O tema induz-nos a refletir sobre as mudanças ocorridas no processo educacional, ao longo de uma década, no que se refere ao atendimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos marcados por processos excludentes nas escolas regulares. Pressupõe, portanto, que sejam realizadas análises críticas do período, buscando avanços e retrocessos na conquista do direito de todos à educação.
Com outras palavras, o tema pressupõe a avaliação dos resultados dos esforços daqueles que têm lutado por escolas de melhor qualidade para todos, com todos e por toda a vida, isto é, escolas inclusivas nas quais esteja assegurado e garantido o exercício da cidadania de seus alunos, sem discriminações.
Analisar a década após a Conferência de Salamanca não é uma tarefa fácil, seja pela dificuldade em afirmar ou negar que as mudanças ocorridas no nosso sistema educacional devem-se às diretrizes de ação nela propostas para a elaboração dos planos nacionais de educação, seja porque a magnitude e importância do trabalho exigiriam a produção de um relatório por uma equipe de pesquisadores, o que não é o caso deste trabalho de solitária autoria.
Procurei, em várias fontes de informação, as evidências do impacto produzido pelas idéias aprovadas, por unanimidade, no encontro ocorrido em Salamanca – Espanha. O que se segue é o resultado das buscas que pude realizar e de minhas reflexões a respeito. Espero e desejo que possam ser de alguma utilidade, servindo para o aprofundamento do trabalho.
Penso que a Declaração de Salamanca merece ser analisada tendo-se em conta as suas finalidades manifestas e as latentes. Aquelas, explicitadas no texto sob a forma apelos e de diretrizes que traduzem as intenções de melhorar o acesso ao ensino, no sistema comum de educação, de todas as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais.
As finalidades latentes, não tão explícitas no texto, podem ser avaliadas através das consequências da implementação das novas idéias, esperando-se que as estratégias de ação adotadas pelos gestores da educação, (no caso deste trabalho- os do Brasil) estejam atendendo às intenções manifestas no Documento.
Creio que a proposta de avaliação da década pós – Salamanca diz mais respeito ao eixo das finalidades latentes comportando, como questões avaliativas, dentre inúmeras outras:
- As diretrizes contidas na Declaração de Salamanca foram contempladas na elaboração do Plano Nacional de Educação do Brasil?
- Constam de seu texto? Foram citadas como referência?
- Em que medida as diretrizes foram implementadas? Em todas as Unidades Federadas do Brasil?
- Quais os resultados obtidos? Em que regiões, Estados, Municípios e o Distrito Federal brasileiros são mais marcantes as conseqüências das novas idéias?
- Dentre as barreiras enfrentadas, quais as que foram superadas e quais as que perduram?
- Todas os avanços devem-se às recomendações de Salamanca?
Níveis de Análise
A resposta a essas e a muitas outras questões podem (e devem) ser buscadas nos seguintes níveis de análise da realidade educacional brasileira:
1. Nível microssociológico
Diz respeito à sala de aula onde, predominantemente, o processo de ensino – aprendizagem ocorre e onde a proposta de educação inclusiva pode traduzir-se, apenas, pela presença física de aprendizes com necessidades educacionais especiais sem as indispensáveis ações para remover barreiras para a aprendizagem e para a participação de todos os alunos. Todos.
2. Nível mesossociológico
Diz respeito à instituição escola na qual as dimensões culturais, políticas e práticas devem ser compreensivamente avaliadas permitindo identificar, no perfil institucional, as características excludentes ou inclusivas em relação ao alunado que apresenta diferenças significativas na aprendizagem e no desenvolvimento.
O conjunto de materiais que compõem o Index para a Inclusão permite essa avaliação da e na escola e, a partir da análise dos dados obtidos, é possível orientar o desenvolvimento da escola numa direção verdadeiramente inclusiva.
3. Nível macrossociológico
Diz respeito ao papel do Estados na definição de sua política educacional. A avaliação, nesse nível deve incluir: os graus de legitimação das decisões tomadas, isto é, do consenso decorrente da participação dos envolvidos; a natureza da gestão, se mais ou menos centralizadora, bem como os mecanismos de controle assumidos pelo Estado, em especial na prestação de contas.
No Brasil, a avaliação macrossociológica dos impactos das intenções manifestas no documento de Salamanca, reveste-se de maior dificuldade não só pelas dimensões continentais de nosso país, como porque sendo uma República Federativa, além de avaliar as ações desenvolvidas no nível central, pelo Estado Brasileiro como Nação, teremos que avaliá-las em cada uma das unidades federadas. Para tanto não serão suficientes, apenas, as informações sobre o estado da arte da educação em cada uma delas antes e depois de Salamanca. Será indispensável contextualizá-las à evolução dos níveis sócios econômicos e culturais que, em nosso país e infelizmente, denunciam enormes índices de desigualdade.
4. Nível Megassociológico
Diz respeito ao papel das organizações supranacionais, em especial as econômicas e que, no contexto da globalização, impõem certas ações que podem acarretar a prevalência das regras do mercado, em detrimento da assunção, pelo Estado, de uma pedagogia mais humanista, na qual a educação não é bem de investimento e sim bem de consumo essencial para todos os cidadãos.
Este nível de avaliação, segundo o qual a economia pode estar controlando a política educacional, é dos mais complexos e delicados, exigindo para sua consecução, a parceria de diferentes analistas que, criticamente, encarem o darwinismo social no qual vivemos. Dizendo de outro modo, a equipe de avaliadores estaria considerando o pressuposto defendido pelo neo-darwinismo de que os melhores são os mais aptos, o que justificaria a formulação de políticas educacionais para a formação de capital humano.
Se a educação for concebida como bem de investimento, caberá às escolas e aos seus professores instruir, ensinar objetivando a formação de pessoas mais capazes para fazer frente à competição existente no Estado/Nação e entre as Nações. Sob essa ótica, as pessoas com deficiência ficam em maior desvantagem porque não estão no imaginário social como melhores e, muito menos, como as mais aptas! E todo esforço para educá-las mais tem enfatizado suas limitações, em busca de compensá-las, do que suas potencialidades, em busca de desenvolvê-las e otimizá-las.
A avaliação dos impactos da Declaração de Salamanca sob o enfoque megassociológico e que envolve os interesses de organizações econômicas internacionais no contexto da globalização, pressupõe a delicada e difícil tarefa examinar, por inúmeros indicadores, as reais intenções (nem sempre explícitas) que estão no bojo das políticas inclusivas, especialmente das radicais e que defendem o desmonte imediato de todos serviços de educação especial.
Dentre os inúmeros defensores da visão radical da inclusão escolar penso que a maioria é constituída por pessoas bem intencionadas, mas, talvez ingênuas, faltando-lhes problematizar, mais profundamente, as verdadeiras razões que levam a decisões e a medidas radicais para a extinção de todos os serviços de educação especial. Muitas vezes essa opção explica-se porque tais serviços, para serem de boa qualidade, são dispendiosos _ muito caros_ e não necessariamente decide-se pelo desmonte da educação especial tomando-se como base, o bem comum.
Gostaria de dispor das condições necessárias para fazer a análise da década brasileira pós Salamanca em todos esses níveis sociológicos de análise. Mas, na impossibilidade de transitar por esse percurso, sozinha, procurei pinçar e analisar algumas informações que se encaixam, predominantemente no aspecto macrossociológico da avaliação, embora considere a sala de aula e a escola como absolutamente significativas para a concretização das intenções e objetivos das escolas inclusivas.
O Evento de Salamanca: Breve Histórico
O encontro de Salamanca, ocorrido na Espanha, no período de 7 a 10 de junho de 1994, aconteceu num momento em que os líderes mundiais e o sistema das Nações Unidas, como um todo, estavam procurando tornar realidade a universalização da educação.
Cumpre lembrar uma iniciativa anterior, concretizada como Projeto Principal de Educação, elaborado a pedido dos Ministros de Educação, do Planejamento e da Economia dos países da América Latina e Caribe, reunidos no México em 1979 e aprovado na 21ª reunião da Conferência Geral da Unesco em 1981. O Projeto Principal de Educação foi o resultado do consenso sobre a necessidade de realizar esforços intensos e sustentáveis para que fossem atendidas, até 2000, as carências e as necessidades educacionais de inúmeros alunos privados do direito de acesso, ingresso e permanência, com sucesso, na escola básica.
As idéias e ideais do Projeto Principal de Educação foram retomadas, em dimensão mundial e ratificadas em 1990, em Jomtien-Tailândia. Educadores oriundos de diversos países do mundo, no período de 5 a 9 de março reuniram-se numa Conferência Mundial sobre Educação para Todos Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem e aprovaram a Declaração Mundial de Educação para Todos e o Plano de Ação para Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem.
As estatísticas do início da década de 90 eram surpreendentes, pois, mais de 100 milhões de crianças, incluindo-se cerca de 60 milhões de meninas, não tinham acesso à escolarização primária. Das 600 milhões de pessoas com deficiência no mundo, 150 milhões estavam com menos de 15 anos de idade, sendo que menos de 2% dessas pessoas recebiam qualquer modalidade de educação, apesar dos esforços e das recomendações de organismos nacionais e internacionais.
Assim como os anos de 1980 e 1981, 1990 pode ser considerado como outro marco histórico no qual se registraram importantes tentativas de enfrentamento do desafio de que todas as escolas, como integrantes do contexto social, criem melhores oportunidades de aprendizagem básica, para todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos, tal como preconizado na Declaração Mundial sobre Educação para Todos.
Mas, apesar dos movimentos de 1980[5], uma década antes de Jomtien, portanto, tornou-se evidente que a compreensão do “todos” e do significado da universalização da educação não eram suficientemente fortes, exigindo-se destacar as necessidades educacionais especiais de milhões de pessoas.
Constatou-se que as necessidades especiais das pessoas com deficiência aparecem brevemente citadas no Relatório Final da Conferência de Jomtien, bem como no texto da Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Igualmente há poucas referências a elas no Fórum Consultor Internacional dobre Educação para Todos (Nova Deli, 1993) ou no Ápice da Educação para Todos de Nove Países Populosos (Nova Deli, dez, 1993).
Esses fatos, associados aos dados estatísticos referentes ao quadro internacional, de cores tão sombrias, evidenciaram a necessidade e a importância de se destacarem os direitos das pessoas com necessidades especiais.
O encontro de Salamanca ocorreu para alertar e para assegurar que aprendizes com necessidades educacionais especiais (ou como fossem denominados) sejam incluídos nos planos locais e nacionais de educação, assegurando-lhes a abertura de todas as escolas, que devem se transformar em centros prazerosos de ensino-aprendizagem. Assim, na Conferência de Salamanca foram estabelecidos, como principais objetivos: a inclusão de todas as crianças do mundo nas escolas e a reforma do sistema educacional para tornar esse objetivo possível.
Embora essas questões sejam centrais para a democratização da educação, não suscitavam as atenções conferidas a outros temas tais como o financiamento da educação ou a avaliação do rendimento escolar, por exemplos.
Na organização dos trabalhos 4 (quatro) temas foram estruturantes da Conferência: Política e Legislação; Perspectivas Escolares; Perspectivas Comunitárias e Parceria e Construção de Redes. Ocorreram palestras seguidas de discussões em grupos e sessões plenárias para análise das contribuições dos grupos.
No texto final divulgado no Brasil aparecem esses mesmos temas, mas com outros títulos:
- Política e organização;
- Fatores escolares;
- Contratação e formação do pessoal docente;
- Serviços externos de apoio;
- Áreas prioritárias;
- Participação da comunidade ;
- Recursos necessários.
Cada um deles, como foco de análise, inspirou um elenco de diretrizes para elaboração de planos nacionais de educação que contemplem as necessidades educacionais especiais.
A partir dessas diretrizes é possível construir um elenco de indicadores que permitam avaliar os impactos produzidos nos sistemas educacionais que assumiram as idéias de Salamanca.
Para organizar a análise da década, no que tange à educação brasileira, adotei essa metodologia de trabalho: procurei estabelecer alguns indicadores para os diferentes temas, entendidos como focos de análise. Tal como comentado anteriormente dei ênfase ai nível macrossocial, buscando dados do Brasil, como um todo.
Alguns focos e indicadores para a avaliação da década
Entendo que os sete temas que geraram as diretrizes de ação no plano nacional devem ser os focos para análises. A leitura de seu texto, com vistas à avaliação do impacto gerado pelas idéias e orientações nele contidas, permite identificar inúmeros indicadores. Estes servem para orientar a coleta de informações (fidedignas) que nos levem a conhecer as mudanças ocorridas ou não.
Neste trabalho e muito sumariamente, estão analisados os sete temas, embora, para maior aprofundamento, essa tarefa exija uma equipe interdisciplinar de avaliadores e a construção de indicadores, não só os teóricos como os empíricos. Procurei estabelecer alguns indicadores que me permitissem responder às questões avaliativas apresentadas no início deste texto e que serão retomadas no item das considerações finais.
Tomemos como foco o tema Política e a Organização e, como alguns indicadores extraídos das dez diretrizes por ele geradas:
- elaboração de documentos normativos;
- parcerias entre os órgãos coordenadores e implementadores de políticas públicas;
- atenção dispensada à Língua Brasileira de Sinais e a materiais para uso de cegos e com visão subnormal.
1. A elaboração de documentos normativos
Certamente o mandamento legal mais significativo da década, no Brasil, foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9394, promulgada em dezembro de 1996, após oito anos de discussões que se iniciaram com a Constituição Brasileira de 1988.
Nesta Lei, e que substituiu a 4024/61 e a 5692/71, a Educação Especial mereceu um estatuto à parte. Enquanto nas anteriores resumia-se a um ou a dois artigos que a conceituavam como tratamento especial, na nova LDB a Educação Especial constitui-se em um Capítulo, cujos artigos além de reverem seu conceito superando a idéia de tratamento, dizem respeito: à organização do atendimento educacional, aos serviços de apoio especializado, à faixa etária de ingresso na Educação Infantil, ao processo pedagógico, à terminalidade do ensino fundamental, à formação de professores e ao apoio técnico e financeiro às instituições privadas, sem fins lucrativos.
Independentemente das críticas à LDB como um todo e daquelas referentes à Educação Especial trata-se, sem dúvida de um avanço, permitindo evoluir da visão substantiva da educação especial, como sub-sistema, para o enfoque adjetivo. Sob essa ótica é especial no sentido de ser de boa qualidade e na medida em que o processo escolar se compromete com a qualidade da aprendizagem dos educandos, respeitados em suas diferenças individuais.
Em vez de tratamento para alunos “especiais”, a LDB determina que especiais sejam os currículos, métodos, técnicas, recursos e organização específicos para atender às necessidades dos alunos. É a resposta educativa que deve ser adjetivada como especial! O olhar é para as necessidades especiais dos alunos e não para os alunos com necessidades especiais, como se fossem os únicos a apresentá-las porque são portadores de deficiências ou porque superdotados.
Essa concepção está de acordo com as diretrizes de Salamanca, merecendo destaque o início do atendimento especializado desde o nascimento, conhecidos os benefícios que produz.
Outros documentos normativos surgiram, no Brasil, após 1994. Sem pretender alongar demasiadamente este texto menciono o Plano Nacional de Educação, transformado na Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001 e a Resolução CNE/CEB N° 2 de 11 de setembro de 2001.
Algumas linhas sobre cada um dos documentos citados.
1.1 O Plano Nacional de Educação – Lei 10.172/2001
Na introdução do documento constam como eixos norteadores de sua elaboração, do ponto de vista legal, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e a Emenda Constitucional N° 14, de 1995, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério.
Outros documentos estão citados, como o Plano Decenal de Educação “preparado de acordo com as recomendações da reunião organizada pela UNESCO e realizada em Jomtien… e documentos resultantes de ampla mobilização regional e nacional que foram apresentados pelo Brasil nas conferências da UNESCO” (p.7).
A Conferência de Salamanca não aparece mencionada como fonte de subsídios, embora pareça implícita na citação dos documentos apresentados pelo Brasil em conferências realizadas pela UNESCO. Ocorre que, lamentavelmente, o MEC não se fez representar em Salamanca. Aqui cabe uma “pitada”de história pois estava eu à frente da Secretaria de Educação Especial, no MEC em 1994 e, apesar dos esforços para nos fazermos representar, a burocracia foi mais forte e o MEC perdeu a oportunidade de participar e de trocar idéias e experiências com os colegas representantes de 92 governos e 25 organizações internacionais, que estiveram presentes em Salamanca.
Mas, voltando à letra do Plano Nacional de Educação, a primeira prioridade nele estabelecida (“considerando-se que os recursos financeiros são limitados”) é “a garantia de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas as crianças de 7 a 14 anos, assegurando seu ingresso e permanência na escola e a conclusão desse ensino.[…] O processo pedagógico deverá ser adequado às necessidades dos alunos e corresponder a um ensino socialmente significativo. Prioridade de tempo integral para as crianças das camadas sociais mais necessitadas” (p.7).
Penso que se o texto acima está em consonância com o ideário de Salamanca desde que se inclua em todas as crianças de 7 a 14 anos, todas aquelas que apresentam diferenças na aprendizagem sejam dificuldades ou altas habilidades/ superdotação. Essa ressalva não é explícita.
O capítulo dedicado à educação especial, assim como os demais referentes à educação básica e à superior, contém: (a) o diagnóstico da situação do atendimento às pessoas com deficiências e às superdotadas em 1988; (b) as diretrizes para orientar esse atendimento e (c) um elenco de objetivos e metas a serem alcançadas entre 1 e 10 anos.
(a) Segundo os dados estatísticos que constam do diagnóstico, extraídos da Sinopse Estatística da Educação Básica/ Censo Escolar de 1998, “os números de matrículas nos estabelecimentos escolares são tão baixos que não permitem qualquer confronto com o contingente estimado de 15 milhões de pessoas com necessidades especiais”.
O número total de matrículas em 1998 era de 293.403 alunos sendo 170.174 (58%) portadores de “problemas mentais”; 40.490 (13,8%) com deficiências múltiplas; 35.208 (12%) com “ problemas de audição”; 9.095 (3,1%) com “problemas de visão”; 13.203 (4,5%) com “problemas físicos”; 7.042 (2,4%) com “problemas de conduta”. Apenas 0,3% – 880– com altas habilidades/superdotados e 5,9% – 17.311 que “recebiam outro tipo de atendimento”.
Em termos da distribuição da matrícula em instituições da rede pública governamental e da rede privada, 53,1% foram contabilizados na rede privada, mais da metade da oferta, portanto.
Dos 5.507 municípios brasileiros da época, 59,1% – 3255- não ofereciam educação especial em 1998, com marcantes diferenças regionais em termos da cobertura de atendimento educacional especializado.
Em relação à qualificação dos profissionais do magistério, apenas 3,2% das funções docentes possuíam o ensino fundamental completo ou incompleto como formação máxima, o que representa um percentual muito bom, enriquecido pela constatação de que 45,7% possuía nível superior e 73% tinham curso de especialização.
Em relação às modalidades de atendimento educacional e com dados de 1997, predominava o atendimento em classes especiais (38%) sendo que nas turmas do ensino comum registrava-se, apenas, 5% dos atendimentos.
(b) As diretrizes da educação especial, em seu caput estabelecem o alunado ao qual se destinam como os portadores de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdotação e talentos.
Para eles está prescrita a integração no sistema regular de ensino e a necessária adequação do espaço escolar, de seus equipamentos e materiais pedagógicos, bem como a qualificação dos professores e demais profissionais envolvidos.
Igualmente determina-se a importância da integração dos serviços de educação, saúde e assistência social.
Aparece, ainda, como diretriz a existência de escolas especiais quando as necessidades dos alunos assim o indicarem e que quando o poder público não dispuser de meios para mantê-las que devem ser celebrados convênios com Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Quanto às classes especiais a diretriz é a valorização da permanência dos alunos nas classes regulares “eliminando-se a nociva prática de encaminhamento para as classes especiais daqueles que apresentam dificuldades comuns de aprendizagem, problemas de dispersão ou de disciplina. A esses deve ser dado maior apoio pedagógico nas suas próprias classes …” (p.48).
Todas essas diretrizes estão em perfeita consonância com os objetivos da Declaração de Salamanca. Parece que mesmo sem ser citada no texto do Plano Nacional de Educação, ela constou das leituras da equipe de educação especial do MEC e inspirou a elaboração da proposta em sua função manifesta.
(c) Os objetivos e metas foram estabelecidos em relação às diretrizes e, assim como estas, afinam-se com as orientações da Declaração de Salamanca.
Dentre os objetivos destacam-se: as parcerias a serem estabelecidas; a formação em serviço para os professores do ensino regular ; a introdução de conteúdos disciplinares referentes aos educandos com necessidades educacionais especiais em cursos de formação de professores, médicos, arquitetos, engenheiros, enfermeiros etc.; o redimensionamento das classes especiais e das salas de recursos, estas para “favorecer a integração dos educandos com necessidades especiais nas classes comuns, fornecendo-lhes o apoio adicional de que precisam” (p.49) ; a implantação e generalização do uso da Língua Brasileira de Sinais, para alunos surdos e o estabelecimento de programas que facilitem a aprendizagem de alunos cegos e com visão sub-normal…
Esses e os demais objetivos que constam do Plano se afinam com as diretrizes manifestas na Declaração de Salamanca o que, me parece, representa um grande avanço, esperando-se que, na prática, estejam se concretizando como efetivas ações.
1.2 A Resolução CNE/CEB N° 2 de 11 de setembro de 2001
A resolução decorreu do Parecer 17/2001 elaborado na Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB). Dentre os documentos que formaram o substrato documental do parecer tanto constam a Declaração de Jomtien como a de Salamanca (p.14).
O texto do Parecer n° 17 está organizado em dois grandes blocos: um referente à organização dos sistemas de ensino para o atendimento aos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais e o outro que se refere à operacionalização pelos sistemas de ensino.
No texto do segundo bloco, de cunho operacional, o que mais se destaca, no meu julgamento, é a classificação do alunado a ser atendido pela educação especial e que, diferentemente do que consta do Plano Nacional, inclui os educandos que , durante o processo educacional demonstram:
- dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento não vinculadas a uma causa orgânica específica ou relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
- dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando adaptações de acesso ao currículo, com utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
- altas habilidades/ superdotação, grande facilidade de aprendizagem.
Significativo avanço, ressaltar que educandos com dificuldades de comunicação e sinalização não são, necessariamente, conceituados como alunos com dificuldades de aprendizagem.
A elaboração de documentos normativos, como indicador da avaliação que pude realizar, aponta para a Municipalização da Educação como decisão política do governo brasileiro. Para a educação especial, representou a perspectiva de expandir o atendimento educacional ao seu alunado em pelo menos mais de 1500 municípios.
Em minha análise, os textos do Parecer e da Resolução enquadram-se nas diretrizes de Salamanca no tema Política e Organização, até porque a Declaração serviu de marcante subsídio à sua formulação.
Uma observação importante diz respeito à regulamentação do capítulo da LDB referente à educação especial pelos Conselhos de Educação. Poucos concluíram essa importante tarefa, o que interfere negativamente na formulação das Políticas de Educação de nível local.
2. Parcerias entre os órgãos coordenadores e implementadores de políticas públicas
Como comentado na análise do Plano Nacional de Educação, essas parcerias aparecem como diretriz de ação do MEC. Como as parcerias representam vias de mão dupla, resta analisar se nos planos de ação dos demais Ministérios Brasileiros elas também constam.
Merece citação o trabalho desenvolvido pela CORDE em 1998 e 1999 para a elaboração de um Plano Nacional de Ações Integradas na Área das Deficiências. A elaboração deste texto, escrito com a parceria de representantes dos diferentes Ministérios do Brasil, à época, traduz um esforço efetivo para a consolidação desfragmentação indispensável à elaboração de Políticas Públicas nas quais a atenção às pessoas com deficiências esteja definitivamente substantivada.
É lamentável que este texto não tenha sido publicado por mudanças na orientação para a elaboração do Plano Plurianual do Governo do Brasil, embora seu texto tenha servido como subsídio.
Ainda sobre as parcerias, e no que se refere à fragmentação interna dos órgãos gestores da Educação (articulações internas do próprio MEC e deste com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação) e com as ONGs, elas são entendidas como indispensáveis, constam dos textos escritos e falados, embora de difícil operacionalização.
No terreno das parcerias, cumpre mencionar o apoio técnico. Não disponho de dados que me permitam avaliar a freqüência e a qualidade do apoio técnico presencial prestado pelo MEC às Secretarias de Educação de Estados e Municípios brasileiros mas, desde 1994, a SEESP/MEC iniciou a publicação e divulgação de uma linha editorial contendo importantes subsídios teóricos e sugestões operacionais referentes ao atendimento educacional especializado para pessoas com necessidades educacionais especiais.
Além desses documentos, organizados em séries como: Diretrizes, Institucional, Legislação e Atualidades Pedagógicas, merecem referência, dentre outras, as publicações sobre as Adaptações Curriculares as que contêm Estratégias e Orientações Pedagógicas para a Educação de Crianças com Necessidades Educacionais Especiais, um documento sobre Avaliação para Identificação de Necessidades Educacionais Especiais e, ainda, a Revista Integração que contém artigos produzidos por educadores com larga experiência na área.
Tratam-se de importantes estratégias de apoio técnico, as mais viáveis para um país de dimensões continentais como o nosso, somadas à realização e à participação em Congressos Nacionais e Internacionais, sempre se comunicando aos participantes as ações técnicas desenvolvidas pelo MEC.
3. Atenção dispensada à Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a materiais para uso de cegos e com visão subnormal
Neste aspecto fomos bem fiéis à prescrição de Salamanca e que, no item 21 de seu texto (p.30), é bem clara quanto à necessidade de ser levada em consideração, nas políticas educacionais, a importância da língua de sinais como meio de comunicação para surdos.
Inúmeras ações foram desenvolvidas pelo MEC para sua oficialização, bem como foram produzidos e distribuídos materiais a seu respeito. Os textos produzidos pela SEESP que contemplam essas pessoas contaram com sua participação por meio da FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos).
O Ministério da Justiça, por meio da CORDE igualmente publicou e divulgou trabalhos sobre a surdez bem como sobre outras manifestações de deficiências.
Constatamos, hoje, a progressiva oferta de cursos sobre LIBRAS, não só para surdos como para ouvintes; assim como, progressivamente, encontramos intérpretes presentes em Seminários e outros eventos, além de estarem acompanhando o ensino ministrado em muitas salas de aula.
No que se refere à deficiência visual, o MEC também considerou as necessidades de pessoas cegas e com visão sub-normal. Elas aparecem claramente citadas em seus documentos normativos de Política e Organização.
A partir de 1998 foram implantados 13 núcleos de produção de livros didáticos em Braille e 34 Centros de Apoio Pedagógico a Deficientes Visuais.
A busca de informações sobre esse indicador evidencia que, a partir de 1994, houve uma progressiva transformação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e do Instituto Benjamin Constant (IBC) para que assumam seus papéis como Centros de Referência Nacional e, como tal, como centros de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia.
Ambas as instituições, seculares, têm assumido suas funções correspondendo, progressivamente, ao que a Comunidade delas espera.
Fatores Escolares
Examinemos o foco fatores escolares. Pelo texto da Declaração podemos considerar como alguns dos indicadores para avaliar os impactos provocados pelas diretrizes que foram formuladas:
- formulação de políticas de integração;
- reforma do ensino
- apoio às crianças que frequentam as salas comuns;
- procedimentos de avaliação
- gestão escolar compartilhada
- realização de pesquisas
Apresento, a seguir, algumas análises, predominantemente frutos de minhas observações e experiências pessoais. Sempre que forem calcadas em fontes oficiais, estas serão citadas.
1. A formulação de políticas de integração
A proposta de integração tem sido objeto, entre nós, de inúmeras controvérsias, na medida em que se consideram superados todos os movimentos escolares calcados no paradigma da integração, por considerá-los excludentes.
O uso da terminologia inclusão ou integração e seus supostos antônimos: exclusão e segregação, tem gerado uma série de controvérsias entre os educadores, como se estivéssemos em campos diferentes e lutando por ideais distintos, o que não corresponde à verdade.
A simples análise do texto da Declaração – que é em prol da inclusão- evidencia que não se abandonou o uso do termo integração, entendido como processo de relações interpessoais decorrentes da participação e das interações humanas.
Pessoalmente concordo com Booth (1997) quando, em relação à inclusão e exclusão, com propriedade afirma que:
O resultado é que o estudo delas (inclusão e exclusão) é complexo, requerendo um exame detalhado sobre a experiência de alunos e staff na escola(…) Educação inclusiva refere-se à redução de todas as pressões que levem à exclusão, todas as desvalorizações atribuídas aos alunos, seja com base em suas incapacidades, rendimento, “raça”, gênero, classe, estrutura familiar, estilo de vida ou sexualidade… Não se pode entender a inclusão sem analisar as pressões que levam a excluir, até mesmo porque, dentro de uma mesma escola, os mesmos alunos podem ser tanto encorajados quanto desencorajados de participar.
Todas as escolas respondem às diversidades de seus alunos com um misto de medidas inclusivas e excludentes, em termos de quem elas admitem, como eles são rotulados, como o ensino e a aprendizagem são organizados, como os recursos podem ser usados, como os alunos que experimentam dificuldades podem ser apoiados, e como o currículo e o ensino são desenvolvidos de forma que as dificuldades sejam reduzidas.
Parece que discutir inclusão não exclui a necessidade de que as pessoas se integrem, para não ficarem na inclusão marginal, em núcleos de reclusão, ainda que inseridos nas turmas do ensino comum. Essa reflexão não nos autoriza a aprovar as medidas políticas e administrativas, inspiradas nos movimentos pela integração de pessoas com deficiência e que criaram a cascata de serviços. Nela as classes e as escolas especiais serviram como redutos do fracasso da escola como um todo.
Do que tenho percebido, em minhas participações nas redes de educação do Brasil, em nome da inclusão temos cometido alguns e sérios equívocos o que gera a necessidade, urgente, de examinarmos o texto da Declaração, decodificando o sentido e o significado da integração.
2. Reforma do ensino
Tal ação, entre nós de muita urgência, é a que mais dificuldades acarreta.
Inúmeras têm sido as dificuldades para mudar as atitudes dos educadores de modo que a individualização substitua a homogeneização do ensino.
Fomos formados para ensinar o aluno-padrão e temos muito a aprender para o trabalho na diversidade, de modo que as respostas educativas tenham em vista toda a gama das diferentes necessidades apresentadas por nossos alunos (e não apenas os que são pessoas com deficiências ou superdotadas). Com esse “olhar” serão ressignificados os objetivos do ensino, a seqüenciação dos conteúdos curriculares, a temporalidade, os processos avaliativos e os ritmos e estilos de aprendizagem de cada um.
Esses aspectos sendo assumidos, disporemos das condições de realmente prover a reforma do ensino brasileiro e, em decorrência, para a criação de escolas inclusivas e que não considerem, como ocorre atualmente, que incluído é o aluno com necessidades educacionais especiais que frequenta as classes comuns…
3. Apoio às crianças que frequentam as salas comuns
Para este indicador, também, vou me valer de minhas experiências, calcadas em observações pessoais oriundas de viagens de trabalho a diversas redes estaduais e municipais de educação nas quais, além das visitas às escolas, tenho oportunidade de ouvir os depoimentos dos colegas, professores.
De modo geral afirmam que o apoio ao aluno que freqüenta as turmas do ensino comum é indispensável, pois alegam estar despreparados para o trabalho com pessoas com deficiências. Reivindicam apoio para eles próprios comentando que, além dos cursos de formação inicial, precisam de orientação mais objetiva e centrada no aluno “concreto” que eles têm. Queixam-se da falta dessa orientação bem como do apoio que as famílias requerem.
Essas ponderações estão contempladas no texto da Declaração, tanto nas diretrizes referentes aos fatores escolares (itens 29, 32, 33) como aquelas estabelecidas para os outros temas estruturantes do documento em apreço.
No bloco seguinte, no qual apresentarei algumas estatísticas da época e outras atuais, teremos os elementos para considerar o que se oferece como apoio, em salas de recursos.
Embora elas tenham se multiplicado e também o número de professores itinerantes, constato que há muitas dúvidas sobre o que fazer nas salas de recursos, sobre os critérios para encaminhamento dos alunos, bem como para o término do apoio que nelas está sendo oferecido.
Apesar das publicações sobre as adaptações curriculares já referidas anteriormente e do conjunto de materiais de apoio técnico que o MEC tem organizado, constato que o trabalho nas salas de recursos ainda é concebido e executado de formas muito diferentes pelas escolas que as implantaram.
Se os serviços de apoio são necessários como consta do item 26 da Declaração, eles devem fazer parte da política educacional, bem como do projeto político pedagógico das escolas. Devem contar com recursos humanos qualificados, bem como com recursos financeiros capazes de suprir as necessidades dos alunos. E o que me parece muito importante as salas de recursos não devem ser classes especiais travestidas com outra denominação. Tão pouco representam a única modalidade de apoio, devendo-se pensar em propostas alternativas e que atendam, de direito e de fato, as orientações de Salamanca e de Jomtien para as mudanças necessárias no ensino objetivando-se melhorar sua qualidade e relevância com vistas ao maior aproveitamento escolar por parte de todos os alunos (p.33).
No que se refere à adequação da escola, o maior esforço desenvolvido pelo governo tem sido para remover barreiras arquitetônicas, favorecendo-se a acessibilidade física.
4. Procedimentos de avaliação
Esse indicador também permite-nos algumas constatações favoráveis em nosso país. O processo de avaliação tem sido objeto de inúmeras reflexões, não só para o alunado com necessidades educacionais especiais como para todos os alunos. Da orientação somativa, a ênfase tem recaído na avaliação formativa, informativa, mediadora, transformadora… segundo terminologia empregada por diversos autores atuais. Esse postulado está em absoluta consonância com a Declaração de Salamanca como pode ser constatado na análise de seu item 31.
O documento publicado e divulgado pelo MEC sobre a Avaliação para a Identificação de Necessidades Especiais vem ao encontro dessa diretriz Ele tem sido objeto de estudo por diversas Secretarias de Educação e o modelo nele contido tem desencadeado interessantes debates que, ficariam enriquecidos com a participação dos demais educadores do ensino comum. Mas a fragmentação interna ainda existente na maioria de nossas Secretarias de Educação tem dificultado a tão necessária articulação entre os diversos setores e a adequação do modelo proposto pelo MEC, às características locais.
Ainda sobre a avaliação, uma pequena observação sobre a questão diagnóstica com finalidade de triagem.
Embora muitos sistemas estejam abolindo a avaliação diagnóstica de caráter clínico, essa prática continua presente, merecendo debates e ressignificações, a respeito.
5. Gestão escolar compartilhada
Segundo a orientação de Salamanca “toda escola deve ser uma comunidade responsável pelo êxito ou fracasso de cada aluno. O corpo docente, e não cada professor, deverá partilhar a responsabilidade do ensino ministrado a crianças com necessidades especiais” (item 37, p.35).
Penso que ainda não atingimos esse estágio em nosso grande país. A educação inclusiva, erroneamente compreendida como a presença de pessoas com deficiência nas classes comuns, tem sido considerada como responsabilidade das equipes de educação especial. Estas, por sua vez, nem sempre têm a “força” suficiente para ponderar a respeito das mudanças necessárias para que o sistema se torne inclusivo e não apenas os professores. Estes podem muito, mas não podem tudo!
Sob esse aspecto e no bojo da política de descentralização, merece citação o projeto que o MEC/SEESP está desenvolvendo: Educação Inclusiva: direito à diversidade. Dele participam 196 municípios-polos que, por sua vez congregam cerca de 20 municípios de sua área de abrangência, levando-os a desenvolverem ações pela educação inclusiva.
Outra reflexão diz respeito ao conhecimento do texto de Salamanca a partir de suas intenções manifestas. Em minhas experiências, ao indagar os colegas do ensino regular o que pensam das orientações de Salamanca, obtenho como respostas ou o desconhecimento de sua existência ou a suposição de que se trata de um texto específico para a educação especial.
Penso que enquanto a inclusão for considerada como tema específico da educação especial, mais difíceis serão as reformas necessárias para que o processo educacional se torne de melhor qualidade para todos e com todos.
6. Realização de pesquisas
Esse indicador revela o quanto precisamos avançar sob esse aspecto, pois não temos a tradição de registrar nossas práticas sinalizando os avanços e os retrocessos. Talvez essa atitude se explique pelo preconceito de que pesquisa é tarefa da Universidade e só dela, sendo que pesquisadores são especialistas com curso superior, diferentemente da formação de nível médio que muitos de nossos professores possuem.
Por outro lado, e felizmente, cresceu o número de monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado que tratam da educação inclusiva e que se referem à Declaração de Salamanca. Ideal seria criar um banco de dados, via Internet, por exemplo, que nos permitisse conhecer todos esses trabalhos.
No âmbito federal merecem citação a criação das áreas de pesquisa no INES e no IBC e a produção de softwares, como o de transcrição para o Braille.
Contratação e Formação do Pessoal Docente
A contratação e formação do pessoal docente como foco e os indicadores construídos a partir do texto da Declaração de Salamanca.
- programas de formação inicial e continuada de docentes
- capacitação de administrativos e de diretores
1. Programas de formação inicial e continuada de docentes
Mesmo antes da Declaração de Salamanca e após sua divulgação, a Secretaria de Educação Especial do MEC organizou um grupo de trabalho para oferecer subsídios ao então Conselho Federal de Educação. O objetivo foi tornar obrigatória, no currículo da formação de profissionais de diversas áreas e não só de professores, a inclusão de disciplinas ou de itens em disciplinas acerca das necessidades especiais de inúmeras pessoas.
A iniciativa foi exitosa e culminou na Portaria 1793/94 do MEC que foi divulgada em 600 Instituições de Ensino Superior (IES). Em 1996, pelo Aviso Ministerial n° 277, do Gabinete do Ministro as recomendações foram ratificadas e pormenorizadas. Não disponho de dados objetivos quanto à concretização dessas medidas e que estão afinadas com as intenções manifestas na Declaração de Salamanca. No entanto, percebo que hoje em dia já se fala mais em portadores de deficiência nos cursos de formação docente, embora precisemos estimular essa prática, generalizando-a.
O que ocorre é que muitas IES não dispõem, em seu quadro, de docentes que se sintam qualificados a ensinar os futuros professores. Estou me referindo à formação de formadores, tema ainda em aberto entre nós.
Consciente de seu compromisso de capacitar gestores, professores e, em decorrência as escolas, o MEC muito investiu no financiamento de projetos de capacitação de recursos humanos.
A estratégia adotada para a qualificação de profissionais que atuam com alunos que apresentam necessidades especiais foi o de viabilizar no campo da educação geral, a formação do professor generalista, seja na formação geral ou continuada.
Foram disponibilizados cursos presenciais e à distância, cursos de aperfeiçoamento, especialização em áreas específicas além dos cursos de pós graduação.
Investiu-se, gradativamente, na capacitação dos profissionais levando-os a analisar a proposta de educação inclusiva, tornando-os multiplicadores dessa ideia.
2. Capacitação de administrativos e de diretores
Constata-se, nos documentos da SEESP, dentre outros, que essa preocupação esteve presente na política de financiamento de projetos de capacitação no Brasil. Infelizmente não encontrei dados que me permitam esclarecer mais a respeito, ficando essa tarefa como sugestão aos que forem analisar, mais profundamente, a década.
No texto da declaração de Salamanca, o item 44 trata desse aspecto. Está sugerida a preparação de manuais e a organização de seminários para administrativos, supervisores e diretores, com o objetivo de capacitá-los ao trabalho na diversidade.
Penso que a tarefa de capacitar o corpo administrativo das escolas é da maior relevância, pois todos os que nela trabalham são agentes educativos. No entanto, creio que precisaremos de muita persistência para dar continuidade e intensificar essa iniciativa, ainda pouco comum, entre nós.
Serviços externos de apoio
Passo agora a analisar o quarto tema estabelecido na Declaração de Salamanca. Trata-se dos serviços externos de apoio. Da leitura das duas diretrizes nele inspiradas (p.39) identifico, como prioridade, um único indicador: prestação de serviços de apoio especializado às escolas comuns.
Está recomendado que tais serviços fiquem a cargo tanto das instituições de formação, assim como do pessoal das escolas especiais, sejam professores consultores, psicólogos escolares, fonoaudiólogos, etc.
Na realidade brasileira, esse apoio externo tem sido estimulado sob a forma de parcerias, seja com Universidades ou com as ONGs. Tenho poucas informações organizadas a respeito, embora se saiba que se trata de medida salutar para ambas as partes.
Considerando-se as dúvidas que ainda existem em relação à operacionalização da proposta de educação inclusiva, bem como as resistências dos professores do ensino comum e, também dos da educação especial, será da maior importância organizar e implementar esse apoio externo, pois todos os profissionais nele envolvidos reverterão seus conhecimentos em prol das necessidades especiais do alunado.
Áreas Prioritárias
O tema seguinte são as áreas prioritárias, com destaque para a educação pré-escolar, preparação para a vida adulta, educação de meninas e educação continuada de adultos.
Como alguns dos indicadores que permitem avaliar esses focos destaco:
- identificação, avaliação e estímulo de crianças ainda muito pequenas;
- capacitação profissional de pessoas portadoras de deficiências.
1. Identificação, avaliação e estímulo de crianças ainda muito pequenas
Como comentado anteriormente, constitui-se em importante avanço a diretriz legal do início do atendimento especializado na faixa de zero a três anos, o que contribuiu, certamente, para o número de atendimentos na pré-escola. De 78.948 crianças recebendo serviços nessa faixa etária em 1996 passamos para 84.720 crianças, segundo o censo de 2003. Em termos relativos o aumento foi de 7,3%, o que me parece pouco, para o período de 10 anos.
Talvez, o fato de a educação infantil não ser obrigatória em nosso país, acrescido das condições de pobreza das famílias e de seu desconhecimento a respeito da estimulação, expliquem o incremento abaixo dos 10%. Há que considerar, também, que a oferta desses serviços, ainda não está disseminada em todo o Brasil.
Mas, além da análise a partir de dados numéricos, há um outro aspecto que considero relevante. Diz respeito à avaliação.
Temos a mencionar, ao longo da década, uma série de iniciativas para o diagnóstico precoce, sendo que merece destaque, entre outros, o trabalho que a APAE de S. Paulo vem fazendo com o teste do pezinho. Não menos importantes, os movimentos de conscientização da comunidade e da classe médica a respeito da importância da prestação de serviços psicopedagógicos de estimulação intensificada.
2. Capacitação profissional de pessoas portadoras de deficiência
Esse aspecto deve ser considerado como de muita relevância, principalmente se acreditamos ser possível conferir autonomia e independência social e econômica à maioria das pessoas com necessidades especiais.
Recorrendo ao censo de 2003 encontramos que no Brasil estão matriculados na Educação Profissional, 36.500 pessoas com necessidades especiais. Considerando-se:
(a) que entre 20 e 24 anos e segundo o Censo Demográfico de 2000 há, nas zonas urbana e rural, 1.296.253 pessoas com pelo menos uma das deficiências consideradas na coleta de informações .
(b) que esta faixa etária corresponde à educação profissionalizante, constatamos que precisamos incrementar a oferta desses serviços pois menos de 3% estão nessa modalidade de atendimento.
Para complementar, ressalto que não se trata de expandir o número de oficinas pedagógicas onde, mecanicamente, podem ser treinadas pessoas com necessidades educacionais especiais. A superação da concepção taylorista/fordista da organização do trabalho manufatureiro deve, também, influenciar as análises, no sentido de mudarmos de concepção acerca da profissionalização dessas pessoas, principalmente se portadoras de deficiências.
Estamos evoluindo no entendimento da educação para o trabalho como tarefa que deixa de requerer um aprendizado por assimilação de operações, às vezes repetitivas, e sim como de qualificação, que requer formas mais abrangentes e organizadas de aprendizagem, onde o ato de pensar preside o ato de fazer.
Participação da Comunidade
Examinarei o item referente a Participação da Comunidade, analisando os dois seguintes indicadores, embora inúmeros outros possam ser construídos, a partir do texto da Declaração de Salamanca:
- relações de cooperação com os pais e com a comunidade;
- ação dos meios de comunicação
1. Relações de cooperação com os pais
Em nossa realidade temos constatado a importância conferida à participação da família na Escola. Alguns programas nacionais foram instituídos pelos governos, como Amigos da Escola, Escola Aberta, dentre outros que têm aproximado membros da comunidade e os pais dos alunos, em geral.
Na área de atenção às pessoas com necessidades educacionais especiais, considero essa parceria como das mais necessárias, seja pelo esclarecimento oferecido às famílias, seja pelo apoio de que necessitam para contribuir no desenvolvimento global de seus filhos.
2. Ação dos meios de comunicação
É sabido por todos nós o quanto os meios de comunicação podem desempenhar papel preponderante no fomento de atitudes favoráveis à integração social das pessoas com deficiência. No Brasil, por iniciativa do MEC, muitas ações têm sido desenvolvidas nesse sentido, com a parceria da mídia. Merecem destaque os programas levados ao ar pela TV Executiva e os da TV ESCOLA que beneficiam a milhares de professores de todo o Brasil.
Recursos Necessários
E, para finalizar, no tema/foco Recursos Necessários, parecem-me indicadores relevantes e que merecem buscas de informações mais detalhadas:
- reconhecimento da importância da educação inclusiva nos programas de governo;
- distribuição de recursos financeiro;
1. Reconhecimento da importância da educação inclusiva nos programas de governo
Esse indicador exige uma análise detalhada dos planos plurianuais dos diferentes Ministérios brasileiros. Com essa estratégia será possível conhecer, em que medida, constam neles, referências sobre a importância de escolas inclusivas e das quais participem pessoas com necessidades educacionais especiais.
Mas constatar que estão nos discursos é pouco, embora importante. Desejável será conhecer o planejado e o realizado em termos quantitativos e qualitativos.
Creio que essa tarefa, complexa, ainda não foi, totalmente, concretizada entre nós. Assim, dispomos de observações isoladas e muito subjetivas e que apontam para distâncias entre o discurso e a prática de efetivas ações.
2. Distribuição de recursos financeiros
Esse indicador permite conhecer aspectos dos mais sensíveis, particularmente em “países emergentes”, como é o caso do Brasil.
Dados internacionais, segundo Baldijão(s/d) indicam que os gastos necessários para atender a educação básica variam entre 20% e 30% da renda per-capita. Nestes termos, não há como pensarmos em gastos menores que R$ 1.200 por aluno, por ano, considerando ainda que os custos para o atendimento das creches é maior, assim como são maiores os custos dos alunos de 5ª a 8ª série e do ensino médio.
Os dados do FUNDEF para 1999 indicaram que até o mês de setembro os gastos médios, por aluno, foram de apenas R$ 347,00. Valor 3,46 vezes menor que o mínimo necessário para atender às necessidades reais da educação, conforme o padrão internacional.
Mais um dado delicado e muito sério é o quanto temos investido em Educação no Brasil e o comparamos com as despesas com a dívida externa. Enquanto esta tem nos levado em torno de 15% do PIB, os gastos com a educação estão na faixa média dos 4% do PIB!
“É necessário aumentar os investimentos em educação. Todo um trabalho junto aos órgãos públicos, aos governos estaduais e municipais, precisa ser feito e, também, sensibilizar a população para a necessidade de um aumento dos gastos em educação escolar para melhorar a qualidade, reduzir a desigualdade e ter uma escola que seja capaz de realmente libertar o Brasil da situação de submissão pela qual ele está passando. Ou temos uma força de trabalho realmente bem preparada e a população esclarecida, ou continuaremos submissos por muito tempo. Não há nenhum país no mundo que tenha superado a barreira do subdesenvolvimento sem grandes esforços na área educacional”, segundo o jornal O Estado de São Paulo de 27/01/2003.
Segundo informações obtidas junto a SEESP/MEC, o financiamento, na educação especial tem contemplado, preferentemente: adequação das escolas; aquisição de material didático pedagógico; aquisição de equipamentos específicos e capacitação de professores.
Análise de dados estatísticos obtidos
Segundo o Censo Demográfico de 2000 o Brasil tem uma população de 169.872.856 pessoas sendo que, com pelo menos uma deficiência (dentre: mental permanente, tetraplegia ou hemiplegia permanente, falta de membro ou parte dele, incapaz ou com grande dificuldade permanente de enxergar, incapaz ou com alguma dificuldade permanente de ouvir, incapaz ou com alguma dificuldade permanente em caminhar ou subir escadas) há 24 600 256 pessoas ou seja em torno de 14,5% de nossa população. Considerada a faixa etária de 0 a 19 anos foram identificados 3.327.113 pessoas, nas zonas urbana (2.656.318) e rural (670.795).
Aceitos os critérios adotados pelo IBGE e que foram discutidos em parceria com o MEC/SEESP e MJ/CORDE, o tradicional percentual de 10% da população está ultrapassado.
No âmbito da Educação Especial, além dos dados estatísticos de 1998, já apresentados e que foram extraídos do Plano Nacional de Educação (2001), seguem-se outros. Estes foram coletados de documentos do INEP de 1997 e de 2004, aos quais tive acesso, representando os números da educação especial brasileira pesquisados 1996 e 2003, respectivamente. Pareceu-me importante incluí-los neste texto e comentá-los, pois são os mais próximos do início e do fim da década de Salamanca. Quero ressaltar que o estudo que pude realizar merece ser aprofundado, pois apenas trabalhei com algumas estatísticas, as que me pareceram mais relevantes para este trabalho.
A comparação dos números que expressam o total de atendimentos, no Brasil, permite constatar que houve, a partir de 1996, um incremento da cobertura da ordem de 150,6%, o que é muito bom.
Dos 504.039 alunos e alunas atendidos atualmente, 279.888 estão em escolas exclusivamente especializadas o que representa cerca de 55,5% da cobertura. Ainda com dados extraídos do censo escolar de 2003, 79. 010 freqüentam classes especiais. Estes representam 15,6% do total de alunos com necessidades educacionais especiais atendidos no Brasil.
Esses 79.010 alunos com necessidades educacionais especiais atendidos em classes especiais estão freqüentando a creche, a pré-escola, classes de alfabetização, o ensino fundamental, o médio, a educação de jovens e adultos e a educação profissional.
Considerado o mesmo fluxo da escolarização há, em classes comuns do ensino regular, com o apoio de salas de recursos 63.766 educandos (12,5%) e, sem apoio em salas de recursos, são 81.375 educandos (16,4%).
Somando-se os que estão freqüentando classes especiais com os que recebem atendimento especializado em escolas especiais, temos 358.898 alunos (71,2% do total de atendidos).
O número de alunos com necessidades educacionais matriculados nas turmas do ensino regular é de 145.141. Em números relativos representam 28,8% do total. Isso significa que ainda encontramos a maioria de nossos alunos com necessidades educacionais especiais fora das classes comuns, portanto, merecendo enfatizar que, dos 145.141 que nelas estão- 81.375 ( 56%) não conta, ainda, com o apoio da sala de recursos.
Esses dados evidenciam que o apoio necessário e preconizado na Declaração de Salamanca ainda não é usufruído por todos os alunos que estão matriculados nas turmas comuns do ensino regular. Penso que, progressivamente, não só deverão estar mais alunos frequentando as turmas do ensino comum, como deverá ser oferecido a todos o apoio de que necessitam. Eles e seus professores e familiares. Assim espero e desejo.
Analisando-se o incremento percentual, a rede municipal em 2003 cresceu em 389% em relação a 1996; a rede estadual expandiu-se em torno de 44% e a rede particular aumentou 185% no período. Decresceu a oferta na rede federal em 13,8%.
A maior participação no atendimento inclusivo (entendido nesse caso, como ingresso nas escolas ocorreu, portanto, na rede municipal de ensino, tal como prescrito no parágrafo 2° do Art.211 da Constituição Federal de 1988. Entretanto, ainda é muito expressivo o aumento do número de atendimentos oferecidos na rede privada.
Tratam-se de dados de grande relevância no exame dos efeitos da mensagem de Salamanca, segundo a qual “reafirma-se o compromisso com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de ser o ensino ministrado, no sistema comum de educação, a todas as crianças jovens e adultos com necessidades educativas especiais”(p.9). O grifo é meu.
MATRÍCULA INICIAL TOTAL DE ALUNOS POR TIPO DE NECESSIDADE EDUCACIONAL ESPECIAL, NO TOTAL BRASIL. 1996, 2003.
REGIÃ0 | Visual | Auditiva | Física | Mental | Múltipla | Altas hab./Superdot | Cond. Típicas de Síndromes | Outros |
1996 | 8.081 | 30578 | 7921 | 121.021 | 23.522 | 490 | 9.529 | ——– |
2003 | 24.185 | 56.024 | 24.658 | 251.506 | 62.283 | 1.675 | 16.858 | 66.850 |
Fonte: MEC/INEP/SEEC
Observe-se que houve expansão do atendimento para todos os tipos de manifestação de necessidades educacionais especiais. A variação percentual é de 200% para deficiência visual;
83,2% para a auditiva;
210% para a deficiência física;
108% para a deficiência mental;
165% para a deficiência múltipla
77% para as condutas típicas de síndromes
e 242% para superdotados/ com altas habilidades.
Penso que a coluna outros que consta da tabela, sem expressão numérica em 1996 e com um expressivo atendimento em 2003 ( se comparado com os demais) pode explicar-se pelo disposto na Resolução n° 2 de 2001 segundo a qual expandiu-se o leque de atendimento da educação especial, incluindo-se outros que não os tradicionalmente entendidos como seu alunado.
FUNÇÕES DOCENTES POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA, 1996 E 2003
ANO | TOTALBRASIL | FEDERAL | ESTADUAL | MUNICIPAL | PARTICULAR |
1996 | 32.772 | 300 | 13.073 | 4.891 | 14.508 |
2003 | 48.819 | 226 | 12.276 | 8.369 | 24.948 |
Fonte: MEC/INEP/SEEC
Das 32.772 funções docentes, em 1996, 17.513 possuem ensino médio completo e 14.214 têm curso superior completo, o que, no total, representa 96% de docentes com qualificação inicial.
Das 48.819 funções docentes em 2003, 13.424 e 19.997 possuem, respectivamente, ensino médio e ensino superior completos, o que representa 68% de docentes qualificados.
Entre 1995 (ano da coleta dos dados) e 2003, houve um incremento real de 16.047 funções docentes para atender ao incremento da demanda de 157.754 alunos matriculados.
Considerações finais
É muito estimulante examinar os 10 anos que se sucederam ao evento de Salamanca, mas trata-se de tarefa muito complexa para uma só pessoa. Embora muito agradecida pela oportunidade realizar este estudo, o que me fez pesquisar e refletir a respeito, penso que seria desejável criar um grupo de trabalho para analisar as mudanças havidas no Brasil, particularmente.
Mais que conhecer os avanços e os retrocessos e relacioná-los às idéias de Salamanca, uma avaliação mais profunda permitirá identificar melhor as inúmeras barreiras ainda existentes levando-nos e reunir esforços para superá-las.
Com base nos dados coletados e comentados neste texto retomo as questões avaliativas que constam da página 2, deste trabalho.
- O Plano Nacional de Educação brasileiro buscou, na Declaração de Salamanca, subsídios para sua elaboração, particularmente no capítulo dedicado à Educação Especial.
- As diretrizes de Salamanca têm sido implementadas no Brasil, embora de forma desigual, consideradas as diferentes localidades brasileiras.
- Os resultados obtidos evidenciam que estamos vivendo um processo de lenta, mas progressiva ressignificação do papel da educação escolar. Dadas as dimensões continentais do Brasil, marcado pela desigualdade entre as regiões geográficas, constata-se que o impacto das novas idéias é mais transparente nas regiões sudeste e sul do país.
- Dentre as barreiras que procuramos superar – ainda que nos falte muito trabalho por fazer-, destaca-se a expansão do número total de atendimentos. Maior tem sido a oferta, embora insuficiente em relação à demanda.
Penso que, além da revisão do sentido e significado da educação inclusiva, temos que nos preocupar com a grande quantidade de pessoas com necessidades especiais que nunca estiveram ou que se afastaram da escola, prematuramente.
Perduram, entre nós, resistências tanto dos professores do ensino comum – que questionam a presença de alunos com deficiências em suas turmas – como os da educação especial, que temem a perda do espaço de trabalho. As famílias também se mostram reticentes, particularmente as que têm seus filhos em escolas de ONGs, além daquelas cujos filhos são ditos normais e que receiam que ‘caia o nível do ensino’ nas classes onde há alunos com deficiência matriculados e freqüentando.
Como constatamos, há prevalência da oferta na rede particular, o que tem contribuído para aumentar a distância entre educação pública e privada, gerando-se tensões, particularmente quando as escolas especiais das ONGs se sentem ameaçadas de extinção.
Creio que a bagagem de experiências acumuladas na rede particular deve ser colocada a serviço da rede governamental, tal como está explícito na Declaração de Salamanca. Os professores das escolas e das classes especiais podem e devem ser aproveitados como excelentes recursos humanos de apoio, no ensino comum, além de aprimorarem suas funções docentes para os alunos que, por necessitarem de apoio pervasivo, generalizado, necessitarão – por direito de cidadania -de classes ou de escolas especiais.
Em síntese: apesar dos avanços desenvolvidos em âmbito nacional, a análise dos programas de reformas educacionais e de melhoria da qualidade de nossa educação apontam várias questões e inúmeras carências a serem resolvidas para maiores avanços na educação inclusiva.
Ainda que tenhamos melhorado o acesso à educação para pessoas com necessidades educacionais especiais, verifica-se que um percentual nada trivial ainda está fora da escola.
Há que lembrar, também, que o ingresso nas redes de ensino (pública ou privada) não garante ao aluno sua terminalidade e com qualidade. E, no âmbito da educação especial, no bojo da proposta de inclusão escolar de pessoas com necessidades educacionais especiais, constatamos que ainda não se pode falar de igualdade de oportunidades, consideradas as regiões geográficas do Brasil e, nelas, as zonas urbana e rural.
Por outro lado, os recursos destinados ao financiamento da educação têm sido limitados, dentre outros motivos, devido às restrições impostas pela pressão da dívida externa, gerando-se prejuízos que incidem, diretamente, sobre os alunos.
Outra observação: nas reformas educacionais, nem sempre o professor é consultado, pelas mais diversas razões. Mas, levando-se em conta que eles representam os mais importantes agentes na organização e prestação de serviços educacionais, é desejável que deixem de ser considerados como mero executores das políticas educacionais, das quais não participaram.
Trabalhamos muito e intensamente, conseguindo sucesso em nossas ações, o que não nos autoriza a diminuir o ritmo de nossos esforços, pois há muito o que fazer.
De modo geral, é importante reconhecer que os 26 estados brasileiros e o Distrito Federal envidaram muitos esforços no sentido de aumentar a oferta de vagas nas escolas e melhorar a qualidade das respostas educativas, o que está de acordo com os objetivos manifestos no texto da Declaração de Salamanca.
No entanto, insisto, ainda se verifica uma grande discrepância entre esses esforços e os resultados obtidos, particularmente em termos de eqüidade, considerados os diferentes Estados e Municípios das nossas cinco regiões geográficas.
Nossa realidade educacional ratifica que ainda temos um longo caminho pela frente para que se possa conseguir a igualdade de oportunidades para todos, na educação brasileira.
5. A bem da verdade, não podemos afirmar e nem negar que tudo que avançamos deve-se à Declaração de Salamanca. No entanto, aqueles que analisam seu conteúdo concordam com a pertinência das idéias e da urgência em colocá-las em prática. Nem sempre isso é possível pela falta de recursos e de vontade política. Mas os que estão comprometidos com as intenções manifestas em seu texto têm procurado, transformá-las em efetivas ações. Estamos atentos para neutralizar os efeitos perversos das intenções latentes, sempre que hajam dúvidas quanto aos interesses a que atendem. Todo o nosso esforço deve estar a serviço do Homem, enquanto Pessoa.
E, para finalizar esse longo texto, algumas considerações inspiradas na Declaração de Havana, decorrente da primeira reunião intergovernamental do Projeto Regional de Educação para América Latina e Caribe (PRELAC) 2002-2017.
Dou-lhes destaque e transcrevo partes de seu texto porque é muito recente (2002) e refere-se aos países da América Latina, da qual o Brasil faz parte. Justifico, ainda, a transcrição porque as intenções manifestas estão em consonância com os ideais expressos em Salamanca, focalizando o desenvolvimento humano, a equidade social e a integração cultural.
Nos processos de reforma educacional não se pode perder de vista a influência recíproca entre educação e o contexto, sendo imprescindível que o desenvolvimento de políticas educacionais ocorra em um processo mais amplo de transformação social e dentro de um projeto político nacional.[…]
O modelo de políticas educacionais voltadas fundamentalmente à modificação dos insumos e da estrutura do sistema educacional não tem sido capaz de promover as mudanças esperadas na prática pedagógica para propiciar uma aprendizagem efetiva. [..] Por isso é importante que, na formulação, na execução e na avaliação das políticas públicas o eixo central seja a promoção de mudanças dos diversos atores envolvidos no processo e nas relações que se estabelecem entre eles.
Uma estratégia de mudança baseada nas pessoas implica desenvolver suas motivações e capacidades … Isso pressupõe passar do papel de ator para o de autor.
A educação, fundamentalmente, tem que haver com mudanças nos alunos por meio da aprendizagem… A aprendizagem e o desenvolvimento das pessoas ocorrem como conseqüência de processos de interação com os adultos e com os seus pares. Aquilo que um aluno pode aprender num determinado momento depende tanto se suas próprias características quanto do contexto em que se desenvolve e aprende. […] A educação deve estar voltada para compensar a desigualdade, mas não a diferença. … O respeito e a valorização da diversidade, entendida como fator de enriquecimento dos processos de aprendizagem, requerem mudanças nos métodos de ensino, nas relações interpessoais, na definição e organização do currículo, na preparação de materiais didáticos e na gestão e funcionamento do sistema educacional e das escolas. […] A escola está a serviço do ser humano… tendo a educação uma função cívica e de libertação do ser humano… (p.11 a 17).
Penso que estamos no caminho, buscando oferecer o melhor atendimento educacional ao alunado com necessidades educacionais. Deixo, como colaboração, algumas sugestões:
- Consolidar e aprimorar os mecanismos de monitoramento e de avaliação da implementação das políticas públicas;
- Enfatizar, sempre, que os conteúdos da educação estão voltados para o ser humano que vai para a escola objetivando exercitar sua cidadania, para o que aprender e participar são condições necessárias;
- Fortalecer o papel dos professores que, no processo de ensinar, exercem um ato político;
- Aprofundar os estudos sobre o Index da Inclusão, colocando em prática as ações nele sugeridas;
- Aperfeiçoar os mecanismos de participação dos professores no processo decisório;
- Intensificar a escuta das próprias pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais, aprendendo com elas o que de melhor podemos fazer para atendê-las.
Mãos à obra, com firmeza, com brandura, em parcerias e com muita determinação.
Referências
BALDJÃO,C.E. A situação de educação no Brasil . In www.pt.org.br
BRASIL. Anuário Estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE,2001.
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1. Doutora em Educação, Mestre em Psicologia e em Políticas Públicas,
Psicopedagoga, Psicóloga, Pesquisadora em educação inclusiva, Detentora da
medalha de Honra ao Mérito Educativo conferida pela Presidência da
República.
Atualmente é Professora no Curso de Especialização em Psicopedagogia da PUC/RJ.
Representante no Brasil da Rede Internacional de Investigadores e Participantes sobre Integração Educativa.
Foi Secretária de Educação Especial no MEC, Diretora do Instituto de psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Possui diversas publicações na área, sendo a mais recente: Educação Inclusiva: com os Pingos nos “is”.
Autor: Rosita Edler Carvalho
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