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Atualizado em 09/08/2024

Contracultura

Descubra mais sobre a Contracultura e como ela influenciou a arte, a moda e a música. Exploramos seu impacto na cultura pop e como ela continua a influenciar o mundo de hoje. Acesse agora e saiba mais!

Polêmica e ousadia fizeram parte do movimento social e político da contracultura, movimento este baseado na rejeição das convenções e dos costumes conservadores. Comunidades alternativas, festivais de música, cabelos compridos, roupas largadas e coloridas foram algumas das características dos hippies, que se destacaram pela oposição sistemática à guerra do Vietnã e também pela postura liberal relacionada ao comportamento sexual e ao consumo de drogas. Isso no final da década de 60 e início da de 70. Para os militares de esquerda, eles eram alienados; para os conservadores, malucos sem utilidade. Para eles, o que importava era paz e amor. Mas muita coisa mudou com a adoção do modelo neoliberal em quase todo o mundo. A ideia de coletivo praticamente faliu e a corrida pelo dinheiro, individualmente, é o que passou a importar.

Apesar deste individualismo sufocante do modelo neoliberal e das exigências do mercado, o modo hippie de vida ainda resiste e é praticado por muitos.

Ainda não foi dada à contracultura a exata dimensão de seu papel nas transformações das relações sociais e políticas vividas no mundo ocidental nestas três últimas décadas. O decorrer do trabalho procurará identificar tal dimensão.

Paz e amor. Desrepressão. Revolução Individual. Etc. Etc. … Palavras de ordem e expressões como estas foram, num determinado momento, capazes de mobilizar multidões de jovens e intelectuais, nas mais diferentes partes do mundo. Corriam os anos 60 e um novo estilo de mobilização e contestação social, bastante diferente da prática política da esquerda tradicional, firmava-se cada vez com maior força, pegando a crítica e o próprio Sistema de surpresa e transformando a juventude, enquanto grupo, num novo foco de contestação radical.

Aos poucos, os meios de comunicação de massa começavam a veicular um termo novo: contracultura. Começavam a se delinear, assim, os contornos de um movimento social e político de caráter libertário, com enorme apelo junto a uma juventude de camadas médias urbanas. Ainda que diferindo muito dos tradicionais movimentos organizados de contestação social – e isto tanto pelas bandeiras que levantava, quanto pelo modo como as encaminhava – a contracultura conseguia se afirmar, aos olhos do Sistema e das oposições, como um movimento profundamente catalisador e questionador.

Este movimento já se anunciava nos Estados Unidos, desde os anos 50, com uma geração de poetas – a beat generation – que produziu um verdadeiro símbolo do fenômeno com o poema “Howl” (Allen Ginsberg, 1956), que, traduzido, significa uivo ou berro. Nesta mesma época, com seu apogeu por volta dos anos 1956-1968, surge o rock‘n roll, aglutinando um público jovem que começava a fazer deste tipo de música a expressão de seu descontentamento e rebeldia, tornando inseparáveis a música (ou a arte) e o comportamento.

O primeiro tópico do trabalho analisa a questão da ascensão do movimento.

É nos anos 60 que a explosão político-cultural da contracultura ganha potência máxima. Houve toda uma movimentação na música, que era seguida de perto pelo movimento hippie, com suas comunidades e passeatas pela paz. Por volta de 1967, surgia um curioso partido: o Youth International Party (Partido Internacional da Juventude), que vinha lançar a figura do hippie (o hippie politizado). Ainda um fato importante na caracterização desse quadro são as revoltas nos campi universitários que culminam com a radicalização do movimento estudantil internacional, sintetizado pelo Maio de 68, na França, o que será tratado mais à frente.

A partir de então, era difícil ignorar-se a contracultura como forma de contestação radical. Se seria fácil e totalmente absorvida pelo Sistema, se era um sinal evidente da alienação de parcelas cada vez maiores das populações de países situados nos quatro cantos do mundo ou se significava a crítica mais radical que já se havia produzido à cultura ocidental como um todo, estas eram algumas das questões centrais que estavam colocadas na pauta de uma discussão quente e prolongada, que não deixa de apontar para um saldo que parece exigir e merecer um balanço cuidadoso do qual possam sair pistas que apontem no sentido de uma melhor compreensão do que foi ou do que é a contracultura.

Descrever a natureza de um movimento complexo e rico como a contracultura não é tarefa fácil. Os tempos mudam e fica então difícil reconstituir o vigor, o pique da movimentação daqueles anos 60 que tanto marcaram, de modo radical e definitivo, a experiência da juventude internacional.

Podemos entender por contracultura duas coisas até certo ponto diferentes, ainda que muito ligadas entre si. De um lado, o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude da época. De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo modo de contestação, de caráter profundamente radical.

Este movimento não se tratava da revolta de uma elite que, embora privilegiada, visasse uma redistribuição da riqueza social e do poder em favor dos mais humildes. Nem de uma “revolta de despossuídos”. Ao contrário. Era exatamente a juventude das camadas altas e médias dos grandes centros urbanos. Rejeitavam-se não apenas os valores estabelecidos, mas a estrutura de pensamento que prevalecia nas sociedades ocidentais. Criticava-se e rejeitava-se, por exemplo, o predomínio da racionalidade científica, tentando-se redefinir a realidade através do desenvolvimento de formas sensoriais de percepção.

Embora a contracultura não seja uma invenção exclusiva da juventude, o que é fácil de demonstrar pela idade avançada de alguns de seus teóricos e gurus mais destacados, ela encontra no jovem o seu intérprete principal e o seu motivo mais forte.

Quando, no começo da década de 70, o ex-Beatle John Lennon declarou para o mundo inteiro: “o sonho acabou”, certamente deve ter havido quem, sem conseguir esconder uma ponta de satisfação, tenha pensado que, afinal de contas, aquilo não podia dar certo mesmo, pois aquele projeto de revolução individual, cultural, não passava de um sonho. Tratava-se apenas de mais um castelo revolucionário que desmoronava. E certamente houve também muitos jovens que, apesar de suas simpatias por aquelas novas propostas de transformação social, se surpreenderam e se decepcionaram com a possível e cantada “falência revolucionária” da contracultura.

É difícil negar que a contracultura seja a mais recente ou a última (pelo menos até agora) grande utopia radical de transformação social que se produziu no Ocidente. É possível afirmar que toda aquela energia, toda aquela ânsia de transformação revolucionária, que tanto marcou o Ocidente nos anos 60 e parte dos 70, simplesmente se esgotou ou não em nada?

Falar de contracultura é, num certo sentido, falar dos Estados Unidos – pelo menos no momento inicial. Afinal, foi lá onde primeiro se manifestou, de modo mais marcante e evidente, esse novo espírito de contestação que os movimentos de rebelião da juventude dos anos 60 viriam na ordem do dia. Apesar da importância do papel que a Europa seguramente desempenhou na formação de toda essa nova ideologia da juventude, certas condições especiais dos Estados Unidos faziam deste país o berço por excelência da contracultura.

Já desde os anos 50, era bastante visível na sociedade americana a familiaridade crescente que a noção de antiintelectualismo vinha ganhando. Um exemplo deste fato é o surgimento de toda uma tradição boêmia – aquela dos beatniks – de verdadeiros representantes de um anarquismo romântico, cujo estilo de contestação e agitação, novo e radical quando comparado à luta da esquerda tradicional, estava apoiada sobre noções e crenças tais como a da necessidade do “desengajamento em massa” ou da “inércia grupal”.

De ambos os lados do Atlântico sopravam também novos ventos, que evidenciavam a tentativa de renovação por parte do próprio pensamento teórico crítico, de esquerda, diante das novas contradições surgidas no período do pós-guerra e diante do tipo de organização e vida social que vinha se evidenciando naquelas sociedades industriais avançadas.

Era, por exemplo, a Nova Esquerda (para a qual a política é feita, antes de tudo, de envolvimentos pessoais e não de ideias abstratas) que começa a despontar com suas ideias e publicações, as quais teriam, nos anos 60, um papel e um desenvolvimento extremamente importantes junto aos setores da contracultura que levavam à frente uma forma de contestação mais explicitamente política e, de modo especial, junto ao movimento estudantil internacional que provocaria a grande explosão do Maio de 68 francês, com suas barricadas e seus slogans renovadores. O vigor da presença da Nova Esquerda nas novas forças de contestação social pode também ser avaliado pelo papel de enorme importância que tem, ao longo dos anos 60, a SDS (Students for a Democratic Society), organização estudantil de amplitude mundial.

As próprias condições da sociedade americana faziam com que o pêndulo da contracultura caísse mais fortemente na direção dos Estados Unidos. Ao contrário da juventude europeia, que trazia às costas todo o peso de uma longa tradição de luta política de esquerda bastante institucionalizada, o jovem norte-americano contava com um background radical de esquerda bem menos sólido. Deste modo, era nos Estados Unidos que as novas formas de contestação e luta política postas em cena pelos movimentos de rebelião da juventude iam encontrar o campo mais fértil de surgimento e desenvolvimento.

A população jovem norte-americana, mais livre do peso de uma tradição que seus colegas europeus, sentia-se especialmente estimulada pela presença de grupos bastante significativos do ponto de vista político (minorias étnicas ou culturais), mas que não encontravam um lugar muito definido estabelecido em espaços institucionais tradicionalmente voltados para uma atuação política mais reconhecida, como sindicatos ou partidos. Assim, a juventude americana mostrava-se mais sensível àquelas novas formas de contestação, menos sistemáticas e menos explicitamente políticas, bem como, de uma certa forma, se revelava ainda mais inovadora e radical na formulação e concretização daqueles tipos de luta que deixavam em muitas cabeças uma mesma dúvida: mas isso é político?

Especialmente no que se refere aos Estados Unidos, toda movimentação em torno das várias manifestações da cultura jovem é acompanhada de perto pelo surgimento e pela consolidação do black power, cuja luta teve como ponto de partida e ponte de articulação com a revolta de outros grupos a difícil batalha pelos direitos civis que marcou, desde o início, a década de 60 nos Estados Unidos.

Pela posição especial que o negro ocupa na sociedade americana, visivelmente oprimido e radicalmente excluído, ele não apenas detém um enorme potencial de revolta, como também se constitui num aliado quase que natural do jovem branco de camadas médias que se rebelam diante do sistema.

Os grupos marginalizados se viam obrigados a levar adiante um tipo de luta fora dos espaços políticos tradicionais, que os aproximava da utopia revolucionária daquela juventude que, por suas ideias, se via na contingência de ter de buscar saídas alternativas para expressar seu descontentamento e fazer valer suas crenças e sua voz.

E, certamente, estas saídas foram encontradas. Uma delas, por exemplo, é a música. No quadro da contracultura, o rock é um tipo de manifestação que está longe de ter um significado apenas musical. Por tudo que conseguiu expressar, por todo o envolvimento social que conseguiu provocar, é um fenômeno verdadeiramente cultural, no sentido mais amplo da palavra, constituindo-se num dos principais veículos da nova cultura que explodia em pleno coração das sociedades industriais avançadas. Nomes como Beatles, Bob Dylan, Rolling Stones, Pink Floyd e Led Zeppelin tiveram grande influência neste período. No entanto, há dois nomes que, pelo impacto que causaram no curto espaço de suas carreiras, exigem um registro especial: Jimmy Hendrix e Janis Joplin. Foi no Festival de Monterey, nos Estados Unidos, em 1967, que eles fizeram sua explosiva aparição e, em 1970, num período de quinze dias, ambos morriam.

Foram inúmeros esses festivais e tiveram lugar, especialmente, nas mais diferentes cidades dos Estados Unidos e da Europa. No entanto, pelo menos dois deles, pela importância que tiveram enquanto marcos não apenas da música, mas do movimento da contracultura como um todo, exigem uma referência especial – Woodstock e Altamont. Por razões diversas, mas possivelmente com igual impacto sobre o momento, ambos extrapolaram de muito as fronteiras da música e marcaram época na história do movimento de rebelião da juventude internacional.

O final dos anos 50 e começo dos 60, nos Estados Unidos, foram especialmente movimentados. A descrença no liberalismo – visto, cada vez mais, como um mito, uma retórica que só protegia interesses – aliada ao crescente questionamento dos “benefícios” da sociedade industrial, constituía o pano de fundo das primeiras reivindicações em torno dos direitos civis. O acirramento das lutas raciais, a crescente corrida armamentista e o início da guerra do Vietnã, por volta de 1963, vinham se acrescentar a este clima de descrédito e descontentamento.

No entanto, o grande fato a ser salientado, neste período, talvez seja a intensidade com que toda a agitação político-cultural de caráter novo aglutinava grupos sob certos aspectos tão diferentes como hippies, negros e aqueles estudantes que representavam os começos de uma nova esquerda.

Não se pode esquecer que a década de 60, a nível internacional, foi realmente um tempo de muita agitação, esperança e inovação nas formas de luta política. Basta lembrar, por exemplo, alguns dos grandes acontecimentos que se destacavam no panorama mais geral daquela época, dentre os quais pelo menos três exigem uma referência especial: a Revolução Cultural Chinesa (numa busca de uma espécie de politização radical de todas as áreas de vida social), a resistência popular vietnamita à agressão armada dos Estados Unidos e a guerrilha de Guevara na Bolívia.

O Maio de 68 foi outro movimento que significou um momento de confrontação radical com o Sistema, tanto nos Estados Unidos como na Europa. A seguir, será visto como este ano foi decisivo para o movimento estudantil – uma das grandes manifestações do ativismo da juventude rebelde dos anos 60.

O ano de 1968 foi marcado por múltiplas manifestações que revelavam o sonho de transformar o mundo. O maio desse ano desencadeou uma sucessão de acontecimentos que viriam promover a revisão de todos os conceitos e preconceitos existentes na sociedade moderna, intervindo na política, nas artes, na moda, nos valores, nas relações de gênero e no comportamento.

Na França, a rebelião estudantil liderada pelo estudante Danny Cohn-Bendit promove uma greve geral e aproximadamente 10 mil pessoas enfrentam a polícia num confronto que ficou conhecido como a Noite das Barricadas.

Principais acontecimentos de 1968

Janeiro

25 – ONU pede aos países membros que proíbam o uso de drogas alucinógenas.
31 – A Comissão de Justiça e Paz aprova, no Brasil, o uso de anticoncepcionais.

Fevereiro

29 – O Presidente da República Costa e Silva sanciona a lei que muda a nomenclatura do Brasil de Estados Unidos do Brasil passando a ser denominado República Federativa do Brasil.

Março

15 – Carlos Lacerda se manifesta contra os militares.
18 – Uma bomba explode no consulado dos Estados Unidos em São Paulo.
21 – Estudantes ocupam a Faculdade de Filosofia da USP.
22 – Na França, estudantes invadem a Universidade de Nanterre.
23 – Pres. Costa e Silva cria por decreto o Movimento Brasileiro de Alfabetização.
24 – Hippies invadem a estação Central de metrô em Nova Iorque.
28 – O estudante Edson Luiz é morto a tiros pela polícia Militar do Rio de Janeiro. A Câmara Federal autoriza a importação de pílulas a fim de espaço ser distribuída para a população.

Abril

01 – Manifestações estudantis em várias cidades brasileiras.
04 – Morre assassinado o Prêmio Nobel da Paz Martin Luther King.
12 – Caetano Veloso divulga o tropicalismo no programa do Chacrinha.

Maio

01 – Confrontos na Praça da Sé.
02 – Estudantes ocupam Nanterre.
03 – Sorbonne é fechada.
06 – Aproximadamente 10 mil pessoas enfrentam a polícia, num protesto contra o fechamento da Universidade de Sorbonne.
12 – Estudantes curitibanos tentam impedir vestibular noturno no Centro Politécnico da UNPR.
13 – Declarada Geral da França.
14 – Estudantes se concentram em Curitiba na praça Santos Andrade num protesto contra o ensino pago.
20 – A UNE propõe diálogo com o governo.
27 – Na França, governo e sindicalistas entram em acordo que define o reinício das atividades paralisadas desde a Greve geral.
29 – Soldados vietnamitas rompem com o cerco norte-americano que busca isolá-los em territórios desmilitarizados.
30 – Estudantes ocupam a Faculdade de Engenharia Industrial de São Bernardo do Campo.

Junho

22 – Guerrilheiros da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) roubam armas de um hospital Militar em São Paulo.
26 – Explode um carro bomba contra o Quartel General do 2º Exército em São Paulo.

Julho

18 – Teatro Galpão em São Paulo é invadido pelo comando de caça aos Comunistas após a apresentação da peça “Roda Viva” de Chico Buarque de Holanda.

Setembro

28 – Caetano Veloso critica o “conservadorismo estético” do público quando é vaiado no Teatro Universitário no Rio de Janeiro “É proibido proibir”.

Outubro

01 – O 3º Festival Internacional da Canção elege como vencedora do Festival Nacional a música “Sabiá” de Chico Buarque e Tom Jobim. O público canta com Vandré a canção “Caminhando”, segundo lugar do Festival Nacional.
08 – Membros do Comando de Caça aos Comunistas intimidam o elenco da peça “Roda Viva”.

Dezembro

03 – Explode uma bomba durante a apresentação de Geraldo Vandré no Teatro Opinião.
13 – Costa e Silva assina o AI – 5 e fecha o Congresso.
27 – Caetano Veloso e Gilberto Gil são presos em São Paulo.
30 – São efetuadas as primeiras cassações com base no AI – 5.
A rebelião dos estudantes pôs em evidência o nome de Herbert Marcuse. Ele tomou o lugar de Jean-Paul Sartre como guia intelectual e ideológico da juventude universitária europeia.

Chamá-lo, porém, de agitador político parece tão absurdo quanto associá-lo à CIA, Serviço Secreto Americano.

Foi na década dos 50 que Marcuse trocou os estudos sobre a filosofia alemã do século XIX pelo tema que o tornaria famoso: a sociedade moderna.

Marcuse afirma que o homem é oprimido tanto nos regimes democráticos quanto nos estados totalitários. Lá e cá, o progresso tecnológico é utilizado pelos grupos dominantes para subjugar as consciências e assim impedir toda transformação qualitativa da vida.

Juntando Freud e Marx, ele julga ainda que a inibição dos instintos sexuais na criança pela família é o primeiro passo de uma repressão permanente, exercida sobre o adulto por estruturas sociais e econômicas desumanas. Por isso – escreve – “nossos problemas psicológicos são essencialmente políticos”. A psicanálise não os pode resolver: a cura do indivíduo depende da cura da sociedade.

A novidade trazida por Marcuse – e que explica seu endeusamento pelos estudantes – é sua proposta à questão: quem pode mudar a sociedade? Em primeiro lugar, os jovens, porque sua rebeldia “é uma necessidade biológica” e porque, devido à idade, ainda não estão inteiramente comprometidos com o sistema opressor, ou seja, estão mais fora que dentro das fábricas e moral, política e sexual.

O onirismo é uma coisa complicada. Nem os poetas se entendem. Mas uma das coisas sobre as quais há hoje absoluta certeza é a seguinte: não há sonho sem realidade discursiva. As duas coisas estão intimamente associadas. E o que é que Maio de 1968 tem a ver com isso? Tem absolutamente tudo a ver. A eclosão do movimento contestatório – contestou-se a política, os establishments que sobrevivem fora do Estado, o tradicionalismo nas artes e na indústria cultural – teve como embrião e força motriz o sonho de mudanças radicais. A França, a Itália ou o Brasil tinham como característica comum uma certa cultura política hegemônica que não era apenas arrogante. Era também opressiva, montada em estereótipos que passavam por verdade. O Brasil vivia o início do regime militar. Na Europa, a pressão se dava de forma mais sutil. Discursos que se desdobravam por linguagens aliadas, paralelas: a indústria cultural mercantilista, as formas narrativas comerciais, as teologias rebaixadas à condição de best-seller, a psicologia como ‘ciência’ que servia para curar os desviantes. É justamente nesse ponto que Maio de 1968 possui indiscutivelmente a mecânica dos sonhos. A realidade (opressora) entra como matéria-prima para sua subversão. No Brasil, o sonho atribuía um mínimo de incoerência entre, de um lado, a luta contra a ditadura, pelas liberdades, e a adesão ao tropicalismo, que foi justamente na época uma corrente cultural com potencial discursivo de um revolucionarismo explosivo. O próprio do sonho é dispensar a coerência como critério. O marxismo – como discurso rebelde do Ocidente, e não como discurso do establishment do Leste Europeu – foi no fundo um “discurso meio”: servia para desmontar em pedacinhos aquilo que se chamava genericamente como a ordem burguesa. Mas o que burguesia tinha propriamente a ver com isso? Desopilava o fígado bater firme nela. O discurso burguês, ou aquilo que se lhe atribuía, era o da sexualidade regrada, o da arte como ativo econômico ou como objeto de museu, o da ordem urbana restrita, o culto ao dinheiro contra o culto às ideias carregadas de afeto, o Beethoven dos engravatados contra o Woodstock de jeans e as mãos acariciando os seios da namorada.

Não se tratava de um simples confronto entre “ideias”. Foi um confronto entre linguagens. Do lado dos poderes instituídos, o establishment como discurso reativo, resistente, empedernido. Do lado da contestação, o discurso do sonho, que não se deixava reduzir a formas lógicas, a decretos-leis, a um corpo de doutrinas. A rigor, e em resumo, uma linguagem resistia. A outra sonhava.

Uma comparação entre os acontecimentos de 68 na França e no Brasil nos mostra mais diferenças do que semelhanças. O único ponto em comum é que foram movimentos estudantis – mas para por aí. Na França, o movimento estudantil passou ao largo da prática estudantil sindical. Foi uma luta contra o autoritarismo a partir da iniciativa individual, anarquista, dos estudantes. No Brasil, não: foi um movimento organizado, dirigido por lideranças estudantis e centrado sobretudo na questão da luta contra a ditadura.

O 68 francês começou com a denúncia espontânea das condições autoritárias do capitalismo, e depois as entidades estudantis apoiaram. Mas Daniel Cohn-Bendit, a liderança maior da fase inicial, não pertencia a elas. A coisa acabou tomando grandes proporções e absorvendo outros setores. Já o movimento estudantil brasileiro teve raízes próprias, e se houve aqui alguma influência externa foi sobretudo norte-americana: a luta estudantil contra a Guerra do Vietnã, a defesa dos negros, o surgimento do Black Power e do movimento feminista. Quando aconteceu o Maio francês, o Brasil já tinha um grande movimento estudantil organizado. Também do ponto de vista do movimento revolucionário, a França contou pouco por aqui. Havia muito mais influência da Revolução Cubana e de Che Guevara entre nossos grupos marxistas e leninistas. A leitura de filósofos como Lukács e Marcuse não era uma regra: poucos estudantes os liam. Aliás, 95% da esquerda brasileira nunca abriram um livro.

Ainda não foi dada à contracultura a exata dimensão de seu papel nas transformações das relações sociais vividas no mundo Ocidental.

O motivo maior para tal demérito ao assunto deveu-se em parte à incomum maneira de se manifestar, que lhe dava um aparente ar de alienação e, muito mais, à inédita temática que a contracultura colocou em cena em dimensões nunca antes vividas.

O Woodstock e Maio de 68 na França são seus mais indiscutíveis marcos. A partir deles, a contracultura adquiriu universalidade.

Como enquadrar na tradição marxista a análise de um fenômeno social que não tem sua expressão na luta de classes? Como conceber que uma pessoa da classe dominante possa ser oprimida? Ainda mais supor que ela também possa ser discriminada? Não há como negar que ela, em várias situações, também é. Enquanto mulher, negra e homossexual, por exemplo. Esta é uma questão que transcende a luta de classes.

A natureza dos assuntos tratados pela contracultura, por perspectivas diversas, foi tema de grandes pensadores de nossa cultura Ocidental (Caetano Veloso, Freud, Marcuse, Marx, etc.).

Para Freud, sem a repressão aos instintos humanos não há sociedade. Para Marx, junto com Engels, a vontade coletiva está sempre acima da vontade individual nas sociedades humanas. Vista sob a ótica de Durkheim, a vida social é inteiramente feita de representações que são instituídas no direito e nos costumes, vigilantes quanto à conduta dos cidadãos.

O Woodstock visto por olhos desavisados não passou de um concerto de rock de proporções gigantescas. É no mínimo uma estupidez não se interrogar sobre o sentido histórico de um acontecimento tão rico de significados.

A versão europeia da revolução cultural e ideológica que nascia ainda estava muito impregnada de uma mentalidade tradicional do fazer político. Questões econômicas de camponeses franceses se misturavam aos assuntos que efetivamente mais marcaram a contracultura e lhe fizeram diferente: questões mais gerais da superestrutura ideológica.

Dentre os inúmeros projetos de transformação social, mais ou menos radicais, mais ou menos utópicos, que os anos 60 viram surgir, a contracultura certamente tem um lugar importante. E isto não apenas devido ao seu poder de mobilização – que não foi nada pequeno –, mas, principalmente, pela natureza das ideias que colocou em circulação, pelo modo como as veiculou e pelo espaço de intervenção crítica que abriu. Era todo um novo discurso, com marcas de uma extrema complexidade, que surgia, possibilitando o exercício mais sistemático de um tipo de crítica social que, até aquele momento, não estava disponível. A revolução anárquica que a contracultura pregava e realizava deixou marcas inequívocas, tendo, antes de mais nada, introduzido novos interlocutores no debate cultural.

ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro – São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1995. V.1.

PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura. 4. edição, São Paulo: Brasiliense, 1986.

Outras Fontes de Pesquisa (Internet):

www.spbancarios.com.br/rb41/rb10.htm

www.celepar.br/seec/maio68

www.celepar.br/seec/maio68/index4.htm1

www.ufel.tche.br/~aleone/links.htm

Autor: Cristiane Deli Zotto Ritter

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Este texto foi publicado na categoria Cultura e Expressão Artística.

 About Pedagogia ao Pé da Letra

Sou pedagoga e professora pós-graduada em educação infantil, me interesso muito pela educação brasileira e principalmente pela qualidade de ensino. Primo muito pela educação infantil como a base de tudo.

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