (produção escolar, coleta de variadas formas, análise documental e entrevistas, por exemplo), e que ela não ocorra apenas em situações formais. O grupo destacou a importância da observação, como estratégia de coleta de dados para a avaliação.
Finalmente, os debates do fórum pontuaram que a avaliação da aprendizagem não deve ser um ato solitário do professor, dela participando as outras pessoas que interagem com o aluno na escola.
Considerações Finais
Apresentamos, nas páginas que se seguiram, o relatório das discussões sobre currículo inclusivo, realizadas durante o Seminário “Educação Inclusiva no Brasil: Diagnóstico Atual e Desafios para o Futuro” promovido pelo Banco Mundial em parceria com a Secretaria de Educação da Cidade do Rio de Janeiro / Instituto Helena Antipoff, bem como da discussão sobre “Currículo para Educação Inclusiva!” que se seguiu durante a semana de 21 a 15 de abril de 2003, pela Internet, também coordenada pelo Banco Mundial.
A dinâmica de ambas as discussões já foi apresentada nas partes anteriores deste relatório, mas vale destacar aqui, como o leitor deve ter percebido, que houve uma relação direta e uma sintonia entre os dois grupos de discussão. Com isso, elimina-se a possibilidade de que os aspectos apontados pelo grupo de discussão ao vivo fossem, de uma certa forma, tendenciosos, já que se tratava de um seminário fechado, cujos participantes foram selecionados, previamente, pela coordenação do evento.
Como a lista de discussão pela Internet foi aberta, a congruência de posicionamentos nos deixa tranquilas ao afirmar que as conclusões que, de forma sintética, apresentaremos agora, representam a visão – senão de todos – pelo menos de parte significativa das pessoas preocupadas com a Educação Inclusiva no Brasil.
Embora todos os participantes deste debate defendam, com maiores ou menores restrições, a proposta de inclusão educacional de alunos com necessidades especiais na escola regular, ninguém tem a ilusão de que sua implementação em nível de sistema educacional brasileiro seja uma tarefa simples. Trata-se de um enorme (porém, não intransponível) desafio para o professor garantir o aprendizado de alunos com deficiências ou grandes dificuldades cognitivas, psicomotores e sensoriais e psicológicas, diversas dos demais alunos, no contexto das atividades rotineiras e do planejamento para a turma com um todo.
Partimos da compreensão de que inclusão acadêmica não é o mesmo que inclusão social, e que a acessibilidade e a permanência do aluno especial na escola regular não garante a apropriação de conhecimento e a qualidade de ensino. Embora alguns participantes valorizassem os aspectos de desenvolvimento social, há a preocupação de que, se a dimensão acadêmica for minimizada em projetos de inclusão, os alunos que trocarem o ensino especial pela escola regular terão sua aprendizagem e aquisição de conhecimentos prejudicadas, o resultando em fracasso e evasão escolar.
Foi bastante significativo que tanto no Seminário, quanto na discussão on line, apesar de explicitamente solicitado, foram apresentados apenas alguns poucos relatos de experiências concretas de como o currículo e a dinâmica das aulas de classes regulares foram adaptadas para atender a alunos com necessidades especiais. Assim, sem dados para nos basear, a discussão ficou mais voltada para o aspecto conceitual – teórico.
Tivemos alguns depoimentos de pessoas com deficiência sobre a sua escolarização no ensino regular, e alguns depoimentos de professoras ou educadores sobre esse ponto. Foram feitos também, por diversos participantes, comentários, observações ou reflexões sobre o cotidiano e as adaptações curriculares na sala de aula para que possa acontecer um processo de inclusão, porém sem referências às situações reais já ocorridas. Isso parece ser um indicativo de que a Educação Inclusiva, embora respaldada pela legislação e considerada política educacional prioritária, ainda não representa a realidade cotidiana de nossas escolas.
O currículo para uma escola inclusiva não se refere apenas às adaptações feitas para acomodar os alunos com deficiências ou demais necessidades especiais, mas implica, sim, em uma nova forma de concepção curricular, que tem que dar conta da diversidade do alunado da escola. Independente da composição da turma, o professor deve ser capaz de preparar e coordenar as atividades de sala de aula, imprimindo às mesmas uma dinâmica mais compatível com a realidade social e menos enfadonha para os alunos.
A característica básica de um currículo inclusivo é a flexibilidade. Um currículo que atenda à diversidade deve ser passível de adaptações tanto de objetivos específicos, quanto de metodologias de ensino, mantendo, porém, a base comum. Em outras palavras, o currículo não pode ser tão “fechado” que não permita as novas experiências que o oxigenarão, nem tão fluido a ponto de deixar as experiências educativas acontecerem de maneira “espontaneista”.
Nesta nova perspectiva curricular a ênfase e a responsabilidade pela aprendizagem é deslocada do aluno e dirigida para os procedimentos de ensino. Ou seja, não é o aluno que tem que adaptar, geralmente sem condições para tal, sua forma de aprender ao ritmo da aula, mas ao contrário, o ritmo e dinâmica da aula é que devem ser adaptados para permitir a participação e aprendizagem de todos os alunos.
Para tal, as aulas têm que adquirir uma dinâmica aberta, que, mantendo o fio condutor, possibilite atividades diversificadas, que incentivem a participação e colaboração de todos. Na escola inclusiva, a cooperação — e não a competição — é o instrumento utilizado para incentivar a aprendizagem. Cada aluno deve receber as condições para conhecer o seu próprio processo de aprendizagem, suas características e necessidades. Ter consciência de seus limites e, como meta, a superação dos mesmos. Na escola inclusiva, o aluno “compete” apenas com ele próprio, desenvolvendo um processo que podemos chamar de auto-conhecimento – ou de meta-avaliação da própria aprendizagem (seu ritmo e peculiaridades).
A grande barreira surge, em parte, porque os nossos professores não foram preparados, tanto pedagógica como psicologicamente, para lidar com alunos com diferentes necessidades individuais, sobretudo se essas envolvem deficiências sensoriais ou psicomotoras, ou comprometimentos graves de ordem cognitiva, comportamental e ou de comunicação. Embora a formação do professor não tenha sido nosso tema focal, não se pode falar sobre currículo e cotidiano escolar, sem realçar o papel do professor. Assim, acreditamos que a fronteira entre a discussão curricular e a de formação de professores, é de uma certa forma artificial, e a única maneira produtiva de se pensar o currículo inclusivo é atrelá-lo à compreensão que o professor tem deste currículo e de sua prática pedagógica junto a todos os alunos que ele se propõe a contemplar.
Não resta dúvida de que para o professor atuar efetivamente em uma perspectiva inclusiva ele deve ser, antes de tudo, um pesquisador, planejando sistematicamente, coletando dados, analisando, refletindo e transformando a sua prática. Se essa postura é fundamental em qualquer situação de ensino-aprendizagem, mais ainda nos projetos de Educação Inclusiva, onde há carência de experiências sistemáticas, avaliadas e divulgadas, que nos permitam sair do esquema em que cada um trabalha na base do ensaio-e-erro, ainda tão comum na maioria de nossos projetos educativos.
É preciso assinalar, que a educação inclusiva não pode ser uma forma de negar as necessidades educativas especiais específicas de cada aluno. Por isso o grupo até propôs que não se fale em inclusão para todos e sim para cada um. A individualização do processo ensino-aprendizagem é a base em que se constitui um currículo inclusivo. E isso implica em se reconhecer as características e dificuldades individuais, para, então, determinar que tipo de adaptações são necessárias, ou não, para que o aluno aprenda.
Alguns membros do grupo consideram ser importante que o professor conheça um pouco sobre cada tipo de necessidade especial, até para saber onde e quando pedir ajuda. Nesse sentido se enquadra a contribuição da Educação Especial, não visando importar os métodos e técnicas especializados para a classe regular, mas sim tornando-se um sistema de apoio permanente e efetivo para lidar com as necessidades especiais não só do aluno, mas também do professor da classe regular. Este sistema de suporte deve estar disponível na própria escola, com profissionais capacitados em educação inclusiva.
Vale ressaltar também que disponibilizar atendimento especializado para alunos com necessidades especiais que estejam enfrentando dificuldades em acompanhar a classe, não vai contra o modelo de inclusão. Principalmente aqueles mais prejudicados cognitivamente, certamente necessitarão desse apoio, bem como alunos cegos e surdos no seu processo de alfabetização e aquisição de linguagem. A mudança de paradigma está no papel que o especialista exerce. Na escola inclusiva, ele atua como suporte para o professor regular, e não em substituição a este: o aprendizado tem que ocorrer na classe com todo os demais; caso contrário, não estamos lidando com um modelo inclusivo (foi o que aconteceu em alguns dos casos apresentados no seminário).
Em outras palavras, inclusão não pode ser responsabilidade única da Educação Especial. Não é uma simples questão do professor de Educação Especial ditar ao professor da classe regular como trabalhar com esse aluno. Se não for desenvolvida uma dinâmica de trabalho integrado, conforme já mencionado, estaremos criando um sistema especial dentro da escola regular, o que não é Educação Inclusiva.
Também foi ressaltado nas discussões que, ao se falar em individualização curricular, não se está referindo apenas aos alunos com determinados tipos de necessidade especial, mas sim que o currículo deve ser adaptado para cada aluno. Isso é que significa lidar com a diversidade, pois um aluno que enxerga e um aluno cego podem ter mais afinidade em seu processo de aprendizagem do que, por exemplo, dois alunos com o mesmo grau de deficiência visual. Esse enfoque desconstrói o paradigma rotulista e estigmatizador que olha o aluno com ênfase em sua deficiência e não em seu processo de desenvolvimento e personalidade global. Antes de serem deficientes, eles são alunos, e o professor tem tanta responsabilidade de ensiná-los quanto aos demais.
Se eles apresentam características diferenciadas, com as quais o professor não tem condições de lidar sozinho enquanto atende ao resto da turma, a escola tem que providenciar suporte especializado. Esse suporte deve ser disponível para todos os alunos que estiverem apresentando qualquer dificuldade permanente ou temporária em acompanhar o trabalho realizado na sala de aula, e não apenas para os que vieram encaminhados do ensino especial.
Seguindo essa vertente, ficou bem marcado nas discussões ao vivo no Seminário, e on line pela Internet, que o processo da inclusão tem uma amplitude que vai além da inserção de alunos considerados especiais na classe regular, e de adaptações pontuais na estrutura curricular. Inclusão implica em um envolvimento de toda a escola e de seus gestores, um redimensionamento de seu projeto político pedagógico, e, sobretudo, do compromisso político de uma reestruturação das prioridades do sistema escolar (municipal, estadual, federal ou privado) do qual a escola faz parte, para que ela tenha as condições materiais e humanas necessárias para empreender essa transformação.
Nos chamou a atenção que, em ambas discussões, o tema avaliação, embora considerado fundamental para a elaboração de um currículo inclusivo, não foi muito aprofundado, principalmente no que diz respeito à troca de experiências e alternativas de avaliação. A ausência de critérios e métodos de avaliação definidos para aprendizagem de alunos que não se encaixam na avaliação tradicional muito nos preocupa, pois nos impede que de traçar e acompanhar as adaptações curriculares necessárias.
Para que se alcance um novo paradigma de avaliação alguns aspectos discutidos tornam-se fundamentais, entre eles a necessidade de se conhecer e tomar por base o potencial de aprendizagem que o aluno possui e os avanços que alcança em relação ao próprio desempenho, antes de compará-lo com outros alunos. As situações avaliativas também podem tornar-se preciosos momentos de aprendizagem, se as entendermos como intervenções proativas em relação às dificuldades e aos erros.
O aluno que estamos avaliando pode ter características de aprendizagem diferentes das quais o professor está acostumado a lidar, o que vai lhe requerer atenção especial, mas isto não significa que a sua estrutura mental e a qualidade da sua aprendizagem sejam necessariamente deficitárias, em relação aos outros alunos. Significa, sim, que temos que definir critérios claros e específicos para esta avaliação, e não que tenhamos que praticá-la de maneira paternalista.
É importante avaliar também as condições reais de inclusão que são oferecidas aos alunos, já que esta é meta do trabalho desenvolvido. É necessário ter coragem de ousar no que diz respeito à avaliação, rompendo com práticas tradicionalmente utilizadas, e criando adaptações, da mesma forma que foi proposto em relação ao currículo em geral. Foi ressaltado que não é apenas o aluno que precisa ser avaliado, mas o próprio currículo – e a instituição e os “atores” que o implementam, o contexto educacional, incluindo as políticas e o entorno comunitário e familiar que o compõe.
A avaliação deve ser vista não como julgamento do aluno, e sim como indicador do professor de que caminho trilhar, nesse sentido é necessário discernir quais as dificuldades que são do próprio aluno, distinguindo-as das que foram causadas por práticas e processos pedagógicos equivocados. Toda a avaliação requer ações correspondentes, no sentido do aprimoramento do processo ensino-aprendizagem. Se isto não acontecer, estaremos avaliando apenas para rotular e, consequentemente, discriminar e excluir.
Antes de finalizar, apresentamos uma síntese dos principais entraves e possibilidades de um currículo inclusivo, conforme destacados nas discussões sobre o tema, deixando claro que este quadro está longe de ser completo. Esse tipo de instrumento pode ser utilizado pela escola em sua própria avaliação do processo de inclusão, já que o quadro pode e deve ser modificado há todo momento em que esses, e outros entraves, sejam ultrapassados, ampliando-se a coluna das possibilidades.
Currículo inclusivo | |
Principais entraves | Principais possibilidades |
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Antes de encerrar esta síntese, queremos reafirmar a certeza, compartilhada por todos os participantes dos dois momentos da discussão, de que “não há receita de bolo”, modelo fechado de currículo inclusivo, ou diretriz política imposta “de cima para baixo”, que possa dar conta de transformar uma escola tradicional em uma escola inclusiva. Cada escola, cada classe, cada professor e, sobretudo cada aluno, representa uma realidade distinta, e são os próprios atores diretamente envolvidos no processo cotidiano de inclusão, as pessoas melhor qualificadas para determinar, na prática, o caminho a ser seguido.
A contribuição do nosso grupo, nesse sentido, foi tão somente delinear alguns dos principais aspectos da nossa prática escolar que precisam ser transformados, identificar alguns do “nós” ou entraves à essa mudança de paradigma, assim como propor algumas estratégias para desatar os nós, deixando o fio livre para ser tecido por cada professor em sua sala de aula.
Conforme apontado em várias ocasiões, no decorrer deste relatório, é importante que futuros trabalhos sobre educação inclusiva se concentrem nas questões referentes à sua implementação no cotidiano escolar, objetivando delinear práticas pedagógicas, adaptações de conteúdos, metodologias de ensino e modelos alternativos de avaliação. É de fundamental importância o desenvolvimento e a divulgação de estudos e pesquisas sobre experiências de inclusão longitudinais, com dados sobre trajetórias escolares de alunos especiais, bem como mudanças na atuação docente e implicações acadêmicas e sociais para a escola como um todo.
Finalizando, não se pode deixar de destacar, como dissemos, que essa mudança não pode ser imposta, e que é crucial que seja levada em consideração a visão que as próprias pessoas com necessidades especiais têm do processo de inclusão, bem o que os alunos, de modo geral, têm sobre os currículos e a forma de educar.
Discussões inclusivas, como as que travamos nesse fórum, são um passo decisivo nessa direção democrática de ensino. Nela ficou patente a “paixão” deste grupo, o envolvimento com a luta pela inclusão, o desejo de aprender mais sobre esta área – fundamental na Educação – e a profunda fé em que, em um futuro não muito distante, a Educação Inclusiva esteja disseminada e seja uma realidade no nosso país.
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