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Desenvolvimento e a Aprendizagem na Etapa de 0 a 6 Anos

Este artigo explora o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças de 0 a 6 anos, destacando a importância da educação infantil e oferecendo recomendações e atividades para apoiar o crescimento saudável e seguro das crianças.

Desenvolvimento e a Aprendizagem na Etapa de 0 a 6 Anos

Desenvolvimento e a Aprendizagem na Etapa de 0 a 6 Anos

RESUMO

O objetivo do presente trabalho foi evidenciar o desenvolvimento e a aprendizagem da criança em sua fase de 0 a 6 anos. Este trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica. Especialistas têm evidenciado a importância do aprendizado no período de 0 a 6 anos, base da formação da personalidade. A partir das relações que a criança vai estabelecendo com os adultos, professores e na escola com os colegas, em seu ambiente, elas vão se desenvolvendo. Essas reações fornecem um suporte que permite à criança explorar o ambiente, o que envolve a afetividade e a emoção como elemento básico.

Objetivou-se mostrar que a criança tem necessidade de se expressar, cabendo aos pais e professores entendê-las e apoiá-la, orientando-a sempre, para que haja assim uma melhor expressão afetiva, particularmente nos primeiros anos de vida. Enfatizou-se ainda, num breve relato, o papel da escola frente às necessidades e realidades da criança, cabendo à escola esforçar-se para oferecer um ambiente estável e seguro, facilitador da aprendizagem. Os professores devem, assim, compreender o desenvolvimento afetivo e o seu papel na aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE:

Educação Infantil, desenvolvimento emocional, criança.

INTRODUÇÃO

Em algum momento de nossa vida, temos uma relação próxima com crianças pequenas. Essa relação ocorre por motivos diversos e proporciona-nos diferentes níveis de conhecimento do mundo infantil. De toda maneira, provavelmente estaremos de acordo que, no decorrer do período que vai desde o nascimento até os seis anos, ocorrem mudanças evidentes, espetaculares e bastante visíveis, que nos permitem considerar que as crianças pequenas cada vez mais fazem parte de nossa cultura e de nossa comunidade e que, a cada dia, vão se tornando mais parecidas com as pessoas adultas.

O que provavelmente se tornaria mais difícil para a maioria das pessoas seria explicar por que e como ocorrem tais mudanças nas crianças pequenas; qual é o papel e a influência das pessoas adultas que as rodeiam; ou qual é o papel da herança nas capacidades que uma criança de seis anos manifesta. Essas são algumas das questões que encontramos como objetos de estudo da psicologia evolutiva e da psicologia da educação; a seguir, faremos uma referência aos fatores que intervêm no desenvolvimento, sempre os abordando a partir de uma perspectiva construtivista. Organizamos o capítulo atendendo a critérios de utilidade para os leitores interessados sobre a intervenção nessa etapa.

Na primeira parte desta pesquisa bibliográfica, são apresentadas algumas questões a respeito do desenvolvimento e da aprendizagem nos primeiros seis anos de vida.

A segunda parte ocupa-se dos grandes marcos do desenvolvimento nas diversas áreas (motora, cognitiva, afetiva).

A Importância da Educação de 0 a 6 Anos

As experiências vivenciadas de 0 a 6 anos de idade são fundamentais na formação do ser humano. É um fato que o que se aprende nessa fase pode deixar marcas para o resto da vida. Mas a verdade é que o atendimento educacional a essa faixa sempre primou pela improvisação.

Embora a Constituição de 1988 garanta a educação infantil, colocando-a como obrigação dos municípios, ao lado do ensino fundamental, só agora se atina para a importância de profissionalizá-la. Mas, se esse olhar mais atento não for acompanhado por ações efetivas de melhoria e qualificação de professores e estabelecimentos, continuaremos perdendo a chance preciosa de preparar milhões de crianças para uma infância mais sadia, educada dentro de princípios de respeito ao semelhante, ao meio ambiente e a si mesma.

Há quatro décadas, com a inserção maior das mulheres no mercado de trabalho, a procura por creches e pré-escolas aumentou sensivelmente. Nestas, só no último ano, verificou-se aumento de 2,9% de matrículas. São 4,2 milhões de crianças (2,8 milhões na rede municipal). Para detalhar melhor as necessidades dessa clientela em expansão, o MEC promete censo específico para a educação infantil no próximo ano. As diretrizes curriculares já foram lançadas e se reconhece a urgência de especializar os 204 mil professores que atuam nessa área, muitos absolutamente leigos.

Mas ainda não se nota um consenso geral de que se deve exigir a mesma qualidade na educação infantil quanto de qualquer outro nível de ensino. A bem da verdade, as próprias famílias costumam encarar as “escolinhas” apenas como locais onde podem deixar os filhos durante o dia.

Esse descompromisso em relação ao que se oferece às crianças pequenas não é privilégio brasileiro. Mesmo os países desenvolvidos, como os Estados Unidos, só agora acordam para a necessidade de mais atenção a essa faixa. Recentemente, a Associação Americana Para o Progresso da Ciência divulgou um estudo realizado por duas décadas com dois grupos, ambos de comunidades carentes – um deles formado por pessoas que receberam cuidados educacionais de alta qualidade desde o primeiro ano de vida.

Estas, como era de se esperar, tiveram mais sucesso na escola até o início da vida adulta. Com isso, os pesquisadores forneceram provas científicas de que a educação infantil favorece as conquistas educacionais. Resta convencer as autoridades a investirem nessa modalidade, para que não se desperdice a oportunidade de desenvolvimento oferecida pelos primeiros anos, ou meses de vida.

Levando em conta que é nas creches e pré-escolas que muitas crianças passam a maior parte do dia, é essencial que sejam atendidas por profissionais que lidem bem com todas as nuances da educação infantil, que saibam o que (e como) estimular numa criança em determinada idade. É preciso, sobretudo, chamar os pais à escola, fazê-los participar do processo, para que eduquem seus filhos com maior segurança e sintam sua responsabilidade dividida com gente que entende do riscado.

Sabe-se, por exemplo, que, aos três anos, a criança já tenta comer e se vestir sem ajuda, coopera em algumas tarefas e apreende o sentido de palavras estrangeiras. Aos quatro, espontaneamente se socializa. Aos cinco, assume responsabilidades, auxilia na arrumação da casa ou sala de aula e se torna curiosa pelo mundo à sua volta. Aos seis, toma conta de crianças menores, canta e conta histórias.

Em resumo, o que se espera de uma instituição de educação infantil é que, através das brincadeiras e situações do cotidiano, estimule o desenvolvimento geral do aluno: dos cinco sentidos, do raciocínio lógico, da capacidade de comunicação e de socialização com os colegas e adultos. É a fase certa para incentivar autoconfiança e criatividade, e passar uma noção de limites e respeito ao próximo. É a hora de ensinar-lhe a ajudar, cooperar e participar de um grupo. É o momento adequado para que aprenda a respeitar o meio ambiente, através de regras bem simples como não maltratar animais ou sempre jogar papéis usados na cesta de lixo.

Parece uma tarefa sem maiores segredos, mas nem todos os professores, por culpa de sua formação precária, sabem como fazer. Além disso, não são poucas as creches e pré-escolas de bairros pobres ou municípios distantes que sobrevivem como podem, às custas da boa vontade de pessoas cuja função se resume a olhar as crianças enquanto a mãe trabalha. Até que elas são jogadas na primeira série do ensino fundamental onde, muitas vezes, ficam retidas, por terem faltado os primeiros estímulos necessários à aprendizagem. Mas isso se tornará coisa do passado assim que governo e sociedade se conscientizarem de que crianças não nascem aos sete anos de idade e reconhecerem a educação infantil como a primeira e fundamental etapa da educação básica.

Desenvolvimento da Criança de 0 a 6 Anos

Para poder avançar na explicação de uma determinada maneira de entender o desenvolvimento, convém esclarecer alguns conceitos que utilizamos seguidamente e que, às vezes, podem gerar confusões, se não forem utilizados da maneira como o leitor ou a leitora foi avisado para fazê-lo. São destacados três conceitos muito relacionados: maturação, desenvolvimento e aprendizagem.

Quando se fala de maturação, refere-se às mudanças que ocorrem ao longo da evolução dos indivíduos, as quais se fundamentam na variação da estrutura e da função das células. Assim, pode-se falar, por exemplo, de maturação do sistema nervoso central, mediante a qual são criadas as condições para que haja mais e melhores conexões nervosas que permitam uma resposta mais adaptada às necessidades crescentes do indivíduo. A maturação está estritamente ligada ao crescimento (que corresponderia basicamente às mudanças quantitativas: alongamento dos ossos, aumento de peso corporal, etc.) e, portanto, aos aspectos biológicos, físicos e evolutivos das pessoas. Quando se trata de desenvolvimento, refere-se explicitamente à formação progressiva das funções propriamente humanas (linguagem, raciocínio, memória, atenção, estima).

Trata-se do processo mediante o qual se põem em andamento as potencialidades dos seres humanos. Consideramos que é um processo interminável, no qual se produz uma série de saltos qualitativos que levam de um estado de menos capacidade (mais dependência de outras pessoas, menos possibilidades de respostas, etc.) para um de maior capacidade (mais autonomia, mais possibilidades de resolução de problemas de diferentes tipos, mais capacidade de criar, etc.). Finalmente, tem-se o objetivo de destacar as características do conceito de aprendizagem.

Mediante os processos de aprendizagem, incorporamos novos conhecimentos, valores e habilidades que são próprias da cultura e da sociedade em que vivemos. As aprendizagens que incorporamos fazem pessoas mudarem de condutas, de maneiras de agir, de maneiras de responder, e são produto da educação que outros indivíduos, da nossa sociedade, planejaram e organizaram, ou melhor, do contato menos planificado, não tão direto com as pessoas com quem nos relacionamos.

A partir dessas definições, pode-se expor como as pessoas entendem que se desenvolvem os meninos e as meninas dessas idades e qual é o papel da escola na potencialização desse desenvolvimento.

De zero a seis anos, ocorre um processo de complexidade do ser humano que não se repetirá durante seu desenvolvimento. As crianças, quando nascem, necessitam de cuidados mínimos e de atenção não muito complexa (comer e dormir certas horas e receber atenção às demandas a que o recém-nascido começa a fazer).

À medida que vão crescendo, aumenta a complexidade de suas demandas (choram porque têm vontade ou mal-estar, ou não querem estar sozinhas, ou querem estar com uma outra pessoa, etc.) e também aumenta sua capacidade de resposta (começam a ter critérios próprios em alguns aspectos e, portanto, mediante o uso de linguagem podem pedir o que querem). Também se tornam mais complexas as realidades em que vivem essas crianças: passam do âmbito relacional reduzido ao estabelecimento de relações com pessoas mais alheias e desconhecidas, a ter necessidade de valer-se por si mesmas, de garantir-se sem a presença constante das pessoas mais próximas.

A complexidade é consubstancial ao processo de desenvolvimento dos seres humanos. Esse desenvolvimento é caracterizado pelo seu caráter único em relação às outras espécies vivas: o ser humano é o único ser vivo que pode planejar sua ação, pôr em andamento uma atividade psíquica que lhe permita realizar ações criadoras. Também é necessário destacar que a diversidade é uma característica do ser humano, pois todas as pessoas são diferentes em suas particularidades físicas e psíquicas: cada uma recebe, por meio de herança, determinadas características físicas e determinadas potencialidades, que se desenvolvem em um determinado ambiente. Tudo isso exige-nos a necessidade de falar simultaneamente das características de unicidade e de diversidade do ser humano.

Quando uma criança nasce, recebe de seu pai e de sua mãe uma informação genética que lhe permite fazer parte da espécie humana: traços morfológicos, um sexo definido, algumas capacidades de desenvolvimento que estão inscritas em determinada constituição do cérebro e um calendário de maturação. Todos os recém-nascidos têm duas pernas, dois braços, traços faciais de seres humanos e um sexo determinado. Esses são os traços característicos que externamente o identificam como um ser humano.

Também nascem com um cérebro, que está preparado para crescer e desenvolver-se de modo espetacular. A informação que o cérebro contém é caracterizada pelo fato de que marca todas as possibilidades de desenvolvimento que tem o ser humano, mas não impõe limitações. Assim, por exemplo, o cérebro contém todas as informações para que uma criança possa falar, porém não determina em que língua o fará, nem o grau de aquisição que atingirá. Isso dependerá do contexto linguístico em que essa criança passe a conviver e a mover-se, do grau de correção de linguagem que se fala em sua volta e de suas experiências para utilizar a linguagem com diferentes finalidades. Nosso código genético contém uma informação que denominamos de calendário de maturação.

Com esse conceito, pode-se referir a uma série de informações geneticamente estabelecidas por meio das quais se sabe que os seres humanos passam por uma sequência de desenvolvimento que sempre é igual para todos (caminhar aproximadamente ao final do primeiro ano de vida, falar aos dois anos, etc.) e que, em seus traços característicos básicos, não se realizam com grandes variações (por exemplo, uma criança não poderá caminhar aos seis meses, porque nessa idade ainda não tem um desenvolvimento motor que lhe permite fazê-lo; consegue somente permanecer sentada). Essa sequência determina que coisas são possíveis em diferentes momentos.

Esse calendário de maturação é especialmente indicativo das possibilidades e da sequência de desenvolvimento nos dois primeiros anos de vida, já que está muito relacionado a uma maturação neurológica essencial. Depois disso, as aquisições estarão marcadas por outros aspectos, como a estimulação e a ajuda recebidas do exterior.

A compreensão da influência hereditária no desenvolvimento do ser humano está bem esclarecida na diferenciação, apresentada por F. Jacob e registrada em Palácios (1979), entre a parte aberta e a parte fechada do código genético. A parte fechada do código genético é aquela que impõe uma determinada informação genética que será necessariamente cumprida. Trata-se da informação genética que estabelece um ciclo de vida determinado para os seres humanos, alguns reflexos no momento do nascimento, algumas características genéticas determinadas.

A parte aberta do código genético, ao contrário, estabelece um conjunto de potencialidades que não se desenvolvem totalmente sem influência do meio, sem a estimulação das pessoas com as quais convivem. Trata-se, por exemplo, das possibilidades de utilização da linguagem, das capacidades de estabelecimento de vínculos emocionais e da resolução de problemas. Em cada uma dessas funções e capacidades, há um predomínio específico da parte aberta ou da parte fechada do código genético. Assim, é esse grau de predominância do código que explica as diferenças entre umas e outras capacidades infantis.

Por exemplo, podemos constatar que, em relação ao desenvolvimento das capacidades motrizes, todos os meninos e as meninas conseguem caminhar concretamente por volta do primeiro ano, sem necessidade de que se faça uma estimulação específica nesse sentido, uma vez que essas capacidades estão fortemente moduladas pela parte fechada do código genético. Por outro lado, é difícil que todas as crianças consigam um desenvolvimento da linguagem em toda a sua amplitude sem estimulação do meio que permite a sua utilização em todas as suas funções e usos, já que a linguagem está regulada pela parte aberta do código genético.

Assim, constata-se que a herança recebida dá-nos uma série de possibilidades e indica-nos em que momento aproximado estará disponível. O grau de aquisição e as características de tal aquisição dependerão das inter-relações que a criança faz em experimentações com as pessoas de seu convívio. Podemos destacar que, no decorrer do primeiro ano, os bebês têm a capacidade de começar a estabelecer fortes vínculos com as pessoas que os cuidam. O fato de estabelecerem ou não esses vínculos, que lhes proporcionam segurança ou que constituem vínculos instáveis e inseguros, dependerá das características das relações que o bebê vai tecendo durante seu primeiro ano de vida.

O desenvolvimento da espécie humana é, portanto, o resultado de uma interação entre o programa de maturação (inscrito geneticamente) e a estimulação social e pessoal que a criança recebe das pessoas que a cuidam. Logo, entende-se que os aspectos psicológicos de desenvolvimento não estão predeterminados, mas que são adquiridos mediante a interação com o meio físico e social que envolve as crianças desde o seu nascimento.

Para entender as aquisições que os meninos e as meninas podem fazer no decorrer dos anos da educação infantil, convém definir como consideramos o processo de aprendizagem das crianças e, também, as relações que se pode descascar entre a aprendizagem e o desenvolvimento.

Nessas idades, sobretudo na fase da creche, considera-se, muitas vezes, que os meninos e as meninas não podem aprender, se não tiverem desenvolvido previamente algumas características consideradas imprescindíveis. Um dos exemplos mais típicos e conhecidos nas escolas é o fato de dizer que crianças de quatro ou cinco anos não se pode ensinar os numerais, porque elas não têm a noção e o conceito de número corretamente estabelecido. Isso ilustra claramente a tendência em subordinar a aprendizagem ao desenvolvimento, no sentido de entender que primeiro se desenvolve uma série de capacidades cognitivas e depois se pode iniciar o ensino de conceitos que envolvam tais capacidades.

O fato de que a escola estabelece esse tipo de decisões está diretamente relacionado com o que a psicologia diz em relação a esses aspectos. Nesse sentido, destacamos que algumas das abordagens fundamentais feitas pela psicologia genética de Jean Piaget estão rigidamente aplicadas na escola e, então, ocorrem comportamentos práticos educativos discutíveis como promotores de uma boa aprendizagem.

A perspectiva que Vygotsky (1984) abordou em relação à aprendizagem escolar é fundamental para que se possa raciocinar e entender qual é a natureza da aprendizagem e do ensino escolar e sobre que relações seria conveniente estabelecer o desenvolvimento da criança. Segundo o psicólogo russo, para que possa haver desenvolvimento é necessário que se produza uma série de aprendizagens, as quais, de certo modo, são condições prévias. Assim, voltando ao exemplo que apresentamos antes, é necessária uma série de aprendizagens em relação a situações de contar, de lembrar, recordar a seriação numérica, experiências contatos com coisas possíveis de contar e outras incontáveis, etc., para a criança poder chegar a conceitualizar a noção de um nome, como a inclusão de todos os outros (o cinco incluiu o quatro, o três, o dois, o um), independentemente de questões perspectivas (a disposição espacial dos objetos não influencia a quantidade).

A partir disso, entende-se que a maturação por si só não seria capaz de produzir as funções psicológicas próprias dos seres humanos: é a aprendizagem na interação com outras pessoas que nos dá a possibilidade de avançar em nosso desenvolvimento psicológico. Esses processos de interação com outras pessoas permitem o estabelecimento das funções psicológicas superiores. Assim, as crianças começam a utilizar a linguagem como um veículo de comunicação, controle e regulação das ações das outras pessoas, e somente depois de tê-la utilizado interagindo com as outras pessoas é que a linguagem converte-se em um instrumento idôneo para planejar a ação, ou melhor, a linguagem transforma-se em pensamento.

Começamos, então, a delinear a importância fundamental que têm as pessoas mais capazes da espécie no processo de desenvolvimento das crianças e, as mães, os pais, os professores de educação infantil e também os meninos e as meninas mais velhas. A criança pequena, quando atua juntamente com uma pessoa mais capaz, pode chegar a fazer algumas coisas que não consegue fazer em um momento em que esteja sozinha.

Assim, por exemplo, um menino de um ano pode colocar uma peça em cima da outra e fazer uma torre somente se a pessoa mais capaz do que ela acompanhar sua mão. Ou, então, uma menina de dois anos poderá contar os dois pedaços de carne que tem para comer, se a pessoa mais capaz ajudar-lhe, contando com ela. Ou, ainda, um menino de três anos poderá pôr a mesa, na escola, se sua professora disser como deve proceder.

Também um menino de quatro anos poderá reconhecer o seu nome, quando vê a professora escrevê-la. Uma menina de cinco anos poderá explicar um conto literário, se a professora, a mãe ou o pai derem a ela diferentes pistas que a ajudem a ordenar os dados. As crianças poderão realizar todas essas atividades sozinhas, mais adiante, sem prescindir da ajuda de outra pessoa mais capaz ou de um adulto para indicar os processos, como apresentado nos exemplos anteriores. Nesses processos, as crianças pequenas interiorizam os objetivos, os procedimentos e as regulações que vão compartilhando com a outra pessoa mais capaz, o que as tornam capazes de fazê-lo automaticamente.

A partir desses exemplos, podemos dizer que tudo o que a criança pequena sabe fazer com a ajuda, a orientação e a colaboração de pessoas mais capazes é o que Vygotsky denomina nível de desenvolvimento potencial. Aquilo que a criança pequena já é capaz de fazer sozinha no mesmo momento pode ser considerado o nível de desenvolvimento efetivo. Aquilo que a criança pequena sabe trazer com a ajuda de outras pessoas mais capazes e não sozinha, Vygotsky destaca que acontece porque algumas funções não estão totalmente desenvolvidas, mas estão em desenvolvimento; portanto, a aprendizagem que a criança pequena faz, praticando esses aspectos juntamente com uma pessoa mais capaz, é o que lhe permitirá chegar a desenvolver algumas capacidades pessoais que poderá exercer sozinha mais adiante.

Nesses conceitos vygotskianos, encontramos uma definição satisfatória referente às relações entre aprendizagem e desenvolvimento. Pode-se destacar que a aprendizagem facilita e promove o desenvolvimento através da criação de zonas de desenvolvimento potencial, as quais, segundo o que já mencionamos, podemos definir como a “distância entre o nível atual de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial determinado através da resolução de um problema sob a orientação de uma pessoa adulta ou com a colaboração de um companheiro mais capaz” (Vygotsky, citado por Riviere, 1981).

Atuando com outra pessoa na zona de desenvolvimento próximo, a criança interioriza a ajuda proporcionada, incorporando, assim, aos seus conhecimentos e às suas ações novas dimensões que a farão mais funcional, mais complexa e mais capaz de resolver problemas.

Finalmente, podemos destacar que, no processo de ajuda, de cuidado dedicado a uma criança pequena, os educadores e os pais atuam de uma maneira ou outra, conforme entendem implicitamente que seja seu papel no processo de estimulação dessa criança: para que ela desenvolva suas aptidões e até possa antecipar suas capacidades, a partir de um processo de observação constante dos aspectos que esteja incorporando, para conseguir melhorar essas suas capacidades. Nessa atuação conjunta, pais e educadores ajudam a criança pequena em seu avanço pessoal.

Todos esses aspectos estão integrando a concepção construtivista do desenvolvimento e da aprendizagem (Coll, 1986, 1990) e, a partir dessa perspectiva, entende-se que o desenvolvimento não surge do nada, mas é uma construção sobre a base de desenvolvimento que existe previamente, sendo uma construção que exige o envolvimento tanto do menino ou da menina como daqueles que se inter-relacionam com ele ou ela, tratando-se de processos modulados pelo contexto cultural em que vivem.

É necessário destacar que, nos últimos anos, tem havido entre os investigadores e estudiosos da psicologia evolutiva e da educação, em nosso contexto cultural, o que poderíamos nomear de um certo “acordo construtivista”, já que seus fundamentos teóricos sustentam várias explicações dadas sobre o desenvolvimento do ser humano.

O currículo proporciona informações referentes a que, quando e como ensinar e avaliar. É necessário revisar alguns aspectos importantes pelo modo como se relacionam a cada uma dessas questões.

No decorrer da etapa da educação infantil, há uma série de saberes culturais que devem ser conhecidos e de aspectos que ajudam a desenvolvê-los. Quando se fala de tudo isso, refere-se aos conteúdos educativos. Eles têm sido uma fonte de mal-entendidos em educação e, sobretudo, em educação infantil. Julgava-se que falar de aprendizagem de conteúdos nessa etapa, necessariamente, queria dizer não considerar as particularidades da etapa e “escolarizar” (no mau sentido da palavra) a creche e a pré-escola.

No auge da reforma educativa, dá-se muita importância aos conteúdos, porque é o que se aprende, sobre o que atua a atividade autoestruturante das crianças: é a partir dos conteúdos que somos capazes de desenvolver as nossas capacidades e converter-nos, gradativamente, em pessoas com mais recursos, com uma inteligência que nos permite o confronto com outras situações, etc. Por exemplo, para que a criança construa a sua noção de identidade – conteúdo conceitual – é preciso fazer diferentes atividades que lhe permitam diferenciar-se de outras pessoas: aprender o seu nome e os dos outros membros da família, saber que é um menino ou uma menina, etc.

Os conteúdos, objetos de aprendizagem, ordenam-se e organizam-se em torno das áreas curriculares que, na educação infantil, são âmbitos de experiência muito próxima da criança:

  • A descoberta de si mesma.
  • A descoberta do meio social e natural.
  • A intercomunicação e as linguagens.

O conceito de conteúdo é entendido de maneira mais ampla do que anteriormente; em geral, têm-se identificado conteúdo com dados ou conceitos que a criança precisa aprender. Atualmente, identificamos como conteúdos de aprendizagem todos os aspectos que as crianças precisam conhecer, saber fazer, ou melhor, saber como se comportar. Assim, fala-se de três tipos de conteúdos: conceituais, procedimentais e atitudinais.

É preciso destacar que essa é uma terminologia muito útil para o ensino fundamental e também interessante para a educação infantil. Às vezes, porém, apresenta algumas dificuldades nos conteúdos trabalhados na creche e na pré-escola. Em termos gerais, para todo o sistema educativo, tem a vantagem de permitir ir mais além na polêmica de “se a escola deve ensinar conceitos ou incidir nos processos de aprendizagem”.

Conhecer a existência de coisas, poder dizer características e estabelecer relações implica aprender fatos e conceitos.

Na creche e na pré-escola, existem basicamente fatos: as cores, nome da criança, as partes do seu corpo, saber que se podem conseguir coisas através da linguagem, conhecer o nome das coisas e alguns conceitos iniciais: os conceitos que elabora em torno do que é um animal, a escola, a noite, a televisão; uma representação que o menino ou a menina faz da realidade a partir de cenas e planuras vividas – sempre que signifiquem a representação do que se apresenta – que lhe permitam antecipar e prever.

Os procedimentos podem ser mais abertos, como as estratégias (conjunto de ações ordenadas para facilitar a resolução de problemas diversos).

É necessário motivar a interação entre a criança e o adulto para motivá-la a atuar, a assumir novos caminhos, a relacionar-se, a colocar as dúvidas e a buscar soluções. É preciso facilitar contextos ricos que permitam à criança defrontar-se com novas experiências que lhe sejam interessantes e nas quais possa experimentar, manipular, observar, etc. A relação ótima entre a professora e as crianças é aquela que estabelece através de situações de comunicação real, que permite à menina ou ao menino criarem novos significados, com os quais poderão dar sentido a suas novas aprendizagens. A professora deverá facilitar as ferramentas para conhecer a realidade e para ajudar a fazer uma memorização abrangente dos aspectos que vivenciam na escola.

Os meninos e as meninas dessa idade apresentam necessidades educativas diversas, as quais a professora deverá conhecer para poder ajustar à sua ajuda, conforme as capacidades manifestadas. É importante utilizar metodologias diversas que incorporem diferentes tipos de situações de interação; nesses momentos, a professora poderá proporcionar a ajuda que cada criança necessita, considerando as suas capacidades e as suas dificuldades. Em consequência, não se trata de prescrever um só método, mas de utilizar as estratégias que sejam adequadas para dar o tratamento educativo que cada menino ou menina necessita.

A relação com as famílias. O objetivo prioritário da colaboração entre professores e pais é o de ajudar a desenvolver todas as capacidades das crianças. É preciso buscar canais de comunicação entre ambos, que permitam incentivar ao máximo essas capacidades. Particularmente na etapa da educação infantil, é importante uma boa comunicação entre a escola e a família para facilitar a adaptação das crianças aos novos contextos e, em consequência, às novas demandas, exigências e possíveis dificuldades. A comunicação entre as famílias e a escola normalmente é estabelecida através dos seguintes canais: as entrevistas pessoais, os informes, as reuniões das turmas de cada ciclo, os escritos informativos, a celebração de atividades e de festas conjuntas e a colaboração nas tarefas educativas.

Ao adotar um currículo aberto e flexível, muitas das decisões em relação a como e quando ensinar ficam atribuídas às equipes de professores das escolas. Uma vez definidos os objetivos e os conteúdos para a etapa no primeiro nível de concretização, as escolas podem sequenciar esses conteúdos por ciclos e por cursos, identificando os objetivos para as áreas adequadas às características do contexto em que sejam trabalhados. Essas decisões fazem parte do que se denomina “um segundo nível de concretização e que integra o Projeto Curricular do Centro”. Em parte, refere-se ao momento que cremos ser o mais conveniente para os nossos alunos aprenderem determinados conteúdos. No Capítulo 6, explicaremos detalhadamente o que compreende elaborar uma sequenciação dos conteúdos no Projeto Curricular do Centro.

O Departamento de Ensino da Generalidade da Catalunha publicou uma proposta de segundo nível de concretização que, para algumas equipes educativas, pode ser útil à identificação de uma possível sequenciação dos conteúdos na etapa da educação infantil (ver Generalitat de Catalunha: Curriculum. Educació Infantil. Departament d’Ensenyament, 1992).

Finalmente, um currículo fornece informação em relação aos diferentes aspectos referentes à avaliação: o que avaliar, como avaliar e em que momentos é preciso fazê-lo. No documento normativo a que nos referimos, são oferecidas as seguintes recomendações:

  • A avaliação deve proporcionar informação útil para poder continuar ensinando. É preciso avaliar todos os tipos de conteúdos e em relação a todas capacidades que são necessárias desenvolver.
  • O referente último em avaliação deve ser os objetivos gerais da etapa; porém, como esses não são diretamente avaliáveis, é preciso identificar os objetivos didáticos que se referem aos objetivos gerais que deverão ser alcançados. Os objetivos didáticos referem-se às situações educativas propostas às crianças e, portanto, podem ser avaliados através da análise e da observação do grau de alcance dos objetivos previsto para a situação.
  • É preciso avaliar também o Projeto da escola, com a finalidade de identificar possíveis desconexões entre os objetivos formulados e o nível de aprendizagem obtido.
  • É necessário avaliar no princípio, durante e no final do processo de aprendizagem.
  • É necessário fazer uma avaliação sistemática e continuada no decorrer de todo o curso.
  • É necessário avaliar ao concluir uma etapa educativa.
  • A avaliação é um processo que compreende uma série de dados; é preciso valorizá-los e tomar decisões que impliquem o ajuste da prática educativa.
  • A observação é a estratégia principal da avaliação na etapa da educação infantil.

Consequências da Educação Infantil

O momento histórico atual, marcado por transformações tecnológicas, científicas e ético-sociais, destaca a educação da criança, enquanto sujeito social, legitimando-a como competente e sujeito de direitos. Citando ZABALZA (1998), pode-se dizer que se está diante da “infância recuperada”. Da criança reprimida, adulto em miniatura, criança-aluno, criança-filho, renasce uma criança verdadeira, pedindo para viver como criança, reconhecida pela grandeza de seu tempo ao construir também a história.

A educação ocupa o espaço de esperança na dinâmica da sociedade. Família, escola e sociedade são chamadas a compor uma unidade em prol deste desafio, que requer um rever contínuo de crenças, valores, princípios e ideais.

À escola, em parceria com a família e a sociedade, é reservado o papel de desenvolver a formação da criança para a cidadania, envolvendo conhecimentos, atitudes, habilidades, valores, formas de pensar e agir contextualizadas ao social para que possa participar de sua transformação.

O mundo “dos adultos” estabelece alguns paradoxos em relação à infância ao considerar as crianças, as suas circunstâncias e condições de vida. (Pinto e Sarmento, 1997).

Na história da infância, nunca houve tanta preocupação com as crianças como acontece hoje em dia. Constata-se, no entanto, que a criança não dispõe mais de tempo para vivenciar suas brincadeiras e fantasias, tão benéficas ao seu desenvolvimento mental e emocional.

Por um lado, é valorizada a espontaneidade e expressão infantil, ao passo que, por outro, bloqueia-se suas manifestações naturais. Sabe-se que os pais são os primeiros agentes sociabilizadores e os educadores mais importantes para seus filhos, apesar dessa assertiva, não assumem a maior parte da responsabilidade sobre eles. Da mesma forma, acredita-se que as crianças devem viver e comportar-se dentro do que lhes é próprio, porém suas “infantilidades” são criticadas e bloqueadas pelos adultos. Defende-se a importância do brincar na construção do desenvolvimento e aprendizado infantil, mas quando ordenamos, em determinadas circunstâncias, que parem de brincar e elas resistem, não se compreende essa rebeldia e repreende-se com “a autoridade de adulto”.

Incentivam-se as crianças a criar e se expressar, só que da maneira que se idealiza para elas. Discursa-se, também, sobre o respeito ao ritmo de desenvolvimento, interesses, possibilidades, características e espaço infantil e, em contrapartida, limita-se a vida das crianças a longos períodos em “carteiras”, realizando atividades sem significado, rotineiras e que não conduzem à promoção.

Espera-se que as crianças desvendem o mundo e se fecha a porta da descoberta, da curiosidade e da experiência tateante, com encaminhamentos definidos e impostos pelo adulto. Ao mesmo tempo em que se incentiva as crianças à autonomia, à livre expressão e à comunicação, no cotidiano elas não podem fazer escolhas, manifestar seus sentimentos e expor suas ideias e desejos. Outrossim, as crianças devem ser educadas para a liberdade e para a democracia, todavia em prol do controle e da disciplina, os limites são impostos de forma inflexível.

As preocupações com a infância abrem novas possibilidades e um novo caminho para repensar as intenções pedagógicas e sociais, no sentido de dar resposta às expectativas infantis, apontando para novas tendências e desafios educacionais. As crianças pequenas precisam dos adultos a fim de que possam ter seus direitos assegurados. A partir das questões que se evidenciam, está despontando, atualmente, uma pedagogia da educação infantil que respeite a criança como cidadã e a coloque no centro do processo educacional.

Um desafio se coloca para o professor de educação infantil: um novo olhar sensível e reflexivo sobre a criança, procurando compreender e aceitar os sinais que manifesta e que comunica a respeito do que é e espera do adulto.

Dos estudos de Rousseau, Froebel, Decroly, Montessori a Piaget e seus seguidores abrem-se um novo conceito para o desenvolvimento cognitivo com a construção do conhecimento. Segundo Freinet, a ótica do desenvolvimento natural e da perspectiva cultural e social se delineia e com Vygotsky, se confirma o paradigma contemporâneo da educação infantil, que destaca no pensamento e na linguagem, na interação e na mediação a tônica de uma educação infantil que, de escolar, com o foco no aluno, configura-se como educacional, e passa a concentrar sua atenção na criança, competente e sujeito de direitos. A trajetória da educação infantil sustenta, assim, uma concepção em torno da ideia de WALLON (1995) sobre a evolução natural da criança, vista como ser social em desenvolvimento, pensada em termos das relações sociais que estabelece, considerada em sua individualidade e possibilidades.

Os parâmetros pedagógicos da “infância em situação escolar” sustentam uma situação em que a educação infantil é vista como uma antecipação das rotinas do ensino fundamental, quando o currículo deste é adaptado para a criança de zero a seis anos. Está em construção uma pedagogia não-escolar para a educação infantil, superando o assistencialismo e se confirmando a integração educação e cuidado, que envolve a criança e o adulto, que contempla a família, que viabiliza uma nova organização de tempo e espaço pedagógico, com o desenvolvimento de projetos no lugar de disciplinas curriculares isoladas, vindo a garantir a construção da cultura infantil. É preciso ampliar a rede de solidariedade de preocupações com as crianças de zero a seis anos, reavivando a imagem do professor diante do sentido da ação educativa na contemporaneidade.

Diante do contexto de desafios e descaso entre professores, encontram-se os que “tiram de quase nada formas criativas, amorosas, inovadoras, estimulantes, que mobilizam a curiosidade das crianças de aprender, o que as faz a cada dia retornar à escola com brilho nos olhos, cheias de perguntas, cheias de descobertas, ansiando por compartilhar com a professora e com as outras crianças os seus novos saberes e novos desejos de saber” (GARCIA, 2002:8).

A passagem da infância do âmbito familiar para o institucional, à medida que se co-responsabiliza pela criança, passa a constituir um discurso próprio e novos contornos se encontram a caminho de definição. Uma nova ação pedagógica em um contexto que contemple todas as dimensões do humano passa a ser o desafio aos educadores. A instituição de educação infantil é um espaço diferente, assim como o professor deve ter um perfil próprio, composto por um amplo conhecimento cultural e uma formação na qual “aprendesse a vibrar e a fazer vibrar” (BALAGUER, 1999), avançando a uma prática reflexiva e transformadora. A tarefa, pois, consiste em “devolver à infância a sua presença enigmática” (LAROSSA, 1998:233).

À Pedagogia cabe, assim, ampliar e subsidiar a formação ampla e contínua do professor para a educação infantil, que atenda às demandas sócio-culturais dos programas voltados para a infância, ressaltando uma postura ética, polivalente e comprometida, que agregue ousadia para conquistar na prática as conquistas obtidas nos aspectos legais em relação à infância brasileira. Significa, pois, saber utilizar os conhecimentos socialmente produzidos para estabelecer transposições didáticas adequadas e de qualidade para o cuidado e educação das crianças.

De uma pedagogia escolar, novos contornos estão se delineando timidamente. A criança em seu próprio tempo dá um impulso a uma abordagem humanizadora à intervenção educativa. As relações sócio-culturais, o conceito de infância heterogênea, os diferentes contextos de construção da diversidade, a necessidade de se resgatar a infância abrem um universo de oportunidades à pedagogia.

Uma criança renovada desponta diante do quadro constatado na família, na escola e na sociedade. Inteligente, curiosa, ativa, solidária, criativa, integrada no meio em que vive, quer dialogar e participar da construção de seu caminho, ao mesmo tempo, ávida por afeto, brincar, correr, sorrir, chorar, viver e por sonhar. Ao longo da história da humanidade, foi com os pais, parentes e vizinhos, brincando com outras crianças que ela aprendeu a viver.

A necessidade de programas sensíveis às crianças vem sendo destacados e analisados no cenário mundial. O que se confirma nas palavras de EDWARDS (1999:294): “uma sociedade humana parece ser um pré-requisito necessário para ter-se escolas humanas, onde os professores sejam capazes de aprender com as crianças e com seu ambiente”.

Não faz parte deste trabalho recuperar a história da educação infantil no Brasil, pois muitos estudiosos já o fizeram, com muita propriedade. No entanto, alguns recortes dessa história representam a exigência de um determinado momento histórico e clarificam os paradigmas existentes.

O sistema educacional brasileiro é marcado há mais de um século pela preocupação com a educação infantil. Surge, sem nenhuma indicação legal a respeito, no momento em que o processo de industrialização do país atrai a mulher ao mercado de trabalho. Os registros oficiais da educação pré-escolar mais remotos são descritos, na década de 1930, na Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-lei 8530) de Gustavo Capanema, onde os Institutos de Educação eram responsáveis pelo profissionais do magistério primário e também pelo curso de especialização para o trabalho pré-escolar.

Em 1961, a Lei 4024/61, pela primeira vez no país, contempla todos os níveis de educação, não alterando a formação do professor da pré-escola que continua sendo realizada no ensino médio. Refere-se à educação infantil como os “Jardins de Infância” e, em acordo com a CLT (1943), define que as mães que trabalhassem e com filhos menores de sete anos, seriam estimuladas a organizar instituições de educação pré-primária. Só que com o golpe militar de 1964 as discussões educacionais passam por uma longa fase de conformismo e silêncio.

Durante este período, a influência do tecnicismo norte-americano e os acordos MEC-USAID tornam-se os marcos das Leis 5.540/68 e 5.692/71 que reorganizavam o ensino superior e de 1.º e 2.º graus, respectivamente. O Curso de Magistério transformou-se em Habilitação Específica para o Magistério, tendo um núcleo comum destinado à formação geral e à formação especial, de caráter profissionalizante, que habilitava o aluno, em quatro anos, a lecionar da pré-escola à 6.ª série do 1.º grau. À educação infantil ficava reservada a parte da formação especial nas matérias que contemplavam o desenvolvimento infantil e didático-pedagógico para esta fase. Iniciativas isoladas, movidas por idealismo de educadores, traçando uma educação realmente preocupada com a infância.

Neste sentido, a Constituição Brasileira (1988) torna-se um ponto decisivo na afirmação dos direitos da criança, incluindo, pela primeira vez na história, o direito à educação em creches e pré-escolas. (Art. 208, inciso IV). Em 1990, O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, insere as crianças no mundo dos direitos, mais especificamente no mundo dos Direitos Humanos, reconhecendo-as como pessoas em condições peculiares de desenvolvimento, como cidadãs, com direito ao afeto, a brincar, a querer, a não-querer, a conhecer, a opinar e a sonhar.

O referido Estatuto, considerado pela UNICEF uma das legislações mais avançadas do mundo na área do direito da criança e do adolescente, ao enfatizar a vida, a educação, a saúde, a proteção, a liberdade, a convivência familiar e o lazer.

É neste contexto que o Ministério de Educação e Desporto (MEC), em 1994, assume o papel de propor a formulação de uma Política Nacional de Educação Infantil. Neste período, a Coordenação Geral de Educação Infantil (Coedi) da Secretaria de Educação Fundamental do MEC publicou uma série de documentos para a educação infantil no Brasil, entre os quais se destacam: “Por uma política de formação do profissional de educação infantil” (1994), “Política Nacional de Educação Infantil” (1994), “Critérios para um atendimento em creches e pré-escolas que respeitem os direitos fundamentais das crianças” (1995).

Reafirmando estas mudanças, a LDB – Lei de Diretrizes e Bases, n.º 9394/96, estabelece o vínculo entre a educação e a sociedade e, ao longo do texto, faz referências específicas à educação infantil, de forma sucinta e genérica. Reafirma que a educação para crianças com menos de seis anos é a primeira etapa da educação básica, destaca a ideia de desenvolvimento integral e o dever do Estado com o atendimento gratuito em creches e pré-escolas. Outro avanço refere-se à avaliação na educação infantil, ressaltando que não tem a finalidade de promoção, em oposição à visão preparatória para as séries iniciais. A exigência da formação dos profissionais para a educação infantil em nível superior e ensino médio, apresentada pela Lei, vem sendo motivo de debates e reflexões a nível nacional.

De acordo com a LDB, considerando seu papel e sua responsabilidade na indução, proposição e avaliação das políticas públicas relativas à educação nacional, o Ministério da Educação e do Desporto propõe, em 1998, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. São três volumes, sem valor legal, que se constituem num conjunto de sugestões para os professores de creches e pré-escolas, para que possam promover e ampliar as condições necessárias ao exercício da cidadania da criança brasileira.

GARCIA (2001:41) ao fazer uma análise das críticas ao documento, ressalta que “mesmo desconsiderando a imensa diversidade cultural e social da sociedade brasileira e das propostas curriculares de educação infantil existentes, a leitura crítica deste documento pode ser um importante subsídio para o debate sobre a criança e a educação infantil”.

Em dezembro de 1998, o Conselho Nacional de Educação publica as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, com o intuito de nortear as propostas curriculares e os projetos pedagógicos para educação da criança de 0 a 6 anos e, estabelece paradigmas para a própria concepção de programas de cuidado e educação, com qualidade, em situações de brincadeiras e aprendizagem orientada de forma integrada, contribuindo para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros, em uma atitude de respeito e confiança, enquanto tem acesso aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural.

O documento destaca a evolução do conceito de criança na história da educação infantil e os impactos da modificação da constituição familiar e da vida na sociedade sobre a vida da criança. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil confirmam os Princípios, Fundamentos e Procedimentos da Educação Básica na orientação das instituições de educação infantil. No entanto, sabe-se que a lei e as diretrizes ao assegurarem a concepção de criança cidadã e da educação infantil como direito da criança no Brasil, não determinam a mudança na realidade das crianças brasileiras e nas propostas e trabalho das creches e pré-escolas.

A análise dos impactos das transformações sociais, tecnológicas e culturais sobre a criança de 0 a 6 anos, as consequências sobre seu modo de ser e se relacionar têm sido alvo das discussões pertinentes na formação do professor de educação infantil. Os questionamentos estão presentes nas abordagens pedagógicas, de conhecimento geral e específico, do universo infantil e da formação do perfil profissional do professor.

Sabe-se que a intervenção pedagógica tem oscilado entre as concepções de mundo e de educação em que, ou se permite à criança ser criança em seu processo de desenvolvimento natural, no seu tempo e singularidade, ou se opta a forçar a natureza, estipulando regras, modelos e padrões a serem aprendidos, seguidos e repetidos. A educação infantil comprometida e planejada para ser um tempo e um espaço de aprendizagem, socialização e diversão, oportuniza a criança a viver como criança em instituições educacionais.

Através de atividades que não têm a conotação escolar ou igual às de sua casa, à criança é reservado o lugar de viver sua infância, sem encurtá-la com tarefas rotineiras e desmotivantes ao ser “aluno” ou ser “trabalhador”, em seus contextos familiar e social.

O reconhecimento da educação infantil como espaço de aprendizado e conhecimento traz a importância de repensar as relações da Pedagogia com a educação infantil, orientada para uma prática comprometida com uma intencionalidade educativa que resgate a infância. Pascal & Bertran (apud ROSEMBERG, 1994) afirmam que se quisermos melhorar a qualidade da educação de crianças pequenas, devemos nos preocupar com a qualidade de seus professores.

Ao considerar a concepção de infância e de educação na formação acadêmica do professor de educação infantil, destaca-se a importância do estudo da educação e da investigação da realidade, para que possa intervir e fazer sua ação pedagógica relacionada com os componentes da prática educativa, ou seja, a criança, o professor e o contexto em que vivem. Cabe, pois, considerar os valores e princípios presentes na concepção de criança, sociedade, conhecimento, educação e cultura, necessários à contextualização sócio-política da formação do pedagogo crítico, reflexivo, pesquisador, criativo e comprometido com a responsabilidade social e inovadora na educação infantil.

A perspectiva da relação pedagogia-educação infantil considera necessária a mobilização frente às discussões sobre a reorganização institucional e legal da educação de crianças de zero a seis anos, como também pelo campo educacional que aponta para uma nova concepção da infância e para a exigência de uma formação geral e cultural continuada dos professores para a educação infantil, instaurando e fortalecendo os processos de mudança na perspectiva de um profissional pedagogo, especialista nas questões da educação, um cientista da educação e pesquisador da prática educativa, como resposta aos desafios que a criança solicita em seu desenvolvimento. É um desafio permanente que se impõe para pensar e realizar uma pedagogia que invista em fazeres e saberes pedagogicamente comprometidos com uma educação humanizadora de nossas crianças.

BIBLIOGRAFIA

EDWARDS, C. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

FARIA, A.L. et al. Educação Infantil Pós-LDB: rumos e desafios. São Paulo: Autores Associados, 1999.

FREINET, C. A pedagogia do bom senso. São Paulo: Martins Fontes, 1973.

GALVÃO, H. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes. 2.ª ed., 1995.

GARCIA, R.L. Em defesa da educação infantil. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

GARDNER, H. A criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

LAROSSA, J. O enigma da infância: ou o que vai do impossível ao verdadeiro. In Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contra Bando, 1998.

PINTO, M. et al. As crianças: contextos e identidades. Portugal: Universidade do Minho – Centro de Estudos da Criança, 1997.

ROSEMBERG, F. et al. Creches e pré-escolas no hemisfério norte. São Paulo: Cortez -FCC, 1994.

VYGOTSKY, L. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

ZABALZA, M. Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

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